FRUTOS
HELENA
No início de tudo foi difícil me acostumar com minha brusca mudança de vida. Meus pais e os pais de Carlos acharam que tinham tomado a melhor decisão. Na minha cidadezinha do interior houveram muitos boatos. Alguns disseram que eu tinha vencido na vida por ter me casado com o herdeiro mais rico da cidade, outros diziam que eu havia dado o golpe da barriga, muitas moças diziam que era um sonho e dariam tudo para estar no meu lugar. Meu pai estava satisfeito pois não iria ter em casa uma filha que era mãe solteira e casara sua filha com o filho de seu amigo e patrão. Minha mãe estava triste por eu estar longe, mas aliviada, pois sabia que eu nunca teria dificuldades financeiras. Os pais de Carlos viam em mim a salvação para o destino de seu filho que não tinha juízo. Achavam que casar e formar uma família faria do filho deles um homem melhor.
Carlos sempre foi um excelente ator. Quando estávamos entre as pessoas ele fazia o papel do noivo dedicado, mas quando estávamos a sós fazia questão de deixar claro que só estava se casando pois seu pai havia ameaçado tirá-lo do testamento e deixar tudo para instituições de caridade. Eu também deixava claro que não estava satisfeita em casar com ele, afinal nunca tinha tido nem vontade de estar com ele e eu não estava lúcida naquela noite.
Mesmo assim nos casamos e ele fez questão de deixar claro que já que iria se casar comigo eu deveria cumprir meu papel de mulher. Nunca senti prazer quando trans*va com Carlos, com o tempo aprendi que fingir prazer fazia com que ele terminasse mais rápido e assim fui caminhando. Descobri sua primeira traição ainda antes de Davi nascer. Contei para minha mãe e o conselho foi:
- Filha, os homens fazem assim mesmo. Eu mesmo já soube de tantas vezes que seu pai tbm me traiu. Mais o importante é que ele põe comida na mesa e te dá essa vida de princesa.
Na adolescência eu tive tantos sonhos… Pensava em sair da pequena cidade, me tornar uma grande advogada. Ter um apartamento legal e viver viajando. Mas eu estava grávida, de um homem que eu não gostava e ainda tinha que aturar traições.
- Casamento é uma vez só filha. Você está grávida e por isso ele ta procurando outras na rua. Daqui a pouco esse menino nasce e ele para com isso.
Era uma barbaridade ouvir aquilo, mas sabe quando você já desistiu de tudo? Era eu.
- Nunca vou me acostumar com esse pensamento atrasado mãe.
- Você não se acostuma é com pobreza. Com essa vida cara que ele te dá, você vai se acostumar com tudo.
Não sei se ela me falou isso do coração ou se era influência massacrante do patriarcado. Mas eu realmente me acostumei. Matei meus sentimentos e passei a usufruir da pobreza que é ter SOMENTE dinheiro.
Quando Davi nasceu, Carlos o exibia para todos como seu herdeiro, mas em casa não dava a mínima para o menino. Após o resguardo eu quis entrar na faculdade e Carlos inicialmente não foi a favor, mas depois acabou concordando. Eu cuidava de Davi o dia inteiro com a ajuda de uma babá e a noite estudava na universidade.
Davi dormia comigo na cama e Carlos em outro quarto pois não suportava ouvir os choros da criança de madrugada. Eu não sentia falta de contato sexual e Carlos não me procurava.
Me formei. E ao mesmo tempo que recebia meu diploma, também chegava o diagnóstico de autismo de Davi. Eu já sabia das particularidades do meu filho. Seu desenvolvimento era lindo, principalmente depois que começamos com o método ABA (Análise de Comportamento Aplicada). Mas o diagnóstico fez com que Carlos se afastasse ainda mais do menino e sugeriu que eu não trabalhasse fora e ficasse em casa com a criança. Parecia que queria escondê-lo do mundo. Com o tempo Carlos sugeriu ter outro filho. Fiquei em choque, pois a muito tempo não tínhamos contato sexual. Mas percebi uma aproximação de Carlos. Trazia brinquedos para Davi, levava-o nas terapias e “papai” foi uma das primeiras palavras que Davi disse. Com esse episódio acreditei que uma família saudável seria excelente para o desenvolvimento do meu filho. E decidimos fazer acompanhamento em uma clínica para programarmos uma gestação. Fizemos ultras, acompanhamento de ciclo e no dia indicado pelo médico tivemos a relação sexual. Carlos se estimulou sozinho e teve uma ereç*o. Eu o aguardava de pernas afastadas assim como no consultório médico para fazer ultrassom. Ele subiu, entrou em mim e eu não me dei ao trabalho de fingir prazer, ambos sabíamos o objetivo daquele contato. Demorou mais do que esperava, mas ele concluiu a missão. Levantou-se da cama e saiu do quarto. Simples como uma cirurgia. Depois de 15 dias voltei à clínica para fazer o teste de gravidez e o positivo me alegrou. Carlos não acompanhou nenhuma consulta durante a gestação e ficou mais distante ainda quando soube o sex* da crainça.
- Que merd*! Uma menina?
- Importante é que venha com saúde.
Falei, com vergonha do médico que estava fazendo a ultrassom.
- Eu preciso é de um herdeiro!
- Mas nós já temos o Davi.
- O Davi? Davi não pode tocar meus negócios.
- Por que não? Autismo não é doença.
- Você acha que vou entregar todo o patrimônio da minha família nas mãos de um retardado?
Carlos saiu da sala e eu segurei o choro. Alguns meses depois nasce Stella. Minha garotinha Stella.
Agora ela já estava com 6 aninhos e Davi 11.
Naquela manhã, eu tinha deixado Stella na nova escola, depois levado Davi à terapia. Ele já estava acostumado a outra cidade e sua adaptação aos novos médicos estava sendo complicada. Durante suas crises era mais difícil controlá-lo. Ele puxara Carlos em tudo. A cor dos cabelos e dos olhos eram idênticos ao do pai e com 11 anos já estava maior do que eu que tinha 1,58 de altura. Deixei-o na clínica e depois o motorista iria buscá-lo para seus outros afazeres.
A dias eu pensava em me inscrever em uma academia. Stella já estava com 6 anos e meu pós gestacional não foi como na primeira gravidez. Ganhei muito peso e em toda festa que estávamos percebia os olhares dos amigos empresários de Carlos com suas Barbies do lado, me olhando de cima para baixo.
E quando falavam para ele que eu engordei ele ria e nunca me defendia. Parei de cuidar de mim para cuidar de duas crianças… Uma pequena e outra que eu dedicava a fazer o mundo respeitá-lo.
Vi uma academia próxima a casa que compramos e dei uma passada para obter maiores informações. Nunca tinha feito musculação, mas de acordo com minhas pesquisas era a melhor opção naquele momento. A recepcionista muito educada me indicou uma profissional que não estava presente no momento. Eu não poderia aguardar pois tinha que buscar Stella na escola e levá-la ao dentista à tarde. Então peguei o telefone na academia e busquei Stella.
Levei-a ao dentista e depois fomos ao shopping. Com o tempo aprendi que dinheiro não compra felicidade, mas compra coisas que acabam com o tédio. Ficamos a tarde toda no shopping e Stella quis parar na praia para tomar uma água de coco. Enquanto eu pagava o homem do quiosque, ela saiu correndo atrás de uma borboleta e uma mulher quase a atropelou. Meu cansaço e estresse diário fez com que eu agisse de forma extremamente grossa. A mulher que estava com ela começou a esbravejar comigo e eu olhava o estado da moça querendo pedir desculpas, mas orgulhosa demais para o fazer.
Ela era uma moça negra, de olhos claros, mas não pude definir a cor, pois ela fazia uma expressão de dor. O cabelo cacheado estava preso em coque. Vestia um um short curto e um top que deixava a mostra seu abdômen super definido e com gotículas de suor escorrendo.
Acordei do transe quando alguns curiosos se aproximaram. Peguei Stella no colo e fui para o carro.
Segurei o volante por alguns segundos e respirei fundo algumas vezes. Stella que estava no banco de trás me olhava como se esperasse o meu momento.
- Filha você não pode soltar a mão da mamãe e sair correndo. Hoje não aconteceu nada grave. Mas pode acontecer.
- Aconteceu algo grave sim. A tia Rafa fez dodói no braço.
Não lembro de alguém ter dito o nome da mulher durante o ocorrido, minha filha deveria estar confundindo-a com alguém.
- Meu amor a moça vai colocar um gelo e irá melhorar. Ela é grande. Importante é que você está bem.
Nem eu acreditava no que estava falando. A queda da moça foi feia. Por pouco não tinha batido a cabeça no meio fio. E pela expressão de dor, somente um gelo não seria o suficiente.
Quando cheguei em casa lá estava Carlos com cara de poucos amigos.
- Que merd* você arrumou Helena?
- Do que você está falando?
Ele me mostrou o celular e lá estava “Mulher de empresário recém chegado na cidade protagoniza barraco com ciclista em praia. Clique para ver o vídeo.” Fiquei em silêncio.
- Você não faz porr* nenhuma e ainda quer fuder com meus negócios?
- Carlos, Stella quase foi atropelada.
- É isso que dá você não cuidar direito dos seus filhos.
Olhei para a varanda e lá estava Davi com as duas mãos na cabeça, pois os gritos de Carlos haviam desencadeado uma crise. Após controlá-lo com muita dificuldade, pensei que preciso mesmo cuidar de mim para estar aqui nesse plano o maior tempo possível por ele. E começaria ligando para a academia amanhã para marcar uma reunião com a profissional que iria me atender.
Fim do capítulo
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Cristiane Schwinden
Em: 21/02/2025
Aguardando o segundo encontro delas!
Lando
Em: 24/02/2025
Woolf Sam
Em: 17/03/2025
Autora da história
O destino vem colocando as duas sempre frente a frente, agora o tempo definirá tudo.
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Woolf Sam Em: 17/03/2025 Autora da história
Fico verdadeiramente lisonjeada Thays. Obrigada.