Capitulo 22
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Pouco tempo depois, as duas entraram na rua onde Ágata morava. Passaram em frente ao Gregorio's, que estava lotado. Naquele horário, próximo das 23 horas, o local sempre ficava cheio. O pai de Ágata estava em pé, próximo a uma mesa, conversando com um casal que Ágata não reconheceu. A moto deslizava com agilidade pela pista, contornando os carros que estavam limitados pela quantidade de veículos entrando e saindo dos estacionamentos. Por fim, Marcela parou desligou a moto, e tirou o capacete.
— Chegamos. A barraca onde vamos ficar é essa —Disse Marcela
Havia tantas barracas que Ágata não conseguiu identificar qual seria a delas. Percebendo a dúvida de Ágata, Marcela indicou: — Aquela ali com a bandeira gay hasteada.
Ágata desceu da moto, tirou seu capacete e o passou para as mãos de Marcela. Também tirou seu uniforme branco, dobrando-o cuidadosamente. Marcela pegou as roupas da mão de Ágata e as colocou dentro do capacete, que prendeu no guidão. Ágata examinou a barraca. Ela a conhecia, embora nunca tivesse parado ali antes. Gostou do ambiente, a música era boa — MPB. Estava tocando Ana Carolina e o som era baixo o suficiente para não atrapalhar as conversas dos casais espalhados pelas mesas.
Fizeram todo o percurso de mãos entrelaçadas. As pessoas nas mesas, em sua maioria casais de mulheres, olhavam rapidamente quando passavam, mas logo voltavam para suas conversas, perdendo o interesse. Ágata, por outro lado, estava curiosa. Como alguém que fugia e se escondia poderia escolher justamente um lugar tão público para um encontro? Porque era isso que estavam fazendo: um encontro de namoradas. Sim, Ágata não estava louca nem iludida. Elas se encontraram, se beijaram, saíram para comer algo, andaram de mãos dadas. Isso era um encontro. Então, o que havia mudado para Marcela estar agindo assim?
Marcela escolheu uma mesa bem próxima às ondas. O vento frio que vinha do mar arrepiava a pele de Ágata, e, percebendo isso, Marcela tirou sua jaqueta e a colocou sobre os ombros de Ágata.
Sentaram bem pertinho uma da outra. Enquanto Marcela chamava o garçom e fazia o pedido, Ágata observou os frequentadores da barraca. Todos estavam acompanhados, tanto homens quanto mulheres. Havia um casal de meninas que não aparentavam ter mais de 15 anos. Pareciam duas crianças, mas se olhavam com uma intensidade que Ágata jamais imaginou que pudesse existir.
— Chiara, o que você vai querer pedir? — Marcela perguntou, segurando a mão de Ágata e levando-a até os lábios enquanto falava. Sua voz pronunciando o segundo nome de Ágata... Chiara, dito por ela, puta que pariu, era capaz de roubar todo o ar de Ágata. Mal conseguiu responder.
— O mesmo que você. Eu como de tudo. — Quando percebeu, Ágata já tinha exagerado na resposta. Não queria que Marcela a achasse morta de fome ou alguém que comesse exageradamente.
— Acrescente uma jarra de suco de laranja sem açúcar e com bastante gelo.
O rapaz se afastou, e as duas ficaram se olhando. Marcela fazia carinho nos dedos de Ágata; ela estava nas nuvens.
— Nunca veio aqui, Chiara? — Perguntou Marcela, lançando um olhar rápido às mesas ao redor. Mas dessa vez foi diferente, sem medo ou receio, apenas uma paz gostosa de se ver.
— Na verdade, para sentar assim como estou fazendo agora, não. Mas já vim entregar pedidos do dono. Quando tem cliente que pede massa, ele sempre faz os pedidos no Gregorio’s.
— Eu gosto de vir aqui. De todos os lugares por onde passei, aqui ou fora do Brasil, esse é o único em que me sinto em casa.
— Não imaginava que fosse tão aconchegante assim. Mas também, eu só vinha a trabalho — Ágata falou, enquanto olhava discretamente ao seu redor.
Marcela puxou Ágata outra vez e ela praticamente caiu em seu colo. Quando a beijou novamente, ah, como era bom beijar e ser beijada... Só se lembrou que nunca gostou de beijar antes e chegou à conclusão de que, na verdade, o problema era quem ela estava beijando.
— Por que mandou que eu fugisse quando te encontrasse? — Ágata confessou que estava com medo da resposta. O jeito como Marcela passou de um sorriso descontraído para a seriedade só confirmou os receios de Ágata.
— Estou passando por um momento complicado na vida e não queria te arrastar comigo.
Foi tudo o que Marcela disse antes de virar para olhar as ondas que lambiam a areia e voltavam em um bailado musical. Ágata esperou por mais explicações, mas Marcela permaneceu em silêncio. Quando já estava desistindo, ela encarou Ágata novamente, a expressão mais leve.
— Eu tenho uma filha de nove anos. O nome dela é Alex. Na verdade, Alexsandra, mas eu gosto de chamar de Alex, assim como gosto de te chamar de Chiara. Não sei, mas quando pronuncio desse jeito, é como se vocês entrassem direto na minha alma. Veja isso.
Marcela mostrou a Ágata uma foto da filha no descanso de tela. Ágata reconheceria aquele rostinho do outro lado do mundo, mas não falou nada.
— E o pai? É presente ou foi inseminação? — Puta merd*, com tantas coisas para dizer, Ágata foi logo fazer essa pergunta. Ela poderia ter agradecido o que Marcela disse sobre seu nome, mas a impaciência falou mais alto. Na verdade, o que Ágata queria saber era se ela era casada. Se fosse, aquele seria o primeiro e último encontro delas. Ágata nunca gostou de pessoas que tinham relacionamentos extraconjugais.
— Sem pai ou inseminação. Agora, se quiser saber se gosto de homens, a resposta é: até gosto, mas como amigos. Já nasci lésbica. Alex nasceu para mim quando tinha dois anos e de lá para cá foi um longo caminho até sermos mãe e filha.
Marcela acariciava as mãos de Ágata, sempre com aquele tom de voz que Ágata nunca ouviu dirigido a si. Era sensual, daquelas que diz uma coisa e você sente que é algo totalmente diferente. Ágata não conseguia tirar os olhos da boca de Marcela. Como se tivesse lido seus pensamentos, Marcela puxou a cadeira de Ágata até que encostasse na sua. De frente uma para a outra, ela levantou as pernas de Ágata e as colocou em cima das suas. Foi um gesto ousado que, ao mesmo tempo que Ágata amou, a preocupou com a possibilidade de um vento mais forte levantar seu vestido. Ainda bem que estava com uma calcinha nova, vermelha e de renda.
Ágata não sabe por quanto tempo se beijaram, só sabe que, quando o garçom trouxe os pedidos, as mãos de Marcela estavam embaixo da saia do vestido de Ágata, acariciando suas coxas e abrindo as portas do seu tesão.
— Senhoras, o pedido. Se precisarem de algo é só chamar.
O rapaz encarava as mãos de Marcela. Quando percebeu, ela as removeu e puxou a saia para cobrir as pernas de Ágata e evitar olhares curiosos. Ágata não olhou para ele, constrangida.
— Obrigada, te chamamos se precisar. Pode ir. — Marcela falou com certa frieza. Ao perceber o erro que cometeu, o rapaz saiu sem olhar para trás. — Ficou com vergonha do engraçadinho ter te visto beijando outra mulher?
Sua pergunta estava mais para uma crítica do que dúvida genuína. Ágata detestava que a julgassem sem antes conhecê-la.
— Se me lembro bem, o estacionamento do shopping também é público. Fiquei constrangida por ele ter visto minha calcinha.
O olhar de Marcela voou para o local, mas não viu nada. Ágata já estava de pé, voltando sua cadeira à posição original e sentando comportada.
— Onde eu estava que não vi sua calcinha?
Não dava para Ágata ficar séria olhando para Marcela.
— Não sei, mas perdeu um belo espetáculo, a temporada se encerra hoje. Quanto arroz você quer? — Ágata mudou de assunto, servindo os pratos.
Dividiu tudo exatamente na metade: arroz, camarão, batatas fritas e rodelas de limão. Espremeu uma rodela de limão em cima dos camarões e levou um à boca de Marcela. Marcela ficou surpresa, mas mastigou de olhos abertos, sempre olhando Ágata, analisando cada mordida. Assim que terminou, Ágata beijou seus lábios lambuzados. Foi um beijo diferente, mais intenso, mais carnal. Tinha gosto e vontade de sex*. Ágata se concentrou no seu prato e comeu sem olhar para ela, se o fizesse falaria besteira.
— Chiara, você tem um jeito todo especial de oferecer comida, até perdi a fome. Minha vontade é de correr atrás daquele espetáculo que encerrou hoje aos berros.
Ágata engasgou, tossindo e bebendo metade do copo para aliviar.
— Coma, o camarão está uma delícia. — E estava mesmo. Ágata devorava rapidamente a comida, enquanto Marcela comia com calma.
— Eu conheci sua filha. No começo eu achava que era um menino e que Jacinto era seu pai. Mas depois ela me disse que ele é só amigo da família. — Ágata falou, examinando a reação de Marcela.
— Eu soube. Ela ficou muito impressionada com você, o que muito me alegra. Alex tem dificuldade de confiar nas pessoas e em se comunicar. — Marcela limpou a boca com o guardanapo, agindo normalmente; a confissão parece não a ter deixado em apuros.
— Não notei. Ágata achou ela uma menina calada. No início estava arisca, gaguejando, mas à medida que participava das brincadeiras começou a sorrir e ficar mais solta. Falava devagar, escolhendo as palavras, mas formava frases completas.
— Alex passou por momentos terríveis, viu coisas que abalaria até mesmo um adulto, o que criou esse bloqueio na fala. Os médicos dizem que quando ela se sentir segura falará como se nada tivesse acontecido. — Marcela girou a cadeira de Ágata para ficarem de frente outra vez. — Mas me fale de você. Quem era aquele cara que estava te beijando no dia que fui te devolver a camiseta?
Dessa vez Ágata ousou mais ainda. Diminuiu a distância, sentando no colo de Marcela com as pernas uma de cada lado. Ninguém nas mesas vizinhas pareceu ter prestado atenção, o que fez Ágata acreditar que ali era uma barraca onde a clientela frequentava para ficar à vontade com sua namorada ou namorado. Ágata gostou do ambiente.
— Ele não estava me beijando, Eduardo é só um amigo que eu já fiquei uma vez. E que entendeu tudo errado.
— Encontrei ele no shopping, sentado próximo ao seu quiosque. Talvez estivesse aguardando vocês encerrarem o expediente para te levar para casa.
Como Marcela sabia que era ele? De onde eles se conheciam? Era estranho, mas o rosto de Marcela não dizia onde ela queria chegar com aquilo. Ciúmes não poderia ser, se conheciam há pouco tempo, mas Ágata achou melhor esclarecer de uma vez.
— Eduardo faz parte de um grupo de amigos que tenho há algum tempo. Um dia numa balada rolou um clima e ficamos, nada mais que isso. Somos maiores, vacinados e livres, mas com ele não rolou a química que eu esperava, então foi só isso. Pelo menos da minha parte. — Ágata teve a impressão de ver um sorriso surgir e desaparecer do canto da boca de Marcela.
— Eu sei, Eduardo é meu irmão.
Puta, que pariu.
Ágata ficou sem fala. O que Marcela pensaria a seu respeito? Acabou de afirmar que beijou o irmão dela só por beijar, que é uma pessoa fútil e volúvel. Uma piranha, até.
— Temos uma diferença de idade grande, mas parece que o gosto pelas mulheres é o mesmo. Ele sempre se apaixonou pelas minhas namoradas. No fundo, é um bom garoto. Superprotegido e mimado, mas um bom garoto. Eu vi a foto de vocês no Instagram naquele dia.
Ágata sabia! Quando viu a foto da mulher de costas, realmente era a Marcela. Mas Eduardo tinha dito que era sua irmã que morava no Rio de Janeiro e Ágata perdeu as esperanças. E aquela arma nas costas, aparecendo só o cabo… A mãe de Ágata, em uma de suas idas e vindas do Rio, comentou que uma policial envolvida na prisão de traficantes estava desaparecida, assim como uma criança. “Eu sou menina. Minha mãe e eu estamos fugindo.” Parecia que Alex estava ali falando com ela.
Ágata mesma já sentiu o cabo de uma arma na cintura da Marcela. Só pode ser isso, ela e Alex são as pessoas que os traficantes e a polícia estão procurando. E agora, será que pergunta para ter certeza ou fica calada e deixa rolar?
— Chiara… O que foi, meu bombom? Por que está com essa cara? Eu não estou te julgando por ficar com o Eduardo, isso ficou no passado.
Marcela puxou Ágata para um abraço que Ágata não aceitou de imediato. Ela sorriu quando Ágata colocou as mãos em seu peito para manter o corpo distante do seu.
— Era você que estava mandando Pix para minha conta pessoal. Por que o fazia se a cada transferência trocava o número do celular? — Ágata perguntou, deixando-se abraçar. Mordiscou os lábios de Marcela vagarosamente, ao que ela respondeu puxando-a para mais perto. Um calor se acendeu no meio das pernas de Ágata. Nunca pensou que fosse tão fraca, ou que mudasse de ideia tão rápido. Uma hora queria a verdade, na outra só queria trans*r.
— Então a jovem andou me investigando? Até onde você chegou na sua busca? — Marcela prendeu os lábios de Ágata com os dentes, passando a mão na sua bunda.
— Encontrei uma transferência sua e o endereço da entrega era no colégio da Dona Montserrat, onde estudei na adolescência. Qual sua ligação com a Dona Montserrat?
Fim do capítulo
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