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Artem por Maysink

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Palavras: 4875
Acessos: 944   |  Postado em: 05/02/2025

Capitulo X

“— O que você sente? – me perguntou, suave, quase um sussurro, enquanto seus olhos escuros examinavam com minúcia o quadro diante de nós – uma tempestade de cores e formas brutas entre vermelho e cinza.

— Sinto o vibrar doloroso dos ossos em cada pincelada. – confessei, com a voz carregada de um lamento profundo. Cada traço e cada linha pulsava uma dor que eu mal conseguia descrever com exatidão, uma sensação física dolorosa demais que reverberava através do meu corpo e da tela.

— Impressionante! – ela sorriu pequeno, ainda observando o quadro com interesse.

— É uma dor tão profunda e corrosiva, que sinto meu peito encolher de pura aflição. Não há nada de impressionante nisso! – respondi, trêmula, retirando a mão do quadro rapidamente, como se o simples ato de tocá-lo fosse me arrebentar de dentro pra fora se o contato durasse por mais tempo.

— Acredito que pior do que sentir, seja não sentir! A dor nos faz humanos, Helena. – Adélia garantiu. — A experiência vinda da dor se torna um meio de conexão e compreensão, entende? Permite que outros se vejam refletidos nela e encontrem algum consolo, ou até mesmo força para lidar com suas próprias experiências. 

— Tenho a impressão que se você estivesse no meu lugar, essa maldição não teria durado mais do que alguns instantes. – brinquei, tentando dispersar a tensão que não largava meus ombros.

— Você me dá muito crédito! – ela respondeu, divertida e modesta. 

— Acho que ainda não tenho a habilidade de ver o lado bom disso tudo. — respondi cheia de sarcasmo, mas com uma honestidade brutal. — Às vezes, a dor parece tão... irreversível. Mas você, Adélia, a faz parecer só um contratempo indesejável.

Ela olhou para mim, seus lábios grossos se expandindo numa feição meio presunçosa, como se ela tivesse certeza do que causava toda vez que sorria daquele jeito.“

Depois de compartilhar meu passado com Adélia, nossa relação havia ganhado outros tons. Nossa cumplicidade se intensificara, ainda mais. Havíamos conversado sobre sua história, e como a intolerância alheia lhe afetava, como ela havia se reinventado apesar de tantas adversidades. O jeito como ela falava de suas lutas me fez ter a certeza de que, ao contrário de mim, ela havia encontrado formas de superar facilmente. 

Era impressionante como Adélia parecia ler minha alma. Em seus olhos não havia exigências nem expectativas, apenas a tranquilidade de quem entendia bem que o tempo e amadurecimento não era o mesmo para todos. A admiração que eu já sentia por aquela mulher, só crescia. Eu podia ter anos a sua frente, mas ela parecia ter muito mais experiência.

A obstinação para entender melhor a complexidade da minha situação, fez com que Adélia me submetesse à alguns testes. Não podia negar, nem sempre eram agradáveis, mas pareciam estar surtindo algum efeito. Eu conseguia passar, com muito mais desenvoltura do que antes, pelas memórias que eu – agora – chamava de baixo impacto. A partilha forçada, antes tão dolorosa quanto um choque de alta voltagem, nestes casos, era tolerável e suas consequências passageiras. Eu só precisava querer senti-las, acolhe-las, para que logo virassem um eco distante, como um tapa ardido que deixava a pele apenas formigando.

As memórias de Adélia se encaixavam nessa categoria, razão pela qual nossas interações físicas tinham se tornado mais frequentes para o meu prazer pessoal. Apesar disso, ela era extremamente cuidadosa ao me tocar, sempre com delicadeza e cautela. Ao menor sinal de desconforto da minha parte, ela se afastava me olhando com doçura. Sua paciência duelava bravamente com a falta da minha, que enervava meu sangue com facilidade, me deixando frustada quando não conseguia lidar com os efeitos de alguma lembrança. Pouquíssimas foram as vezes que houveram reflexos das lembranças dolorosas de Adélia. O peso da minha própria história e a dor que eu carregava, pareciam cada vez mais leves ao lado dela. A resiliência de Adélia era inspiradora, e eu não conseguia me manter indiferente.

Minhas interações com Thomas também não escaparam das análises da mulher, que as definiu como categoria de baixo impacto – não que eu tivesse alguma dúvida, já que ele era uma das únicas pessoas capazes de me tocar sem me jogar, imediatamente, numa espiral de sentimentos angustiantes. No entanto, quando contei a Adélia sobre o episódio com Cassandra, vi certo desconforto em sua feição, como se uma sombra tivesse atravessado seu olhar. Ela não disse nada, mas eu podia ver o brilho raivoso pairando em suas íris escuras. Eu não a julgava, os sentimentos de Cassandra eram assombrosos por si só, e lembrar fazia minha pele coçar de nervoso. Havia um deleite doentio naquelas memórias, onde prazer e dor se misturavam de maneira quase indistinguível, como se a linha entre ambos estivesse borrada. Foi um alívio imenso, quando Adélia me disse que não precisava testar meus limites revisitando essas memórias tão densas e desagradáveis quanto a própria dona. 

Poucos dias haviam se passado desde que contei a Adélia sobre a maldição, e na tarde de uma quinta-feira qualquer reuni as duas pessoas mais importantes pra mim, para conversarmos sobre aquela parte da minha vida. Lembro que a sala da minha casa estava silenciosa, exceto pelo som do vento suave que entrava pelas frestas da janela. Eu estava em pé perto da estante de livros, com os braços cruzados, olhando-os com certa apreensão. Thomas estava sentado ao lado de Adélia no sofá, com os olhos fixos nela, como se esperasse uma catástrofe acontecer a qualquer instante. Do outro lado, Adélia, nos olhava com uma serenidade absurda. 

— É bom saber que agora temos Adélia conosco, Helena... Eu sempre me senti tão... impotente, não sabendo como te ajudar – suspirou — Fiz o que pude para ao menos aliviar essa situação. – Thomas disse quebrando o silêncio, voltando seu olhar emocionado para mim. Havia um brilho esperançoso em seus olhos, muito bonito de se ver.

— Eu sei, Thom! Sou imensamente grata por isso, e quero que tenha a certeza que você me ajudou bem mais do que pensa. – garanti-lhe com um sorriso agradecido, sentindo algo diferente, uma leveza que até então eu não sabia que existia. 

Adélia, que estava quieta até então, apertou a mão dele num gesto suave, um carinho silencioso. — Vocês nunca mais vão estar sozinhos, Thomas. – tocado pela sinceridade da mulher, ele sorriu com uma expressão mais leve, como se o peso que carregava por tanto tempo tivesse se dissipado. Ele olhou para mim, e seu olhar agora era diferente, mais confiante. Eu também pude sentir que as palavras de Adélia não eram apenas um consolo, eram uma promessa genuína. Algo nela tinha se transformado desde que soubera da maldição, e eu não podia mais negar que, de alguma maneira, isso nos unira ainda mais. Eu sabia que apesar de tudo ela ainda não havia digerido totalmente toda aquela situação, no entanto, sendo uma pessoa pragmática ela focou-se em agir primeiro para só então se permitir assimilar minha dura realidade, pacientemente.

Aquelas lembranças recentes permeavam meus pensamento enquanto eu admirava a vista da varanda do meu quarto. O sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons quentes de laranja e rosa. O vento suave acariciava meu rosto, e por um momento, a sensação de tranquilidade parecia me envolver por completo, apesar que dentro de mim, algo ainda se agitava, uma inquietação que não conseguia afastar. 

Faltavam apenas algumas semanas para o último evento que encerraria a exposição, e devido a falta de novas investidas do casal, todos nós havíamos deixado em segundo plano aquela corrida para pegá-los. Daniel e Ian ainda acompanhavam de perto toda a investigação, mas nada novo aparecia. A trilha dos assaltantes não nos levou a nada, e isso não nos deixava nenhum pouco satisfeitos. Mesmo que as outras exposições tenham acontecido sem maiores problemas, eu não conseguia ficar indiferente diante aquela tranquilidade toda. Era frustante. A sensação de que o casal pesadelo estava se preparando para algo muito pior não saia da minha cabeça. Ambos estavam sendo bem monitorados e ainda que não tivessem cometido nenhum ato minimamente suspeito, eu continuava apreensiva.

Os preparativos, para o último evento da programação do Essentia, já estavam em andamento. Contrariando o cronograma inicial, iríamos fazer o leilão de fechamento no museu, onde tínhamos maior acesso para qualquer intervenção de urgência que se fizesse necessária. E outra vez, Sabrina estava demonstrando sua desenvoltura impecável em organizar um evento grandioso, me privando de qualquer dor de cabeça.

O barulho vindo de dentro do quarto me despertou daqueles pensamentos turbulentos. Dei uma última tragada generosa na cigarrilha soprando para fora a fumaça com lentidão, saboreando o sabor mentolado antes de descartá-lo no cinzeiro apoiado no guarda corpo da sacada. Mãos firmes tocaram minha cintura com suavidade, o familiar cheiro de morango e canela tomando o ar à minha volta, acalmando um pouco daquela inquietação indesejada. Meus lábios se abriram num sorriso involuntário como sempre acontecia quando se tratava daquela mulher. Senti os lábios mornos tocarem com gentileza minha nuca, um beijo cálido num carinho muito bem vindo.

— Consigo ouvir seus pensamentos. – Adélia sussurrou com a boca ainda colada em minha pele, enviando arrepios deliciosos por todo meu corpo.

— Chega a ser assustador como você consegue silenciá-los. – pude sentir sua risada divertida, vibrando entre os tecidos de nossas roupas.

— Isso é bom. Gosto do efeito que tenho em você. – sussurrou, o tom suave, quase provocante. 

— Eu também. – afirmei, me virando de frente pra ela. A escuridão de seus olhos castanhos brilhavam certo contentamento. Adélia sorriu atrevida, daquele jeito que causava um frio no estômago. Meus dedos deslizaram suavemente pelo seu rosto, gravando cada traço quando ela enfim se aproximou, e seus lábios roçaram os meus com delicadeza. Meu corpo reagiu instantaneamente. A tensão gostosa entre nós pareceu dissolver o mundo ao nosso redor. Eu podia ouvir meus próprios batimentos acelerados unindo-se ao som de sua respiração entrecortada, quando o movimento do encontro de nossos lábios ficou mais intenso, mais apegado.

— O que você quer, Adélia? – perguntei, rouca, afastando minimamente, enquanto lutava perdida contra a necessidade de ceder àquele jogo que ela sempre começava em clara vantagem.

— Quero sua mente, Helena.

Eu não sabia se era o conjunto das palavras, ou o jeito como ela as dizia, mas eu sentia o efeito potente da suas intenções. Era um convite implícito para algo que transcendia o simples desejo, algo muito mais profundo e envolvente. Ela queria minha entrega – e não havia dúvidas que eu o faria sem qualquer resistência.

Minhas mãos inquietas espelharam a vontade insana que eu tinha daquela mulher. Meus dedos desbravavam com urgência a pele coberta pelo tecido do robe que a cobria, ao mesmo tempo que os dela desabotoavam com lentidão os únicos três botões da camisa social que a impedia de me tocar diretamente. Aquele estado de necessidade comum quando nos encostávamos, veio forte e devastadora. Não havia um só pedaço meu que não ansiasse pelo encontro de nossos corpos banhados de desejo e amor. Porque era disso que se tratava, amor, e era extremamente satisfatório sentir sua recíproca em cada gesto desmedido para ter mais de mim, de marcar não somente minha pele mas minha alma. Entre passos apressados e beijos intensos nossas roupas foram deixadas enfeitando o chão do quarto, sob a cama fizemos promessas silenciosas entre troca de olhares profundos e sussurros inflamados. Entre apertos fortes e mordidas involuntárias compartilhávamos daquela entrega visceral que nos encharcava inteiras. Adélia pediu pela minha mente mas eu havia dado muito mais.

Um tempo depois, com a cabeça repousando em seu peito, eu ouvia a melodia distinta de seu coração se acalmando. Adélia fazia um carinho despretensioso em meus cabelos enquanto ambas esperávamos nossas respirações voltarem ao normal.

— Como foi pra você… – Adélia falou de repente, me fazendo levantar a cabeça olhando-a confusa pela pausa abrupta. — Digo, durante todos esses anos você não se permitiu a algo assim?

— Assim como? – questionei, ainda perdida com sua dúvida, franzindo as sobrancelhas.

— Um relacionamento amoroso!

— Eu tive um marido e filho, se é o que quer saber. Houve uma época que era inevitável que isso acontecesse. No entanto, com o tempo foi doloroso demais vê-los envelhecer e morrer enquanto nada em mim mudava. – confessei, suspirando e apoiando o queixo em seu colo.

— Então…

— Sim, existem alguns descendentes, mas achei mais apropriado não estar por perto para ver o que aconteceria, não que isso apague o que eu sinto.

— Você sabe quem são? – perguntou cautelosa, intensificando o carinho em meus cabelos.

— Sei… Fiz questão de acabar com o legado dos Aldanas a muito tempo atrás, mas o sobrenome Santiago tem raízes fortes ligadas a mim. Alguns deles estão bem próximos daqui, na verdade, na cidade de São Valeriano.

— É meio surreal. – disse, pensativa.

— Eu sei, mas não precisa se preocupar, Adélia. Não me pergunte porque, mas acredito que enfim essa maldição vai acabar.

—Também espero que sim! – apesar de seu sorriso acolhedor pude ver certo receio em seus olhos. Queria poder dar-lhe a certeza de um futuro diferente mas sabia bem que a esperança era um sentimento perigoso demais. 

As semanas passaram depressa, chegando assim o dia do último evento do projeto Essentia. Como no primeiro, todos estavam muito ansiosos para o encerramento do projeto que havia sido um sucesso completo. Eu não ouvi falar mais do casal pesadelo durante aqueles dias, e a organização do grande evento ajudou a me distrair daquele fato. 

O salão estava cheio, e outra vez me vi procurando incansavelmente pela detentora do meu coração. Não sabia se Adélia tinha algum apego com entradas triunfais ou se ela apenas gostava de me deixar aflita com a espera, mas tinha certeza que sua presença causaria a mesma comoção de sempre. 

Para minha felicidade, um tempo depois, a mulher que mais parecia uma deusa em forma humana surgiu dentre a multidão. Ao contrário de mim, que vestia um terno preto sob medida composto apenas de calça e blazer que evidenciava um generoso decote, Adélia vestia um belíssimo vestido grego branco, que destacava maravilhosamente sua pele retinta.

— Diosa… – entoei totalmente perdida em sua beleza, vendo-a caminhar graciosamente até mim, sob saltos dourados altíssimos. — Sempre soube que você era uma divindade brincando entre mortais, cariño. 

— Guarde seus galanteios para os patrocinadores, Helena. – brincou, falando baixinho, depois de dar-me um beijo carinhoso na boca.

O evento estava a todo vapor, e o burburinho de vozes e passos acelerados tomava conta do museu, um contraste com a tensão silenciosa que ainda pairava sobre mim. Cada detalhe minuciosamente organizado por Sabrina, estava ali para garantir que tudo saísse com perfeição. Mesmo assim, no fundo, algo me dizia que não seria apenas a arte exposta que marcaria aquela noite. Algo maior e muito mais sombrio pairava no ar. A sensação de que o pior ainda estava por vir martelava em meu peito como uma canção agourenta. O medo, surgia como uma sombra persistente, e eu não tinha coragem de compartilhá-lo com ninguém. 

Adélia estava à minha volta, como sempre, sendo a âncora que me impedia de ser arrastada pela maré de incertezas que me assolava. Não estava sendo fácil, mas seus toques, suas palavras, e até mesmo a forma como ela me olhava, faziam o peso da ansiedade abrandar.

— O que foi? – ela perguntou, em certo momento, interrompendo meus anseios nebulosos.

— Não sei… Estou com uma sensação de que algo está prestes a acontecer, Adélia. Como se estivéssemos sendo observadas. – minha voz saiu mais baixa, uma confissão do meu incômodo. Ela me olhou fixamente, tentando me passar uma segurança que ambas sabíamos bem ser frágil demais.

— Já passou muito tempo desde o último incidente. – ela disse, com uma calma que desafiava minha inquietação crescente. — Mas você tem razão, o silêncio nunca é um bom presságio. 

O leilão começou. As primeiras obras foram exibidas com uma elegância impecável. Os convidados circulavam pela galeria, admirando as obras mais cobiçadas com uma concentração que beirava a reverência. No entanto, por trás de toda a beleza daquelas telas, o clima era de tensão pura. Os olhares desconfiados trocados entre mim, Thomas e Adélia, junto a movimentação dos seguranças, e a sensação incessante de que algo estava prestes a acontecer deixavam a noite carregada de uma energia estranha, desconcertante. Eu estava no centro de tudo isso, anestesiada.

Adélia estava estoica ao meu lado, no entanto, eu sabia que ela também estava alerta. Quando o leilão alcançou seu ápice, a atmosfera ficou ainda mais pesada. Todos estavam atentos aos quadros que iam sendo vendidos, mas eu percebia os pequenos gestos dos outros: a postura tensa de Ian no fundo do salão, as palavras baixas trocadas entre alguns membros da segurança.

— Ian, o que está acontecendo? – questionei, discretamente, pelo comunicador. Os nervos à flor da pele. Aquele pressentimento formigando minha pele.

— Os DuCaine foram vistos no evento senhora, mas os perdemos de vista. Estou mobilizando uma equipe para encontrá-los. – ele disse apressado, e aquilo causou um calafrio desagradável na minha espinha.

De repente, uma sirene ecoou, quebrando meu momento de torpor.

Era um som inconfundível.

A porr* do alarme de incêndio havia sido acionado. 

Meu coração disparou.

O caos tomou conta do salão como uma tempestade imprevisível. O barulho da sirene misturava-se com os gritos de pânico e as ordens confusas gritadas pelos seguranças agitavam ainda mais o salão. As pessoas começaram a correr em direções opostas, tropeçando, empurrando umas às outras, tentando encontrar a saída indicada. O medo estava estampado em cada rosto, e em meio a toda aquela agitação, eu sentia uma pressão crescente em meu peito, como se o ar estivesse se tornando irrespirável.

Adélia segurou minha mão com força, seus dedos apertando os meus, me puxando em direção à saída, tentando nos proteger da multidão que se espalhava freneticamente. Seu rosto, normalmente sereno, estava agora preocupado, e pude sentir o tremor em sua voz quando, tentando manter a calma porém sem muito sucesso, falou:

— Fique perto de mim, Helena. Não se afaste, entendeu?

Eu mal podia ouvir o que ela dizia por causa do barulho ensurdecedor, mas seus olhos brilhavam uma urgência que eu nunca havia visto antes. A sensação de estarmos sendo observadas se intensificou, e o peso da minha incerteza se tornou ainda mais palpável. Tentamos atravessar o salão tumultuado, e foi então que percebi: a sirene não era apenas uma coincidência. O alarme de incêndio estava tocando, mas não era um incêndio. Era a porr* de uma distração, uma cortina de fumaça. Algo muito mais perigoso estava para acontecer, eu sentia nos meus ossos.

Uma explosão, vinda do lado oposto da galeria, fez as paredes tremerem. O chão se sacudiu sob nossos pés, quase perdi o equilíbrio, mas fui puxada para trás por Adélia, que me amparou com seu corpo. Naquele momento, algo dentro de mim quebrou, e um pavor profundo tomou conta da minha mente.

Em meio a confusão de pessoas desesperadas, encontramos Thomas que nos disse onde havia visto Cassandra DuCaine indo. A muito contragosto os dois concordaram em ir comigo até meu escritório para encontrá-la. Enquanto caminhávamos pelos corredores do museu, falei para Ian chamar a polícia. Mathias podia até escapar, mas sua esposa, eu não permitiria.

— Vocês não vão entrar! – eu disse categórica, olhando para ambos com preocupação. — Aconteça o que acontecer, prometam para mim!

Thomas iria protestar, vi em seus olhos, mas Adélia assentiu relutante. Não iria correr o risco de colocá-los em perigo, por maior que fosse a intenção de ambos em me ajudar, eu precisava resolver aquela situação sozinha.

— Tome cuidado. – Adélia pediu aflita, e só pude dar-lhe um sorriso apaziguador ainda que nervoso.

Respirando fundo coloquei a mão na maçaneta, buscando uma coragem guardada a muito tempo dentro do meu peito, logo entrando com confiança na minha sala. Cassandra DuCaine estava sentada na minha cadeira como uma rainha em seu trono. A beleza sombria daquela mulher colaborava bem para essa imagem intimidante. O vestido longo e escuro abraçava seu corpo com perfeição, os cabelos negros extremamente lisos estavam partidos em dois emoldurando seu rosto afiado.

— Enfim a convidada mais aguardada da noite chegou. Seja bem vinda, Eva. – ela disse irônica, tragando uma das cigarrilhas que eu guardava na minha mesa.

O cheiro de gasolina empestava o local junto ao característico aroma mentolado da fumaça da cigarrilha em sua mão. A tensão crescia em demasia, tornando o ar dentro daquela sala denso. A cena como um todo era de arrepiar, mas eu não conseguia sentir medo.

— Você não tem mais onde se esconder. – eu disse, sem hesitar.

A mulher sorriu, mas não foi um sorriso de vitória. Era quase como um lamento. O quer que estivesse passando pela cabeça daquela mulher eu sabia que não poderia ser nada de bom.

— Tolo da sua parte, pensar que eu faria isso. Estou exatamente onde queria! – garantiu.

— Cassandra, o que você pensa que está fazendo? – indaguei, cansada.

Seu olhar faminto varreu meu corpo numa lentidão enjoativa. — O que estou fazendo? – ela repetiu, a voz baixa, se divertindo com minha pergunta. — Estou apenas cumprindo o meu papel, Eva. Um que você, teve total participação.

Ela deu outra longa tragada na cigarrilha e soltou a fumaça no ar, criando uma cortina que a escondeu parcialmente. Eu fiquei parada, a tensão me apertando mais e mais. Eu sabia que ela estava começando um jogo perigoso. Não era sobre poder. Era vingança, crua e simples. Cassandra estava muito mais envolvida em suas paranoias do que eu imaginava.

— Vingança? — ousei, com a voz firme, tentando ganhar tempo para a polícia ou os seguranças irromperem pela porta, e assim impedi-la de fazer o quer que tivesse planejado. — Você acha que destruir tudo ao meu redor vai te dar algum tipo de satisfação?

Ela riu, um riso baixo e sem humor, que reverberou na sala um eco perturbador.

— Ah, Eva... você ainda não entendeu nada, não é? Eu não estou aqui buscando algo tão efêmero como satisfação. Estou aqui para retribuir. Você achou mesmo que sua irreverência não teria consequência? – sua língua se chocou contra o céu da boca num movimento abrupto, o som seco produzindo um ruído de repreensão. O ato me trouxe a sensação enervante de que o caos que ela tanto prometia, logo tomaria forma física. Meu tempo estava acabando. O conjunto do cheiro de gasolina, a fumaça da cigarrilha e sua postura condescendente tornava a atmosfera dentro daquela sala sufocante demais. 

A mulher me encarou, os olhos escuros brilhando insanidade. Ela se levantou lentamente da cadeira, seus movimentos dosados e elegantes. Sua proximidade aumentando minha frequência cardíaca. Eu dei um passo à frente, decidida, minha prudência sendo esquecida dando lugar a minha impulsividade característica. Antes que eu pudesse reagir, Cassandra me pegou pelo queixo, o aperto das suas unhas vermelhas cortando minha pele, superficialmente. Foi inevitável a náusea precedida pelo compartilhamento indesejado de suas emoções deturpadas. Minhas pernas tremeram com a avalanche sensorial totalmente inesperada, quase me pondo de joelhos. Maldita!

E então, tudo aconteceu num piscar de olhos. Espalmei ambas as mãos em seu peito, afastando-a com violência, desequilibrando-a. Cassandra sorriu com um contentamento imoral que embrulhou meu estômago. Seus olhos negros reluziam um fulgor enlouquecido, mas em vez de revidar, ela simplesmente permaneceu imóvel, observando-me com aquele sorriso distorcido. Ela parecia se alimentar da minha raiva, como se eu fosse uma peça do seu jogo favorito. Ela só não contava que não estava em mim ceder aos caprichos de ninguém. Eu a encarei, abrindo um sorriso desdenhoso, que a pegou de surpresa.

— Não vai ser assim, Cassandra! — garanti, inabalável. — Não mais!

Ela olhou para mim confusa, e seu olhar, agora desesperado, demonstrava total frustração. Ela havia subestimado o poder que eu tinha, e naquele momento, fiz questão que ela soubesse disso. Minha paciência havia evaporado.

O sorriso de Cassandra vacilou por um breve momento, mas logo se reconstituiu numa expressão de pura frieza. Ela olhou para a própria mão, onde a cigarrilha ainda queimava, e sem qualquer aviso jogou-a com força ao chão, em direção ao pequeno rastro de gasolina espalhado próximo de nós. O impacto da chama com a superfície lisa encharcada com o combustível gerou uma pequena explosão de fogo, que tomou a sala com intensidade aterradora. O som do fogo crescendo parecia um rugido. As chamas saltaram em todas as direções com rapidez, iluminando o rosto de Cassandra mostrando sua feição macabra. O calor se tornou sufocante. O ar, agora, estava impregnado pelo odor pungente do fogo queimando a gasolina, a acidez metálica com um toque de doçura química pairando por toda a sala.

Eu estava congelada pela ousadia daquela mulher, a visão turva pela fumaça que começava a se espalhar. Cassandra permanecia estática, hipnotizada pela destruição que acabara de provocar. Ela não parecia sentir o calor das chamas. Na verdade, ela parecia em êxtase, como se a fúria do fogo fosse um reflexo da própria loucura.

Eu dei um passo atrás, em direção a porta de saída da sala cada vez mais quente. Não havia mais tempo para hesitação. Cassandra me olhou com um sorriso travesso, como se estivesse se divertindo, mas não com a mesma confiança de antes. Havia algo em seus olhos – uma fissura no controle que ela julgava ter sobre a situação. Sua obsessão havia nos colocado em igual risco, e ela sabia que a vantagem, agora, era minha.

Sem pensar duas vezes, dei as costas para Cassandra e corri em direção à porta, deixando-a sozinha naquele cenário decadente. No corredor, as chamas espiralando pelas paredes mostravam o verdadeiro caos que tomava conta do museu. Eu senti sua aproximação, eu sabia que ela não iria desistir tão fácil. Num ato impensado voltei para trás, e a vi a alguns passos de mim, tão ofegante quanto eu estava. Pelo canto dos olhos pude ver uma das vigas se desprendendo lentamente, caindo em nossa direção. Eu corri, outra vez, o mais depressa que meus pés podiam aguentar, só parando quando o estrondo me lançou com força ao chão. Uma fina camada de poeira pairava sobre o ar me fazendo tossir secamente. Meu corpo doía assim como minha garganta parecia estar repleta de agulhas. Com dificuldade, me levantei, olhando ao redor, aos poucos, conseguindo ver que a viga não havia me alcançado, mas sim caído sobre Cassandra que estava mais perto. A coluna não havia a matado, somente a prendido no chão. 

— Se pensa que isso doi, Eva, está muito enganada. Isso não é nada para mim. – ganiu entre dentes, numa mistura de raiva e consternação.

— Você quer saber o que é dor, Cassandra? A verdadeira dor? – sussurrei impiedosa, soltando logo em seguida uma risada seca. — Vou te contar um segredo… eu vivi muitas vidas, vi a dor nua e crua, tantas vezes que posso senti-la nas pontas dos meus dedos sem qualquer esforço. – digo mostrando os dedos como se algo líquido escorresse por eles. — Estar diante todo esse espetáculo que você e Mathias fizeram, só me deixou entediada. – garanti com a voz beirando indiferença. 

— Mentira!!!! – rosnou em puro desespero. Eu mantinha meus olhos fixos nos dela, mas também mantinha minha atenção nas chamas dançando cada vez mais perto de nós duas. A fumaça ficava mais densa, e fazia meus pulmões arderem. 

— Olhe nos meus olhos, e diga se há alguma mentira. – desafiei, e o brilho doentio dos olhos se Cassandra sumiu quando viu o lampejo da verdade nos meus. — Você queria minha submissão, mas ganhou meu desprezo. Mortais como você não merecem nada além disso.

Eu ousei me aproximar, as chamas da viga se intensificando cada vez mais. Puxei seu rosto pela mandíbula, tal como ela havia feito comigo, apertando desmedidamente. As lembranças desagradáveis enviavam arrepios dolorosos quase me cegando, mas a raiva que eu sentia parecia duelar bravamente com elas. Naquele momento, eu não fazia questão de ter empatia alguma por aquela mulher. Ela havia cavado a própria cova, e nada que eu fizesse poderia ajudá-la, nem mesmo minha misericórdia.

— Eva… – Cassandra, suplicou com os olhos nublados de desejo e dor. Nem mesmo diante do seu fim inevitável sua obsessão dava trégua.

— Que você queime na própria insignificância, Cassandra. – decretei, largando seu rosto rudemente, e deixando-a ali, enquanto via as chamas a consumirem. 

Corri entre o fogo procurando uma saída, torcendo para que Thomas e Adélia tivessem conseguido sair. A preocupação queimava meu peito muito mais que a fumaça ao meu redor castigava meus pulmões. Alguns metros depois, nos últimos resquícios de consciência, achei ter visto uma luz e sentido um pouco de ar fresco, então forcei meus pés na direção da tal luminosidade, mas meus olhos se fecharam antes que eu pudesse ter a certeza de que havia conseguido sair do prédio consumido pela chamas.

Há certa magia no fogo, assim como pode instigar prazer, também tem o poder de espalhar o caos.

Fim do capítulo


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