Capitulo 2 - POR HELENA
Itamaré sempre foi meu lar. Com a separação dos meus pais e o sumiço de minha mãe, acabei assumindo muitas responsabilidades desde cedo. Ajudo meu pai a tocar a pousada e, apesar de gostar do ramo da hotelaria e enxergar um futuro promissor nisso, estou me arriscando na fotografia. Meu pai acha que é só um hobby, mas para mim é mais do que isso. Passei muito tempo estudando e lendo sobre o assunto, mas nunca tive contato real com uma câmera. Tudo teórico. No entanto, decidi mudar isso e, num impulso, comprei uma SL3.
Assim que finalizei a compra, papai entrou na sala administrativa.
— O que você está aprontando, minha filha?
— Nada demais, papai. Acabei de revisar as reservas do próximo mês e fechar a agenda. Parece que teremos muito trabalho.
— Provavelmente sim, mas teremos uma ajudinha extra.
— Ele sorriu de canto. Ah, sim. A garota Emanuele e seu castigo estranho.
— Isso me intriga.
— O quê?
— Que tipo de família dá um castigo desse para a filha? Para mim, isso parece mais férias do que punição. Eles alugaram um chalé para ela.
— Estão tirando ela do lugar onde está habituada, longe das regalias que sempre teve, e mostrando uma realidade diferente. Ela vai precisar se virar sozinha, coisa que nunca precisou fazer.
— Ainda acho que são férias, papai.
Ri. — Bom, você será responsável por ajudá-la a se adaptar. Então...
— Entendi. Eu que estou sendo castigada!
— Brinquei, levando as mãos ao peito teatralmente.
— O que foi que eu fiz? Perdãoooo!
Papai riu alto.
— Eu te amo, filha.
— Eu sei, velho. Também te amo. Mas preciso sair agora.
Dei um beijo em sua bochecha e saí apressada. Precisava encontrar Carlos e Luara para combinarmos o nosso luau de início de ano. Somos um grupo de oito amigos que se reúne todo começo de ano para beber, jogar e conversar à beira-mar. Um ritual nosso. Precisávamos acertar os detalhes.
Encontrei Carlos, sempre falante e animado, alegrando qualquer lugar.
— Vamos para onde? — perguntei. — Icetamaré! Quero tomar aquele sorvete de limão que eu amo e olhar o movimento da cidade. Ouvi dizer que chegaram uns pitelzinhos por aqui e quero averiguar se são gostosinhos mesmo. — Que fogo é esse, menino? — Fogo nada, sou apenas observador. — Anda logo antes que o sol se ponha e a Luara fique irritadinha. Você sabe que ela tem o pavio curto. — Nem me fala.
Sentamos e fizemos nosso pedido. Finalmente, um momento para relaxar enquanto tomava meu sorvete de chocolate. Os meninos estavam agitados, o que eu adorava. Esse caos, essa alegria. Sabia que, em breve, cada um tomaria um rumo e esses momentos seriam mais raros. Como estava demorando um pouco, levantei e fui falar com Sara, a atendente do Icetamaré.
— Sarinha, meu bem... Vai demorar muito nosso sorvete? Estou morrendo de vontade! — Espera só um pouquinho, meu bem! — Por você, espero mais que um pouquinho. — Pisquei para ela. Pouco depois, ela voltou com meu sorvete e um sorriso no rosto. — Prontinho, Lene. — Cada vez mais mal acostumada com esse atendimento VIP. Muito obrigada, cheirosa. — Toma juízo, Lene. Toma juízo.
Sara era um amor de pessoa e eu sempre brincava com ela com frases de duplo sentido, só pelo clima. Nada nunca aconteceu entre nós. Ela sempre dizia que era hétero e que, se gostasse de meninas, ainda não ficaria comigo, porque eu sou bi. “Bi é mais gente para eu me preocupar”, ela brincava. Sorri para ela e saí distraída. Tão distraída que esbarrei em uma morena e derramei todo o meu sorvete na blusa dela. Para meu desespero, era branca. Congelei, sem saber como reagir.
— Não olha por onde anda, garota? Olha o que você fez! — A voz dela foi ríspida, sem nem me encarar. — Eu... sinto muito... — balbuciei. Que vergonha. O que foi isso? Desaprender a falar, agora? Ela ergueu o rosto, finalmente me olhando. Seus olhos eram intensos. — Sentir muito adianta bastante. Minha roupa continua suja e você ainda está aí, parada, com essa cara de sonsa. Aquilo me pegou de jeito. O quê? Quem essa garota pensa que é? Olhei-a de cima a baixo, irritada. Petulante, sem educação... e tão bonita. Um segundo de confusão me travou. Mas não dei mais atenção. Virei as costas e voltei para a mesa, frustrada por perder o sorvete e, de quebra, pela audácia daquela garota.
Carlos me olhou intrigado. — O que foi isso? — Isso o quê? — Essa sua reação. Quem é aquela garota? Você não se abala assim por qualquer coisa. O que houve? — Nada, Cacá. Não estou abalada. Só foi um dia complicado. Ele não pareceu convencido, e eu mesma não tinha certeza do que sentia. Olhei na direção onde tinha esbarrado na garota. Ela já não estava mais lá. Melhor assim. Ao menos não precisaria encará-la outra vez.
Saímos tarde do Icetamaré. Carlos foi embora com um boyzinho e Luara insistiu em me deixar em casa.
— Não precisa, Lua. Posso ir a pé. — Eu tô de carro, Helena. Para de bobagem, te levo. — Okay, vou aceitar a carona. — Então vamos. O percurso foi silencioso. — Chegamos — ela disse, estacionando. — Chegamos. Obrigada. — Que agradecimento merreca, hein. — Hoje é o que você vai ter. Depois te pago um sorvete.
Pisquei para ela. Ela riu de canto e negou com a cabeça.
Entrei em casa. Tudo parecia silencioso, todos já dormiam. Caminhei direto para o banheiro. Um banho quente e cama. Amanhã os turistas começariam a chegar, e então, a correria recomeçaria.
Fim do capítulo
A tensão esta no ar.
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