Por Isabela:

A chuva pegou todos de surpresa, caindo repentinamente enquanto a noite se instalava sobre o festival. As nuvens pesadas que pairavam no céu durante todo o dia finalmente se romperam, liberando uma torrente de água que fez com que todos na parte externa corressem em busca de abrigo. Lucas e eu havíamos passado a tarde inteira juntos, caminhando entre as barracas, conversando com minha tia e conhecidos, rindo e aproveitando a energia vibrante do evento. Contudo, com o frio e a chuva se intensificando, decidimos que era hora de ir para o chalé e realizar o check-in.

Quando finalmente chegamos, estávamos encharcados, e tudo que eu desejava era um banho quente e roupas secas. Lucas se dirigiu à recepção para fazer o check-in, enquanto eu entrei no nosso chalé já com a chave em mãos. O som da música alta vinda do chalé ao lado invadiu meus ouvidos. Era um final de tarde perfeito para relaxar, ou pelo menos deveria ser.

Lembrei que havia deixado minha mala e todas as sacolas com as compras do Lucas no carro. Saí apressada para pegar tudo, já que a chuva não dava sinais de trégua. Ao sair do chalé, notei que a porta do chalé ao lado estava entreaberta, e uma carteira estava caída ao chão, próxima à entrada. Ao abrir a carteira e analisar os documentos, percebi que pertencia a Marcos, amigo de Helena. Fiquei em dúvida sobre o que fazer. Chamei pelo nome dele próximo à porta, mas ninguém respondeu. Decidi, então, entrar.

Assim que entrei, minha intenção era apenas deixar a carteira ali, fechar a porta e voltar para o meu chalé. No entanto, algo me fez parar no meio do caminho. Da sala, consegui ver Helena e Bia na cozinha. Elas estavam próximas, muito próximas, e a cena que se desenrolou diante de mim me deixou completamente imóvel. Helena estava encostada no balcão, e Bia, com uma taça de vinho na mão, se inclinava lentamente, os rostos quase se tocando, até que seus lábios se encontraram em um beijo.

Foi um beijo lento, cheio de uma intensidade que me paralisou, incapaz de desviar o olhar. A conexão entre elas era palpável, e senti uma pontada profunda no peito, como se aquela visão me atingisse com força. Tentei controlar o turbilhão de emoções que surgiam — desejo, ciúmes, confusão — até que meu celular começou a tocar.

Helena se virou ao som da chamada, e nossos olhares se encontraram. Algo passou entre nós naquele instante, uma tensão que fez meu coração acelerar ainda mais. Helena se afastou de Bia, sem tirar os olhos de mim. Não consegui decifrar o que estava por trás daquele olhar.

De repente, a realidade da situação caiu sobre mim como um balde de água fria. Eu não deveria estar ali, e o desconforto tomou conta de mim. Entrei apenas para deixar a carteira e fechar a porta, mas agora me via em meio a uma cena que não pertencia a mim, invadindo algo que, sem saber a razão, já me afetava profundamente.

O ar parecia pesado, quase irrespirável, e eu sentia a necessidade de dizer algo, qualquer coisa, mas as palavras simplesmente não vinham. Abri e fechei a boca, mas nada saiu. A única coisa que consegui fazer foi me virar e sair, colocando automaticamente o telefone em minha orelha. Sentia meu coração ainda acelerado.

Quando saí do chalé, fechei a porta sem olhar para trás e reconheci a voz da enfermeira Lúcia do outro lado da linha:

— Boa noite, Doutora Isabela! Aconteceu um acidente grave e temos duas vítimas no hospital.

— Entendi, Lúcia. Mas não estou de plantão hoje. Quem está é o Doutor Gustavo Portella — respondi, tentando recuperar o fôlego e me recompondo.

— Eu sei, mas ele passou mal pela manhã, saiu para almoçar e não voltou ao hospital. Ele não atende o celular. Também tentei entrar em contato com a Doutora Helena, mas o celular dela está desligado.

Era claro o motivo do celular de Helena estar desligado. Voltei meus pensamentos para a cena que acabara de testemunhar, o beijo entre ela e Bia ainda ecoando na minha mente.

— Tudo bem, vou ao hospital e atenderei os pacientes. Enquanto isso, continue tentando entrar em contato com o Doutor Gustavo e, se tiver sucesso, me avise — disse, já me preparando mentalmente para o que estava por vir.

Desliguei a ligação e, para minha surpresa, vi Helena saindo do chalé e vindo ao meu encontro. À uma distância curta, percebi Lucas se aproximando também. Uma confusão de sentimentos se instalou em mim, e uma parte de mim agradecia por ter que ir ao Hospital Vintervile e sair daquela situação desconfortável.

— O que foi, amor? — perguntou Lucas, preocupado.

— Aconteceu um acidente e tem duas vítimas no hospital — respondi, tentando manter a calma.

— Mas a Helena não deixou tudo certo para organizar um médico para o plantão? — disse Lucas, olhando para Helena.

— Deixei sim, o Doutor Gustavo — ela respondeu rapidamente.

— Mas ele não atende o telefone. E nem você… — eu disse, olhando nos olhos de Helena de maneira desafiadora.

— Não é minha culpa se ele foi irresponsável e não está no hospital! — retorquiu, claramente irritada.

— Você poderia ter deixado seu celular ligado, não acha, chefe? — retruquei, sentindo a frustração crescer.

— Minha bateria acabou! — Helena respondeu, com seu tom de voz subindo.

Lucas observava, frustrado e irritado, como se estivesse preso em um meio de campo que não desejava estar.

— Olha, eu vou ao hospital! — declarei, decidida.

— Então, vou também e ajudo na situação — Helena disse, me olhando de maneira desafiadora.

— Você não vai, não. Não precisa — respondi, tentando ser firme.

— Não estou discutindo, Isabela. Vamos juntas e resolveremos isso o quanto antes — ela respondeu seriamente.

Lucas balançou a cabeça, visivelmente frustrado.

— Isso é uma loucura! — ele exclamou. — Vocês poderiam esperar um pouco!

— Não tem como esperar, amor. Não tem outro médico no hospital. Prometo que vou tentar resolver tudo o mais rápido possível — assegurei, tentando acalmá-lo.

— Vou rapidamente ao chalé avisar a Bia e Marcos sobre o ocorrido — disse Helena, já se virando para ir.

— Faça isso, mas não demore! — pedi com certa rispidez na voz, sabendo que a situação era crítica e relembrando a cena anterior.

Helena acenou e desapareceu em direção ao chalé. Enquanto isso, Lucas olhava para mim e sua frustração evidente.

— Você realmente vai deixar isso acontecer? Um dos poucos finais de semana em que conseguimos ficar juntos, em sintonia, bem — ele questionou, sua voz carregada de frustração.

— Não tenho escolha, Lucas. Precisamos ajudar essas pessoas e assim que tudo estiver resolvido, volto e aproveitamos juntos — respondi, tentando amenizar o clima.

Helena voltou em seguida, e entramos no meu carro. Um silêncio perturbador invadiu o ambiente. A tensão entre nós era palpável, e o peso da situação parecia nos sufocar. Enquanto dirigia em direção ao hospital, a imagem do beijo entre Helena e Bia ainda me atormentava.

— Espero que tudo fique bem — murmurei, quebrando o silêncio.

— Vamos fazer o nosso melhor — respondeu Helena, com uma expressão séria.

O caminho para o hospital parecia se estender infinitamente, enquanto a chuva se intensificava, transformando a tranquilidade da tarde em um verdadeiro temporal. A paisagem serena se desvanecia, dando lugar a uma cena onde as poucas luzes ao longo do trajeto se mesclavam em borrões, criando um jogo de sombras e reflexos. Meu vestido estava completamente encharcado, e a adrenalina pulsava intensamente em minhas veias. Cada curva e cada quilômetro se tornavam um verdadeiro teste.

Fim do capítulo