Por Helena:

Bia, Marcos e eu saímos de casa por volta das 13h e o céu cinzento parecia prestes a desabar a qualquer momento, com nuvens pesadas e algumas gotas de chuva ameaçando cair. 

Após o almoço em um restaurante do interior, seguimos para o chalé onde faríamos o check-in. Quando chegamos, a vista era encantadora: vários chalés rústicos, cada um separado por uma pequena distância e cercados por várias árvores. O chalé onde ficaríamos tinha um charme especial com uma sacada que se abria para uma paisagem verdejante, uma cozinha simples e dois quartos decorados com móveis de madeira escura que exalavam um ar de conforto e aconchego.

— Vou colocar nossas coisas nesse quarto, Helena — disse Bia, apontando para um dos quartos. 

Marcos olhou para dentro do quarto vendo a cama de casal e comentou, com um sorriso malicioso: 

— Hum... uma cama de casal.

— Que ótimo, não é mesmo? Bia disse, com um sorriso e olhar provocante, que me deixou levemente constrangida. 

— Agora que já nos acomodamos, que tal irmos até o salão do festival? Propus, tentando desviar a atenção daquele clima. 

Ao chegarmos ao festival, confesso que fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que havia no local. As barracas coloridas estavam cheias de produtos artesanais, e o cheiro de comida típica flutuava no ar, algo que eu nunca tinha visto em Porto Grande. A música animada ecoava, criando uma atmosfera vibrante que começava a me envolver.

Durante nossa caminhada pelo local, algumas pessoas se aproximaram de Bia, reconhecendo-a e pedindo para tirar fotos. Ela foi simpática com todos e sempre tinha um sorriso no rosto. 

— Realmente, isso de influencer está dando certo, né? — comentei, admirando a naturalidade com que ela lidava com tudo aquilo.

— E como... — ela respondeu, olhando para mim com carinho.

Passeamos por algumas barracas, comprando produtos variados, quando de repente, Geralda apareceu, acompanhada de uma moça.

— Helena, que bom que vocês vieram! Tudo bem? Deixa eu apresentar pra vocês. Essa é minha filha, Geany.

Todos cumprimentamos Geralda e sua filha, e ao olhar para Marcos, percebi que ele estava vermelho, com um olhar hipnotizado em Geany. A filha de Geralda era uma mulher de estatura mediana, com pele negra, olhos castanho-mel e um sorriso encantador que lembrava o de sua mãe.

— Você vai participar de algo? — Marcos perguntou, notando o adesivo com o número 7 colado no vestido de Geany.

— Eu canto. Logo mais vou participar de uma competição.

— Não é porque é minha filha, mas Geany sempre cantou bem, Helena. Você tem que ver e torcer por ela. — disse Geralda, com um orgulho evidente na voz.

Antes que eu pudesse responder, Marcos se adiantou: 

— Mas é claro que vamos assistir e torcer por ela!

Percebi que Geany também correspondia aos olhares de Marcos, e Geralda, que não perdia uma oportunidade, comentou: 

— Vamos lá então, né filha... com os outros participantes, antes que você se distraia mais.

Segurei um riso, e quando elas saíram, Bia e eu trocamos olhares divertidos enquanto Marcos continuava com uma expressão de quem estava encantado.

— Gente, que mulher mais linda e simpática! — ele exclamou, colocando a mão no coração.

Bia riu, mas uma preocupação começou a brotar dentro de mim a respeito do interesse de Marcos.

— Marcos, a Geralda é a única amiga que tenho nessa cidade. Por favor, se controle.

Ele arregalou os olhos, e fizemos menção de continuar caminhando.

— Única amiga... e a Isabela? — Bia sussurrou, me olhando de canto.

Não consegui responder, mas um frio na barriga me tomou ao ouvir o nome dela. Quando olhei ao redor, vi vários casais dançando ao som de uma música sertaneja que preenchia o ar. Ao reparar em um dos casais, meu coração disparou ao perceber que era Lucas e Isabela. Eles dançavam animadamente, e quando Isabela errou um passo, Lucas a segurou com firmeza e a beijou.

Uma raiva crescente se instalou dentro de mim. De novo eles. Juntos. Quando Isabela se afastou de Lucas, nossos olhares se encontraram, e uma corrente elétrica de emoções tomou conta de mim. Ela estava deslumbrante, vestindo um vestido florido e leve que realçava suas curvas. Seus cabelos, soltos e levemente ondulados,emolduravam seu rosto de uma forma que apenas acentuava ainda mais sua beleza.

Estar de frente para Isabela me causava um turbilhão de emoções. Não podia mais negar que estava completamente atraída por ela.

Ao ver Lucas e Isabela se aproximando de mãos dadas, uma onda de raiva me invadiu novamente. Quando chegaram, trocaram algumas palavras com Bia e Marcos, mas eu me sentia incapaz de interagir com eles. Uma dualidade de sentimentos dominava meu coração: o desejo inegável que nutria por Isabela e a raiva e impotência por saber que ela estava comprometida. Meus olhos não conseguiam se desviar dela, como se houvesse um magnetismo irresistível.

O ápice da minha frustração aconteceu quando o prefeito Cássio se aproximou de nós, chamado por Lucas. Não consegui permanecer em silêncio e deixei transparecer a raiva e o desprezo que sentia por ele. O clima ficou pesado, como se o ar tivesse se tornado denso e carregado de tensão, mesmo após Cássio se afastar. Não demorou para que Lucas e Isabela também se retirassem.

— Nem vamos nos dar ao trabalho de falar sobre isso — disse, olhando para Marcos e Bia, que estavam com semblantes preocupados. Era melhor que eles estivessem longe. Naquele instante decidi que evitaria Isabela pelo resto da noite e que daria uma chance aos encantos de Bia. Que mal havia em aproveitar a companhia dela? Ambas éramos solteiras.

Após muita insistência de Marcos, nos juntamos a Geralda para ouvir Geany, sua filha, cantar. Ao contrário da maioria dos candidatos que se apresentaram com músicas sertanejas, ela escolheu uma canção pop. A voz de Geany era linda, suave e poderosa, capaz de provocar arrepios e tocar a alma. Marcos a olhava encantado de um jeito que eu nunca tinha visto antes.

Bia, então, fez um movimento sutil e roçou o braço no meu. Nossos olhares se cruzaram, cheios de segundas intenções, e continuamos a assistir aos cantores. Geany ficou entre os finalistas, conquistando o segundo lugar. Assim que se aproximou da mãe, Marcos a parabenizou com um abraço caloroso, e Geany ficou vermelha na hora. Geralda e Rubens, seu marido, observavam atentamente Marcos enquanto ele conversava com Geany. Percebi que os dois trocaram números de telefone.

Quando o anoitecer começou a se instalar, decidimos voltar para a pousada. Marcos queria tomar banho, e Bia, colocar uma roupa mais quente, já que o frio começava a apertar. Só percebemos que estava chovendo ao sair do local, e nos molhamos enquanto corríamos até o carro, rindo da situação. Ao chegarmos ao chalé, entramos apressadamente, e Marcos colocou uma música animada e extremamente alta antes de ir para o banho. Bia e eu nos dirigimos à cozinha para tirar as compras que fizemos nas barracas.

— Você se importa se eu abrir um vinho? — Bia perguntou, com um sorriso provocante.

— Claro que não — respondi, mantendo o olhar fixo nela.

Encostei no balcão da cozinha enquanto Bia abria a garrafa de vinho e enchia as taças.

— Sabe, Helena… eu entendo seus motivos de querer trabalhar no hospital e ficar nessa cidade, mas eu vim pra cá com uma intenção — disse ela, olhando intensamente nos meus olhos.

Sorri para ela com malícia, inclinando a cabeça, incentivando-a a continuar.

— Acho que você deveria tirar um ano sabático comigo.

— Ah é? — perguntei, interessada.

— Uhum... minha próxima viagem é para um país com ilhas paradisíacas — ela sussurrou, aproximando-se mais de mim. — Lá, podemos aproveitar muito.

Ela diminuiu ainda mais a distância entre nós, deu um gole no vinho e manteve o olhar fixo em mim. Quando estava de frente para mim, colocou a taça no balcão de trás e apoiou a mão, inclinando-se para aproximar nossos rostos para um beijo. O beijo de Bia foi sensual; ela deslizou a língua em minha boca antes mesmo de nossos lábios se encontrarem. Eu correspondi, segurando sua cintura e puxando-a para perto de mim. Nossos corpos estavam colados, e o beijo se tornava cada vez mais intenso.

De repente, o som de um celular tocando próximo, nos surpreendeu. Ao olharmos na direção do barulho, me deparei com Isabela, que nos observava. O que ela estava fazendo ali? Seu olhar era penetrante, uma mistura de curiosidade e algo mais profundo, como se estivesse avaliando cada nuance do momento. A intensidade daquele olhar me desarmou, e eu senti meu coração disparar.

Fim do capítulo