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O Peso do Azul por asuna

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Palavras: 4339
Acessos: 867   |  Postado em: 27/02/2025

Capítulo 1

O dia amanheceu frio e chuvoso, coincidindo com a inquietação que se manifestava no meu peito. Deitada, analisei as malas ainda por arrumar, tentando acalmar a agonia. Suspirei profundamente enquanto o meu olhar vagueava pelo quarto, absorvendo cada detalhe. Em poucas horas embarcaria para a Austrália, um país distante e cheio de incertezas.
A ansiedade misturava-se com a empolgação, o coração a palpitar aceleradamente confirmava que esta era, de facto, a minha realidade. Finalmente o meu sonho de viajar, de deixar para trás aquela pequena cidade, de fazer um intercâmbio estava prestes a concretizar-se.

Enquanto me levantava da cama, senti a determinação a fortalecer-se dentro de mim. O frio da manhã parecia penetrar na minha pele, mas o calor da expectativa mantinha-me aquecida por dentro. Com passos decididos, comecei a arrumar as minhas últimas coisas.

Na sala de estar, meu pai, um homem cuja fé sempre moldou a sua vida e a minha, lutava para ocultar a tristeza e a preocupação. Este organizava as minhas coisas pela milésima vez, tentando distrair-se com piadas sem graça. A casa, outrora repleta de calor e gargalhadas, agora parecia envolta num silêncio pesaroso. A troca de olhares revelava mais do que palavras poderiam expressar, uma mistura de orgulho e angústia fazia-se notar nos seus olhos verdes, a inquietação era palpável no ar, fazendo-me sentir um aperto no peito ao vê-lo tão vulnerável.

― Filha, não te esqueças de levar o casaco azul. Na Austrália também faz frio – afirmou com a voz embargada. – E o adaptador de tomada, Maya. Não deixes de colocar na mala – reforçou, tentando manter a voz firme, contudo sem sucesso.

― Pai, vai ficar tudo bem, prometo que iremos falar sempre que possível. Aliás, depois de quatro horas épicas a ensinar-te a usar aquele aplicativo de chamada de vídeo, espero que não tenhas transformado o telefone num peso de papel! Se não souberes como me ligar, tenta pedir ajuda ao vizinho, mas não grites 'é coisa do demónio!' outra vez. – Disse, piscando o olho, fazendo uma careta exagerada. – Quando menos esperares, estarei de volta.

Este forçou um sorriso, sem conseguir esconder completamente a apreensão.

― Eu sei, querida. Só estou feliz por teres conseguido esta oportunidade, mas é difícil para um pai ver a filha partir para tão longe – concluiu, desviando rapidamente o olhar.

As suas palavras ecoaram na minha mente, trazendo à tona lembranças dolorosas. A ausência da minha mãe, o seu afastamento deixara marcas profundas na nossa família. Meu pai, um pastor respeitado na comunidade, tinha dificuldade em admitir o seu abandono. Sempre que questionado sobre a sua ausência, respondia com uma mentira piedosa: que esta havia falecido. Era como se a dor da verdade fosse insuportável demais para ele suportar, sendo assim optava por esconder a realidade por trás de uma máscara de piedade e dignidade.
Os seus olhos, tão familiares, agora carregavam não só a apreensão com a minha viagem, como também a dor de um passado não resolvido. Era como se a partida iminente agravasse a sensação de abandono que este ainda carregava consigo, reavivando feridas antigas, tornando o momento ainda mais difícil para ambos. No silêncio tenso que se seguiu, eu quis abraçá-lo e dizer que tudo ficaria bem, contudo sabia que as palavras não seriam suficientes para apaziguar o seu coração. Em vez disso, lancei-lhe um sorriso reconfortante, prometendo novamente que voltaria logo.

À medida que o tempo avançava, as horas pareciam correr mais rápido do que nunca. O tique-taque do relógio ecoava com uma urgência palpável, como se estivesse impaciente para me lembrar da iminência da minha partida. Uma sensação de liberdade latente estava adormecida dentro de mim, desde o dia em que recebi a confirmação do meu intercâmbio. À medida que os ponteiros do relógio avançavam, esse sentimento crescia. Era como se cada movimento me impulsionasse mais fundo em direção ao desconhecido, reforçando a minha certeza de que estava seguindo o meu próprio caminho, rumo a um mundo de novas experiências e oportunidades. Cada segundo tornava-se uma contagem regressiva para o início da minha expedição, e essa excitação crescente era como um fogo ardente, que incendiava o meu espírito, alimentando a minha determinação. Era hora de abrir asas e voar em direção ao futuro que eu mesma havia traçado, deixando para trás todas as dúvidas e incertezas que me haviam atormentado por tanto tempo.

Com um último olhar para a sala de estar, onde tantas memórias foram feitas ao longo dos anos, hesitei por um momento. O meu pai aproximou-se, sem pressa, e puxou-me para um abraço apertado, daqueles que só ele sabia dar. Senti o cheiro familiar do seu casaco, misturado com o perfume amadeirado que sempre usava aos domingos. Por um instante, fui apenas a menina que corria para os braços do pai após um dia difícil, antes que a vida se tornasse complicada demais.

— Não importa a distância, Maya. Eu estou sempre contigo — sussurrou, a voz embargada pela emoção.

Queria dizer-lhe que sentia o mesmo, que mesmo com todas as nossas diferenças e as palavras que nunca dissemos, ele era a âncora que sempre me segurava. Mas apenas apertei os braços ao redor dele, memorizando aquele momento, antes que a despedida se tornasse real demais. Quando nos afastámos, vi a luta nos seus olhos verdes. Não havia palavras suficientes para expressar o que aquele momento significava para nós dois, então simplesmente assenti, engolindo a emoção que ameaçava transbordar. Peguei a mala e caminhei em direção à porta, sem olhar para trás, porque sabia que, se o fizesse, talvez não conseguisse ir embora.

***

― Tem cuidado, Maya – disse o meu pai hesitante, enquanto estávamos no aeroporto, chamando-me à atenção. – Lembra-te sempre do que diz a Escritura: 'Não vos conformeis com este mundo'. O que há lá fora pode afastar-te do caminho certo. Lembra-te dos teus valores e da tua fé. Sê forte, resiste às tentações.

As suas palavras soavam como um eco dos sermões de domingo que ouvira a vida inteira. Recordei-me das pregações longas, das advertências sobre as tentações do mundo, do peso invisível que sempre carreguei ao tentar equilibrar o que sou e o que deveria ser segundo os ensinamentos dele. Ainda que carregadas de amor e preocupação, causaram em mim um misto de dor e frustração. Era como se ele estivesse a insinuar que eu não fosse capaz de seguir esses princípios por conta própria, como se estivesse a duvidar da força da educação que ele mesmo me proporcionara. Eu queria gritar, dizer-lhe que entendia perfeitamente a importância dos valores que me ensinara, mas também queria dizer-lhe que passara anos a sentir culpa por querer ser diferente, por sentir algo que os seus sermões condenavam. Queria dizer-lhe que minha fé existia, porém era uma luta constante conciliá-la com a verdade sobre quem sou. No entanto as palavras pareciam perder-se no emaranhado de emoções que me inundara naquele momento.

Respirei fundo, tentando conter as lágrimas que teimavam em formar-se nos meus olhos.

― Pai... – comecei, a voz trémula, quase a falhar. – Eu... eu vou ter cuidado. Prometo. Eu vou lembrar-me. De tudo. – Sussurrei, a voz quase impercetível.

Ele acenou com a cabeça, contudo o seu olhar não se afastou do meu. Parecia querer memorizar cada detalhe do meu rosto, como se temesse que, ao deixar-me ir, algo de mim se perdesse para sempre.

― Vai – disse ele, finalmente, a voz firme, mas os olhos brilhando de emoção. ― Vai, Maya – repetiu ele, a voz suave. – E volta para casa.

― Eu amo-te, pai – sussurrei, finalmente, as lágrimas a escorrerem pelo meu rosto.

Abracei-o com toda a força que consegui reunir, sentindo o cheiro familiar do seu casaco, a textura áspera da sua barba contra a minha face. Ele hesitou por um momento, mas depois envolveu-me nos seus braços, apertando-me com uma força que quase me tirou o ar. Ele não respondeu, porém, o aperto dos seus braços disse-me tudo o que eu precisava de ouvir. Quando nos separámos, os seus olhos estavam úmidos, ele sorriu, um sorriso pequeno e triste, que me partiu o coração. Virei-me, agarrando a minha mala com mãos trémulas, e comecei a caminhar em direção da segurança. Cada passo parecia mais pesado do que o anterior, como se estivesse a deixar para trás não apenas o meu pai, mas uma parte de mim mesma.

Enquanto observava a minha cidade natal a desvanecer-se no horizonte, não pude deixar de me questionar se os valores e a fé que meu pai me transmitira continuariam a ser a minha bússola ou se, pouco a pouco, começaria a distanciar-me deles. A certeza que sempre tive sobre quem sou e sobre o que deveria ser parecia vacilar diante do desconhecido. Ainda assim, independentemente das respostas que encontraria, uma coisa era certa: mesmo que o caminho fosse incerto, eu esperava que o vínculo com o meu pai permanecesse, de alguma forma como uma parte de mim.

O sol australiano banhava a cidade de Gold Coast numa luz dourada e quente quando desembarquei no aeroporto internacional. Olhei para o céu e sorri, sentindo as calorosas boas-vindas tingidas no horizonte com tons vibrantes. O calor do sol acariciava-me a pele enquanto me afastava do avião, respirei fundo, permitindo que o ar fresco e salgado do oceano enchesse os meus pulmões, trazendo consigo uma sensação de liberdade e renovação. À minha volta, o aeroporto fervilhava de vida e movimento, uma mistura fascinante de pessoas de diferentes nacionalidades e culturas, todas unidas pelo desejo comum de explorar e descobrir o mundo. O zumbido constante de conversas em diversos idiomas ecoava pelos corredores, criando uma sinfonia vibrante e excitante que só aumentava a sensação de estar imersa em algo novo e empolgante. Enquanto percorria o saguão, os meus olhos fixaram-se nas placas indicativas em vários idiomas, cada uma apontando para um destino diferente e desconhecido, imediatamente senti como se o mundo se estivesse a abrir diante de mim, convidando-me a explorar cada canto e recanto dessa terra exótica. E, naquele instante, percebi que, apesar de toda a empolgação, ainda não sabia exatamente quem eu era longe daquela cidade, longe do olhar vigilante do meu pai.

***

O aeroporto fervilhava de movimento. Passageiros caminhavam apressados, vozes misturavam-se ao som das rodas das malas deslizando pelo chão polido e anúncios ecoavam pelos alto-falantes. Um turbilhão de passos apressados ao meu redor contrastava com a hesitação que crescia dentro de mim. Depois de longas horas de voo, finalmente estava na Austrália.

Parei por um momento, ajustando a alça da mochila no ombro e inspirando fundo, como se aquele ar estrangeiro pudesse, de alguma forma, preencher-me de coragem.

Mas e agora?

Olhei em volta, procurando alguém familiar entre a multidão. O coração bateu mais rápido ao avistar um casal segurando uma placa com o meu nome. Engoli em seco e caminhei hesitante na direção deles, sentindo um nó no estômago. Assim que perceberam a minha aproximação, os seus rostos iluminaram-se com sorrisos acolhedores.

― Maya, querida, que alegria finalmente! — exclamou Mrs. Walsh, puxando-me para um abraço caloroso.

Surpreendi-me com o gesto, mas logo me permiti relaxar, retribuindo o carinho com um sorriso tímido.

― Sim, é um prazer conhecer-vos Mrs. Walsh — respondi, tentando controlar o nervosismo.

― Estamos muito felizes por te receber na nossa casa — expôs Mr. Walsh, apertando-me a mão com firmeza. — Esperamos que te sintas confortável e que esta experiência seja memorável para ti.

― Obrigada, Mr. Walsh. Estou ansiosa para explorar este país incrível e aprender mais sobre a cultura — respondi com sinceridade.

― Maya, querida, não precisa de tanta formalidade, podes tratar-nos por Paul e Amanda — disse Mrs. Walsh com um sorriso afável. — E gostaríamos de pedir desculpa antecipadamente pela ausência da nossa filha, Piper. — Continuou ela, franzindo ligeiramente o cenho. — Saiu com os amigos esta noite e não estará em casa para te dar as boas-vindas.

Abri a boca ligeiramente, mas logo a fechei. O tom amável de Amanda contrastava com a hesitação no meu interior. Estava a fazer um esforço para compreender cada palavra, no entanto o sotaque australiano e a fluidez da conversa exigiam mais concentração do que eu esperava.

― Desculpe, Amanda, pode repetir? — pedi timidamente, sentindo um leve ardor nas faces.

Ela sorriu compreensiva repetindo com mais calma:

― Claro, querida. Infelizmente, a Piper não estará em casa hoje à noite. Saiu com os amigos.

Assenti devagar, absorvendo a informação e agradecendo mentalmente pela paciência dela.

― Ah, entendi. Não tem problema. Estou ansiosa por conhecê-la. — disse, esforçando-me para me expressar corretamente.

― Não te preocupes, Maya. A Piper também está entusiasmada por te conhecer — acrescentou Paul, pousando uma mão reconfortante no meu ombro.

Apesar da pequena barreira linguística, o apoio e a compreensão do casal aqueceram-me o coração. Respirei fundo, ajustando a mochila ao ombro, enquanto Paul se oferecia para carregar uma das minhas malas. Com um misto de gratidão e nervosismo, segui-os até ao estacionamento. O desconhecido ainda me assustava um pouco, mas naquele momento, no fundo do meu coração, sabia que estava a seguir o meu caminho.

O trajeto até à casa dos Walsh revelou-me uma cidade iluminada pelas luzes vibrantes. Através da janela do carro, observei as largas avenidas, repletas de palmeiras e edifícios modernos que contrastavam com as pequenas casas térreas espalhadas pelos bairros residenciais. O brilho do oceano ao fundo, refletindo a iluminação urbana, fazia-me sentir dentro de um postal perfeito. Era como se o mundo lá fora estivesse a convidar-me a respirar fundo, a soltar-me, a ser alguém diferente da Maya que deixara para trás.

Amanda virou-se ligeiramente para trás, esboçando um sorriso ao notar o meu fascínio.

― Bonita, não é? Gold Coast tem esse jeito de encantar à primeira vista. E espera até contemplares as praias de manhã! — disse com entusiasmo, a voz cheia de uma energia que quase me contagiava.

Assenti, ainda imersa na vista, sem conseguir encontrar palavras que traduzissem o turbilhão de emoções que sentia. A cidade parecia tão viva, tão livre, tão diferente da quietude controlada da minha vida anterior. Era como se cada luz, cada som, cada detalhe me dissesse que ali, finalmente, poderia ser eu mesma.

― É incrível — respondi, finalmente, com voz baixa, quase tímida. — Parece... mais aberta, mais viva.

Paul riu baixo enquanto mantinha os olhos na estrada.

― Vais adorar. Tens sorte, a nossa casa fica a poucos minutos da praia. Quando quiseres, levamos-te para conhecer.

O pensamento de caminhar na areia quente, sentir a brisa salgada e ver o mar azul estendendo-se até onde a vista alcançava fez-me sorrir, algo que me surpreendeu. Era raro sentir-me tão leve, tão à vontade para expressar algo tão simples como um sorriso.

― Adoraria isso — respondi entusiasmada.

O percurso continuou tranquilo, o som do motor do carro misturando-se à música ambiente que tocava suavemente no rádio. Aos poucos, o cansaço da viagem começou a pesar sobre mim, mas a curiosidade impedia-me de fechar os olhos.

Quando finalmente chegamos, Amanda virou-se para mim e piscou um olho.

― Bem-vinda ao teu novo lar, Maya.

Observei a casa à minha frente, sentindo o coração a bater um pouco mais depressa. Era uma casa simples, mas acolhedora, com um jardim cuidado e uma varanda que convidava a momentos de paz. Ali, naquele lugar tão distante de tudo o que conhecia, senti um misto de alívio e ansiedade. Alívio por estar longe da rigidez da vida que deixara para trás, longe dos sermões do meu pai, longe da culpa que sempre carregara. Ansiedade por saber que, pela primeira vez, estava verdadeiramente sozinha, sem o conforto — ou o peso — das expectativas que sempre moldaram a minha vida.

Paul abriu a porta e fez sinal para que eu entrasse. O interior da casa era acolhedor, com tons neutros e móveis de madeira que transmitiam uma sensação de calor familiar. Um aroma suave de lavanda e chá pairava no ar, criando uma atmosfera tranquila.

― Fizemos alguns preparativos para que te sintas bem-vinda — comentou Amanda, pousando as chaves sobre a bancada da cozinha.

Antes que pudesse responder, um som de passos ecoou no topo da escada. Virei-me a tempo de ver uma jovem descer lentamente os degraus. O cabelo ruivo acobreado, naturalmente cacheado, caía em desalinho sobre os ombros, alguns fios rebeldes escapando de trás das orelhas. O olhar castanho-dourado, intenso e perspicaz, avaliava-me com um interesse sem pressa, como se estivesse a tentar encaixar-me em alguma categoria invisível. Vestida com uns calções jeans desfiados e uma t-shirt larga, ligeiramente gasta, estampada com o logótipo de uma banda de rock. O tecido pendia de forma despreocupada sobre seu corpo esguio, sugerindo mais do que revelando. Havia algo nela que exalava uma confiança despreocupada, um tipo de rebeldia natural que parecia fazer parte de sua essência, e não uma mera escolha de atitude.

Amanda pigarreou, hesitante.

― Ah, Piper, querida, chegaste mais cedo ou ainda não saíste? — Perguntou Amanda, hesitante.

Piper ignorou a pergunta, mantendo-se no último degrau da escada enquanto cruzava os braços sobre o peito. O meio sorriso que se desenhou nos seus lábios era carregado de ironia, como se já soubesse mais sobre mim do que eu estava pronta para admitir.

― Então tu és a Maya — disse, a voz arrastada e impregnada de uma casualidade estudada, mas inquisitiva.

Engoli em seco, lutando contra o desconforto que a intensidade do seu olhar provocava. Não era hostilidade, mas também não era um convite amigável. Era... curiosidade. Curiosidade misturada com algo que eu não sabia nomear.

― Sim, sou eu. Prazer em conhecer-te. — respondi, esforçando-me para soar confiante.

Ela inclinou ligeiramente a cabeça para o lado, como se estivesse a analisar-me sob um ângulo diferente. Os seus olhos castanhos brilhavam com um interesse divertido, porém havia também um ar de desafio, como se estivesse a testar-me sem palavras.

― Bem, bem-vinda então — declarou, antes de olhar para os pais. — Eu tive de voltar porque me esqueci de uma coisa, mas já volto a sair.

Amanda acenou com a cabeça, dando passagem a Piper, que se virou e subiu as escadas novamente sem pressa, deixando um rastro de perfume cítrico no ar. Senti um nó no estômago, sem saber bem como interpretar aquela receção. Não parecia hostil, no entanto também não era inteiramente amigável. Havia algo nela que me deixava alerta, como se, de alguma forma, me desafiasse sem precisar de dizer nada.

Amanda suspirou lançando-me um olhar tranquilizador.

― Não te preocupes, Maya. Ela só precisa de um tempo para se acostumar à ideia. Vai correr tudo bem. Agora deves estar faminta, vem deixa as tuas coisas aqui, vou preparar algo para comeres. – Comentou enquanto se afastava.

Mudei a mala para um canto, garantindo que não atrapalhava, logo de seguida abri a mochila que ainda estava no meu ombro, procurando pelo meu caderno de anotações. Precisava de apontar o endereço e outras informações que queria perguntar a Amanda. Antes que pudesse sequer encontrar a caneta, um impacto repentino fez-me perder o equilíbrio ligeiramente, e a minha mochila caiu, espalhando todos os meus pertences pelo chão de madeira.

— Ah! Desculpa! — A voz feminina soou num tom casual, contudo carregado de sinceridade, enquanto a dona da voz se ajoelhava rapidamente para ajudar a apanhar as minhas coisas. — Eu não te vi aí.

Levantei o olhar, e por um instante, o tempo pareceu desacelerar.

A jovem à minha frente tinha cabelos loiros dourados, ondulados e bagunçados pelo vento, como se tivesse acabado de sair do mar e simplesmente deixado que os fios secassem ao natural. Pequenas mechas escapavam, emoldurando o seu rosto marcado por sardas discretas, um contraste sutil contra a pele bronzeada pelo sol australiano. Os olhos azul-turquesa brilharam sob a luz suave do ambiente, intensos e penetrantes, como se refletissem as profundezas do oceano. O olhar atento e curioso permaneceu fixo em mim por um instante a mais do que o necessário, e algo na sua presença fez com que eu prendesse a respiração sem perceber.

Esta vestia uma jaqueta de couro preta levemente desgastada sobre uma regata simples e jeans escuros, rasgados nos joelhos. O conjunto era tão casual quanto despreocupado, todavia de alguma forma exalava uma confiança que parecia despretensiosamente estudada. Tudo nela gritava segurança natural, como alguém que sabia exatamente o impacto que tinha sobre os outros, mas que nunca parecia se esforçar para impressionar.

Tinha algo nela, na forma como os seus dedos deslizaram casualmente sobre os meus cadernos enquanto os recolhia. Quando me entregou um deles, os seus olhos voltaram a se demorar por um instante a mais do que o necessário nos meus. Um aperto súbito instalou-se no fundo do meu peito, leve, quase impercetível, no entanto presente o suficiente para que eu o notasse.

― Tens a certeza que estás bem? Porque pareceu-me bastante cinematográfico — brincou com o tom leve e um certo brilho no olhar.

Os seus lábios curvaram-se num meio sorriso, e foi só quando moveu a mão para pegar a Bíblia caída entre os meus pertences que hesitou, como se tivesse tropeçado em algo inesperado. O seu olhar pousou novamente sobre o meu, repleto de uma curiosidade silenciosa e algo mais, algo que me fez sentir como se estivesse a ser lida, página por página. O meu coração vacilou, como se, por um instante, o passado e o presente se entrelaçassem de forma inescapável. A Bíblia, agora entre os seus dedos, parecia pesar mais do que nunca, não apenas um objeto, mas um reflexo das contradições que eu ainda não sabia como enfrentar.

— Interessante... Se eu abrisse numa página ao acaso, o que será que encontraria? — perguntou, girando ligeiramente o livro nas mãos, como se procurasse perceber o seu verdadeiro significado. Depois de uma breve pausa, soltou um pequeno sorriso, inclinando levemente a cabeça. — Provavelmente nada, já que não está traduzida em inglês — murmurou, com um tom divertido, antes de erguer novamente os olhos na minha direção. — Há quem diga que todas as respostas estão aqui. És do tipo que encontra respostas aqui?

Engoli em seco, sentindo o nó na garganta apertar-se cada vez mais. Como explicar que aquilo não era uma resposta simples? Que a fé era uma âncora, mas também uma prisão? Que dentro de mim existia um constante conflito entre o que me foi ensinado e o que o meu coração insistia em sussurrar?

— Não sei.... É complicado — murmurei, sentindo o peso da incerteza nas minhas próprias palavras.

Esta fitou-me durante alguns segundos, e, ao contrário do que eu esperava, não havia julgamento no seu olhar. Apenas compreensão. Passou o polegar levemente pela borda das páginas, como se pesasse algo em sua mente.

— Complicado? Isso parece promissor. — A voz dela deslizou pelo espaço entre nós, suave, contudo carregada de uma provocação silenciosa. Um fio de diversão brilhou em seus olhos azul-turquesa, contudo havia algo mais ali, algo calculado, quase desafiador. — Bem-vinda ao clube dos que não têm respostas fáceis. – Proferiu esticando o livro na minha direção.

Ao devolver a Bíblia, os seus dedos roçaram os meus por um instante. Foi um toque fugaz, porém que despertou algo em mim, aquela sensação inexplicável de quando a pele reconhece a presença de outra antes mesmo da mente perceber. O silêncio que se seguiu não foi vazio, pelo contrário, parecia carregar um peso invisível, uma pausa prolongada onde nenhuma de nós recuou de imediato. Os seus olhos mantiveram-se nos meus, observadores, atentos, quase estudando uma reação que eu ainda nem tinha processado completamente. Senti-me dividida entre o desejo de sustentar aquele olhar e a súbita consciência de que algo estava a acontecer. Algo pequeno, mas impossível de ignorar.

Por um instante, tive a nítida sensação de que o tempo abrandava, o ambiente ao nosso redor dissolvendo-se até restarem apenas os nossos olhares presos num diálogo mudo. O toque já tinha desaparecido, mas a lembrança dele ainda pairava no ar, como um rastro de calor deixado para trás.

E então, como se o universo se lembrasse de que não nos era permitido ficar ali por mais tempo, um som abrupto de passos apressados ecoou pela escada. O feitiço que nos envolvia quebrou-se de imediato. Pisquei os olhos, puxando o ar de volta para os pulmões, tentando ignorar a estranha sensação de que algo escapara por entre os meus dedos.

— Chloe! Vamos? — A voz de Piper soou pelo corredor, carregada de impaciência.

O momento dissipou-se como um reflexo na água, rápido demais para ser agarrado, mas não o suficiente para desaparecer por completo. A sensação permaneceu.

Silenciosa. Persistente.

Levantei a cabeça a tempo de vê-la surgir na sala, com um capacete de moto pendurado num dos braços. O seu olhar pousou rapidamente sobre nós, e um meio sorriso, talvez de diversão surgiu nos seus lábios. Todavia foi apenas por um instante. Assim que percebeu a cena à sua frente, a leveza no seu rosto desfez-se, sendo substituída por algo mais atento. O olhar estreitou-se ligeiramente, fixando-se na distância, ou falta dela, entre as nossas mãos que se mantinham ainda próximas demais para serem apenas coincidência.

— Estás pronta? — insistiu, cruzando os braços, batendo o pé contra o chão com um toque de impaciência ensaiada.

Chloe hesitou. Foi um instante breve, quase impercetível, contudo real. Os seus dedos deslizaram devagar para dentro do bolso do casaco.

Os seus olhos encontraram os meus uma última vez.

E, por um instante estranhamente demorado, fiquei presa neles.

Havia algo ali. Algo indefinível.

Então, como se tomasse uma decisão silenciosa, os seus lábios curvaram-se ligeiramente.

— Sim, estou a ir.

Afastou-se devagar, sem pressa real, como quem estica o tempo sem que ninguém perceba. E então, antes de desaparecer pela porta, lançou-me um último sorriso.

Não era qualquer sorriso, era um daqueles que ficam.

— Até breve, Maya.

Virou-se, caminhando até Piper, que arqueou uma sobrancelha ligeiramente antes de dar meia-volta e sair.

E eu? Fiquei ali, observando-as partir, não surpresa por esta já saber o meu nome, mas pelo fato de que, assim que desapareceu, o mundo à minha volta pareceu, enfim, recuperar o fôlego.

 

Fim do capítulo

Notas finais:

O primeiro passo para um novo começo nunca é leve, sempre há algo que nos acompanha como uma sombra.

Spoiler: as coisas vão ficar bem mais interessantes nos próximos capítulos. Novos lugares, novas pessoas e… quem sabe, novas descobertas.

Nos vemos no próximo capítulo!


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Comentários para 2 - Capítulo 1:
Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 27/02/2025

Me senti transportada para outro lugar com sua escrita, muito bom! Gosto muito de histórias que abordam esse dilema religioso. Já quero ler o próximo!


thays_

thays_ Em: 27/02/2025
Ah, fui eu quem comentei. Não estava logada!



asuna

asuna Em: 28/02/2025 Autora da história
Fico muito feliz em saber que a minha escrita te transportou para outro lugar!!
Espero que a minha história renda boas reflexões :)
O próximo capítulo está a caminho!
Obrigada pelo carinho!


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