Pessoal, peço mil desculpas pelo atraso no capitulo.
Foi um mes de muitas mudanças, casa, emprego, cidade. Mas aos pouqinhos vou encontrando a rotina e voltando a escrever.
Acontecimentos premeditados está nos ultimos capitulos, ja já vamos nos despedir.
Abraço a todas.
Capitulo 66
Cap 65
Conforme o avião pegava velocidade eu me empurrava mais na poltrona. A Beatriz que estava na poltrona de frente pra mim estava segurando a risada, tentando me acalmar com o olhar e passar calma, mas era nítido que ela estava rindo de mim. Na poltrona do outro lado está a Marjorie, delegada da PF, mexendo no celular, centrada, firme. Ela estava no notebook até a mocinha do voo pedir pra ela guardar por conta da decolagem.
Quando a Fernanda, namorada da Dra Carol, me ligou avisando sobre a prisão da mandante do sequestro, eu acionei a Isa. Ela repassou para a PF, que é quem cuida de casos que transpassam a fronteira. Nessa situação estamos lidando com tráfico de órgãos, tráfico de pessoas, digamos que o sequestro da Dra Carol seja o menor dos pontos. Que a Carol não escute isso.
Segundo a Isa e depois confirmado pela Marjorie, ela já estava ciente do caso, mas assim que houve o acionamento formal iniciou um corre corre, acionando e correlacionando outras agências. Afinal, não se pode sair do nada de seu país, entrar em outro e investigar um cidadão do outro. Por sorte ou não, na verdade por competência, eu e a Isa já havíamos feito bem nosso trabalho, então foi fácil essas conexões entre agências.
A maior bomba foi quando a Isabelle me ligou perguntando se eu tinha condições de acompanhar a Marjorie, logo eu que tinha acabado de receber alta do hospital, mancando, com dor para respirar, dedo fraturado e cara amassada. Claro que meu primeiro pensamento foi “óbvio que eu consigo, como não?”, mas ao olhar pra Bia, percebi que eu não estava tão bem assim. A Beatriz ficou puta da vida, acho que foi a primeira vez que presenciei ela nervosa, brava. “Você não consegue nem respirar, vai pegar avião?”, “viagem internacional toda quebrada?”. Quase me derreti com ela brava cuidando de mim.
Mas no final, se estou no avião é porque acabei vindo. Eu conversei com o médico no dia da alta, ele recomendou repouso e não viajar, mas deixou algumas medicações caso eu desrespeitasse a ordem dele e viajasse. E eu conversei com a Isabelle e com o Alcino, eu precisava da Bia comigo. Ah, mas quanto mel, não consegue nem trabalhar sem ela? Não é isso. Imagina como está a cabeça da Beatriz, Ricardo preso, eu toda machucada e recém tido alta do hospital, ela se sentindo culpada de tudo que aconteceu, aí eu pego tudo isso, ignoro e vou fazer uma viagem internacional a trabalho, sem condições.
Posso dizer que minha sorte é que somos servidoras muito boas e dedicadas. O Alcino, claro que pensando na repercussão positiva para sua carreira, autorizou minha viagem e deu uns dias de licença para a Bia. Eu e ela teríamos que arcar com a viagem dela, e estão certos, não faz sentido o governo arcar com o custo de um passageiro a mais, sem necessidade. Até nisso alguém ou algo é bom, porque quem arcou com a viagem de ida foi a Fernanda, namorada da Dra Carol, falou que se o objetivo era chegar rápido, ela iria proporcionar isso. E eu, que nunca entrei em um avião, nunca fiz uma viagem nem nacional, quem dirá internacional, estou sentada na poltrona de um jatinho de táxi aéreo, com a minha namorada com destino a Portugal, deixa baixo os detalhes para poder aparecer bonito e sem caos.
Mas aí vocês me perguntam, porque a Isa não veio? Afinal ela é a delegada responsável pela investigação do sequestro da Dra Carol. Então, sim. A Bia perguntou exatamente isso para a Isa, em uma conversa amigável que tiveram no dia da minha alta.
- Isa, não têm condições da Flávia ir. Olha como ela está! - a Bia falou assim que a Isa entrou no quarto do hospital.
- Boa tarde pra você também, Bia. Flávia, como você está? - Eu acenei tentando não rir, aquela era a Isabelle delegada tentando resolver um problema, não a Isa amiga - Vim conversar exatamente sobre isso com a Flávia.
- Isa, não tem conversa, ela não tem condições - a Bia reforçou
- Bia, calma, deixa eu ouvir a Isa - sorri para a Bia, tentando passar calma.
- Então - a Isa começou a falar - considerando que é um caso que passou a fronteira, tive que acionar a PF. Isso já era previsto e eu já tinha feito quando suspeitamos que iria atravessar a fronteira. Beleza. A questão é que a PF designou uma delegada pro caso, que é a Dra Marjorie, gente boa, já trabalhei com ela.
- E ela precisa da Flávia? - Bia cada vez mais brava.
- A Marjorie precisa de um representante do nosso caso, poderia ser eu ou você.
- E pensando em logística não compensa ser você - Completei antes da Isa falar.
- Exatamente.
- Não entendi - a Bia perguntou.
- Bi, eu e a Isa sabemos bem o caso, de ponta a ponta. Mas eu não sou delegada. Qualquer ação ou acionamento que tenha que ser feito aqui, eu não consigo fazer. Sem contar que tem o caso do Ricardo para apresentar as demais denúncias, coisa que eu não consigo fazer como investigadora - tentei não prestar atenção na reação da Bia - Mas lá em Portugal, consigo acompanhar o depoimento e expor o caso.
- Tá bom, por logística você é a melhor pra ir, mas e por saúde? Caramba Flávia, tirou uma mangueira do peito há 2 dias.
- Bi, estou andando bem, respirando legal, tanto que recebi alta. Não vou abusar, vou pegar leve - A Bi estava ficando mais irritada ainda, eu não estava acalmando ela - Bi, deixa eu conversar rapidinho com a delegada, 5 minutos - a Bia não respondeu, apenas olhou firme e saiu do quarto, nitidamente contrariada.
- Obrigada.
- Não iríamos conseguir conversar com ela, ela não está errada também, eu estou na merd*.
- Mas acha que consegue ir?
- Velho, tenho que ir, não é se consigo. Estou trabalhando nesses casos há quase um ano. Começamos com a vala do matão, não vou deixar essa finalização se perder. Quero ver essa mulher em Portugal falando da Mayra, tenho certeza absoluta que tem ligação.
- Que tem ligação eu acredito também.
- O passaporte da Mayra está bloqueado já?
- Sim, bloqueei o passaporte dela, deixei um alerta facial e uma escolta próxima. O cerco está cada vez mais perto, só precisamos de uma denúncia direta que exija a prisão preventiva. Enquanto não tivermos isso, vamos morrer esperando o julgamento do tráfico de pessoas.
- E ela ser liberada, no máximo, com um serviço comunitário.
- Exatamente, preciso de algo palpável para pedir pra Mel a prisão preventiva da mayra.
- Quem seria Mel? - Acho que sei a resposta
- A Juíza que está cuidando desse caso.
- Claro, Mel. Só conhecendo né Isabelle?
- Nem vem com ciúmes Flávia, perdeu sua chance.
- Eu hein, quem disse que to com ciúmes, tô achando é ótimo ter uma juíza para facilitar as ações - respirei fundo, com uma certa dor e soltei - E te acalmar, porque tá precisando xuxu.
- Flávia, Flávia. Chega, foco! Vai conseguir ir? Vai ir?
- Isa, eu vou. Não sei se vou conseguir, mas me coloca na missão que vou dar meu melhor. Mas assim cara, não tem como eu deixar a Bia.
- Como assim? Quer levar ela?
- Eu acho que é o caso. Eu ainda preciso de cuidados, de ajuda. E ela está nitidamente transtornada. Está morrendo de medo do Ricardo ser solto, ao mesmo tempo que dá pra ver que ela está mal por ele estar preso. Pensa se acontecesse alguma coisa comigo ou até mesmo ele foge, alguma coisa assim, vocês vão perder mais uma. E como namorada, eu tenho que dar um apoio agora, não vou me concentrar com ela aqui sozinha. Ela não está bem.
- Porr* Flávia, vai ser foda você levar ela. Sem contar que não tem como justificar eu mandar 2 agentes.
- Eu arco com a viagem dela, parcelo em mil vezes. Peço um empréstimo, dou meu jeito. Não tenho como ir sem ela. Não vou sem ela.
- Eu vou conversar com o Alcino pra liberar ela uns dias. Mas cara, é só o tempo de você receber alta, bater em casa e ir pro aeroporto.
- A Delegada da PF já está em condições?
- Fiquei de acionar ela. Você me dando o pronto dos horários e tals, eu aciono a Marjorie - Ela deu um tempo e logo voltou a falar - Flávia, eu sei que você está zuada, acabou de sofrer essas lesões e tudo mais. Vai no seu tempo lá. Ninguém está em risco iminente, ninguém está sequestrada. Preciso de você inteira lá, bem. Não me adianta você machucada, correndo tiro de mil metros, no máximo na caminhada da vovozinha.
- Fica tranquila, eu vou cumprir a missão. Tempo ao tempo.
- Tá, vou adiantar as outras coisas e liberar a bravinha para entrar. Se a Bia pudesse me agredia agora.
- Não duvido não - demos risadas, eu tentei pelo menos. A Isa calmamente saiu do quarto, se deparando com a Beatriz de rosto inchado na porta do quarto. Eu conheço minha namorada, afinal foi minha amiga antes de namorada, sei que ela não está estável. Está triste, ansiosa, traumatizada.
- O que decidiu? - a Bia falou direta.
- Eu vou para Portugal acompanhar o depoimento e dar suporte pra delegada da PF.
- Flávia!!
- Bi, escuta, você vai comigo. Ou melhor, a Isa vai conversar com o Alcino para você me acompanhar. Deixei claro que se você não for eu não vou.
- Como assim, vou com você para Portugal?
- A Isa vai negociar com o Alcino. De todo modo, eu recebendo alta, vamos rapidinho pra casa, uma mala simples minha e uma mala simples sua, coisa de uma semana. Falei que estou lesionada e preciso de você comigo - ela me olhou séria, não consegui decifrar exatamente - e Bi, sei o quanto está sendo forte, firme, mas também sei o quanto você precisa de carinho, cafuné e cuidado também. Linda, a prisão do Ricardo mexe com você.
- Claro que não, ele merece apodrecer lá.
- Bia, não tem motivo para mentir pra mim. Você não deseja o mal nem de uma pulga, quem dirá o dele. Mas também sei que está aliviada dele preso, então tudo bem. Vem aqui amor, me dá um abraço, abraço acalma tudo nesse mundo - Ela sentou ao meu lado no sofazinho de acompanhante do hospital e se permitiu ser acariciada, aninhada.
A Fernanda, namorada da Dra Carol, que organizou os trajetos de avião como eu havia dito. Então nosso voo foi até Recife, no Brasil, onde parou para abastecer, depois para abastecer. Depois parou em Lisboa, novo abastecimento e um voo curto até o aeroporto de Tras os Montes, acho que era esse o nome da cidade. Em Trás os Montes havia um transporte já esperando nós três, mas assim, o tempo que esperamos para entrar na van tanto eu, a Bia como a Marjorie estávamos tremendo. Confesso que as bichos do mato éramos eu e a Bia, acho que nem tenho agasalho na necessidade dessa viagem. A delegada da PF estava bem elegante com casaco por baixo de uma jaqueta de couro, sei lá, aparentemente quentinha.
Tentei esquentar a Bia em um abraço, mas quem precisava mesmo se esquentar era eu. Cada puxada de ar que eu dava era como se o antigo lugar do dreno abrisse um pouco, confesso que estava doendo respirar. Mesmo com a dor e o incomodo físico eu estava encantada pelo lugar e pela oportunidade, acho que eu não teria uma oportunidade dessa se não fosse um caso. Conhecer outro país, principalmente uma cidade pequena, bem nativa, ainda mais com a Bia, não sei quando conseguiria proporcionar isso pra ela.
Entramos em uma van do projeto social que a Fernanda cuida e o motorista nos orientou que seria mais umas 5 horas de carro. Confesso que eu não achei nem que Portugal fosse grande assim, sei lá, no mapa é uma tripinha. Era nítido o cansaço na face de nós três, eu até dormi no avião, já a Marjorie acho que não. Eu peguei no sono e ela estava lendo, acordei e ela estava lendo. Posso dizer que eu estou um ano adiantada na investigação e ela precisa correr atrás disso. Quanto mais nos afastavamos de Tras os Montes e mais chegavamos perto de Urros, o frio aumentava e as paisagens se tornavam mais campestres, medievais. Quando acessamos a pequena vila, as casas começaram a ser de pedra, direto na rua, sem quintal, como um vilarejo medieval. Eu estava completamente encantada, antes de ir embora, preciso arrumar um tempo para a Bia fotografar esse lugar.
- Finalmente chegaram, sejam bem vindas - foi a primeira coisa que a Fernanda falou assim que a van estacionou e descemos - Flávia, tudo bem? - eu era a unica que ela se xconhecia daquele trio, acho que por isso fui a primeira a ser cumprimentada. Fiz a vez de apresentar a Marjorie e a Bia.
- Essa é a Marjorie, delegada da Policia Federal, que veio para acompanhar as investigações comigo. E essa é a Beatriz, perito da policia cientifica e minha namorada, veio me acompanhar - Sem rodeios a Fernanda esticou a mao para cada uma e pediu para acompanharmos ela para dentro de um predio, acho que um hospital.
- Flávia, esse é o projeto social que eu e a Carol cuidamos aqui em Urros. De um modo geral as pessoas pensam que a saúde na Europa é rica e bem acessível a todos, mas é uma realidade muito próxima à do Brasil. Em São paulo ou Rio de Janeiro achamos de tudo, mas em Rondônia, Roraima não tem o básico do básico. Estávamos na Rondônia portuguesa - ela foi explicando enquanto nos levava pelo hospital - a Caroline por exemplo, é a única ginecologista no raio de 500 km. Imagina uma mulher em trabalho de parto viajar 500 km para poder ser atendida.
- Não imaginava uma realidade dessa aqui. Realmente pensei que era bem estruturado, primeiro mundo - comentou a Marjorie.
- Somos uma vila medieval, com os primeiros relatos datados da época pre romana, mas mesmo com todos esses anos, foi esquecida e abandonada por séculos. Mas aos poucos vamos modernizando e dando uma base de saúde a vila - empurrou uma porta, dando acesso a uma sala de reunião, um escritório - entrem por favor. Três cafés?
- Eu aceito - Primeira vez que a Bia falou.
- Três cafés e mais alguma coisinha, por favor - a Fer falou para uma mocinha enquanto nós ajeitavamos nas cadeiras.
- Fernanda, explica melhor o que aconteceu? - a Marjorie já lançou a “braba”e direta. Antes da Fernanda começar a responder eu me coloquei no meio e comecei a falar.
- Fe, alguém poderia ir mostrando para a Beatriz ao alojamento? Vamos ficar em um alojamento? Isso?
- Ah.. claro… eu, vou pedir aqui - a Fernanda, que estava de jaleco médico, tirou o jaleco, apoiou na porta e chamou novamente a assistente ou secretária - Beatriz, você pode acompanhar a Inês? Vocês duas vão agora também?
- Não Fernanda, por enquanto só ela - a Bia, desconfortável, saiu do consultório e seguiu a secretaria. Tentei deixar essa informação em off, mas não deixa de ser desconfortável.
- Pronto, voltando - a Marjorie, bem direta voltou a falar - explica melhor pra gente o que aconteceu.
- Então pois, eu estava a fazeire uma surpresa para a Caroline. Havia comprado uma corrente para ela, pois a dela foi surrupiada no sequestro. Fui a fazeire um charme - ela já tinha um sotaque bem portugues, falando rápido ficou mais difícil de entender - e deixei uma câmera para gravaire ela. Estou a achaire que fostes nossa sorte. Quando a Caroline chegou, acabaste encontrando a Milena que afirmou que mandaire sequestrar ela. Eu liguei para o chefe de polícia e para tu Flávia.
- Fez bem Fernanda. Eu havia mesmo pedido para me ligar se houvesse alguma novidade. Agora, me explica uma coisa, quem é essa Milena? - perguntei
- A Milena é uma antiga namorada minha. Terminamos a cerca de uns quatro ou cinco anos. E ela voltastes por agora, há um mês.
- Nesse período você teve algum contato com ela Fernanda? - a Marjorie perguntou.
- Não. Ela foi para Londres estudar. Pelo menos foi a história que havia me contado. Já nem sei mais se foi isso.
- E quando ela teve esse encontro com a Caroline falou o que em relação a tráfico de órgãos? - perguntei
- Ela estava a assustar a Carol falando que era chefe de uma gangue de tráfico de órgãos. Que a Carol só não morreu porque alguém protegeu ela. Que a própria Milena havia mandado mataire ela, que iria arrancar todos os órgãos. Eu está a achar que era blefe da Milena, que era brincadeira, algo deste tipo. Mas quando ela avancaire sobre a Caroline eu fui junto. Será que não é blefe mesmo, mentira da Milena? Ela sempre gostou de se crescer sob os outros.
- Infelizmente Fer, nós temos uma investigação em aberto sobre tráfico de órgãos que apontava para alguma liderança em Londres e em Portugal. Havíamos conversado em relação ao sequestro da Carol que alguém havia contado sobre a localização dela. Infelizmente são pontos que confirmam esse posicionamento da Milena - a Fernanda mudou de uma expressão de raiva para uma certa tristeza.
- Eu não consigo entender como pode ser verdade. A Milena sempre teve tudo, estava a estudaire para assumir as colônias do Sr Manoel, as fazendas seriam dela. Semana passada tentou negociaire uma união com o Azeite Ganate, não faz sentido, sabe?!
- Às vezes quem tem tudo sente que falta tudo. É algo muito complicado Fernanda. Você não deve se preocupar mais com esse assunto, vamos assumir daqui, ouvir ela, talvez teremos que ouvir a Dra Caroline também. Mas agora é o prosseguimento da investigação - a Marjorie falou.
- Fernanda, precisamos ir à delegacia que está acompanhando o caso ainda hoje, enquanto é dia - me referi ao tempo, pois já está quase escurecendo.
- Claro, sim. Eu vou pedir para a van que trouxe vocês lhes levar ao gabinete do chefe de polícia.
- obrigada - a Marjorie agradeceu já levantando.
- A dra Carol está por aí? Está bem? - perguntei por curiosidade e pelo carinho que tenho com ela, cada vítima de sequestro é única e precisa ser assim.
- Deixei ela em casa hoje, descansando - a Fernanda respondeu - precisa de um descanso. Pra ser sincera, quase amarrei ela para ver se ficava quieta descansando - a própria Fernanda riu do comentário - Vamos, vou levar vocês lá na van.
Seguimos pelo hospital. Nitidamente um prédio novo ou recém reformado, mas era nítido ver o carinho dela nos pequenos detalhes, apresentando os locais conforme nós andávamos. A Fernanda por mais séria que fosse sorria ao mostrar uma salinha de atendimento de tal coisa, mostrando um consultório ou um equipamento. É bonito ver alguém feliz porque deu certo uma realização pessoal.
O caminho até a delegacia do lugar foi rápido, mas confesso que eu estava me sentindo em um filme medieval, talvez de vikings. As casas eram, em sua maioria, de pedras, mas bem jeitosas e cuidadas. As ruas, super limpas, apesar do frio que fazia alguns idosos e pessoas em geral estavam fora de suas casa, sentados em banquinhos na calçada, conversando.
A vila, não sei o nome exato, tinha bastante jeito de cidade do interior. O motorista apontou para uma região mais acima e explicou que lá tem um castelo da época do feudalismo. Eu fiquei pensando na composição histórica dessa população, sou encantada por esse raciocínio, essas nuances sociais. Não pude deixar de pensar na Bia, que acabou ficando no alojamento me esperando, seria lindo ela conhecendo a cidade com a máquina de fotografia dela.
Chegamos a uma parte um pouco mais isolada, quase que no sentido oposto do hospital. Era um sobrado simples, mas também bem reformado, pintado. Mas polícia civil, delegacia, tem cara de polícia em qualquer lugar. Assim que descemos e entramos no prédio, um camarada veio nos atender. Como já nos esperávamos, nos acompanharam ao andar de cima, para conversar com o delegado. Um senhor com bastante cara de português, bigode, barrigudo, só faltou a boina e o fado.
- Marjorie, delegada da Polícia Federal brasileira e Flávia investigadora.
- Estávamos esperando as senhoras. Sou o chefe de polícia dr. Antunes.
- Vamos precisar interrogar a detenta.
- Acham mesmo que é verdade o envolvimento dela com tráfico de pessoas? Tráfico intencional? A senhorita Milena é filha de um fazendeiro de azeite super conhecido aqui em Urros, não teria nem porque ela se envolver com isso. Tem dinheiro suficiente pro que ela quiser. Tenho certeza que é mais um blefe do que uma verdade.
- Dr, tenho certeza que o senhor deseja ver o lado bom dela. Todos nós queremos. Mas infelizmente temos uma investigação em andamento e ela realmente se encaixa como traficante de pessoas. Por isso viemos pessoalmente interrogá-la - completei.
- Vou levá-las à sala de interrogatório. Mas peço encarecidamente, tratem bem a Senhorita Milena, o pai dela é muito quisto na região, é um grande fazendeiro. Vamos evitar problemas além dos já previstos. Me acompanhem por gentileza - ele não nos deu tempo de comentar nada, eu apenas olhei rápido pra Marjorie e ela me retornou com um olhar enojado, o qual provavelmente eu também estava. Era nítido a proteção a uma investigada, isso não se faz. Acompanhamos ele pelo DP até chegarmos em uma sala, no fundo do prédio, uma mesa larga, mais com cara de sala de reunião que sala de interrogatório. Eu e a Marjorie sentamos para aguardar a tal Milena.
- Cara … - foi a primeira coisa que a Marjorie falou.
- Nem precisa comentar. Não estão tratando ela como acusada e sim como fazendeira da cidade.
- Não vai ser um interrogatório fácil, certeza que vai ter advogado junto. Na PF temos diversas situações assim, principalmente em relação aos acusados que são políticos ou empresários. Nesses casos toda educação é pouca e normalmente temos que barganhar as informações, usando delação premiada, redução de pena, proteção familiar.
- Claro que eu quero levantar informações sobre essa Milena em si, mas meu maior objetivo são as informações e provas contra a Mayra, conhecida como Das Letras. Ela já está com bastante envolvimento, mas nenhuma prova cabal que a Das Letras é a Mayra e nada ligando ela fortemente ao tráfico de pessoas, temos fortes presunções e correlações.
- Tá, vou começar o interrogatório bem genérico e vou puxando pra Das Letras - Concordei com a cabeça, mexendo pra cima e para baixo. Nunca trabalhei com ela, não sei seus métodos de interrogatório, vou precisar ficar mais atenta do que normalmente já fico. Esperamos cerca de uns dez ou quinze minutos, até a porta ser aberta por um homem de uns anos, vestido de terno, firme, expressão séria. Logo atras dele entrou na sala uma mulher por volta de uns 30 anos, acho que um pouco menos na verdade, alta como eu, loira com algumas mechas castanhas, o cabelo estava contido em um coque mal feito. Não vestia nenhum adereço, devem ter retirado todos no momento da prisão. Mas não vestia roupa de presídio não, era um jeans colado no corpo, uma camisa branca com uma jaqueta preta, imagino que seja a mesma roupa que vestia quando foi detida. Eles se sentaram de frente para nós.
- Boa tarde senhoras - o advogado foi educado e foi se apresentando um um forte sotaque portugues - sou Dr. Martins Costa, advogado da Srta Milena - nesse momento a Milena levantou o rosto, nitidamente nos olhando de cima a baixo e começou a nos encarar, começou a rir, tentando segurar, mas rindo.
- Tudo certo Milena? Qual a graça? - antes que eu desse o chute inicial a Marjore deu uma direta.
- Nada, nada. Só que a songa monga é tão songa monga, que precisou vir gente do Brasil pra defender ela. Que garotinha insuportável.
- Quem seria essa?
- A brasileira, a periquitista. Voces sabem isso.
- Periquitista - quase ri na cara dela - seria o que?
- A garota não é ginecologista? Mexe com periquita, preciso te ensinar isso doutora? - segurei a risada de verdade dessa vez.
- Milena, o que aconteceu com você e a Dra. Caroline? Como foi a situação que te trouxe a prisão?
- Sério? Já não sabem isso doutoras? - o advogado se intrometeu.
- O senhor só interfira quando for extremamente necessário, não atrapalhe minha linha de interrogatório - a Marjorie falou firme, diferente de todos os modos que falou até agora - olhou novamente para a Milena - Voltando, como foi a situação que culminou na sua prisão?
- Eu fui bater um papo reto com a tal Caroline, as senhoras sabem, toda mulher tem seu preço. Fui direta em oferecer um dinheiro bom pra ela ir embora, mas infelizmente parece que o preço dela eu não consigo pagar.
- E quanto você ofereceu pra ela?
- 1 milhão.
- E você iria tirar esse dinheiro de onde?
- De onde? Da minha conta. As senhoras não sabem que sou acionista de uma das fazendas de azeite mais promissoras do Vale do Douro?
- Soube que você é herdeira, não acionista.
- E qual a diferença? Tenho dinheiro do mesmo jeito
- Muda a origem do dinheiro. Uma coisa é receber fundos de uma empresa sua, outra situação é ser de uma quadrilha, como uma quadrilha de tráfico de pessoas e receber dinheiro. São situações diferentes.
- É mais quem falou que minha cliente é de uma quadrilha de tráfico de pessoas?
- Ela mesmo doutor.
- Em uma situação pessoal, em uma gravação ilegal. Uma emboscada.
- A gravação pode não ter peso jurídico para acusação, mas abre espaço para investigação dr. Dizer que é uma emboscada é forçar muito, ninguém obrigou sua cliente a se auto acusar de mandante do sequestro da Dra Caroline, muito menos se acusar de chefe de uma quadrilha de tráfico de pessoas - completei diretamente.
- Quer nos esclarecer o que falou na gravação Milena? - a Marjorie perguntou.
- Quer que eu esclareça mais o que? Eu mandei sequestrar a Caroline e mandei matar ela, ela não morreu porque tinha uma amigo dela na jogada. É isso.
- A Caroline foi sequestrada por uma quadrilha de tráfico de órgãos, é isso que eu quero saber. Qual sua relação com essa quadrilha, funcionamento? - perguntei diretamente.
- O que minha cliente recebe de beneficio em ajudar voces? - o advogado perguntou.
- Depende das informações. Podemos negociar a reclusão em um presidio que ela queira, redução de pena, responder ao crime em Portugal e não no Brasil. Podemos negociar.
- Consegue me deixar em prisão domiciliar?
- Muito dificil conseguir isso Milena.
- Cumprir pena em regime aberto?
- Também não. Você vai cumprir pena no presidio, conseguimos reduzir um pouco, uma localidade melhor, um presidio melhor.
- Em qualquer presidio que eu for, vou cometer suicidio.
- Como assim? Você está programando suicidio?
- Eu vou ser morta, em qualquer lugar, com exceção se eu puder ficar em casa com muitos seguranças ou em liberdade provisória para fugir para um lugar seguro. Caso contrario, vou ser morta e será dado como suicidio.
- Como sabe disso? Porque acha que vai ser assim?
- Eu trabalho assim, porque não farão o mesmo comigo?
- Peço que desconsidere essa informação. Quero um momento para conversar com a minha cliente.
- Vais conversar nada. Chega. Estou há mais de 5 anos longe de casa, fui atrás de dinheiro, de poder. Só queria voltar a colher minhas azeitonas, mas claro que alguém tinha que me atrapalhar, óbvio. Vai, o que querem saber?
- Como a quadrilha de tráfico de órgãos funciona?
- Eu não sei o funcionamento deles, são conhecidos, não trabalho pra eles.
- E em que você trabalha? Qual sua função?
- Eu recebo pessoas, dou abrigo e alimentação em Londres, dou identidade falsa e coloco em voos para Líbia, Eritreia e Iêmen.
- Quem manda as pessoas do Brasil pra você?
- Ah, eu tenho alguns fornecedores, um deles era o Grilo, que caiu. Ele me mandava pessoas duas ou três vezes por mês.
- Como era esse processo?
- Ah, tudo depende muito. De um modo geral os receptores desses países que negocio, me mandavam uma lista do que querem. Aí mando essa lista para os colegas no Brasil e outros países da américa latina. Quem tem ou quem consegue me avisa. Normalmente alguém traz essas pessoas em um voo, eu recebo em Londres, alimento, dou casa e depois mando pra frente.
- Da quadrilha do Grilo, quem trazia as pessoas?
- Ah, putz qual o nome dela? É aquela menina quadradona, bem sapatão, que é jornalista.
- Das Letras?
- Isso mesmo, Das Letras - abri meu celular nessa hora e peguei rapidamente uma foto da Mayra.
- Essa? - mostrando o celular para a Milena.
- Ela caiu também? Tá feia nessa foto de fichada.
- Essa pessoa é a Das Letras?
- É sim. Essa pessoa da foto é a Das Letras, me trazia pessoas uma ou duas vezes por mês.
A Marjorie me olhou como se perguntasse “é isso?”, eu delicadamente sacodi minha cabeça pra cima e para baixo, confirmando. É isso, conseguimos, acho que minha aparência mudou na hora, senti o ar entrando em grande volume e saindo devagar, como se tudo em volta estivesse em câmera lenta. Tenho uma identificação confirmada da suspeita que a Das Letras é a Mayra. Podemos avançar.
Fim do capítulo
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jake
Em: 10/01/2025
OLA AUTORA MARAVILHOSA ...CADA VEZ MAIS AMANDO ESSA HISTORIA....MAYARA A CASA CAIU....BIA UM DOCE DE PESSOA TAO LINDA CUIDANDO DA FLA.E AGORA? VOLTAR PARA O BRASIL E PRENDER A DAS LETRAS...QUERO VE A CARA DA BRUNA... PARABENS NATH PELA HISTORIA MARAVILHOSA QUE SEU ANO SEJA MARAVILHOSO.FELIZ 2025
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