Capítulo 22
22.
O dia na faculdade arrastou-se de forma interminável. Cada minuto parecia estender-se mais do que o normal, e a minha concentração estava completamente comprometida. A minha mente não estava ali. Desde que entrei na sala de aula, os meus pensamentos estavam presos ao que tinha acontecido no dia anterior em casa da Mari. Ainda não tinha tido a oportunidade certa para falar com Claire sobre o que tinha acontecido. Disfarcei um suspiro e olhei para o relógio no meu pulso, impaciente pelo término da aula.
Cada segundo que passava apenas alimentava a ansiedade que fervilhava dentro de mim. O som monótono da voz do professor tornava-se um ruído distante, irrelevante, à medida que a minha mente continuava focada no verdadeiro problema.
Precisávamos de agir.
E precisávamos de fazê-lo antes que fosse tarde demais.
Assim que o professor deu por encerrada a aula, saí da sala rapidamente. O corredor estava movimentado, mas eu ignorava o burburinho ao meu redor. O meu único objetivo naquele momento era encontrar Claire.
Passei os olhos pelo campus, filtrando os rostos conhecidos entre os grupos de alunos que conversavam animadamente pelo pátio. O meu olhar varria o espaço com pressa, até que a vi. Encostada a um dos bancos perto da biblioteca, concentrada no celular, completamente alheia ao caos que fervilhava dentro de mim.
Apertei o passo, determinada, e parei à sua frente sem rodeios.
— Podemos falar? — Perguntei diretamente.
Claire levantou os olhos de imediato, o seu olhar captando a minha tensão num instante.
— O que se passa? — A sua voz carregava um leve tom de preocupação.
Olhei à minha volta. Não queria falar ali, rodeada de gente.
— Preciso que venhas comigo até à casa da Mari. — Disse num tom mais baixo. — Lucas precisa de aceder ao teu celular para tentar entrar no dispositivo da Michelle e apagar qualquer outro vídeo que ela tenha teu.
A sua postura mudou instantaneamente. A tensão instalou-se nos seus ombros.
— Espera… — Claire endireitou-se no banco, os seus olhos agora cravados nos meus. — Explica-me melhor essa história.
— Eu explico pelo caminho. — Retruquei, impaciente. — Mas temos de ir agora.
Ela não hesitou.
— Cinco minutos. Vou buscar as minhas coisas e vou contigo.
Assenti, observando-a levantar-se de imediato e caminhar determinada na direção do edifício principal.
Já em casa de Mari, Lucas continuava a trabalhar no seu portátil, os dedos deslizando rapidamente sobre o teclado. Mari e eu observávamos em silêncio, a tela refletindo códigos intermináveis que apenas ele parecia compreender.
Claire estava sentada na cama, ao meu lado, observando tudo com os braços cruzados e o maxilar tenso. O ambiente estava carregado de expectativa. Eu conseguia sentir o peso da tensão no ar, cada um de nós esperando que Lucas finalmente encontrasse algo concreto.
Até que, subitamente, ele parou.
Os seus olhos fixaram-se no ecrã, e um pequeno sorriso de satisfação surgiu no canto dos lábios.
— Temos alguma coisa. — murmurou Lucas, ajustando os óculos antes de nos encarar.
Mari inclinou-se para a frente, a expectativa estampada no seu rosto.
— O quê?
Ele virou o portátil na nossa direção, os olhos brilhando com um misto de adrenalina e concentração.
— Consegui infiltrar-me no dispositivo da Michelle.
O meu coração acelerou.
Troquei um olhar com Claire, que respirou fundo antes de perguntar, a voz carregada de urgência:
— E conseguiste apagar os vídeos?
Lucas inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, hesitando antes de responder:
— Ainda não completamente. Preciso de aceder aos ficheiros um por um para ter a certeza de que apago os vídeos certos.
Claire franziu o sobrolho.
— Mas já os encontraste?
Ele assentiu.
— Sim. Michelle tem uma pasta encriptada no armazenamento do dispositivo. Consegui entrar, mas ainda estou a filtrar os ficheiros. Não quero correr o risco de deixar alguma coisa para trás. Mas acho que, daqui a pouco, vocês vão poder respirar mais aliviadas quanto à chantagem dela.**
Senti um peso sair dos meus ombros, mas ainda não completamente.
— E tens como garantir que ela não tem cópias em mais nenhum lugar? — perguntei, cruzando os braços.
Lucas sorriu de lado.
— Vou verificar isso já. Se ela tiver guardado algo em armazenamento na cloud ou noutro dispositivo, também consigo descobrir.
Mari suspirou, recostando-se na cadeira.
— Finalmente uma boa notícia.
Claire, no entanto, ainda parecia tensa.
— E se ela desconfiar que o celular dela foi invadido?
— Não vai. — Assegurou Lucas, os dedos ágeis a percorrerem o teclado. — Estou a eliminar os ficheiros de forma irreversível, sem levantar qualquer alerta. Para a Michelle, será como se nunca tivessem existido.
O alívio que senti foi imediato, mas ainda não total. Eu sabia que ainda não tínhamos acabado com tudo. Troquei um olhar com Claire, que, apesar de tentar esconder, estava visivelmente tensa.
— E quanto à mensagem anónima? — Questionei, cruzando os braços. — Conseguiste mais alguma coisa?
Lucas respirou fundo antes de responder, voltando a deslizar os dedos pelo teclado.
— Este é o IP que conseguimos rastrear. — Informou, apontando para uma série de números no ecrã. — Está registado num café no centro da cidade.
A minha expressão fechou-se no mesmo instante. Claire deu um passo em frente, os olhos presos no mapa que surgia no monitor.
O seu corpo ficou rígido, e o maxilar tenso.
Os seus olhos brilharam com um reconhecimento imediato.
— Eu conheço esse café… — Murmurou, a voz carregada de lembranças.
O meu estômago revirou-se antes mesmo de ela continuar.
— Como assim conheces?
Claire respirou fundo, desviando o olhar para mim antes de responder:
— Já estive lá algumas vezes… com o Alex.
O nome dele caiu como um balde de água gelada.
O silêncio instalou-se por um instante.
A tensão no ar era palpável.
Troquei um olhar com Mari, que cruzou os braços, os lábios comprimidos.
— Isso não pode ser coincidência. — Murmurei.
— E se não for? — Mari manteve os olhos no ecrã. — Seja o que for, só há uma forma de descobrir. Temos de ir até lá.
Eu assenti, e, apesar da hesitação inicial, Claire fez o mesmo.
— Se for uma armadilha, temos de estar preparadas. — Advertiu, a sua voz firme, mas ligeiramente embargada.
Lucas fechou o portátil e puxou um pen drive do bolso, estendendo-o na minha direção.
— Vou monitorizar tudo daqui. Se encontrarem algum dispositivo no café, tentem ligá-lo a isto. Pode dar-nos mais informações.
Peguei no pequeno objeto metálico, sentindo o peso do que estávamos prestes a fazer.
Enquanto Lucas falava, linhas de código passaram rapidamente pelo ecrã, revelando novas informações. Ele franziu a testa e inclinou-se para a frente, concentrado.
— Espera… olhem só. — Murmurou, clicando em algo.
Claire e eu aproximámo-nos.
— O sistema do café está vulnerável por um malware. — Ele passou a língua pelos lábios, os olhos fixos na tela. — Se conseguirmos extrair este ficheiro criptografado, talvez consigamos identificar exatamente quem está por detrás disto.
Claire e eu trocámos um olhar intenso.
O meu coração martelava no peito.
Estávamos perto.
Muito perto.
Mas o que encontraríamos ao chegar lá?
Peguei no pen drive, a adrenalina a subir rapidamente.
— Vamos acabar com isto. — Declarei.
Claire respirou fundo.
— Sim. Vamos.
A noite estava fria.
O vento cortante atravessava a estrada enquanto guiava a moto, o motor a rugir sob nós.
Claire segurava-se firme atrás de mim, os seus braços ao redor da minha cintura, mas o seu corpo estava tenso.
O silêncio entre nós era denso, pesado.
Os meus pensamentos fervilhavam tão alto quanto o barulho do motor.
Aquela era a nossa oportunidade.
Mas eu sabia que, ao entrar naquele café, não haveria mais volta atrás.
Assim que estacionámos, Claire saltou da moto rapidamente, tirando o capacete com um gesto ágil.
Os nossos olhos encontraram-se num breve instante de hesitação.
O café estava quase vazio, com apenas algumas pessoas dispersas em mesas. Varri o ambiente com os olhos, em busca de algo ou alguém familiar. Foi então que, inclinando-se na minha direção, Claire sussurrou:
— Ali, no canto. A garota de cabelos cacheados… É a Jess.
Jess? Virei meu olhar para o canto indicado e, de fato, avistei uma jovem distraída, com o celular nas mãos. Minha mente começou a fervilhar: algo sobre aquele nome parecia ecoar memórias da aula de direito esportivo. De repente, uma lembrança se acendeu.
— A garota da caneta? — exclamei, quase alto demais, sentindo imediatamente a mão quente de Claire pousar sobre a minha boca.
Claire arrastou-me bruscamente para um canto encarando-me com uma expressão confusa.
— Ela faz parte da minha turma de direito esportivo. – Justifiquei lendo o seu pensamento. — Eu emprestei-lhe uma caneta pouco depois de ter recebido a mensagem.
— A Jess é a ex do Alex. Aliás, esse café… pertence ao pai dela. — Explicou, olhando para trás, provavelmente para confirmar que não tínhamos sido vistas.
O choque e a emoção misturaram-se em mim.
— Esta história está a ficar interessante, mas e agora como infiltramos este pen drive no dispositivo que está conectado à rede do café? — Perguntei enquanto observava a expressão de Claire, que parecia perdida nos seus pensamentos. — Achas que ela tem alguma coisa haver com a mensagem? Ou que ela sabe que nós estamos juntas.
O olhar de Claire brilhou como se algo tivesse surgido na sua mente.
— Eu não sei se ela tem algo haver ou se sabe que nós estamos juntas, mas a nossa única opção és tu.
— Como assim?
— Jess conhece-me, eu não iria conseguir fazer nada, mas agora tu. Se colocares o teu charme... — comentou aproximando-se com um olhar de malícia, envolvendo seus braços em volta da minha cintura, sussurrando ao meu ouvido. — Ela é Bi, e eu acho que não gosta muito de mim, então se tu apareceres, deres a entender que discutiste com a tua namorada, se ela souber que sou eu, talvez ela tente se aproximar de ti.
Claire afastou-se ligeiramente, observando minha reação. O seu olhar estava carregado de expectativa. Respirei fundo e assenti.
— Muito bem, vamos fazer isso.
Dei um passo à frente, preparando-me para me aproximar da mesa onde Jess estava sentada. Ela parecia alheia a movimentação a sua volta enquanto permanecia fixada na tela do seu celular. Aproximei-me ainda mais, já perto dela levantei a voz com um tom despreocupado, tentando fingir normalidade.
— Desculpa incomodar, mas tu pareces familiar.
Ao erguer seus olhos castanhos, pude notar uma centelha de surpresa mesclada com um toque de reconhecimento. Seu sorriso, imediato e acolhedor, iluminou o rosto enquanto ela respondia.
— Sou a Jess, lembras-te? Da aula de direito esportivo.
Fingi procurar na minha memória por um instante, como se um lampejo vago quisesse vir à tona.
— Claro, a garota da caneta. — respondi, deixando transparecer um sorriso brincalhão.
A sua gargalhada, preencheu o espaço entre nós:
— Ah, então agora é assim que eu vou ser lembrada? — Soltou numa mistura de desafio e divertimento, os olhos brilhando com uma curiosa provocação.
Sorri de canto, inclinando-me levemente sobre a mesa, como se compartilhasse um segredo.
— Bem, é a primeira coisa que me veio à cabeça — brinquei, mantendo o olhar fixo no dela.
Jess remexeu-se na sua cadeira, enquanto me avaliava.
— E o que te traz aqui, Beatriz? — questionou, arqueando uma sobrancelha.
Suspirei teatralmente, deixando os meus ombros caírem como se carregasse o peso do mundo.
— Tive uma pequena discussão com a minha namorada — confessei, escolhendo as palavras com cautela.
Ela pareceu considerar a minha resposta por um momento, os seus dedos batendo ritmicamente contra a mesa.
— Claire, certo? — Seus lábios curvaram-se num sorriso afiado.
Senti meu coração dar um salto no peito, contudo mantive a expressão neutra.
— Sim. Então… sabes?
Jess riu baixo, inclinando-se na minha direção, diminuindo a distância entre nós.
— Querida, toda a faculdade sabe.
Engoli em seco. Eu esperava que algumas pessoas soubessem, mas “toda a faculdade” era algo completamente diferente.
— E o que achas disso? — provoquei, testando o terreno.
Jess inclinou a cabeça ligeiramente, o olhar escuro examinando cada nuance da minha expressão.
— Acho… que ela tem sorte. Mas se discutiram, talvez não tenha tanta sorte assim.
Ela jogou essa última frase como quem lança uma isca, esperando para ver se eu a morderia.
Apoiei os cotovelos na mesa, fingindo hesitação.
— Digamos que, às vezes, Claire pode ser um pouco… difícil.
Jess soltou uma risada curta, como se não fosse novidade.
— Isso não me surpreende.
Seu tom era carregado de algo mais. Um ressentimento? Curiosidade? Uma oportunidade?
Vi ali a brecha de que precisava.
— Preciso de um pouco de ar. Queres vir comigo?
Os olhos de Jess iluminaram-se de imediato, porém esta fez questão de disfarçar, dando um gole no seu café enquanto me estudava com um sorriso sugestivo. Eu sabia que o momento era meu.
— Talvez. — Disse, suando quase como uma aprovação silenciosa. — Algo interessante em mente?
Sentei-me de forma mais relaxada, deslizando os dedos sobre a borda de um copo vazio à minha frente. A conquista era suave, mas certa, ela estava jogando, contudo eu tinha a vantagem agora.
— Algo que não envolva pensar muito. Apenas… uma distração.
Jess sorriu, inclinando-se para pegar seu casaco.
— Acho que posso ajudar com isso.
Levantei-me, observando discretamente onde ficava o balcão principal. Precisava encontrar um momento oportuno para agir.
— Vem comigo — disse ela repentinamente, indo para trás do balcão. — O meu pai não gosta muito que eu deixe clientes a espera, mas se eu estiver aqui contigo, ninguém vai dizer nada.
Acompanhei-a, agora do outro lado, sentindo o coração acelerar. Foi então que reparei no gabinete do computador, discretamente posicionado debaixo do balcão. Esse era o momento perfeito. Fingi esbarrar numa pequena pilha de sachês de açúcar, fazendo com que caíssem no chão.
— Ah, que desastre! — exclamei, ajoelhando-me rapidamente para apanhá-los.
Jess riu, abaixando-se junto comigo, no entanto a sua atenção logo voltou ao café que preparava. Aproveitei esse instante e conectei o pen drive em um movimento rápido e preciso, prendendo a respiração enquanto a tela piscava brevemente. Lucas havia dito que o programa precisaria de alguns segundos para se instalar e iniciar a transferência dos dados necessários. Desviei o olhar rapidamente para a tela, enquanto me demorava para apanhar tudo o que estava no chão. A barra de carregamento no canto da tela mostrava que o processo estava quase completo. Precisava apenas de mais alguns segundos. O meu coração martelava, contudo mantive a expressão tranquila quando finalmente terminou, fiz um movimento rápido, desconectando o pen drive, levantando-me de seguida, sacudindo levemente as mãos.
— Pronto, agora sim. Nada como espalhar um pouco de açúcar pelo chão para animar o clima — brinquei.
— Podes lavar as mãos ali. – Disse rindo apontando de seguida para a pia. — Agora sim, estás pronta?
— Sempre. — Respondi, forçando um sorriso enquanto tentava ignorar a adrenalina que corria nas minhas veias.
Missão cumprida. Enquanto caminhava do lado de Jess olhei de relance para Claire, que permanecia escondida no canto, esta lançou-me um aceno de aprovação. Agora, eu teria de pensar em como iria evitar Jess. No momento em que cruzamos a porta de saída, um homem alto e de expressão séria aproximou-se do balcão. O seu olhar percorreu o ambiente antes de se fixar no de Jess, franzindo o cenho. Não tive dúvidas: era o pai dela.
— Jess, querida, vais sair sem ao menos falar comigo? — A voz grave cortou o silencio entre nós. Ela parou abruptamente, soltando a minha mão com um suspiro.
— Ah, pai… Desculpa, estava distraída — Respondeu, sorrindo com um toque de nervosismo.
Este lançou um olhar inquisidor na nossa direção antes de cruzar os braços, fixando-nos com uma observação penetrante.
— E quem é tua amiga?
Engoli em seco. Jess trocou um olhar cúmplice comigo, como se pedisse que eu agisse naturalmente. Forcei um sorriso tentando parecer descontraída e estendi a mão para cumprimentá-lo.
— Beatriz, um prazer conhecê-lo.
Ele segurou a minha mão com firmeza, ainda avaliando a situação.
— Espero que estejam a se comportar. — Disse, a voz oscilando entre uma brincadeira e um ligeiro reproche.
Jess soltou uma risada abafada, tentando aliviar a tensão.
— Sempre, pai. Não vou demorar.
Com um último olhar desconfiado, ele assentiu e voltou para dentro do café. Soltei um suspiro aliviado. A morena pegou na minha mão novamente, guiando-me para fora. Enquanto eu me deixava guiar por ela uma dúvida insinuou-se na minha mente: será que realmente ela estava envolvi no envio da mensagem anonima? Talvez fosse apenas uma coincidência, porém algo não se encaixava.
O ar frio da noite trouxe um leve arrepio, todavia eu sabia que o verdadeiro frio estava apenas começando. Eu tinha conseguido infiltrar o pen drive, mas agora precisava de me preparar para as consequências.
O jogo estava apenas começando.
Enquanto caminhávamos, a minha mente fervilhava com possíveis formas de sair daquela situação sem levantar suspeitas. Precisava encontrar uma desculpa para me afastar de Jess sem parecer abrupta. Talvez uma ligação repentina, uma mensagem urgente, qualquer coisa que me permitisse voltar para Claire. A última coisa que eu queria era dar tempo para que esta suspeitasse de algo.
Fim do capítulo
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