Capitulo 21
Por Isabela:
Enquanto dirigia de volta para casa, meus pensamentos se embaralhavam, refletindo sobre tudo o que havia acontecido naquela noite. Lucas estava no banco do passageiro, animado, falando sem parar sobre o festival do dia seguinte. Mas por mais que eu tentasse me envolver na conversa, a decepção latej*v* dentro de mim. A maneira como ele havia se comportado no restaurante, forçando Helena e Bia a compartilharem a mesa, me deixou profundamente incomodada.
Finalmente, não consegui mais segurar e desabafei:
— Lucas, você acha que foi legal forçar elas a cederem a mesa hoje? Considerando a maneira como seu pai trata a Helena…
Minha pergunta o pegou de surpresa. Ele me olhou com os olhos arregalados, e demorou mais do que o normal para responder.
— Amor, eu queria muito jantar naquele restaurante. Era o nosso dia. E elas não cederam a mesa, apenas compartilharam. Já conversei com meu pai sobre a Helena, e ele vai suavizar um pouco o temperamento dele.
— Sinceramente, Lucas… — As palavras me faltavam. — Eu achei sua atitude hoje… — Estava difícil colocar em palavras a frustração que sentia. — E você chamando uma pessoa que você mal conhece para fazer story político?
— Mas eu conheço ela… te disse que sigo ela. Ela faz cirurgias plásticas no mundo todo e dá conselhos também.
— Ai, Lucas…
— Você acha que ficou muito chato? Posso pedir desculpas amanhã pra elas.
— Só pra elas que você precisa pedir desculpa?
— Não, amor… pra você também. Me desculpa. É que fiquei empolgado.
— Eu percebi.
O silêncio entre nós foi quebrado apenas pelo som do motor e das rodas na estrada. Lucas, talvez sentindo a tensão, voltou ao assunto:
— Mas eu também percebi que o clima entre você e a Helena está melhor, não é?
Instantaneamente, minha mente foi para a imagem de Helena usando aquele vestido. Como ela estava linda naquela noite. Percebendo meu silêncio, Lucas insistiu:
— Está melhor, né?
— Ai, amor… acho que sim — respondi, tentando encerrar a conversa.
No resto do caminho, falamos sobre os planos para o dia seguinte. Iríamos ficar em um chalé para aproveitar ao máximo o festival. Eu sempre amei essas festas no interior, e pensar no festival me fez sentir um pouco mais animada. Talvez aquilo fosse suficiente para aliviar o peso que eu sentia no peito.
Quando chegamos em frente ao meu apartamento, Lucas sugeriu subir para estendermos a comemoração da noite. Suas intenções ficaram claras quando, no quarto, ele se aproximou de mim, dando beijos mais ousados. Retribuí os beijos, mas o cansaço do dia começou a pesar. Interrompi as carícias:
— Amor, acho que eu não vou aguentar. Preciso muito dormir. Tudo bem por você?
— Alegria não é o sentimento aqui — ele disse, apontando para si mesmo com um sorriso frustrado — mas tudo bem, amor. Vamos só dormir.
Na cama, Lucas ficou colado em mim e adormeceu rapidamente. Eu, por outro lado, custei a pegar no sono, meus pensamentos girando em torno de tudo o que havia acontecido durante o jantar. Havia algo dentro de mim que não conseguia silenciar, uma inquietação que não desaparecia.
Na manhã seguinte, mal vi Lucas saindo do apartamento. O som suave da porta se fechando foi quase imperceptível, e eu aproveitei a oportunidade para me enfiar mais fundo nos lençóis. O sábado prometia ser longo, e o cansaço da noite anterior ainda pesava nos meus músculos. Tinha combinado de encontrar Lucas após o almoço no chalé que havíamos alugado, então decidi me dar ao luxo de dormir um pouco mais.
Quando finalmente me levantei, o dia já estava avançando. Fui até a janela e olhei para fora, vendo um sol tímido despontar no céu entre nuvens. O tempo instável me deixou preocupada, pensando que as nuvens poderiam atrapalhar a vista dos campos e o clima geral do festival.
Peguei meu celular e, sem muito entusiasmo, abri o Instagram. O primeiro story que apareceu foi de Lucas, e o coração apertou um pouco. No vídeo, ele estava ao lado de Bia, ambos sorrindo. Lucas a apresentava com entusiasmo, e logo em seguida, Bia falava com confiança, convidando todos que estivessem por perto para prestigiar o evento. Não pude deixar de notar a quantidade de curtidas e comentários que o vídeo já tinha, incluindo um do prefeito Cássio, agradecendo a visita dela a Vintervile.
Suspirei, sentindo uma mistura de sentimentos. Bia parecia se encaixar tão facilmente em qualquer ambiente. A conexão entre ela e Helena era evidente, e a perspectiva de encontrá-las novamente hoje me deixava inquieta.
Prometi a mim mesma que tentaria ser mais tranquila. Sabia que precisava manter a cabeça no lugar e evitar qualquer tipo de confronto ou mal-entendido com Helena. Com esse pensamento, comecei a me arrumar para o dia. O festival era algo que sempre esperei com alegria, e não deixaria que meus sentimentos conflituosos roubassem isso de mim. Estava determinada a aproveitar cada momento e me reaproximar de Lucas.
*
Por Helena:
Ao encerrar a ligação, percebi os olhos de Bia e Marcos cravados em mim, esperando alguma resposta.
— Geralda disse que houve um cancelamento e conseguiu um chalé pra gente. — Por fim, anunciei.
— Que ótimo, Helena! Vai ser menos cansativo ficarmos por lá. — Marcos disse, animado.
— Ótimo mesmo, mas você está me lembrando seu amigo de ontem, que não faz reservas e depois quer apelar para o pai prefeito. — Bia comentou rindo.
— Ele não é meu amigo. — Respondi secamente, sentindo uma irritação inesperada surgir com a simples menção de uma amizade entre Lucas e eu.
— Espera aí, mas afinal de contas, quem estava ontem com vocês? — Marcos perguntou, curioso e um pouco espantado.
— O Lucas e a Isabela. — Respondi, tentando manter a voz neutra.
— A Isabela da herança? — Ele perguntou, e eu assenti com a cabeça, sentindo o peso das palavras dele.
— Como assim, da herança, gente? — Bia perguntou, me olhando de maneira inquisitiva.
— Ela recebeu na herança do meu pai uma porcentagem do hospital. — Expliquei, tentando não deixar transparecer a confusão interna que essa situação sempre me causava.
— Nossa, mas então ela era ex do seu pai? — A pergunta de Bia fez meu estômago revirar. Perdi toda vontade de continuar tomando café.
— Nas conversas que tive com Isabela, ela diz que não. — Respondi, tentando manter a calma.
— Mas no mínimo temos que reconhecer que é estranho ele ter deixado isso pra ela, né? — Marcos comentou, nos olhando com uma expressão que sugeria mais dúvidas do que respostas.
— Sim, é estranho. Mas ela me garantiu que isso a pegou de surpresa e que os dois tinham uma relação apenas profissional. — Respondi, tentando acabar com a conversa.
— Talvez seu pai tivesse uma paixonite por ela. Ela é uma mulher muito bonita. — Bia disse, me olhando como se estivesse sondando minha reação.
— Isso não me surpreenderia. Conheci bem o histórico do meu pai. — Tentei dizer de forma casual, mas a sensação de desconforto crescia em meu peito, quase me sufocando.
Houve um silêncio momentâneo na sala, onde parecia que todos estavam digerindo a informação. Então, Marcos mudou o rumo da conversa, provavelmente sentindo o peso do assunto.
— Vocês chegaram tarde ontem, então ainda não pude te perguntar como está a situação do hospital. — Ele comentou.
— Está tudo bem. Meu advogado já conferiu a documentação, modifiquei algumas cláusulas do contrato e, apesar do prefeito fazer as falcatruas na licitação, colocando a distância como critério… e tornando, consequentemente, o Hospital Vintervile sempre o vencedor, consegui conter muitas interferências deles no hospital. — Contei, tentando afastar os pensamentos incômodos sobre Isabela.
Marcos e Bia me ouviam atentamente, e pude ver que Bia tinha algo a dizer, movimentei minha cabeça em direção a ela e ela soltou:
— Ai, Helena... — disse ela, com um tom de voz que parecia carregar uma leve tristeza. — Ainda não entendo você largar seu cargo como chefe da cardiologia no hospital mais prestigiado de Porto Grande para vir pra essa cidadezinha.
— Eu já disse... eu já disse... — Marcos falou, num tom brincalhão, nos olhando.
Suspirei, tentando organizar meus pensamentos, e finalmente respondi.
— Eu sinto que preciso fazer isso. Deixar tudo em ordem por aqui. É algo que eu não sei explicar...
Bia, que até então estava sentada, se levantou e me envolveu num abraço de lado. O gesto era inesperado, mas bem-vindo.
— Ai, Helena... sinceramente, não sei o que fazer com você. — disse ela, sua voz agora mais suave, quase um sussurro. Ela me soltou apenas o suficiente para beijar minha bochecha. — A verdade é que estou um tanto emotiva hoje, mas extremamente feliz em rever você, Marcos, e você, minha doutora coração.
— Eu também estou muito feliz por vocês estarem aqui. — Respondi, com um sorriso sincero.
Aquele momento de afeto me fez perceber o quanto eu realmente havia sentido falta deles, e de certa forma, validou a minha escolha de estar ali, apesar das dúvidas que às vezes me assombravam.
— Bom, gente... vou organizar minhas coisas e tomar um banho. — Bia disse, se afastando para ir ao quarto de hóspedes. — Que horas faremos check-in?
— A partir das 14h. — Respondi rapidamente, vendo-a já em movimento.
Assim que Bia saiu da sala, Marcos se aproximou, com aquele olhar maroto que eu conhecia tão bem.
— Cara, ela está tão na sua. — Disse ele, rindo e me dando um soquinho fraco no ombro.
Eu ri também, mas não pude deixar de sentir um pequeno desconforto se instalar. Tentando afastar o comentário, respondi:
— Para com isso, Marcos. Termina de tomar seu café.
Ele ergueu as mãos em sinal de rendição, ainda rindo.
— Ok, ok... Ei, mas pra eu não ficar segurando vela, acha que por lá vai ter alguma moça do interior bonita? — Ele perguntou, erguendo as sobrancelhas de um jeito exagerado.
Eu não pude evitar rir novamente. Comecei a recolher as xícaras da mesa, tentando organizar a cozinha e também os meus pensamentos.
Enquanto lavava as louças, me peguei olhando pela janela novamente. O céu ainda estava nublado, mas um pensamento claro surgiu em minha mente: eu precisava manter o foco. Era importante lidar com os sentimentos contraditórios que vinham me dominando nos últimos dias, mas também queria me permitir aproveitar a companhia dos meus amigos durante o festival.
— Vamos ver o que o dia nos reserva — murmurei para mim mesma, enquanto terminava de organizar a cozinha.
Fim do capítulo
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