Capitulo 16
-Ah, Larissa, me poupe... não começa. - Eu falava enquanto me dirigia ao carro.
Larissa me seguia como uma sombra, praticamente gritando comigo por eu simplesmente deixar tudo para trás e não querer aceitar que todos voltassem a falar comigo, mesmo depois de terem parado de me procurar.
-A gente já perdeu a mamãe Helena, seja mais compreensiva!
Eu parei antes de abrir a porta do carro, encostando o corpo na lataria cinza, enquanto Larissa cruzava os braços e me encarava.
-Uma coisa não tem nada a ver com a outra. - Respirei fundo, tentando me acalmar. - Eu me arrependo de nunca ter falado com ela, mas não posso fazer isso comigo agora. A gente está discutindo de novo pela mesma coisa... olha. - Suspirei, olhando para o chão. - Eu preciso de um tempo. Vou para casa, tomar um banho e depois volto.
Abri a porta do carro e entrei, enquanto ela me encarava.
-Você realmente vai me deixar cuidar de tudo sozinha?
-Sozinha, Larissa? Olha quanta gente tem aí. - Apontei para a casa.
-Mas você era filha dela. - Ela bufou, com raiva, enquanto eu apertava o volante.
Fechei os olhos por um momento, tentando não responder impulsivamente.
-Larissa, eu já entendi... Eu vou resolver, pode deixar tudo comigo. - Liguei o carro e saí dali antes de ouvir sua resposta.
Na verdade, eu não sabia exatamente o que fazer.
Por onde começar? Eu não sabia nada sobre a vida da minha mãe. O que eu mais precisava era descansar a mente e sair daquele lugar antes que eu perdesse o controle.
Quando cheguei em casa, minha cabeça estava tão pesada quanto se eu carregasse toneladas. Minhas costas estavam exaustas, e eu sentia como se estivesse carregando o mundo sobre elas.
Tomei um banho quente, observando a água escorrendo pelo ralo, como se estivesse levando toda a dor do meu corpo, toda a tristeza, toda a confusão mental e todos os pensamentos ruins. Eu me sentia como um fardo de emoções sem explicação, porque, se havia algo que eu não entendia naquele momento, eram meus próprios sentimentos.
Fiquei apenas com a toalha - duas, para ser exata. Uma nos cabelos e a outra no corpo. Olhei pela janela e vi que o dia lá fora parecia lindo, radiante, energizante... Só não para mim.
Caminhei sem saber o que fazer. Meu corpo estava cansado por conta da noite em claro, mas, por mais que eu soubesse que não conseguiria dormir, também não sabia o que mais fazer.
Fui até a cozinha e preparei um chá. Camomila, talvez, fosse resolver neste momento. Quem eu queria enganar? Se camomila fosse a solução para isso, seria a solução para o mundo todo.
Tomei o chá na cozinha, observando o enorme relógio preto na parede, cujos ponteiros nunca paravam. Não fazia ideia de quanto tempo eu fiquei ali, até perceber que meu chá estava completamente frio. O cuspi de volta na xícara.
No meio de toda essa confusão mental, elas surgiram em meus pensamentos. Por alguns segundos, imaginei como seria se estivesse com a Victoria. Ela com certeza me convidaria para a cama, colocaria uma música suave e me faria cafuné, nunca sairia do meu lado. Mas então me lembrei que isso não era possível.
Pensei então na Mariana, no sorriso dela, no jeito único de passar a língua entre os lábios quando queria chamar atenção. Ela com certeza estaria aqui, me ouvindo, dividindo esse chá frio comigo.
-Estou cansada de enfrentar tudo sozinha.
Saí à procura do meu celular, que, a essa altura, deveria estar em algum canto perdido da casa. Revirei todos os cômodos até encontrá-lo dentro do carro, com a bateria quase acabando e várias ligações perdidas da Mariana. Já esperava por isso. Retornei a chamada, que foi atendida no primeiro toque, como se ela já estivesse esperando.
-Oi, Helena, o que houve? - A voz de Mariana estava rouca, mas parecia acelerada, e o barulho de fundo da ligação me fez perceber que ela estava no restaurante.
-Oi... É... você está ocupada, né?
-Estou, mas se precisar de mim, estou aqui. Você está em casa?
-Estou, mas...
A ligação foi encerrada antes mesmo que eu terminasse a frase. Isso me irritou. Joguei o celular no sofá e fui colocar água para ferver novamente. Eu estava tão perdida.
Já estava imersa em meus próprios pensamentos, mexendo a colher na xícara enquanto esperava o tempo passar, quando ouvi a campainha tocar.
Olhei pelo portão e vi Mariana, ajeitando a roupa como se estivesse verificando se estava limpa e adequada. Eu não pude deixar de sorrir. Abri o portão, nossos olhares se cruzaram, mas logo ela desviou os olhos, observando meu corpo coberto apenas pelas toalhas.
-Nunca fui tão bem recebida na minha vida. - Ela sorriu de canto, e eu a puxei para dentro, me envolvendo em um abraço.
-Obrigada por ter vindo, mesmo sem eu pedir.
Ela carregava aquele cheiro familiar, estava visivelmente cansada, mas com disposição para qualquer coisa. Sua mão direita desceu até minha bunda, onde permaneceu enquanto eu a encarava, agradecendo com o olhar por ela está ali.
-O que aconteceu? - Mariana perguntou, enquanto ficávamos ali, com o portão entreaberto, nossos corpos próximos o suficiente para nos olharmos nos olhos. Com a pergunta, meus olhos se encheram de lágrimas, e, para que ela não me visse chorar, a abracei.
-Calma, meu amor, estou aqui com você. - Mariana me disse com ternura.
Ela não precisava assumir essa responsabilidade, afinal, não éramos nada. Mas ela fez questão de estar ali, de se importar.
-Vem comigo. - A puxei pela mão até o meu quarto, um espaço que até aquele momento ela não conhecia. Assim que abri a porta, ela olhou ao redor, observando cada detalhe, do piso à luminária no teto.
Entrei no banheiro e me vesti, enquanto Mariana permanecia de costas, encarando a rua pela janela.
-Vamos conversar. - Sentei na cama e ela fez o mesmo, se acomodando ao meu lado.
Contei tudo sobre minha relação com minha mãe, desde o início até o momento de sua morte. Mariana me ouviu em silêncio, olhando nos meus olhos, sem fazer qualquer julgamento. Era como se eu estivesse falando sobre qualquer outra coisa.
-E eu não entendo, Mariana. Eu me sinto culpada. Não acredito que ela tenha partido chateada comigo, e agora as pessoas... simplesmente voltaram a falar comigo do nada. Isso é tão estranho. Eu não consegui ficar lá, e agora preciso organizar o funeral de uma pessoa que praticamente morreu para mim anos atrás. - Suspirei, como se todo aquele peso tivesse se acumulado em minha garganta, um segredo guardado por tanto tempo.
-Eu sei que a gente não tem nada, mas... - Mariana segurou minha mão e beijou o dorso. - Aproveita, essas pessoas talvez não te mereçam, mas não quero que se sinta assim novamente. Você não precisa ser amiga delas, só precisa ser gentil quando elas vierem até você.
-É tão complicado. - Suspirei novamente, lembrando do meu pai. - Eu abracei meu pai, sabe? Há quanto tempo eu queria isso, especialmente quando sofri pela morte da Victoria. Eu precisava de um abraço deles... mas não tinha.
Mariana me puxou para o colo dela e me deu um abraço tão forte. Seus beijos me aqueceram, e ela colocou uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.
-Eu. Estou. Aqui. - Ela falou pausadamente, intercalando palavras com beijos. - E. Pretendo. Ficar.
Fim do capítulo
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