CILADA
HELENA
Stella e Davi estudavam em escolas diferentes. Antes de ligar o carro falei:
- Primeiro vamos na escola da Stella, depois vou deixar Davi na escola dele. Na hora da saída o motorista e a babá irão buscá-los. Pois mamãe tem coisas pra resolver. Vocês irão para natação e depois a babá vai deixá-los tomar sorvete na praça do bairro. Quando forem pra casa tomem banho e a mamãe chegará rapidinho.
Davi ficou em silêncio alguns segundos, depois olhou para suas mãos como se estivesse contando nos dedos. Começou a falar baixinho como se fosse para si mesmo.
- Mamãe e Davi vão levar a Stella na escola, mamãe deixa Davi na escola dele. Depois o motorista e a babá busca Davi. Davi vai com a irmã na natação e se fizer bonito ganha sorvete. Vai pra casa tomar banho e a mamãe vai chegar.
Davi tinha ecolalia que é um distúrbio na fala muito comum em crianças com TEA. Eu como mãe atípica já sabia que o fato dele estar repetindo minha fala significava que ele tinha entendido a rotina do dia. Ele apresentava rigidez cognitiva e muitas vezes suas crises eram desencadeadas quando algo saia fora do planejado. E como tudo estava sendo novo eu estava tendo cautela.
Levei-os na escola e liguei para a academia. A recepcionista me disse que a personal tinha aluno até as 15 horas, depois desse horário poderia falar comigo. Confirmei e segui com meus compromissos. Fui ao salão fazer o cabelo, unhas e sobrancelhas. Essa mudança de cidade tinha acabado comigo. Correr atrás de escolas, programas para entreter as crianças, terapias para Davi tinham tomado todo o meu tempo nesses últimos 2 meses. Nos mudamos no início de dezembro. Carlos veio um mês antes. Calculei que as crianças poderiam faltar nos últimos dias letivos, então ficariam os meses de dezembro e janeiro em casa e daria tempo para eu me organizar e eles se adaptarem a nova cidade. Foi mais ou menos como planejei.
Saí do salão e fui ao shopping, o site da Farm anunciava que uma nova coleção tinha sido lançada. Fui ver se estava disponível e logo comprei. Já saí da loja com um dos vestidos. Estava quase entrando na garagem de casa quando lembrei que tinha marcado com a menina da academia.
Tranquei o portão novamente e voltei.
Estacionei na frente da academia e olhei no celular… 15:22min
Peguei minha bolsa e entrei já esperando que a personal tivesse ido embora.
Quando saí do carro percebi muitos olhares na minha direção. Cheguei na recepção.
- Boa tarde querida, tive um imprevisto e acabei me atrasando. Marquei uma reunião com a personal. Ela ainda se encontra presente?
- Boa tarde. Ela está sim. Vou liberar a catraca e você pode entrar.
Passei na catraca, confesso que o ambiente me pegou um pouco. Barulho de ferro batendo, música eletrônica tocando, algumas pessoa conversando. Um cara estava todo suado bebendo água em um bebedouro e me olhava como se eu fosse um ET.
A moça da recepção veio até a mim e disse.
- Senhora eu não posso deixar a recepção sozinha, está vendo aquela moça de legging preta e blusa branca? É a personal. Já falei com ela sobre você. Pode ir lá.
Olhei de longe e vi a mulher de costas com o braço apoiado em um aparelho e a perna em cima de um peso. Enquanto uma outra muito definida estava conversando com a mão apoiada na sua perna. Pareciam muito íntimas. Me aproximei e nas costas da camisa da personal estava escrito “Rafaela Mendes” e logo mais abaixo “PROFESSORA”.
A morena que estava de frente me viu parada, mas não deu a mínima para minha presença, estava mais interessada no papo das duas. Isso me deixou indignada.
Fiz um barulho com a boca para que a outra se virasse. Quando ela virou a primeira coisa que vi foi o braço imobilizado. Quando olhei mais para cima e vi aqueles olhos… Eram verdes. E quando olhei para o corpo todo… Era a mulher da bicicleta.
- Aaaaah moça, eu não quero mais confusão não. O que você quer?
Eu ainda estava sem reação. Que cilada do destino é essa?
- Não vim te procurar… Aliás acho que vim. Marquei uma reunião com uma personal às 15hrs. E pelo que estou percebendo, é você.
- Não tô acreditando nisso não.
- Nem eu.
- Mas e ai, quer fazer uma avaliação?
Olhei para ela incrédula. Ela iria me atender? Já estava quase indo procurar outra academia.
- Você vai me atender?
- Porque não atenderia? Eu sou profissional. E o acidente de ontem não matou ninguém.
- Mas eu fui tão grossa com você. Me desculpe.
- Esquece! Vai fazer a avaliação ou não.
Por que aquela mulher estava sendo tão legal comigo? Fui um cavalo com ela no dia anterior. Eu não estava tão acostumadas a gentilezas pós arrogância, geralmente é a primeira impressão que fica.
- Você não acha melhor eu procurar outra profissional?
- Olha se você quiser eu não ligo, mas duvido encontrar uma melhor do que eu.
Em outro momento eu acharia sua afirmação petulante, mas o sorriso que ela deu fez com que eu tomasse minha decisão.
- Então vou fazer com a melhor!
- Me acompanhe.
Ela falou, já subindo as escadas para o segundo piso da academia e eu a segui.
Fim do capítulo
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