Capitulo 20
CAPÍTULO VINTE
O relógio mal marcava o início da manhã quando Marcela adentrou o shopping, o movimento nos quiosques ainda um murmúrio distante. Funcionários corriam apressados, preparando os últimos detalhes, enquanto os poucos clientes que chegavam examinavam os cardápios com uma curiosidade quase indolente, prolongando a espera dos já sobrecarregados atendentes.
No "Balcone della pasta D’Angellis", dois rapazes organizavam as mesas. Marcela buscou por Chiara, mas a encontrou. Nem mesmo a outra garota, que deveria estar ali, aparecera. Apenas os dois, com uma cumplicidade evidente, revezavam-se entre o balcão e o interior do quiosque, suas conversas e brincadeiras sugerindo uma amizade que transcendia o ambiente de trabalho. Ela se recordou de ter visto o mais alto com Jacinto da última vez que saíram para tomar uma cerveja, e a intimidade entre eles chamou sua atenção. A memória a impeliu a agir. Discretamente, ela tirou uma foto do rapaz e a enviou.
— Olha o que eu achei no shopping, — ela digitou, pontuando a mensagem com uma enxurrada de emojis de coração. O celular vibrou quase que instantaneamente com uma chamada de vídeo.
— E eu com isso? — A voz de Jacinto, fria e direta, sequer se preocupou com um cumprimento. Marcela, contudo, conhecia o amigo mais do que ele imaginava. — Que eu saiba, seu negócio é mulher. Não lembro de te ver com homens.
— Desculpe, pensei que fosse aquele boy que vem esquentando sua cama ultimamente, — Marcela provocou, posicionando o celular para que o rapaz no quiosque ficasse visível. Ela se acomodou em uma mesa vazia, puxando o assento ao lado para apoiar a casinha de bonecas que Alex tanto cobiçava. Embora não se considerasse antissocial, Marcela detestava dividir mesas com estranhos. Eles tinham o hábito de despejar seus problemas ou de se perder em fofocas, e ela não suportava conversas longas com pessoas que, com certeza, nunca mais cruzariam seu caminho.
— Não sei do que está falando, Marcela, — a neutralidade de Jacinto não a convencia. O trabalho dela se resumia a discernir a verdade em meio à mentira, e a respiração do amigo estava ligeiramente alterada.
— Eu vi vocês conversando na noite em que a mamãe foi para a fazenda e levou Alex. Você ficou um tempão com ele e, do nada, inventou uma desculpa para ir embora. No mesmo instante, o boy também saiu de fininho. Achei suspeito, mas não falei nada. — Marcela ergueu a mão para chamar a atenção dos rapazes no quiosque.
— Continuo sem entender onde quer chegar, — a sobrancelha arqueada de Jacinto e um leve sorriso o denunciaram.
— Está bem, se quiser continuar mentindo, pode ficar à vontade. Vou fazer umas perguntas, mostrar sua foto e descobrir a verdade.
— Senhora, o macarrão vai demorar um pouco. Estamos abrindo agora e tudo é feito na hora, — o jovem, com o cardápio em mãos, parecia constrangido por não poder oferecer o prato da casa de imediato.
— Não se preocupe, no momento eu só quero uma água com gás, — antes que ele se afastasse, Marcela o deteve. — D’Angellis é um sobrenome muito bonito. Qual de vocês é italiano?
— Nenhum dos dois, — ele sorriu, mais relaxado. — O quiosque não é nosso, é de duas amigas. Uma delas é filha de italianos e dona de um restaurante à beira-mar. Eu e o Saulo só prestamos serviço. A propósito, eu me chamo Danilo. Só um instante, vou pegar sua água.
— Marcela. Pode me chamar só de Marcela, esqueça o “senhora”.
Danilo e Saulo aparentavam ter, no máximo, 27 anos, e pareciam compartilhar uma amizade de longa data, daquelas que se transformam em parentesco por afinidade. No telefone, Jacinto a encarava com um semblante carrancudo.
— Então, amigo, vai me falar a verdade ou quer que eu descubra sozinha? O nome eu já tenho, a fonte para informação também. — Ele revirou os olhos.
— Está certa, estamos nos conhecendo, mas nada sério. Ele é muito inseguro, tem medo de tudo, mas quando estamos dentro de quatro paredes se transforma.
Danilo já retornava, depois de um rápido desvio para atender um casal próximo ao balcão. O "boy do Jacinto" trouxe a água, uma taça elegante e uma pequena tigela com rodelas de limão.
— Peço desculpas por não atendê-la adequadamente, a administração do shopping não permite que Ágata e os donos das barraquinhas cheguem mais cedo, por isso a água não está bem geladinha. Mas eu trouxe gelo para compensar.
Marcela sorriu.
— Danilo, é esse seu nome, não é? — Ele assentiu, enfiando as mãos na lateral do avental xadrez em vermelho e preto.
— Da outra vez que vim ao shopping, na frente da loja, tinha duas garotas. Elas estão de folga hoje?
— Elas são as donas, como falei antes. Não estão de folga não, é que teve um problema no restaurante da Ágata, uma das sócias, por isso ainda não chegaram.
Um grupo de crianças inquietas ocupou uma mesa próxima, lançando olhares impacientes para Marcela por monopolizar o único funcionário. Danilo pediu licença e se dirigiu a eles.
— Está feliz agora? — Jacinto revirou os olhos, seu bigode farto e bem aparado mal escondendo a expressão de desprezo.
— Claro, — Marcela respondeu rindo. — Não entendo por que me deixou de fora disso. Eu não guardo segredos de você.
— Eu não quero criar expectativas e, se já esqueceu, ainda estou respondendo a um processo. Não quero perder minha farda.
Marcela estalou a língua, impaciente.
— Não corre esse risco. O garoto não é oficial. O máximo que pode acontecer é você receber uma advertência oral para não confundir a corporação com sua vida pessoal.
— Eu não faria isso. O processo me ensinou a ser mais cauteloso. Mas esqueça minha vida amorosa e fale de você. Ágata, a dona desse quiosque, é a garota que você conheceu?
— Ela mesma. Eu até tentei fugir e não a envolver nas minhas merd*s, mas parece que quanto mais eu tento, mais difícil fica. — Marcela suspirou, a resignação pesando em sua voz. — Então não vou mais fugir.
O dia estava abafado, até mesmo dentro do shopping. Marcela buscou nos bolsos um elástico de cabelo para prender um rabo de cavalo, mas não o encontrou. Fez uma nota mental para ir buscá-lo em sua moto. Não seria prudente ficar zanzando no meio de tantas câmeras com o rosto descoberto.
— Eu a conheci outra noite, muito bonita. Alex parece ser da mesma opinião. De algum jeito, descobriu o que sua filha sussurrou para você.
— Ela não me contou nada, a não ser que eu precisava conhecer a Ágata e que ela parecia uma princesa dos contos de fadas. Jacinto, peça à Mom para ficar com Alex hoje. Vou chegar tarde.
— Dona Montserrat vai levar Alex para jantar fora com os netos. Achei que já tivesse avisado que vão direto para a fazenda e vão esperar por você lá.
— Ótimo. Então venha para cá, vamos passar a tarde batendo perna até o shopping fechar, — Marcela sugeriu. — Quero convencer a dona do quiosque a sair comigo. Podemos ir ao cinema, o que me diz?
— Tentador, mas não vai rolar. Vou aproveitar para dar uma geral no meu cafofo e comprar uns mantimentos. Meu armário está cheio de teias de aranha. Também tenho que aguardar uma chamada de vídeo do Leleco, parece que ele tem novidades.
— Tomara que tenham pego toda a corja, já estou farta de viver fugindo, — Marcela desabafou, a frustração com a situação e com o sistema evidente em sua voz.
— Eu também não vejo a hora da nossa vida voltar ao normal. Agora me deixe cuidar da minha casa, que eu não sou herdeiro.
Jacinto sempre a zombava por ser herdeira, mas Marcela trabalhava, e muito.
— Pois bom divertimento, — Marcela retrucou. Como um bom dono de casa, ele gostava de tudo arrumadinho. Já ela sempre fora meio desorganizada, e nem cozinhar sabia; começou a aprender por causa de Alex. — Tenho certeza que o Danilo vai amar seu ninho do amor.
— Por Deus, mulher, fecha essa tua matraca! O boy é incubado, não quer sair do armário e não se atreva a contar nada para sua princesa. Eles são muito amigos, tanto que trabalha quase de graça só para ajudar.
— Não direi nada da sua vida, pois espero não ter tempo nem para falar da minha.
Marcela enviou uma mensagem rápida para sua mãe, pedindo que não esperasse por Alex. Sabia que ela ficaria chateada. Desde que voltou para casa, mal ficava com a família; tudo era motivo para permanecer no sítio. Marcela estava pensando seriamente em se mudar de vez e sair da casa da mãe para morar lá.
Chiara demorava. O tempo se arrastava infinitamente, esticando-se como se quisesse prolongar ainda mais a espera. Nada que um bom filme não remediasse. Marcela enviou o brinquedo de Alex para Jacinto por um aplicativo de entregas e seguiu para o cinema. Quando retornou ao quiosque, a noite já havia chegado.
De sua posição, no início do corredor, Marcela tinha uma visão privilegiada de toda a praça e sua estrutura circular. Desta vez, escolheu um banco na ilha que servia de balcão, a famosa "mesa dos solteiros". As plantas artificiais que ofereciam uma certa privacidade e as dezenas de tomadas para carregadores espalhadas pelo balcão certamente contribuíam para a fama do local.
Ela se sentou em um dos bancos altos e observou o que acontecia. Na barraca vizinha, um rosto familiar, meio escondido atrás de um barril de chope, observava Chiara. A tentação de censurar o idiota de seu irmão era grande, mas Marcela estava fazendo a mesma coisa, e ele não hesitaria em usar isso contra ela. Ficaram de pé ao mesmo tempo, ambos com os olhos fixos na mesma mulher. Enquanto ele puxava conversa com uns rapazes bem próximos de Chiara, provavelmente seus amigos, Marcela permaneceu paralisada, tentando pensar em uma maneira de falar com ela.
— Boa noite, pessoal! — A voz de Chiara ecoou alta. — Eu me chamo Ágata Chiara e essa é a minha sócia, Gorete, mas aqueles dois jovens são os caras que realmente entendem de vinho aqui. Temos o prazer de oferecer a cada um de vocês a melhor massa que já provaram em suas vidas e o melhor vinho da nossa adega, mas estamos com um problema de espaço. Vamos fazer assim…
Enquanto Chiara explicava, Marcela pôs seu cérebro para funcionar. Ela tinha que dar um jeito de chegar até ela sem chamar a atenção do irmão, o que parecia impossível no momento. Se ficasse ali esperando, a ajuda não chegaria, mas também não desistiria como fizera da outra vez.
Marcela procurou o número pessoal de Chiara e enviou uma mensagem. Era isso ou nada. Agora ela só podia torcer para que Chiara lesse antes que Eduardo arriscasse tudo chamando-a para sair. A sorte estava lançada, e Marcela esperava que estivesse ao seu lado.
Espero que esta versão aprimorada do capítulo ajude a dar mais vida à sua história! O que você achou das mudanças? Há algo mais que você gostaria de ajustar ou explorar?
Fim do capítulo
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