Capitulo 68
Capítulo 67
Levantei da cama relutando, mas levantei. Olhei rápido para a Beatriz, estava dormindo em uma posição um pouco diferente de quando pegou no sono. Na outra parte do dormitório deu pra ver a silhueta da Marjorie dormindo. Sai do quarto e retornei a ligação pra Bruna.
- Flavinha?!
- Fala Bruna! Boa noite, me ligou?
- Liguei. Você está na sua casa? Posso ir aí rapidinho? - olhei rápido no relógio, se eu estivesse no Brasil seria por volta da 1h da manhã. O que precisa fazer na minha casa esse horário? - Preciso muito conversar com você.
- Bru, desculpa, não vai rolar.
- Prometo ser coisa rápida, mas preciso falar com você. É rápido.
- Bruna, eu não estou em casa. Não consigo te atender.
- Você está na rua? Me fala onde você está que eu vou te encontrar.
- Bruna, não posso te receber agora. Se quiser fala aqui pela ligação.
- É por causa da Bia? Não tem risco, é coisa rápida.
- Bruna, quer falar alguma ou só encher o saco de madrugada? - falei direta e bem firme.
- É que eu queria conversar pessoalmente, só isso, Fla. Mas pode ser por aqui. Como está a situação da May?
- Bruna, você me ligou de madrugada, me atrapalhando, pra perguntar da Mayra? Não dá cara, boa noite!
- Não , não Flavinha, não desliga. Te perguntei isso porque acabou de sair aqui de casa - opa, levantei o alerta - ela estava super nervosa, agitada, diferente do habitual.
- Ela falou alguma coisa pra você.
- Ela se despediu, falou que me amava muito, mas que hoje precisava me deixar. Foi diferente, ela já foi viajar muitas vezes Flavia, mas dessa vez ela estava triste e muito nervosa.
- Bruna, nós terminamos, eu não vou ser sua ex amiga que fica ouvindo suas dores sobre a atual. Não sou tão evoluída assim.
- Não é isso Fla. Quero sua ajuda como amiga e investigadora. Eu não sei o que fazer, você me disse pra me afastar dela, que a Mayra estava com problemas, mas eu não sei o que está acontecendo, não sei como ajudar ela.
- Cara, eu te dei um toque, você se vira pra ir atrás de informação. Não posso te levar no colo.
- Ah Flávia, para de ser grossa. Não quer me ajudar só falar.
- Bruna, a Mayra tá ferrada até o talo. Ela vai ser presa, se não for é porque conseguiu pagar alguém.
- Como eu posso ajudar ela Flávia?
- Você quer que eu fale como ajudar ela? Ela mandou me bater, quase morri. To toda roxa, quebrada, com dor, sofrendo e você quer saber como ajudar ela? Em nenhum momento você me perguntou se eu estou bem? Se eu preciso de ajuda.
- Não entendi. Ela vai ser presa porque mandou te bater? Então se você não denunciar ela, não tem prisão?
- Eu não estou ouvindo isso Bruna. Caram você é inteligente, estudada, linda! Não consigo entender essa sua inocência, não dá. A Mayra mandou me baterem, mandou matar um delegado, é traficante de pessoas, sonega imposto, tá com merd* até nos olhos. Ela é ruim, é uma malandra, vagabunda. Ela vai cair, com a minha denúncia ou não.
- Não pode ser isso Flávia. Ela trabalha comigo todo dia, tá lá no jornal, conheço ela Flávia.
- Bruna, não tenho cabeça nem emocional para te mostrar quem ela é. Isso depende de você. Que horas ela saiu da sua casa?
- Tem uns 15 minutos. Eu não consegui segurar ela aqui. O que eu faço pra ajudar ela Fla? - comecei a ouvir choro - Quero ajudar ela! O que eu faço Flávia!
- Bru, Bru, a primeira coisa é ficar calma. Respirar fundo. Você tem que estar bem para poder ajudar ela.
- Tenho que ver um advogado pra ela né? Faço isso Flávia?
- Bruna, me escuta, vai tomar um banho, se acalma. Deixa as coisas acontecerem primeiro. Tem alguém aí pra ficar com você? Alguém pra te acalmar?
- Não, não tenho ninguém mais.
- A Lana, liga pra ela. Tem o Bibo também. Ele, como delegado, vai até poder te direcionar melhor - Ela chorou do outro lado, falando “hum, hum”, tentando segurar o choro, provavelmente a dor emocional - Eu vou ligar pra ele também, pedir para ele ir aí te ver.
- Não, não quero ninguém aqui. Você foi a única pessoa que pensei, pensei em ir aí.
- Eu não estou em casa, não posso te ajudar mais, desculpa.
- Não, já me ajudou muito, sempre faz seu melhor Flavinha.
- Eu vou voltar a dormir, tá?!
- Claro, desculpa te incomodar, mas precisava falar com alguém.
- Fica bem, tá bom? Você é forte, madura, só precisa encaixar seus pinos.
- Obrigada Flavinha.
- Beijo!
Desliguei o celular, e é claro que não fui dormir. Liguei para a Isabelle. No segundo toque ela atendeu, voz de sono, mas também em um tom mais agitado.
- Pronto.
- A Bruna acabou de me ligar aqui.
- Tem novidades?
- Segundo ela, a Mayra saiu do apartamento da Bruna faz uns 15 minutos, estava muito nervosa e se despediu.
- Vou ligar na escolta e te atualizo.
- Beleza.
Fiquei do lado de fora do dormitório, a região é bem fria. Mesmo eu estando em um lugar fechado, é fácil sentir o vento entrando pela roupa. Não estava nevando, mas realmente estava muito frio. Fiquei ali parada, olhando para a escuridão da noite.
- Não consegue dormir? - me assustei com a voz suave da Bia e com seus braços passando por mim, me abraçando por trás.
- Trabalhando amor - respondi apoiando minha mão sobre as dela, sem virar de frente, mas sentindo aquele calorzinho.
- Essa hora? Está tudo bem?
- Sim, estou esperando a Isabelle me responder e já vou deitar.
- Mas está tudo bem amor? - ela me perguntou novamente, me abraçando pelas costas, eu virei o corpo, fiquei de frente, olhando em seus olhos escuros.
- Tudo bem amor, só trabalho mesmo - encostei meus lábios no dela - Vai descansar, já já eu vou.
- Não quer que eu fique aqui com você?
- Não linda. Vai descansar. Eu já vou também, só estou esperando a Isa ligar. Você perdeu o sono?
- Tava tendo um sonho ruim. Aí acordei e não te vi.
- Vem, fica aqui abraçadinha comigo. Vai ficar tudo bem, tá?! - Ela calmamente apoiou o rosto no meu ombro enquanto a abracei e apoiei a mão não quebrada em sua nuca - Te amo Bi. Estou aqui!
Ficamos alguns minutos nessa posição, confortavelmente, eu apoiada na parede e ela em mim, até a Bia cansar seu corpo e ir relaxando aos pouquinhos, normalizando suas emoções.
- Amor, vou deitar, o sono voltou.
- Claro linda, alguém precisa descansar - ela esticou o rosto, sorrindo pra mim e me alcançando para um beijinho e voltou para o dormitório. Me mantive ali do lado de fora, com os olhos praticamente fechando com o sono, esperando a ligação da Isabelle. Ligação que aconteceu alguns minutos depois, no primeiro toque eu já atendi.
- Pronto Isa.
- Falei com a escolta.
- E aí?
- Os idiotas ainda estão no prédio esperando ela sair faz meia hora.
- Puta merd* Isa, ela já deve ter saído.
- Exatamente. Perderam ela.
- Não cara, não.
- Não dá para entrar no predio e fazer uma varredura. Já acionei o alerta de fuga nas estradas e nos aeroportos.
- Puta merd*, sério. Quem eram os idiotas da escolta?
- Flávia, não adianta surtar. Isso não traz ela.
- Eu sei Isa, mas é foda. Olha o trabalho que nos duas tivemos todo esse tempo, para dois idiotas desligados perderem ela.
- Eu sei. Deixei eles e mais uma escolta no prédio pra caso ela esteja lá ainda. Acionei o juiz de plantão que liberou o mandado de prisão, acionei os aeroportos e estradas. É o que dá pra fazer, estou tão puta como você.
- Porr* cara, sério. To puta.
- Flávia, puta ou não, não muda nada.
- Eu sei Isa. Eu sei.
- Fica com o celular em condições de ser acionada.
- Aviso alguma coisa pra Marjorie?
- Agora não, amanhã pode atualizar da fuga da Mayra. Porque vocês estão em Portugal e essa é uma possível rota de fuga, onde ela tem suporte. Londres também é uma possível rota, mas com a queda da Milena, perde a segurança de Londres. Falou pra Bruna que você está em Portugal?
- Não, jamais. Só quem sabe é a gente.
- Ótimo, porque a Bruna poderia ter informado a Mayra, e aí Portugal não ser mais uma rota de fuga. Vou manter o alerta as rotas de Portugal como possivel fuga.
- Tá. Qualquer coisa me aciona, vou estar com o celular full.
- Beleza.
Eu não voltei para o quarto naquele momento, fiquei um tempo tentando respirar e não surtar. Como os idiotas da escolta perderam a Mayra? Como podem ser tão displicentes, tão desatentos? Tanto trabalho para perdermos ela. Não estou acreditando, sério.
Na manhã do dia seguinte, acordei não eram nem 7h. Na verdade nem consegui dormir, estava com bastante dor no local do dreno e na mão quebrada, até tomei analgésico, mas não ajudou muito. Minha cabeça também não se tranquilizou, fiquei com tanta raiva da Mayra ter despistado a escolta que realmente não dormi de raiva. Fiquei sentada esperando uma das duas (Marjorie e Bia) levantar, eu tinha assuntos pendentes e sérios com ambas. Como nenhuma das duas acordou muito cedo, acabei me trocando em silêncio e procurei o refeitório do hospital, deve ter alguma lanchonete ou algo do tipo. Achei não só o refeitório, como achei a Fernanda tomando café.
- Flávia - ela esticou a mão e me chamou assim que entrei no lugar.
- Opa, bom dia.
- Bom dia. Pega lá seu pequeno almoço e senta aqui comigo - concordei, mas não entendi, o que é pequeno almoço? Tentei associar com comida, mas na verdade não sei. Passei no buffet, tinha bastante coisa, simples mas com bastante opção, panquecas, ovos, bacon, salsichas, dois tipos de pães. Deve ser refeição aos funcionários, imagino que paciente não come bacon durante uma internação. Peguei algumas coisas e voltei a mesa que a Fernanda estava sentada.
- Bastante opção né?! - puxei assunto.
- Sim, a ideia é que todos consigam comer aqui no hospital. Principalmente porque temos muitos voluntários de fora de Portugal.
- Aqui seria o que? Uma clínica? Não entendi direito - comentei, puxando conversa mesmo, espero que responda devagar. A Fernanda tem um sotaque portugues bem intenso
- Essa unidade é um hospital, inclui centro de parto, tratamento oncológico. O outro prédio é mais ambulatório, consultório, essa parte. Nós somos um programa social, recebo médicos de vários países para conhecer o projeto, trabalhar um tempo, fazer intercâmbio.
- Entendi. Sempre achei que Portugal fosse rico, tipo sem precisar de projeto social, nada disso.
- É o que muitos pensam e é normal raciocinar desse jeito, mas somos uma região bem pobre de Portugal. Somos um vilarejo agrícola sem recurso algum. Por exemplo, até a Caroline chegar aqui, o ginecologista mais perto era daqui 150- 170 km. Imagina uma gestante em trabalho de parto percorrendo essa distância.
- Realmente, bem distante. Não tem nada entre aqui e o proximo hospital?
- Basicamente fazendas de ovelha e oliveiras. É mais facil você achar um veterinário que um médico.
- Uma situação bem precária. Eu nunca saí de São Paulo, então não tenho uma visão muito ampla do assunto.
- A situação de Urros não é diferente do norte do Brasil ou das periferias de grandes cidades.
- Isso é bem triste, faltar recursos básicos.
- Sim, essa realidade é mundial. Cada um tenta ajuda como pode. Vocês ficam até quando?
- Hum, não tenho um prazo exato pra te dar, mas não devemos esticar muito não. Acho que amanhã ou depois.
- Bem rápido.
- Viemos apenas resolver a questão da Milena mesmo. Eu nem deveria estar aqui, estou afastada do trabalho na verdade - ela deu uma olhadinho pro meu rosto roxo e sorriu irônica.
- Percebe-se. Deveria estar quieta. O que “aconteceste” com ti? Fostes roubada?
- A história é um pouco longa, mas para resumir, apanhei na rua.
- Mas assim do nada?
- Não, o agressor era conhecido. Foi caso mandado. Mas estou bem até, agora é mais descanso.
- Se precisares de medicação ou alguma coisa, estás em um hospital, tens total acesso a atendimento. Na pior podes me ligar. Ontem conseguiram fazer alguma coisa no vilarejo, digo, deu tempo de sair do hospital?
- Foi bem corrido ontem, ficamos o tempo todo no departamento de polícia. Já voltamos tarde e eu fiquei trabalhando direto.
- Então hoje vamos almoçar em um lugar diferente. Não podem vir aos Montes, por mais que breve, sem “conheceire” a comida daqui. Avisa as outras duas meninas.
- Não precisa Fernanda, viemos trabalhar, não é turismo.
- Conhece a Dra Caroline não conhece?
- Claro.
- Eu que deixe vocês dias em Portugal sem ser boa anfitriã. A Caroline me deu regras claras.
- Ela está bem? Queria dar uma abraço nela antes de ir embora.
- Ela vai almoçar conosco. Já voltou a trabalhar. Deu trabalho fazer ela ficar pelo menos um dia de repouso.
- Ah, entendo a Dra Carol, também não gosto de ficar parada.
- A Carol só descansou porque eu quase a obriguei, ela é muito fiel ao trabalho. Flávia, como ficou a Milena? Se não puder falar, vou entender também.
- Então Fê, não sei muito o que te dizer. Quem está cuidando especificamente é a Dra Marjorie, eu vim auxiliar porque conheço o caso e sei dos detalhes. Mas quanto a situação da Milena só a Dra mesmo. O que posso te adiantar é que ela assinou uma confissão, e isso por si só já dá um bom peso para a condenação.
- É uma situação tão complicada pra mim Flávia, eu namorei a Milena, confiei nela. Na verdade, crescemos juntas, não consigo imaginar a pessoa que cresceu comigo, nessa situação. Ontem o pai dela veio falar comigo, um senhor que tenho uma consideração como pai, pedindo para não arruinar a vida da filha.
- Mas você fez o que pra filha dele? Ela fez as coisas que fez por si só. Agora imagina você com a Dra Carol, defendendo a Milena? Desculpa a sinceridade, perde as duas.
- Exatamente. Minha história com a Milena já faz anos. E agora conheci a Carol -respirou fundo - sou encantada por ela. Não sei como ficaria se tivesse acontecido algo pior pra ela no sequestro.
- Então não se sinta culpada por absolutamente nada que aconteceu ou acontecerá com a Milena. Uma mulher com tudo que ela tem, precisava ter desviado para o crime? Pensa em tudo que você viveu, como foi forte em suas escolhas. Você não tem culpa do que a Milena decidiu pra ela, porque sempre temos escolhas. E ela escolheu se perder - tomei um gole do café, a Fernanda não respondeu, também tomou um gole do café dela e ficou pensando, olhando para o fundo atrás de mim.
Fomos interrompidas por uma senhora, que falou algo no ouvido da Fernanda.
- Flávia, eu preciso começar a trabalhar. Resolver as coisas. Encontro vocês três umas 13 horas lá no meu consultório. Pode ser? Qualquer coisa, me mandem mensagem, estarei no hospital.
- Claro Fê, obrigada pelo cuidado.
- Que nada! Aguardo vocês!
Eu terminei meu pequeno almoço e voltei para o dormitório, as duas já haviam acordado e estavam se trocando. Atualizei, ambas, que teríamos um almoço com a Fernanda e a Carol e não seria legal desmarcar. Também pedi para conversar em particular com a Marjorie depois do café da manhã. Descemos juntas para o refeitório, onde acompanhei as duas enquanto eu tomava mais uma caneca de café. Batemos papo, elas comeram com calma. Quando finalizamos o café da manhã a Bia entendeu que eu precisava falar sozinha com a Dra Marjorie, então me deu um beijinho e falou que estaria no dormitório.
- Já subo lá Bia. Te amo - falei rapidamente esperando ela se afastar e comecei com a Marjorie - Vai conseguir alguma proteção em relação a Milena?
- Estou esperando dar 8 horas em São Paulo e em Brasília para ver se consigo algo. Mas acho muito improvável transferir a Milena para o Brasil. Bem difícil. Se fosse um fugitivo brasileiro que caiu em Portugal, seria outra situação. Mas ela é portuguesa, mora aqui, tem emprego aqui. Não conte com essa transferência.
- Ontem a noite a Das Letras fugiu.
- Do Brasil?
- Não sabemos, por enquanto só deu um Pelé na escolta e até o momento estamos sem notícia. A Isabelle acionou o alerta de estradas e aeroportos. Uma das possibilidades é que venha pra Portugal, tem recursos, rede aqui.
- Quando eu ligar pra acionar em relação a Milena, já vou alinhar sobre a Das Letras. Mas o caso dela é mais tranquilo. Só ela aparecer aqui, ironicamente falando - rimos da simplicidade que seria resolver um problema tão grande, tão sério.
Pouco antes das 13 horas, nós três nos agasalhamos bem para ir almoçar com a Carol e a Fernanda. Havia começado a cair uma neve bem fininha. Eu, que nunca tinha visto neve na vida, fiquei encantada. Era como um sereno, gelado, um pouco molhado. O céu estava nublado, como um dia de garoa em São Paulo, mas no lugar da água, caia neve. Por um breve momento eu fiquei parada na porta do hospital apenas olhando, deixando os grãos de neve cair em mim. Olhei para o lado, a Bia estava tão encantada como eu, seus olhos estavam brilhando, ela estava sorrindo. Um sorriso verdadeiro, leve, como se o mundo atrás da gente tivesse sumido.
- É lindo né Bia? - falando
- Muito. Eu nunca tinha visto a neve.
- Eu também não, nunca nem tinha andado de avião - cheguei pertinho dela e falei baixinho - obrigada por estar comigo na minha primeira viagem de avião.
- Meu amor, só vim por você estar quebrada.
- Eu sei mozi. Adoro seu humor ácido, adoro! - falei bem irônica.
- Essa não conta como nossa primeira viagem internacional.
- Ah, conta sim Bia. Podemos fazer uma melhorada depois, mas conta sim. Foi a trabalho, mas conta - sorri pra ela, encerrando, mas agradecendo por estarmos juntas nessa missão.
- Pontuais as senhoras - a Fernanda apareceu próximo a entrada do hospital, de mãos dadas com a Dra. Carol. Ela está com o rosto ainda um pouquinho inchado, imagino que no lugar que quebrou o osso, mas bem menos que no dia que resgatei ela. As duas, muito educadas, comprimentaram nos três.
- Essa é a Dra Marjorie, delegada da Polícia Federal - beijinho da Dra Carol - e essa é a Beatriz, da polícia científica e minha namorada - A Carol, muito educada comprimentos a Bia, mas não deu pra deixar de reparar no olhar confuso dela com a apresentação da Bia.
- Vamos levar vocês em um restaurante bem tradicional daqui, feito pelos colonos. Se tivéssemos um pouco mais de tempo, vocês ficassem mais alguns dias, dariam para comer conosco em casa, na fazenda.
- Infelizmente é uma viagem bem breve. Mas fiquei encantada com as paisagens daqui. Achei as montanhas lindas - a Marjorie puxou papo com a Fernanda e foram andando, um pouquinho mais a frente. Já a Dra Carol, puxou papo comigo.
- Eu estou enganada ou no dia que fiz meu depoimento sua namorada era outra pessoa? - Carol direta.
- A história é um pouquinho longa, mas foi a Bruna que te apresentei. Nos já estávamos praticamente terminado, na verdade terminamos naquele dia mesmo.
- Perguntei por curiosidade, porque também não tenho a ver com isso.
- Tudo bem. Eu e a Bia já estávamos nos conhecendo. Mas eu precisava terminar com a Bruna antes de assumir qualquer coisa, uma questão de respeito.
- Você está certíssima, não é legal encavalar, ter duas ao mesmo tempo, mesmo com um afundando e o outro dando certo. Apesar que eu não sou nenhum exemplo disso, vim pra Portugal dar um tempo na vida, quando vi estava casada ainda e apaixonada pela Fernanda.
- Mas alinhou isso rápido Dra. Acho que no caso da senhora, o certo foi não perder a oportunidade de ser feliz. Poderia ter perdido essa chance por causa das posturas sociais. E a diferença que eu vi no cuidado com você no sequestro, me mostra que você estava certa.
- Estava mesmo. A Fer é tão cuidadosa comigo. Às vezes precisa de um empurrãozinho, mas é cuidadosa, amorosa, apaixonada.
- Então, não fez nada de errado. Tem mais é que aproveitar a vida com ela. Fazer valer a pena.
- E você tá com esse rosto amassado e a mão imobilizada por que?
- Tava jogando rugby e escorreguei com o rosto.
- Sério? Foi jogando rugby?
- Não, não. Tomei umas porr*das na rua, mas defendi o que eu precisava defender.
- Chegou a quebrar alguma coisa no rosto?
- Não, o rosto ficou roxo da porr*da. Quebrei duas costelas e o rádio. Mas já estou bem melhor. Vim pra dar um suporte no caso, já que eu tinha cuidado do seu sequestro lá no Brasil.
- Ah Flávia, pensa que situação chata, desconfortável. A ex namorada da Fer que mandou me sequestrar. Quando vi a Milena pela primeira vez eu sabia que teria trabalho com ela, que ela iria querer brigar pela Fernanda, essas coisas que mulher faz quando percebe que perdeu. Mas mandar me sequestrar é uma coisa pra mais. Na verdade falou que mandou me matar, só não morri porque o bandido do Puca me protegeu. Que história sem fundamento.
- Sem lastro nenhum né?! Eu fico pensando, você no aeroporto tomando um café e do nada sequestrada. Eu como investigadora trabalhando, pesquisando de onde poderia ter saído a ordem do seu sequestro. Na verdade eu estava investigando a quadrilha e seu caso caiu junto. Realmente sem sentido essa ordem da Milena.
- Eu acho que a ordem dela foi completamente passional, sem pensar. Sei lá, me passa isso pela cabeça.
- Infelizmente não dá pra saber e nem faz sentido saber. A preocupação agora é você voltar ao normal, saudável, se readaptar ao medo do pós trauma e seguir em frente. Aproveitar a vida com sua namorada, diga-se de passagem os olhos da Fer brilham quando fala de você!
- Ela é muito fofa né?! Às vezes sem noção, mas muito fofa - a Carol terminou de falar e paramos todas em frente a uma casinha de pedra, com um jeito medieval, bem rústico.
- Pessoal, vamos todos entrar que tá frio, vamos almocaire aqui. Pedi para deixarem tudo organizado já - a Fernanda falou, entrando na casinha e seguimos ela. O lugar era quentinho dentro, aconchegante, bem medieval mesmo. Por dentro a decoração continuava sendo as pedras, mas com luminárias presas nela, clareando o espaço - Sentem e fiquem a vontade
O garçom veio alguns minutos depois, mas falou diretamente com a Fernanda. Apertou a mão, conversaram em uma língua que não conheço, não era Português do Brasil, nem de Portugal.
- Que língua estão falando? - a Bia perguntou para a Carol.
- Se não me engano é Cantês ou alguma coisa assim. A Fernanda falou que é uma língua dos colonos daqui, que ela cresceu falando essa língua. Eu não faço ideia. Male mal entendo o português com o sotaque dela - rimos as quatro, entendendo o drama da Carol.
- Eles já já vão trazer a comida, pedi uns pratos bem típicos daqui. Espero que gostem - a Fernanda falou, sentando à mesa. Ficamos jogando conversa fora, até o atendente vir servir a bebida. Todas aceitaram vinho e eu pedi suco de uva, sendo corrigida para “sumo” de uva.
Pouco tempo depois as comidas começaram a chegar. O primeiro prato, acho que uma entrada era um ovo enrolado com bacalhau e tudo isso empanado. Pra mim era um “bolovo” de bacalhau, mas eu não faria esse comentário.
- Recomendo que vocês coloquem azeite por cima ou faz uma pocinha de azeite e vai molhando - orientação da Fernanda - Esse azeite aqui - esticou o frasco - tem uma acidez que encaixa bem neste prato - A Carol estava olhando ela admirada e depois rindo, nitidamente achando fofo, bonito, o modo como a Fernanda estava falando do azeite.
- Nossa, muda mesmo o sabor - a Marjorie comentou depois de seguir as instruções de fazer a pocinha de azeite - Dá uma realçada, ficou mais gostoso ainda - as duas engataram uma conversa breve sobre azeite e as propriedades de acidificação dos alimentos.
Em seguida recebemos um prato de bacalhau às natas. Um pedaço de bacalhau que nem com minhas boas economias eu compraria, um senhor pedaço. Segundo a Fernanda, as natas foram feitas com leite de ovelha, já que estávamos em uma região de cultivo de ovelha, que são para corte, leite e lã. Confesso que com minha simplicidade cultural não sabia nem que se comia ovelhas, muito menos que são “cultivadas”.
- Amor, esse faz a pocinha de azeite também? - a Carol perguntou para a Fernanda.
- Pode sim. Pode colocar fios de azeite sobre o prato todo ou como tem nata e nata não orna tão bem com azeite, pode fazer uma pocinha e ir só mergulhando a parte que quiser. Conforme seu paladar. Se gosta muito de azeite, pode até beber junto com as natas - todas rimos porque foi engraçado o jeito como ela falou.
De sobremesa a Fernanda pediu alguns doces tradicionais para experimentarmos. Então chegou um pratinho pra cada uma com uma unidade de cada doce. Veio ovos moles de Aveiro, que é uma mistura de ovo e açúcar, com uma película de massa bem fininha, me lembrava uma hóstia. Maravilhoso, um pouco doce pro meu paladar, mas perfeito.
O outro doce é chamado Torta de Azeitão. Segundo a Fernanda, em Portugal “torta” é semelhante ao nosso rocambole. Esse tinha um recheio de ovo com canela e a massa besuntada de calda de açúcar. Também bem doce para o meu paladar, a Beatriz estava quase pedindo mais um.
O terceiro doce era o Travesseiro de Sintra, que novamente segundo a Fernanda, guia culinária e de história de Portugal, esse doce é feito há mais de 150 anos pela pastelaria Piriquita, no centro histórico de Sintra. É composto por uma massa folhada coberta com açúcar e recheada com creme de ovos e amêndoas. Esse foi o meu preferido, não pela periquita em si, mas por ser mais leve de açúcar e ter uma crocância maravilhosa das amêndoas.
O último é uma casquinha crocante com recheio à base de ovos e queijo fresco de ovelha. A Fernanda falou que se chama Queijadinha de Évora. O sabor do queijo acalma bem o açúcar. Fica bem suave. Foi um dos doces que tive vontade de repetir.
- Fer, você montou uma aula - a dra Carol comentou com a namorada.
- Que nada, isso aqui é o dia a dia. Tem mais um monte de outras receitas boas.
- Eu imaginava que a principal era o pastelzinho de Belém, acho que é o mais famoso - a Bia comentou.
- Então, o pastelzinho é o mais popular, comum. Seria como o bolo de cenoura do café da tarde do Brasil. E eu amo o pastelzinho da dona Antônia, ela é a minha mãe Portuguesa, me recuso a deixar vocês provarem um pastel de nata sem ser o dela, é desonesto.
- Realmente, o pastel de nata da dona Antonia supera todos os pasteis que já tinha comido no Brasil, é maravilhoso - a dra Carol completou - Uma pena vocês já estarem indo, se ficassem até o final de semana levariamos vocês lá para comer.
- Mas vou dizer que vou juntar dinheiro para vir com calma, viajar. Achei lindo esse lugar. Parece que estou em um livro de história - a Marjorie falou.
- Isso. Foi assim que eu me senti também quando cheguei. Parece aquelas histórias medievais de livro. Eu sou encantada por aqui - dra Carol comentou.
- Só pelas montanhas? Pela portuguesa nada? - A Fernanda falou jogando charme. O jeitinho tímido da Carol fez todos rirem na mesa, ela estava tímida, toda sem graça com a própria resposta dela.
Pedimos um café e ficamos ali no quentinho do restaurante, às cinco, jogando conversa fora, batendo papo. Foi um almoço maravilhoso, não só pela aula de história e culinária, mas pela companhia, pela conversa, pela forma amorosa que fomos tratadas.
No finalzinho do almoço o celular da Marjorie tocou, ela levantou da mesa para atender, quando o meu tocou também. Olhei a tela “ Isa - delegada”, na hora olhei para a Marjorie e pela forma tensa que ela me olhou eu também levantei e me afastei da mesa.
- Tá me ouvindo Flávia?
- Pronto Isa, fala.
- Você leva quanto tempo para chegar no aeroporto de “Atrás dos Montes”, ou alguma cidade com o nome próximo.
- Estamos a umas 6 horas de Trás os Montes pelo que sei.
- Pega tudo e vai pra lá, urgente. Já mandei acionar a Marjorie.
- O que aconteceu?
- Achamos a Mayra, está em um voo com plano de pouso para essa cidade. Previsão de pousar em 10 horas.
- Rastreou quando?
- Acabei de receber essa informação. Enquanto ela estiver no aeroporto e vocês, como agentes brasileiros, estiverem aí, pode prender. Se ela sair do aeroporto, entra em vigor a legislação portuguesa e ai cara…
- Entendi, vou providenciar tudo. Ela não vai passar.
Fim do capítulo
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Mmila
Em: 09/02/2025
Essa Mayra é lisa.
A Bruna, se apresenta muito ingênua pra essa situação, nem parece a pesaoa descolada que é. O amor emburrecedores ela.
Lindos casais em Portugal.
Flavia e Bia merecem um viagem tranquila após esse sururu de polícia.
Parabéns autora , a história continua muito envolvente.
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