--Por que de repente o pessoal da imprensa vazou daqui? – uma mulher se perguntava intrigada

 

--Lu! – outra mulher se aproximava esbaforida – Você não sabe quem chegou super chegando! – parou diante dela – E tá causando tanto que deixou a galera de imprensa totalmente louca!

 

--Causando mais que eu na MINHA festa?? – perguntou indignada – Mas quem poderia...?? – vasculhou o ambiente com o olhar e reconheceu Stefany no meio do burburinho – Aquela cachorra! – afirmou entre dentes – Só podia ser ela!

 

--Dessa vez ela se superou! Viu o detalhe do modelito? – olhou na direção da jovem também – Ou da falta de roupa, melhor dizendo! –corrigiu-se

 

--Chama a polícia agora! – ordenou

 

--Que é isso, Lu? – arregalou os olhos – Também não é pra tanto, né? – olhava para a outra – Cheio de gente com seus pozinhos, cigarrinhos...

 

--CHAMA A POLÍCIA AGORA! – repetiu em voz um pouco mais alta

 

Enquanto isso, em outro local, Yesmin e seus diretores participavam de uma coletiva de imprensa com veículos do mundo inteiro, oficializando o lançamento do projeto FalaGPiTaco. Serviços de tradução simultânea repetiam a fala da mulher nos diversos idiomas que se faziam ouvir.

 

--E afinal, o que seria o FalaGPiTaco? – um repórter perguntou – Por que esse projeto é tão importante?

 

Yesmin sorriu antes de responder: -- O FalaGPiTaco é um projeto que vai simplesmente mudar a cara da sociedade mundial! – a mulher declarava com toda pompa enquanto um telão exibia imagens – Desenvolvemos um modelo de linguagem avançado, projetado para entender e gerar texto de forma natural, permitindo conversas em linguagem humana com os usuários. – explicava -- Esse modelo é capaz de sintetizar e resumir todo o conhecimento publicado pela humanidade até esse ano de 2023! E isso vai revolucionar a forma de estudar e trabalhar de milhares de pessoas no mundo inteiro!

 

--But how can it be? – outro reporter questionou -- How will this model be able to talk with us and answer our questions accurately? (Mas como pode ser isso? Como esse modelo conseguirá conversar conosco e responder nossas perguntas de forma precisa?)

 

Sentiu o celular vibrando na cintura, mas não atendeu. -- O modelo é baseado em uma arquitetura chamada Generative Pretrained Transformer, que foi treinada com grandes volumes de dados para aprender a responder perguntas, fornecer informações, gerar ideias e até realizar tarefas criativas, como escrever textos, poemas ou códigos de programação! – Yesmin buscava impressionar ao máximo – Atualmente o FalaGPiTaco poderá se comunicar em português, inglês, francês e espanhol. Mais adiante vamos expandir a listagem de idiomas. – apresentou mais algumas imagens – E vamos desenvolvê-lo também para gerar músicas, imagens e vídeos! – garantiu – “Mas quem será que tá me ligando com tanta insistência?” – pensou disfarçando a contrariedade

 

--Et que pouvons-nous attendre du FalaGPiTaco aujourd'hui ? (E o que podemos esperar do FalaGPiTaco hoje?) – uma repórter indagou

 

--Ele pode ser utilizado em diversas aplicações, incluindo chatbots, assistentes virtuais, atendimento ao cliente, ajuda em educação e suporte em tarefas de pesquisa e análise de dados. – a CEO respondeu prontamente – Vocês verão que o FalaGPiTaco é capaz de se adaptar ao contexto da conversa, fazendo com que as interações se tornem mais naturais e úteis. – sorria – “Não para de me ligar, que merd*!” – pensava contrariada – “O celular não dá tréguas!” – sentia o aparelho vibrando contra seu corpo

 

--¿Y cómo podemos acceder a esta maravilla? (E como podemos ter acesso a essa maravilha?) – outra repórter queria saber

 

--Essa é a melhor parte! – respondeu bem-humorada – Temos tanto as versões pagas em assinaturas mensais das versões Master do FalaGPiTaco, quanto as versões beta gratuitas disponíveis para o público. – apresentou um link no telão – Que tal assistir um vídeo mostrando como fazer parte do mundo descortinado pela BoFe? – sorria – Está em português, mas através desse QR code, – indicou – as senhoras e senhores podem acionar até 20 opções de idioma para legenda pelo seu celular. – explicou – Isso é tecnologia, essa é a BoFe! -- clicou no link – Vamos lá! – o vídeo começava a ser exibido – “Agora deixa eu ver quem me perturba desse jeito e justo nessa hora!” – afastou-se um pouco para ver o celular

 

A engenheira constatou que as ligações eram do marido e que ele havia deixado mensagem no QQOV?. “Me liga. Stefany foi presa!!!”

 

“MERDA!!! MAS QUE MERDA!!!!” – xingou mentalmente – “Calma, Yesmin!” – aconselhou-se tentando controlar a respiração – “Mantenha-se calma, expressão triunfante, semblante de vitória!” – buscava se acalmar – “Você não pode transparecer problemas aqui!” – olhou novamente para o celular – “E o que aconteceu pra ela ser presa??” – digitou a pergunta no aplicativo – “Se controla, se controla!” – o coração batia acelerado

 

Ao final da exibição do vídeo, Yesmin teve que novamente guardar o celular sem, no entanto, ter sido respondida pelo marido. Enquanto isso mais perguntas foram feitas sobre o projeto, até que um repórter resolveu introduzir um assunto delicado. – A sua filha Stefany tem sido uma grande divulgadora do FalaGPiTaco, incentivando os jovens a se engajarem no uso dessa ferramenta que está sendo oficialmente lançada e liberada para o público hoje. – prestava atenção nas reações da CEO – O FalaGPiTaco, que dá pitaco em tudo, tudo sabe e tudo vê, por acaso lhe avisou que ela foi presa há uns minutos atrás? – perguntou sarcástico

 

--Presa?? Presa?? – pessoas perguntavam em voz mais baixa

 

--Ah! – forjou um riso de despreocupação – E o senhor por acaso não percebeu o objetivo dessa peça de marketing? – disfarçava – Não percebeu a sintonia entre esse evento aqui e a prisão dela? – fez um gesto brincalhão – Que decepção, viu? – sorria – “Desgraçado, miserável, invejoso!” – xingava o homem mentalmente

 

--Mas ela foi presa por atentado ao pudor! – outra repórter dizia – Estava praticamente nua na festa da Lu Zureta! – informou – Que peça de marketing seria essa? – perguntou descrente

 

“Ah, então foi por isso?” – descobriu o motivo da prisão da filha – Querida, o FalaGPiTaco vai desnudar a alma da sociedade e quem não estiver preparado pra isso que se prenda em seus pudores, mas eu advirto: -- fez um suspense – é um caminho sem volta! – buscava reverter a situação – “Stefany, Stefany, você me paga!” – pensou disfarçando a fúria

 

***

 

--Minha vontade era de te esganar, sabia, te esganar!!! – Yesmin falava furiosa andando de um lado a outro – O dia mais importante, mais esperado da minha carreira e você vai e me faz uma merd* dessas? – olhava para a jovem – Fiquei a ponto de ter um derrame!!

 

--Ai, mãe, chega tá? Sem drama! – respondeu de má vontade – Já me bastou aturar o sermão do meu pai e até dos dois advogados mal-encarados que ele arrumou pra me tirar da cadeia! – jogou-se na cama – Ser presa não é maneiro, tá ligada? Chega de estresse! – deitou a cabeça sobre o travesseiro

 

--E a sua sorte é que eu tive que inventar uma mentira deslavadíssima pra livrar sua barra diante de uma coletiva de imprensa com veículos do mundo inteiro! – segurou a filha por um braço e a puxou para se levantar da cama – Não fosse isso eu tinha ligado pro seu pai e mandado ele te deixar passar a noite no xilindró pra aprender a tomar vergonha nessa cara! – chacoalhava a jovem – Idiota irresponsável!

 

--Me solta! – desvencilhou-se e caminhou até a janela – Você não lançou tua parada lá? Não fez o sucesso que você queria? Não abalou geral? Não tá hitando? – olhava para fora – Então tá tranks! Ninguém morreu!

 

Riu por achar absurdo. – Você não tem ideia do esforço feito pra convencer e engajar os investidores, lançar o FalaGPiTaco e atrair a atenção de gente do mundo inteiro nesse lançamento! – aproximou-se da filha – Não vou te dar a punição que você merece porque iria acabar me desmentindo com isso, mas eu vou deixar a coisa mais pesada pra você! – virou o rosto dela para si – Suas notas melhoraram, mas eu quero mais! – cobrou – Você vai passar de ano e no vestibular da Faculdade Ecumênica com louvor e vai estudar o FalaGPiTaco pra falar sobre ele nas suas redes sociais! – exigia – E se eu achar que não tá fazendo o suficiente, vou te deixar sem um centavo por tempo indeterminado! – ameaçou

 

--Ah, mãe, que merd*! – reclamou – Você não entende! Eu tinha que colocar a Lu Zureta no lugar dela! – argumentava – Ela vinha hitando direto só porque faz umas festas porr* louca e fica fazendo uns drinques jogando garrafa pra cima, pra baixo... – gesticulava – Aí eu fui lá e mostrei pra todo mundo que...

 

--Que tem merd* na cabeça, a ponto de sair praticamente nua! – interrompeu a fala da outra com o dedo em riste – Eu não quero saber dos seus motivos, já estamos conversadas! Foi a última vez que você me colocou numa situação dessas! – gastou uns segundos calada olhando para a jovem e saiu do quarto em passos rápidos

 

--Humpf! – fez um bico – Pelo menos, depois de tudo isso minhas redes bombaram muito mais que as da Zureta. – sorriu satisfeita – Agora é correr atrás do prejuízo... – pensava no que fazer

 

***

 

--Eu tô me arriscando muito e até agora nada de conhecer sua mãe ou alguém da BoFe que possa me dar uma oportunidade. – Fernanda reclamava – Já te disse que o sistema da Faculdade Ecumênica é super bem protegido e não tem como invadir pra descobrir qual vai ser a do vestibular desse ano! – olhava para Stefany

 

--Cê acha que é assim? Molezinha pra conhecer minha mãe e entrar pra BoFe? – retrucou de imediato – A condição é essa, mon cher: ou me dá moral pra passar de ano e no vestibular ou tá fora! – afirmou enfaticamente – Se vira, honey! – passou a mão nos cabelos – Eu não quero saber qual é a do pato, eu quero é ovo! – parafraseou o que ouviu da mãe

 

Deu um suspiro profundo. – Eu vou procurar uns colegas e... – pensava no que fazer – Tá, vou dar meu jeito pra hackear. – balançou a cabeça – Mas se eu conseguir, você promete que eu vou tá mesmo dentro da BoFe, né?

 

--Tu quer rir, não quer? – Stefany respondeu com uma pergunta – Quem quer rir, tem que fazer rir, my darling!

 

***

 

--Dona Adma, a senhora não teria assim nenhuma foto da sua época de artista? – Cleide perguntou – Ou nenhuma foto pousando junto com um artista famoso daqueles tempos? – olhava para a idosa – Cadê seus discos, prêmios, essas coisas? – queria saber – “Tô doida para postar isso no meu Fuçagram e cada vez mais tirar a maior onda de cuidadora de celebridade!” – pensou

 

--Tudo guardado! – respondeu de pronto – Não mostra qualquer uma! – fez cara feia – AHHa! – praguejou

 

--Deixa quieto, né, dona Adma? – Zaida se meteu na conversa ao entrar no quarto – Um dia que a senhora cismar mostra pra gente. – sorriu para a paciente – Agora vamos papar? – segurava um prato de canja.

 

“Essa aí nunca vai deixar de ser baba ovo!” – Cleide pensou contrariada – Zaida, vou tomar banho porque daqui a pouco é oito horas e meu plantão tá chegando ao fim. – anunciou – Tranquilo aí?

 

--Claro. – sentou-se diante da paciente – Pode ir que a gente ficará bem.

 

A cuidadora se afastou para pegar suas coisas e ir tomar banho.

 

--Eu tava esperando essa uma sair pra falar. – Adma disse após mastigar a comida – Minha neta foi preso ontem!

 

--O que?? – surpreendeu-se – E por que? – ficou curiosa

 

--Foi semi nua pro festa alheia. – repetiu o que ouviu – E aconteceu na mesma hora que Yesmin lançava uma coisa que empresa dela inventou pra conversar com o povo e dar pitaco em tudo. – recebeu mais uma colherada

 

--Ah. – não sabia do que se tratava a tal coisa – E como ficou isso? Ela foi presa, sua filha trabalhando, e aí?

 

Mastigou a comida e respondeu: -- Meu genro tirou ela de cadeia com advogado e Yesmin enganou que era tudo um merchan da empresa dela.

 

Acabou rindo brevemente. – Essa sua filha é dura na queda! – balançou a cabeça – E como a senhora soube de tudo isso? – mais uma colherada

 

--Hum. – mastigou e engoliu a comida – Yesmin veio aqui ontem pra me dizer que vai viajar mundo afora pra promover a coisa que a empresa dela inventou. – limpou os lábios com o guardanapo que recebeu – Aí me contou isso. – pausou brevemente – Acho que ela pensou que eu já sabia desse vergonha de Stefany. Mas eu não sabia. – olhava para Zaida

 

--Com que frequência sua neta vem aqui? – deu mais uma colherada – Até hoje nunca a vi.

 

–Ela não vem. – respondeu com tristeza – Nunca.

 

--E o que ela faz? – pensava no caso – Estuda, trabalha, faz o que?

 

--Faz besteira e posta no internet! – respondeu de pronto – E finge que estuda! – mastigava

 

Achou graça mais uma vez. – Passa o nome dela, dona Adma. – continuava dando comida para a idosa – Vou procurar por ela na internet. –gastou uns minutos calada – A senhora reparou como a hidroterapia tem lhe feito bem? – mudou de assunto – Já não sente tantas dores, aguenta ficar mais tempo sentada... – sorria – Agora quero lhe ver ficando de pé! Quero que me ensine a dançar daquele jeito que vi fazendo nos filmes!

 

--Inshallah! (Quisera!) – suspirou – Naquele tempo eu era mulher de verdade. Hoje sou trapo! – fez uma careta

 

--Ei, não diga isso! – pediu com brandura – A senhora não perdeu seu valor porque envelheceu!

 

--Humpf! – fez um bico – Quando eu era jovem, tinha o mundo a meus pés! – lembrava saudosa – Fiz grandes shows, viagens, filmes... vivi amores ardentes... – mirou um ponto no infinito – Hoje estou nos pés do mundo pra todos pisarem em cima!

 

--Ah, não pense assim. – pediu novamente – A vida é cheia de ciclos. A senhora viveu momentos incríveis, que a maioria das pessoas nem sonha em saber como é. Eu pelo menos, nunca vou saber. – deu mais uma colherada – Mas o tempo passa e agora seu ciclo é outro.

 

--O da morte! – engoliu a comida

 

--Todos vamos morrer... – terminou de dar a comida – E alguns até morrem muito jovens. – destacou

 

--Você já pensou em como vai ser sua velhice, Zaida? – perguntou – Porque na minha mocidade eu não pensava. – limpou os lábios novamente – Nunca pensei!

 

--Confesso que também não penso, mas concordo que é preciso se preparar para a velhice e saber envelhecer. – levantou-se com o prato vazio nas mãos – Vamos fazer um trato: -- olhava para a paciente – a senhora me ensina a envelhecer enquanto eu tento lhe ajudar a se sentir cada vez mais viva! – sorria

 

--Eu só me sinto viva...– olhava nos olhos da cuidadora -- quando você está comigo.

 

Zaida sentiu-se tocada pelo que ouviu.

 

***

 

Vivinácia fazia um bico na equipe de diaristas eventuais de um famoso hotel do Rio. Ao concluir a limpeza de menos da metade dos quartos que deveria cuidar, dirigiu-se para a copa decidida a jantar. “Vou cair de boca no meu marmitão!” – pensou esfomeada

 

Chegando lá, constatou que sua marmita continuava dentro da geladeira, mas estava aberta. Alguém havia mexido ali.

 

--Epa, quem roubou minha galinha?? – falou em voz alta ao dar falta – Roubaram minha galinha! – olhava para todos os lados – QUEM ROUBOU MINHA GALINHA????????????? – gritou

 

--Mas o que é isso aqui? – a supervisora aproximou-se de cara feia – Não estamos nas favelinhas por onde a senhora anda! – advertiu mal-humorada – Estamos em um hotel de luxo e não admito esse tipo de comportamento aqui dentro! – advertiu com o dedo em riste

 

--Mas admite roubo de galinha alheia? – respondeu desaforada – Olha aqui, minha filha! – pegou a marmita e mostrou para a outra – Abriram e roubaram minha galinha! – dava queixa – Pode isso nos hotéis de luxo?

 

--Modere seu tom de voz pra falar comigo! – retrucou de pronto – Ninguém vai ser guardião de marmita de ninguém! A senhora cuidasse melhor das suas coisas que nada disso teria acontecido! – respondeu desaforada – Agora pare de fazer escândalos e volte ao trabalho! – ordenou – Ainda nem está na hora da janta de vocês e tem muito quarto pra limpar! – gesticulava – Deixe essa marmita de lado e vá trabalhar!

 

--Ah é? Pois eu vou é mimbora! – decidiu – Fique praí no seu hotel de luxo! – despejou o resto do conteúdo da marmita em cima da outra – E tome a marmita de presente! – jogou a embalagem vazia no chão

 

--AH, DESGRAÇADA! – gritou ao se ver toda suja – FILHA DA PUTA! – pegou o rádio e chamou nervosamente: – SEGURANÇA, SEGURANÇA! – continuava gritando

 

Vivinácia saiu correndo e fugiu pela garagem sem ser abordada pelos seguranças. “Não dá! Pensei em desistir, mas não dá!” – pensava enquanto fugia – “Passar em casa, pegar meus trem e zunir pro terreiro de Bonsucesso que ainda dá tempo de tirar uma graninha!” – planejava – “A noite tá apenas começando!”

 

***

 

--Você tem certeza disso, Nazira? – Malika perguntava desconfiada enquanto caminhavam – Eu não sou acostumada com essa coisa de terreiro, cartomante, cigana... – olhava para todos os lados – E não gosto de ficar circulando de noite pela rua. Não quero ser assaltada!

 

--Calma que ninguém vai nos assaltar! – garantiu – Deixamos os celulares em casa, não estamos esbanjando nada e além do mais eu tô portando o terço! – referia-se ao que ganhou de Vivinácia – Bota fé que a cigana caipira é das boas!

 

--Tão das boas que você quer marido e até agora nada! – resmungou

 

--O que? – não entendeu o que a idosa falou

 

--Eu disse que nunca fui fã de cigana! – continuava prestando atenção no caminho – E nunca soube disso de cigana caipira! Eu hein!

 

--Confia, dona Malika! – seguia de braços dados com a idosa – Vai que ela lhe ajuda a encontrar sua filha? Temos nada a perder! – afirmou resoluta – “Além do mais quero saber se ela de repente não me ensinaria umas simpatias caipirescas pra encontrar logo um marido!” – pensava – “E de nome bonito, de preferência!”

 

Enquanto isso, Vivinácia também se dirigia ao falso terreiro e de longe reconheceu Nazira. “Aquela moça daquele dia! E hoje veio trazendo uma senhora.” – observou – “Vou deixar elas entrarem primeiro porque não quero ser vista sem meu disfarce de madame Vivi!” – amarrou o passo para dar tempo das duas entrarem na casa – “Tenho certeza que elas tão indo atrás de mim!” – pensou orgulhosa

 

Nisso, duas viaturas de polícia se aproximaram, fazendo com que a diarista amarrasse ainda mais o passo.

 

“Uai, que é isso?” – constatou apavorada – “Os meganha tão indo pro terreiro?” – observou a movimentação da polícia – “Eita boi, hora de sumir!” – deu meia volta e fugiu

 

Enquanto isso, Malika e Nazira adentravam o local em busca de madame Vivi.

 

--Aqui é assim, essa casa da mãe Joana? – a idosa perguntou sem entender – A gente entra, ninguém pergunta nada, vai se enfurnando no lugar e não vem ninguém abordar? – estranhava

 

--Terreiro não é igual igreja, aqui o ambiente é mais descontraído, cool! – Nazira sentia-se entendida – Repara que tá cheio de gente, mas ninguém fica patronando ninguém. Só dá gente espiritualmente descolada! – seguiam por um corredor – A sala da madame é ali. – apontou

 

--Espero não me arrepender por isso! – Malika resmungou

 

--POLÍCIA!!! – os homens gritaram repentinamente – TODO MUNDO PARADO AÍ!

 

--Polícia?? O que?? Polícia?? – as pessoas se perguntavam baratinadas

 

--Ai, meu Deus, a polícia!! – Malika olhou apavorada para Nazira – Vamos fugir que vai dar xabu!

 

--Mas dona Malika, fugir de que? A gente não fez nada! – não entendia

 

--AHAHAHAH!!! – pessoas gritavam

 

--Eu sabia que ia dar merd*! – a dona do falso terreiro falava consigo mesma – Mas não vou dar mole de ser presa! – foi até a bolsa e sacou uma pistola – AHAHAHAH!!!!!!!! – gritou e deu três tiros para o alto antes de correr

 

--Tão atirando, tão atirando! – um dos policiais falou – TODO MUNDO PARADO!! – deu dois tiros para o nada – PARADO!!

 

--AHAHAHAH!!! – mais pessoas gritavam

 

CRASH!! BOOM!!! BANG!!! – sons de coisas se quebrando

 

--Isso é tiro?? – Nazira arregalou os olhos – Tão quebrando os troços por aí? – reparava no fuzuê que se adensava

 

--Olha o lugar pra onde você traz a gente, sua louca! – Malika deu um tapa na orelha da outra – Agora corre que eu não quero morrer tomando tiro! – mais estampidos se fizeram ouvir – SOCORRO, MEU PAI, SOCORRO!! -- gritou

 

--Pensando bem, é melhor a gente fugir mesmo! – desvencilhou-se da idosa – Corre, dona Malika, corre! – danou-se de correr – Ai, eu não quero morrer solteira!!!!!! – chorava – NÃO!!!

 

--E a desgraçada ainda me larga de mão! – a idosa reclamou – ME ESPERA, MISERÁVEL! – corria como podia – NAZIRA, EU VOU TE COMER O FÍGADO!!!! -- gritou

 

“Eu acho que é melhor começar a estudar pra não cair na esparrela de passar por farsante e acabarem botando a polícia nos meus encalços!” – Vivinácia pensava enquanto seguia a passos rápidos – “E nunca mais coloco meus pés nesse falso terreiro!” – decidiu – “Os dias de madame Vivi em Bonsucesso realmente acabaram!”

 

***

 

Zaida navegava na internet enquanto Patrícia e Adma dormiam tranquilamente. Pesquisava sobre o evento da empresa de Yesmin e pela primeira vez na vida teve notícias do FalaGPiTaco.

 

“Essa Yesmin parece ser uma profissional incrível!” – admirava-se – “Imagina, desenvolver e lançar uma coisa dessas no Brasil, antes de qualquer outra empresa no mundo...” – considerou – “Pena que uma pessoa dessas é uma filha tão distante e parece ser uma mãe mais distante ainda.” – pensava na outra – “Aposto que ela deve trabalhar e estudar um monte, gastar a maior parte do tempo livre em academias, centros de estética e salões de cabeleireiro enquanto a mãe e a filha ficam com as migalhas da atenção dela.” – via as fotos do lançamento do FalaGPiTaco – “E o marido, hein? Será que um casamento desses funciona?” – continuava pesquisando pelo celular – “Mas quem sou eu pra perguntar isso? Às vezes o meu próprio casamento não sei se funciona...” – pensava na esposa – “Quer saber? É melhor eu dormir!” – desligou o celular e se preparou para deitar – “Dona Adma dorme como um anjo!” – olhou para a idosa e sorriu – “Graças a Deus!”

 

Fim do capítulo