• Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Cadastro
  • Publicar história
Logo
Login
Cadastrar
  • Home
  • Histórias
    • Recentes
    • Finalizadas
    • Top Listas - Rankings
    • Desafios
    • Degustações
  • Comunidade
    • Autores
    • Membros
  • Promoções
  • Sobre o Lettera
    • Regras do site
    • Ajuda
    • Quem Somos
    • Revista Léssica
    • Wallpapers
    • Notícias
  • Como doar
  • Loja
  • Livros
  • Finalizadas
  • Contato
  • Home
  • Histórias
  • O Peso do Azul
  • Capítulo 4

Info

Membros ativos: 9525
Membros inativos: 1634
Histórias: 1969
Capítulos: 20,495
Palavras: 51,977,381
Autores: 780
Comentários: 106,291
Comentaristas: 2559
Membro recente: Azra

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Notícias

  • 10 anos de Lettera
    Em 15/09/2025
  • Livro 2121 já à venda
    Em 30/07/2025

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

Recentes

  • Entrelinhas da Diferença
    Entrelinhas da Diferença
    Por MalluBlues
  • A CUIDADORA
    A CUIDADORA
    Por Solitudine

Redes Sociais

  • Página do Lettera

  • Grupo do Lettera

  • Site Schwinden

Finalizadas

  • ACONTECIMENTOS PREMEDITADOS
    ACONTECIMENTOS PREMEDITADOS
    Por Nathy_milk
  • Momentos de prazer com sabor de quero mais
    Momentos de prazer com sabor de quero mais
    Por Bia Ramos

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

O Peso do Azul por asuna

Ver comentários: 1

Ver lista de capítulos

Palavras: 4505
Acessos: 436   |  Postado em: 11/03/2025

Capítulo 4

 

O primeiro dia de aulas sempre teve um sabor especial. Porém, naquele ano, na Austrália, ele carregava um peso diferente. O sol da manhã filtrava-se pela janela do quarto, tingindo tudo com uma luz dourada que contrastava com o frio no meu estômago.

Diante do espelho, observei-me com um misto de ansiedade e dúvida. Os cabelos longos e levemente ondulados, num tom de loiro dourado com reflexos mais claros nas pontas, caíam soltos sobre os ombros antes de os prender num rabo de cavalo simples. Os meus olhos azul-claros refletiam a inquietação dentro de mim. O uniforme escolar assentava bem, graças à ajuda de Amanda na noite anterior, contudo ainda assim, parecia deslocado. Talvez fosse por não ter saias longas nem um emblema religioso bordado no bolso da camisa. Ou talvez porque, pela primeira vez, eu vestia algo que não carregava, de alguma forma, a identidade do lugar de onde vim.

Até então, toda a minha vida escolar se passara dentro dos muros de uma escola cristã conservadora. Os dias seguiam um ritmo rígido, pontuados não só pelo toque do sino, mas também por versículos repetidos em coro. O uniforme não era apenas uma roupa, mas uma extensão daquilo que se esperava de mim. As regras iam além do comportamento em sala de aula, ditavam a forma de falar, de caminhar e até de pensar. Não havia espaço para dúvidas, nem para questionamentos.

Hoje, eu estava prestes a entrar num mundo completamente diferente. Uma escola sem orações antes das aulas, sem sermões disfarçados de lições de moral, sem a expectativa de que todos seguissem um único caminho. A mochila, carregada de cadernos novos, parecia mais pesada do que devia, como um lembrete físico de tudo o que estava por vir.

Respirei fundo.

Talvez ali, finalmente, eu pudesse descobrir quem era, sem as amarras que sempre me cercaram.

No entanto essa liberdade era, ao mesmo tempo, o que mais me assustava.

— Maya, está na hora! — ouvi Amanda chamar do andar de baixo, a voz animada e despreocupada, como se este fosse apenas mais um dia qualquer.

Voltei a respirar fundo e encarei-me uma última vez no espelho, os olhos fixos no próprio reflexo. Passei as mãos pelos cabelos presos, ajeitei o uniforme e puxei as alças da mochila com firmeza. Vai correr tudo bem. Ou pelo menos, espero que sim.

Desci as escadas com passos vacilantes, o coração batendo mais rápido do que eu gostaria de admitir. Assim que cheguei ao último degrau, Piper abriu um meio sorriso divertido. Chloe, por outro lado, não disse nada, limitou-se a lançar-me um olhar breve.

— Finalmente. Pensei que fôssemos ter que te carregar escada abaixo — brincou a ruiva, cruzando os braços.

Tentei sorrir, porém o nervosismo continuava ali, agarrado a mim como uma segunda pele.

Foi então que notei um rapaz encostado à porta, girando as chaves do carro entre os dedos com um ar impaciente.

Os traços eram familiares.

O formato dos olhos, a curvatura ligeiramente arrogante do sorriso, o jeito descontraído com que se encostava à porta, pequenos detalhes que, juntos, formavam um eco inconfundível de Chloe. Antes que eu pudesse perguntar quem ele era, Piper inclinou-se ligeiramente na minha direção e acenou com a cabeça na direção dele.

— Ah, quase me esquecia! Maya, este é Jayden, irmão da Chloe e nosso motorista designado para hoje.

O rapaz de cabelos castanhos levemente despenteados ergueu o olhar ao ouvir o seu nome e sorriu, descontraído.

— E aí, Maya? Bem-vinda ao circo. — Brincou, girando as chaves nos dedos mais uma vez antes de enfiá-las no bolso.

Ri de leve, tentando relaxar.

— Obrigada. Espero que o circo tenha bons espetáculos.

A ruiva riu e deu um leve soco no ombro de Jayden.

— Ele não faz nada de especial além de nos levar de um lado para o outro e tentar parecer cool.

— Não acredites em tudo o que a Pips diz. Eu sou extremamente legal. — respondeu ele, piscando um olho.

Chloe suspirou, lançando-me um olhar divertido.

— Ele acha que é… No fundo, é gente boa.

— Bom saber — murmurei, sentindo-me um pouco mais à vontade com a dinâmica entre eles.

Amanda apareceu segurando um embrulho cuidadosamente preparado, entregando-mo de seguida com um sorriso caloroso.

— Aqui está, querida. Não sabemos quais serão as opções de almoço na escola, então preparei-te algo leve.

— Obrigada, Amanda — agradeci, apertando o pacote contra o peito.

Paul também se aproximou, cruzando os braços enquanto nos observava.

— Pronta para o grande dia?

— Pronta… ou não… — respondi, tentando retribuir o sorriso, embora sentisse que este não se refletia no meu olhar.

— Vais ver que vai correr tudo bem. — Disse, pousando uma mão reconfortante no meu ombro. — E, se precisares de alguma coisa, estamos aqui.

Agradeci com um aceno de cabeça e segui para o carro. Jayden já estava ao volante, batendo de leve os dedos no painel ao ritmo da música baixa que tocava no rádio.

— Todos prontos? — perguntou, lançando-nos um olhar pelo espelho retrovisor.

— Quase. — Chloe recostou-se no banco, ajustando o cinto com um ar despreocupado. — Mas, Jayden, tenta não matar ninguém no caminho, sim? Dispenso ver a nossa carona virar notícia no jornal local.

Jayden revirou os olhos, girando as chaves na ignição com um exagero teatral.

— Engraçadinha. Agora cala-te e aprecia o luxo deste transporte gratuito.

O caminho foi preenchido por conversas despreocupadas entre Chloe e Piper, pontuadas por risadas ocasionais. Jayden, focado na estrada, limitava-se a soltar comentários esporádicos, revirando os olhos sempre que as provocações entre as duas se intensificavam.

Eu, por outro lado, permaneci em silêncio, observando a paisagem deslizar pela janela. As ruas desconhecidas passavam como um filme mudo, cenas que eu tentava absorver, como se memorizar cada detalhe me ajudasse a sentir parte daquele lugar.

Assim que nos aproximámos do recinto escolar, o estacionamento revelou-se lotado. Grupos de estudantes espalhavam-se entre os carros, vozes misturavam-se num burburinho constante, gargalhadas explodiam aqui e ali. E eu, no meio daquilo tudo, era apenas um ponto deslocado. Uma peça solta num quebra-cabeça ao qual não pertencia.

— Relaxa, vai correr bem. — A voz veio do banco da frente, sem esforço, com uma certeza incontestável.

Levantei o olhar e encontrei o dela pelo retrovisor. O sorriso tranquilo, a forma despreocupada como dizia aquilo, como se o mundo nunca fosse capaz de a abalar…

Desviei os olhos rapidamente, sentindo o rosto aquecer. Havia algo na forma como ela dizia aquelas palavras. Como se realmente acreditasse nelas. Como se, de alguma forma, pudesse fazer o tempo desacelerar e tornar tudo mais simples. Talvez fosse o azul intenso dos seus olhos, ou a leveza na sua voz, que fazia parecer que acreditar nela não era uma escolha, mas uma consequência inevitável.

Respirei fundo e assenti, tentando fingir uma confiança que definitivamente não sentia.

Um grito repentino do meu lado fez-me sobressaltar.

Virei-me na direção de Piper, que mantinha o olhar fixo em algo à nossa frente. Um brilho travesso dançava nos seus olhos castanhos.

— Achei que a aula de Drama fosse só na quarta-feira, mas, pelos vistos, teremos uma sessão antecipada. — Comentou, a voz carregada de ironia... e algo mais. Expectativa?

Franzi a testa, confusa, no entanto antes que pudesse perguntar do que se tratava, um suspiro pesado ecoou do banco da frente. Inclinei-me ligeiramente para observar Chloe, esforçando-me para captar a sua expressão.

A loira agora apoiava a testa contra a janela, os ombros rígidos, o maxilar travado. Era como se já soubesse exatamente o que estava prestes a acontecer, e pelo modo como os seus dedos apertavam o joelho, queria tudo… menos isso.

O ar dentro do carro pareceu ficar denso de repente. Segui o olhar das duas e, então, vi.

Uma garota de cabelos longos e negros estava parada no meio do estacionamento. Os braços cruzados contra o peito, a postura tensa, como se travasse uma batalha interna. Os seus olhos escuros estavam fixos em Chloe, carregados de algo intenso, algo que me fez sentir como se tivesse acabado de invadir uma história que não era para ser vista por estranhos.

Jayden, alheio ao que acontecia, finalizava a manobra com calma, os dedos batendo ritmicamente contra o volante. Para ele, aquilo era apenas mais uma manhã qualquer. Mas para Chloe… para aquela garota… para todos ali, menos para ele, não havia nada de normal naquilo.

Assim que o motor foi desligado, Piper estendeu a mão e pousou-a no ombro da loira. Um toque leve, contudo, carregado de significado.

— Boa sorte, amiga.

Chloe permaneceu imóvel.

Por um instante, o tempo pareceu esticar-se, suspenso entre o que era e o que estava prestes a ser. Os seus dedos continuavam a comprimir o tecido das calças, os nós das suas mãos tornando-se pálidos com a força do aperto. O peito subiu e desceu num suspiro baixo, quase impercetível, um resquício de tudo o que ela tentava reter dentro de si.

Do lado de fora, a garota de cabelos negros continuava imóvel, a poucos metros do carro. Chloe não se moveu. Notei quando fechou os olhos por um instante e, quando os abriu novamente, havia algo diferente neles. Algo que eu não conseguia decifrar, mas que me fez prender a respiração.

Então, sem dizer uma única palavra, abriu a porta.

O som do trinco cortou o silêncio como um estalo seco.

Mal os seus ténis tocaram o asfalto, a garota avançou, rápida, decidida, como se aquele momento tivesse sido aguardado por tempo demais.

— Chloe, por favor… — A voz dela vacilou por um instante antes de se firmar. — Temos de conversar.

Havia algo naquela súplica, naquele "por favor". O tom da morena carregava mais do que simples palavras, urgência, desespero contido, um fio de esperança agarrando-se ao impossível.

E, por alguma razão, um arrepio percorreu a minha pele.

Não era apenas uma conversa que ela queria.

Era algo mais.

Talvez uma segunda chance.

Talvez… fosse uma história inacabada.

O pensamento surgiu antes que eu pudesse contê-lo. A intensidade entre as duas, a forma como os olhos da desconhecida seguravam os de Chloe como se tivessem peso, como se carregassem algo...

Elas já tinham sido algo. Ou, pelo menos, uma delas quis que fossem.

O meu estômago revirou-se num aperto estranho, inesperado. Porém não tive tempo para processar o que aquilo significava.

Porque Chloe permaneceu imóvel. Como se o tempo ao seu redor tivesse abrandado. Mas então, sem hesitar, deu um passo em frente.

Sem olhar na direção da morena.

Sem sequer hesitar.

Apenas passou. Apenas a ignorou como se fosse uma sombra sem importância.

A garota vacilou.

Deu um passo em frente, como se fosse tentar de novo, como se quisesse segurar a loira pelo braço e obrigá-la a ouvir.

Mas não o fez.

Os punhos cerraram-se ao lado do corpo, os ombros enrijeceram, e o brilho nos seus olhos transformou-se em algo difícil de definir.

Dor? Frustração? Raiva?

Ou talvez tudo ao mesmo tempo.

Dentro do carro, senti como se estivesse a testemunhar algo que não deveria. Uma história já a meio caminho, com capítulos que eu nunca lera, mas que agora se desenrolavam diante de mim sem aviso.

Piper soltou um longo suspiro, o canto da boca torcendo-se num meio sorriso que não chegava a ser verdadeiro.

— Pois é… e lá vamos nós para mais um episódio de "A complicada vida amorosa de Chloe".

Fiquei imóvel. O corpo tenso, os dedos cravados no tecido das calças sem perceber. Não conseguia desviar o olhar.

A garota de cabelos negros continuava parada.

Os braços, que antes estavam cruzados firmemente contra o peito, agora caíam ao lado do corpo, como se a tensão que a mantinha rígida se tivesse esvaído de repente.

Ela piscou algumas vezes, como se tentasse absorver a rejeição fria que acabara de receber.

Mas não demorou.

No instante seguinte, algo dentro dela mudou. A suavidade deu lugar a um olhar cortante. Os olhos escuros endureceram até se tornarem lâminas prestes a ferir.

— A sério? Nem sequer vais falar comigo? — A voz dela já não carregava o mesmo peso de antes.

Menos desespero.

Mais desafio.

Mas a loira não parou.

Apenas continuou a andar.

Passos firmes. Decididos.

Porém, os ombros estavam tensos demais, os punhos fechados ao lado do corpo, como se segurassem palavras que nunca seriam ditas.

Talvez aquilo não fosse tão simples para ela quanto tentava demonstrar.

Piper voltou a manifestar-se, bufando do meu lado, revirando os olhos antes de abrir a porta do carro e sair com um movimento fluido.

— Aí, que inferno… — murmurou, cruzando os braços enquanto observava a cena.

Jayden permaneceu no banco do motorista, tamborilando os dedos no volante, claramente sem interesse em se envolver.

Eu, no entanto, ainda estava a absorver tudo. Não sabia quem ela era. Não sabia o que havia acontecido entre as duas. Mas a forma como o nome de Chloe saía da sua boca…. Era pessoal. Era intenso. E, por alguma razão, atingiu-me mais do que deveria.

A garota riu.

Mas não foi um riso genuíno.

— Sabes, Harper…

O nome soou diferente quando o proferiu. Algo na forma como o disse, no peso que carregava, finalmente fez Chloe parar. Foi breve. Um instante impercetível. Mas eu vi.

— Se queres fingir que eu não existo, pelo menos tenta ser convincente.

E então, algo inesperado aconteceu. A garota avançou. Num único impulso, agarrou o pulso da loira. O meu coração disparou. Piper mexeu-se do lado de fora, como se estivesse prestes a intervir.

Contudo, não precisou.

Porque Chloe reagiu primeiro.

O movimento foi rápido, preciso, um puxão seco, libertando-se do toque como se este queimasse.

E, Deus… os olhos dela. Eram uma tempestade prestes a desabar. O azul-turquesa, que normalmente carregava despreocupação e leveza, agora parecia escuro, profundo, como o oceano antes de um temporal.

Indomável. Infinito.

Uma corrente invisível puxava tudo para dentro, engolindo qualquer resquício de calma que esta tentava manter à superfície.

Olhar para ela naquele momento era como encarar o horizonte antes de uma tempestade, belo e assustador. Era uma guerra silenciosa, uma colisão de ondas contra rochas antes de recuarem ao mar.

Raiva. Frustração.

Algo mais que eu não conseguia nomear.

Nunca tinha visto nada igual.

Nunca tinha presenciado um olhar tão feroz e ao mesmo tempo vulnerável. Era como testemunhar o céu e o mar em conflito. Um caos vasto e sem fim, onde algo estava prestes a se partir. E, por alguma razão, senti que, se olhasse por mais tempo, talvez também me perdesse naquela imensidão.

Ela piscou.

O instante partiu-se como vidro sob pressão. E então, a sua voz cortou o silêncio.

Baixa. Precisa. Afiada.

— Não me toques, Alex.

A garota, Alex, abriu um sorriso torto, no entanto sem qualquer traço de diversão. Era um sorriso carregado de algo mais profundo. Algo que parecia latejar sob a pele. Uma ferida mal cicatrizada que alguém acabara de reabrir. Os seus olhos escuros brilhavam.

— Tudo bem. — A sua voz era controlada, mas havia algo cortante ali. Um fio de desafio embutido na aceitação.

Ergueu as mãos num gesto de rendição, mas o tom estava longe de ser pacífico.

— Mas um dia, Chloe, tu vais ter que crescer o suficiente para parar de fugir.

A loira não respondeu.

Não parou.

Não olhou para trás.

Apenas continuou andando. Desaparecendo entre os alunos que chegavam à escola. Como se Alex já não existisse.

O silêncio que ficou no ar era quase palpável. Denso. Cheio de coisas não ditas. A morena permaneceu ali por mais alguns segundos, os olhos ainda fixos no vazio. Depois, soltou um suspiro pesado, passou as mãos pelos cabelos e virou-se.

Sem pressa.

Sem olhar para trás.

Desaparecendo também entre os outros alunos.

Piper quebrou o silêncio que pairava entre nós três, soltando um riso seco e incrédulo enquanto cruzava os braços com firmeza.

— Que belo modo de começar o dia. — Murmurou.

Jayden bufou, empurrando a porta do carro com mais força do que o necessário.

— Não fazes ideia… — resmungou, antes de sair e bater a porta atrás de si.

Fiquei ali, sentada, sem saber o que dizer.

Por mais que eu não compreendesse toda a história, ou que, à primeira vista, aquilo parecesse não ter nada a ver comigo, algo dentro de mim sussurrava que eu havia sido arrastada para um enredo muito maior do que jamais poderia imaginar.

Lá fora, a rotina seguia inabalável: estudantes desfilavam pelo estacionamento, imersos em conversas efémeras e risos despreocupados, alheios à tempestade de sentimentos que se formava dentro de mim.

O mundo, indiferente, continuava o seu curso, enquanto a minha mente, atenta aos mínimos detalhes, captava o peso da incerteza misturada a uma inquietude persistente.

O medo.

O medo do que meu pai diria sobre a minha relação com Piper assombrava-me.

E agora, com Chloe…

A ideia de ser julgada por estar tão envolvida com pessoas que ele veria de forma tão conservadora fez-me ficar ainda mais tensa. Eu não sabia como explicar tudo isso a ele. Não sabia até que ponto ele aceitaria.

Foi então que um suspiro pesado se fez ouvir, trazendo-me de volta à realidade.

— Bem… isso foi dramático até para os padrões da Harper. — Murmurou Piper, lançando-me um olhar de canto de olho antes de se espreguiçar e puxar a alça da mochila sobre o ombro.

Por um instante, pensei que ela fosse tentar falar sobre o que acabáramos de testemunhar. Ou talvez, num impulso, corresse atrás de Chloe. Perguntasse se ela estava bem. Se precisava de alguma coisa.

Mas não.

Ela não se moveu.

Apenas estalou a língua e forçou um sorriso, como se dissesse a si mesma que era melhor seguir em frente.

— Anda, novata. Vamos até à secretaria pegar o teu horário antes que eu tenha que carregar-te o dia todo.

Demorei um segundo a reagir.

Ainda sentia o peso do que tinha acabado de acontecer, mas Piper parecia determinada a mudar de assunto. Talvez fosse melhor assim.

— Não precisas de me carregar. — Resmunguei, tentando dar algum humor à minha própria hesitação.

Ela arqueou uma sobrancelha, o sorriso alargando-se de forma calculada, claramente divertindo-se com a minha tentativa de resistência.

— Oh, claro. E eu sou uma monja que vive em silêncio e contemplação.

Revirei os olhos, cruzando os braços.

— A sério? Essa foi a melhor resposta que conseguiste?

— Dá-me um desconto, não estava preparada para ter que convencer-te de que tens pernas funcionais.

Suspirei, puxando as alças da mochila.

— Muito engraçada.

— Obrigada, tento manter o padrão. — Piscou, começando a andar em direção ao prédio.

Enquanto caminhávamos, o tom descontraído de Piper dissipava, aos poucos, o peso que eu sentia no peito. Por um breve momento, parecia que, ao seu lado, eu poderia ser simplesmente eu mesma, sem tantos questionamentos. Ainda assim, uma pequena voz interior lembrava-me que a nossa amizade poderia ser vista de um jeito que eu preferia evitar. Mas, ao mesmo tempo, havia algo em Piper que me fazia relaxar, como se o resto do mundo simplesmente não importasse quando ela estava por perto.

Foi então que esta me lançou um olhar de soslaio, estalando os dedos, como se tivesse acabado de ter uma ideia brilhante.

— Aliás, já pensaste em escolher química?

Franzi a testa, surpreendida com a mudança repentina de assunto.

— Química?

— Sim. Estou desesperada por uma parceira decente, e tu pareces inteligente o suficiente para evitar que eu exploda a escola.

Soltei um riso curto, ainda a processar o facto de que ela claramente não tinha vergonha de implorar.

— Que nível de desespero é esse?

— O nível em que, se eu for emparelhada com outro idiota, terei que começar a planear uma fuga estratégica para um país sem aulas obrigatórias de ciências.

Balancei a cabeça, soltando um suspiro dramático.

— Se a química for assim tão catastrófica, talvez devêssemos simplesmente aceitar o destino e deixar a escola arder… — Pausei, estreitando os olhos. — Pelo menos combinaria com o inferno em que parece que acabei de entrar.

Piper arregalou os olhos em falso choque, levando a mão ao peito como se tivesse sido ofendida.

— Maya! Que audácia! — Fez uma pausa dramática antes de sorrir de lado, os olhos brilhando com diversão. — Mas devo admitir, estou orgulhosa. Estás finalmente a entrar no espírito escolar.

Já dentro do edifício, Piper seguiu à frente com passos apressados, desviando das pessoas com a naturalidade de quem conhecia cada canto daquele lugar. Eu, por outro lado, tentava acompanhar sem tropeçar, ainda me ajustando à mudança brusca entre o caos vibrante daquele novo ambiente. Os corredores estavam cheios, repletos de conversas cruzadas, armários que se abriam e fechavam, vozes misturando-se num zumbido constante.

E então, senti.

Olhares.

Alguns discretos.

Outros prolongados demais para serem coincidência.

Talvez por ser nova.

Talvez porque ninguém me reconhecesse ali.

Engoli em seco, mantendo o olhar fixo em Piper, como se a sua presença pudesse ancorar-me no meio daquilo.

Quando finalmente chegámos à secretaria, ela encostou-se casualmente ao balcão, enquanto a atendente me entregava uma folha com o meu horário. Peguei o papel, mas antes mesmo de olhar para ele, algo ao lado chamou a minha atenção. Um quadro de avisos cobria quase toda a parede, preenchido por folhas coloridas anunciando atividades extracurriculares e oportunidades de voluntariado.

Não eram apenas requisitos escolares.

Ou, pelo menos, não para mim.

Fiquei ali por alguns segundos.

Os olhos deslizando pelas ofertas, absorvendo as palavras antes mesmo de perceber por que aquilo me prendia tanto. Grupos de ajuda comunitária, arrecadação para causas sociais, projetos de preservação ambiental…

Eu deveria simplesmente passar direto.

Deveria preocupar-me apenas com as minhas aulas. Porém, não o fiz. Algo nesses anúncios despertou a minha atenção.

Não como obrigação.

Não como algo imposto.

Era interesse genuíno.

A sensação foi estranha, inesperada.

Durante toda a minha vida, tudo sempre teve um propósito predeterminado. Cada escolha já havia sido feita antes mesmo de eu perceber que poderia escolher. Mas ali, diante daqueles pequenos papéis presos por tachinhas, vi a possibilidade de algo diferente.

Algo que não precisava de permissão.

Algo que eu poderia escolher por mim mesma.

— Terra para Maya?

O estalar dos dedos de Piper puxou-me de volta à realidade. Pisquei, desfazendo-me daquele pensamento como quem desperta de um devaneio.

— O que foi? — perguntou, inclinando ligeiramente a cabeça.

Hesitei por um segundo antes de dar de ombros.

— Nada. Só… estava a pensar.

— Sobre quê?

O meu olhar voltou ao quadro de avisos, e, pela primeira vez, considerei que talvez eu quisesse encontrar algo que fosse meu. Algo além das expectativas. Foi então que os meus olhos pousaram num cartaz em específico.

"Leitura para Crianças em Situação de Vulnerabilidade."

As palavras pareciam brilhar um pouco mais do que as outras, como se me chamassem de uma forma silenciosa, despertando em mim uma curiosidade genuína.

Antes que pudesse duvidar, aproximei-me do balcão da secretaria novamente.

— Com licença. — A minha voz saiu mais firme do que eu esperava. — Poderia dar-me mais informações sobre esse projeto de leitura para crianças?

A atendente sorriu de forma gentil, pegando um folheto antes de mo entregar.

— Claro! É um programa voluntário que acontece às quartas-feiras, depois da escola. — explicou, num tom acolhedor. — Os voluntários leem para crianças que estão em abrigos ou em situações mais delicadas.

Parei por um momento. Era uma coisa tão simples. E, ao mesmo tempo, parecia tão certa.

— Se quiser, posso anotar o teu nome para participar na próxima visita.

Segurei o papel, sentindo um pequeno aperto no peito. Era um misto de empolgação e nervosismo. Um passo pequeno. Mas, de alguma forma, parecia maior do que qualquer decisão que eu já havia tomado antes.

Respirei fundo.

— Sim… eu acho que gostaria disso.

A atendente sorriu e pegou uma caneta.

— Ótimo! Vou anotar o teu nome na lista de voluntários.

Senti o peso da decisão assim que as palavras saíram da minha boca. Era um compromisso. Algo que eu havia escolhido sem precisar da aprovação de ninguém. E, pela primeira vez, essa liberdade não me assustou. Antes que eu pudesse processar completamente o que tinha acabado de fazer, percebi um movimento ao meu lado.

Piper observava-me.

Não com sarcasmo.

Não com uma provocação na ponta da língua.

Mas com algo diferente.

Os seus olhos castanhos, antes distraídos e despreocupados, pareciam mais vivos, como se algo na minha escolha tivesse captado a sua atenção de verdade.

Ela inclinou ligeiramente a cabeça, como se me estivesse a avaliar.

— Uau. — Murmurou, cruzando os braços com um sorriso que não era debochado, mas genuinamente curioso. — E eu a pensar que a primeira escolha da novata nesta escola seria algo aborrecido, tipo xadrez ou clube de estudo bíblico.

Revirei os olhos, guardando o folheto na mochila.

— Sim, porque claramente tenho um ar de quem passa os intervalos a calcular jogadas eclesiásticas.

A ruiva soltou um riso curto.

— Nunca se sabe. Já vi gente com ar inocente esconder lados sombrios.

Cruzei os braços, arqueando uma sobrancelha, mas sentindo um pequeno sorriso ameaçar escapar.

— Oh, claro. Porque nada grita "perigo" como ler histórias para crianças carentes.

Esta piscou, inclinando ligeiramente a cabeça.

— Ei, o caos pode surgir de onde menos se espera.

Mordi o interior da bochecha, balançando a cabeça.

— Sim, porque se há algo que pode levar esta escola à ruína, é um conto infantil narrado com demasiada emoção.

Ela colocou uma mão no peito, fingindo estar chocada.

— Maya, estou a gostar desse teu lado rebelde.

Senti o canto da boca curvar-se antes de conseguir evitar.

— Cuidado. Quem sabe? Daqui a pouco, posso até começar a devolver livros para a biblioteca com um dia de atraso.

Piper abriu um sorriso largo.

— Se eu não te conhecesse há tão pouco tempo, diria que precisas urgentemente de uma vida criminosa para apimentar essa existência.

Soltei um suspiro exagerado, apertando a alça da mochila.

— Diz a pessoa que praticamente implorou para que eu fizesse química só para não reprovar.

Esta riu, balançando a cabeça.

— Touché.

Balancei a cabeça, mas, no fundo, algo em mim aqueceu. Talvez fosse a forma como ela não tratava tudo com tanta seriedade, como se o mundo sempre encontrasse um jeito de tornar as coisas mais leves. Ou talvez fosse o simples facto de que, pela primeira vez desde que cheguei ali, eu estava a divertir-me de verdade.

A atendente entregou-me uma cópia do meu horário, e Piper endireitou-se, batendo as mãos uma na outra como quem encerra um assunto.

— Muito bem, missionária. Agora que já tens um propósito divino, podemos ir ou precisas de mais um momento de epifania?

Revirei os olhos, mas, desta vez, sem pressa, sentindo o pequeno sorriso escapar antes que eu pudesse contê-lo.

— Vamos antes que eu mude de ideia.

Piper girou nos calcanhares, conduzindo-me pelo corredor movimentado.

 

Fim do capítulo

Notas finais:

A adaptação a um novo ambiente nunca é simples, e Maya começa a perceber que, por mais que tente seguir um caminho seguro, as surpresas parecem estar sempre à espreita.

E vocês? Como estão a sentir esta nova fase da história? Quero muito saber as vossas impressões! Adoro ler os vossos comentários, porque eles fazem parte desta jornada tanto quanto a própria escrita.

Vejo-vos no próximo capítulo!?

 


Comentar este capítulo:
[Faça o login para poder comentar]
  • Capítulo anterior
  • Próximo capítulo

Comentários para 5 - Capítulo 4:
thays_
thays_

Em: 13/03/2025

Estou adorando essa imersão da Maya num ambiente completamente novo, longe do pai, acho que agora ela vai ter espaço para descobrir quem ela é de verdade.


asuna

asuna Em: 14/03/2025 Autora da história
Ahhh, adoro saber disso!
Maya começa a perceber que o mundo é muito maior do que aquilo que sempre conheceu. Mas será que ela está realmente pronta para se descobrir?
Mal posso esperar para saber o que vais achar do que vem a seguir! Obrigada por estares aqui.


Responder

[Faça o login para poder comentar]

Informar violação das regras

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:

Logo

Lettera é um projeto de Cristiane Schwinden

E-mail: contato@projetolettera.com.br

Todas as histórias deste site e os comentários dos leitores sao de inteira responsabilidade de seus autores.

Sua conta

  • Login
  • Esqueci a senha
  • Cadastre-se
  • Logout

Navegue

  • Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Ranking
  • Autores
  • Membros
  • Promoções
  • Regras
  • Ajuda
  • Quem Somos
  • Como doar
  • Loja / Livros
  • Notícias
  • Fale Conosco
© Desenvolvido por Cristiane Schwinden - Porttal Web