Capitulo 13
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ÁGATA
A voz vinha de muito longe, robótica e insistente, falando algo que ela não entendia. De repente, gritou na sua cabeça:
— São quatro e meia da manhã! Hora de acordar!
Ágata virou na cama, afundando o rosto em um dos muitos travesseiros espalhados e voltou a dormir. De jeito nenhum teria forças para levantar. Deitou-se quase à uma da manhã, após ajudar o pai a guardar suas coisas no quarto de hóspedes. Ao que tudo indicava, eles tinham conversado e decidido seguir caminhos diferentes.
Ainda não tinham falado sobre a separação. Ágata não sabia como ele estava reagindo; seu semblante não dava abertura para as emoções vazarem. Sua voz era a mesma de sempre, doce e amorosa — parecia até que já esperava por esse desfecho. Mas duvidava que ele estivesse bem. Ninguém sai de um relacionamento sem feridas abertas. Eles tiveram uma vida inteira juntos, não dava para acabar assim, de um dia para o outro. Ela não queria invadir sua privacidade, mas a machucava pensar na dor que ele poderia estar sentindo. Queria que dividisse com ela sua decepção.
Acordou sobressaltada com as batidas insistentes na porta. Quem diabos estava tentando derrubá-la? Só podia ser o sem-noção do irmão, que terminou o plantão e veio se aboletar ali. Ainda bem que havia dois quartos de hóspedes.
Seus olhos se abriram, mas sua mente continuava dormindo. Levantou com a visão embaçada, as pálpebras pesadas, como se estivessem cheias de areia. Esfregou um olho para aliviar a ardência enquanto tentava encontrar o interruptor da luz com a outra mão. Andou se apoiando nas coisas para não tropeçar e abriu a porta.
Deu de cara com o pai, todo vestido para a prática de esportes. A surpresa a obrigou a acordar de vez e examiná-lo de cima a baixo. Ele só podia estar brincando. Eram seis horas da manhã e Seu Gregório estava de bermuda folgada, camisa de malha com mangas, tênis e uma garrafa de água na mão — pronto para correr uma maratona, como se fosse um adolescente.
— Buongiorno, figlia mia! Você não costuma correr pela manhã? Hoje eu serei sua companhia.
— Buongiorno, papai. O senhor não pode sair do sedentarismo para uma vida repleta de atividade física sem passar pelo médico. Eu corro três quilômetros toda manhã. Se o senhor correr um quilômetro que seja, sem preparo físico adequado e orientação médica, vai passar mal. Vá dormir e descanse mais um pouco, o senhor dormiu tarde. Eu o escutei andando na casa até depois que me deitei.
Ágata soltou o trinco e voltou, com a intenção de dormir o dia inteiro. Seu pai, no entanto, parecia ter outros planos.
— Eu não estou cansado e não vou correr, até porque meu joelho não permite, mas posso caminhar lentamente no calçadão enquanto você corre. Posso respirar ar puro, tomar uma água de coco e comprar peixe fresco na hora em que os barcos chegam.
Ela olhou para ele, arrependida das suas palavras e da sua falta de atenção. Seu velho tinha perdido o rumo. Ninguém sai de um casamento de uma vida sem sequelas, principalmente quando é a pessoa abandonada. Sua vontade era de abraçá-lo e chorar com ele, mas não podia. Não quando ele estava fazendo o maior esforço para não cair. Não quando tentava varrer a poeira para longe.
— Está bem, mas o senhor precisa de um boné e de protetor solar. Vou pedir ao Greg para marcar uma bateria de exames para o senhor.
— Não precisa, eu mesmo agendei uma consulta com meu médico para a próxima semana. E então, vamos?
— Claro, mas antes eu preciso tomar um banho e me vestir. Vá comer alguma coisa.
Ágata voltou para o quarto, deixando a porta aberta. Ouviu os passos do pai seguindo para a cozinha.
O que seria do velho Gregório sozinho? Dormir só, ele já estava acostumado, mas será que já pressentia esse fim? Talvez sim. Ágata lembrou que pouco tempo após completar dez anos, sua mãe começou a viajar com a desculpa de ver a família. Ela passou a vê-los duas vezes por ano e nunca nas datas festivas como Natal e Ano Novo. Sempre quis levá-la com ela, e Ágata até chegou a ir algumas vezes. No meio da família, sua mãe era outra. Alegre, sempre sorrindo, gostava de sair, de ir a festas, tinha amigos — tudo que ela não tinha ali. Ágata sabia que perto da família ela era feliz. Seus pais começaram a brigar muito, com o tempo. Seu pai parou de reclamar e as viagens passaram a ser mais longas. Talvez o velho Gregório já se sentisse um senhor abandonado mesmo antes do ponto final.
Desceram a escada lado a lado. Uma vez na rua, Seu Gregório parou para admirar os arredores e respirou fundo. Ágata viu pelos seus olhos tudo que ele sentia: uma visão de cinema ou própria para turistas. Ele olhava para as duas pontes que iam mar adentro, um local construído para casais apaixonados desfrutarem de um ambiente romântico. Os coqueiros altíssimos se espalhavam por toda a orla, pelas ciclovias e espaços para corredores, ao lado dos quiosques modernos onde vendiam de tudo e na praia de areia fininha que casava com cinco quilômetros de calçadão. No calçadão, via-se com frequência a apresentação de artistas, declamando poesias ou cantando ao ar livre. No final da tarde, a Ponte dos Ingleses ficava tomada pelos visitantes amantes da vida, que vinham de toda parte da cidade apreciar o pôr do sol.
O olhar perdido do pai para toda essa beleza fez Ágata sentir saudades de um beijo e desejou que Marcela estivesse a seu lado para apreciar tudo aquilo. Andar de mãos dadas na ponte, sentir na pele os pingos da maresia, andar descalças na areia da praia e deitar abraçadas, trocando juras de amor enquanto seus corpos eram cobertos pelo sereno da noite cheia de estrelas. Mas a mulher tinha sumido do mapa da mesma forma que apareceu.
Espantou as lembranças que invadiram sua mente.
— O que foi, minha filha? Que cara de sonhadora é essa? — Seu Gregório a observou atentamente.
— Nada não, só me lembrei de uma coisa.
— Eu notei que ultimamente você fica com esse ar perdido. Por acaso está apaixonada?
Ágata teve certeza que seus olhos ficaram enormes de espanto quando o pai perguntou, examinando-a como se fosse um extraterrestre. Quase caiu no meio-fio, se ele não a segurasse, estaria no chão. Era como se ele tivesse descoberto o segredo que escondia até de si mesma: que estava louca de saudades de alguém que não conhecia e que provavelmente nunca mais ia ver.
— Claro que não!
Mentiu. De que adiantava querer alguém que ia fugir dela? Afinal, foi ela mesma quem disse. Se Marcela a quisesse, sabia onde a encontrar, e se não voltou é porque o beijo não teve importância.
Atravessaram as quatro faixas da avenida abraçados. Alongaram-se rapidamente no calçadão e Ágata saiu em uma corrida lenta, aumentando gradativamente, com Seu Gregório caminhando calmamente.
— E aí, meu velhinho, se continuar com esse passinho de tartaruga só vai chegar no final da avenida à noite!
Ágata gritou ao passar pela quinta vez por ele. Seu pai acenou sorrindo, sua imagem distante se mesclando no meio das pessoas que corriam ou andavam despreocupadas. O sol subiu rápido, estava muito quente para um sol de oito horas. Era melhor parar e aguardar Seu Gregório terminar sua caminhada para voltar para casa.
Horas mais tarde, quando lia um livro despreocupada, seu celular tocou. A mensagem era do pai, que havia descido na hora do almoço e não tinha voltado. Com certeza estava preparando a massa do macarrão, uma das coisas que mais amava. Isso o lembrava da época em que viveu na Itália com o que sobrou da sua família.
“Sua amiga Gorete está aqui embaixo. Como sei que ainda não contou para os amigos que já se mudou, penso que é porque não gosta que apareçam na sua casa sem convite, então é melhor descer.”
Ágata sorriu. Ninguém sabia que ela estava morando na casa de cima. Nunca gostou de dar satisfação do que fazia para os amigos, nem mesmo a Gorete, que sempre foi sua melhor amiga. Não contou porque queria um pouco de privacidade e curtir seu cantinho, mas durou pouco. Primeiro, Greg sempre vinha dormir ali, e agora seu pai estava morando na casa. Saiu da casa dos pais para ter independência, mas parece que não adiantou muito.
Desceu correndo as escadas. De longe viu a amiga sentada na mesa do canto, onde a turma se reunia toda semana. Gorete tinha um jornal na mão e parecia nervosa.
— Oi, bicha, o que está pegando? — Essa era a forma que se cumprimentavam desde que se conheceram.
— Olha isso aqui, Ágata. Leia esse anúncio. — Abriu o jornal e bateu o dedo em cima de um anúncio. O velho Gregório, atraído pela afobação, veio ver também. Após ler, devolveu o jornal sem entender aonde ela queria chegar.
— Já li. E o que eu tenho com isso?
— O quê? Ainda pergunta? É uma chance a cada um milhão! Se a gente ganhar esse concurso, vamos expor a massa do Gregório e eu tenho a oportunidade de virar sócia de uma filial dentro do shopping mais badalado da cidade! Isso sem contar com o marketing para o restaurante.
— Explica isso direito, Gorete. Onde é que entramos nessa história e que história é essa de filial do Gregórios?
— Veja bem… Vamos sentar, venha também, Seu Gregório. — Gorete colocou o jornal na cadeira ao lado e começou a explicar. — O anúncio diz que cada participante pode concorrer com um prato de especialidade do restaurante. Os dez concorrentes classificados ganharão uma barraca com seis mesas de quatro cadeiras cada na praça de alimentação. O dono da barraca que obtiver o maior lucro ganhará um contrato de dois anos e a partir daí pode ser renovado a cada cinco anos. Já pensou? Você conhece tudo de massa e eu sou boa com o público. Você tem o dinheiro para investir e eu tenho coragem de trabalhar. Vamos ser sócias e ganhar esse concurso!
— Eu não sei, Gorete, é muito trabalho…
Seu pai, que a tudo ouvia calado e estudava atentamente cada detalhe, levantou a cabeça incrédulo. Como um bom homem de negócios, ele enxergava um bom investimento quando via um.
— Vai, filha, agarre esse desafio. Pode deixar que eu dou conta daqui. Será até bom, vai me ajudar a esquecer outras coisas e você terá a chance de conhecer gente nova e começar um negócio seu, do nada, assim como eu comecei esse aqui. Vai, cair e levantar mais forte está no nosso sangue.
Gorete as olhava sem entender, aguardando a resposta de Ágata.
— Vamos fazer essa bendita inscrição! — Ágata cedeu. — Onde é que se inscreve?
Gorete tirou o celular da bolsa e abriu na página online do jornal.
— Aqui está o link. O teste é na sexta, só temos dois dias para escolher um prato, apresentar e ganhar. — Seus olhos brilhavam de excitação. A todo momento tinha que subir a perna do óculos que escorregava com o suor de suas têmporas.
— Está em cima da hora. Como vou escolher um prato no meio de tantos que temos aqui? — Ágata balançou o jornal no ar, perguntando a ninguém em especial. Estava ficando ansiosa, sempre ficava quando assumia um compromisso. Papai resolveu intervir antes que ela começasse a andar pelo saguão falando sozinha.
— Filha, pensa bem. Vai ser um evento sofisticado e ao mesmo tempo popular. Vamos montar um prato chique, que encha os olhos do cliente, mas com baixo custo e sem perder a qualidade, com sabor e cheiro inigualáveis.
— “Una deliciosa pasta flambé com parmigiano.” — Falaram ao mesmo tempo, felizes por estar em sintonia quando o assunto era comida.
— Ótima escolha! Já provei esse prato e me encanta ver o queijo sendo flambado na minha cara. Isso sem falar no sabor. Já ganhamos a competição! — A alegria da amiga era contagiante.
Fizeram a inscrição, mas, no instante em que concluíram os dados, a página saiu do ar.
— O que foi que aconteceu? Por que não vemos mais o link? — Ágata perguntou com uma pontinha de descrença. Será que tinham sido enganadas por criminosos? Com tanta gente passando por isso, quem sabe? Era estranho a página sumir assim do nada.
— Acho que se encerraram as inscrições. Sempre acontece isso quando atinge o total de vagas. Não tem como sermos enganadas, o jornal é sério. Foi por pouco, mais um segundo e ficaríamos de fora! Vamos esperar que entrem em contato por e-mail. Viu como é preciso ter redes sociais? Para momentos como esse. — Gorete a tranquilizou. Assim que o pai voltou para os afazeres, Ágata puxou a amiga e sussurrou em seu ouvido:
— Eu conheci alguém no sábado passado.
— E só agora que conta? Quase uma semana depois? Que bela amiga você é! Como é ele? Encontrou como? Trocaram números? Estão se encontrando? Já dormiram juntos quantas vezes?
— Calma, mulher, para de gritar! Meu pai está olhando para cá.
— Pois comece a falar, criatura! Ele é daqui das redondezas ou cliente do restaurante?
Um abraço inesperado assustou Ágata. Nem notou Eduardo entrando, só sentiu braços a prendendo e um rosto se aproximando na intenção de roubar um beijo. No último instante, conseguiu empurrá-lo. O som de uma moto freando rápido fez com que olhasse sedenta, procurando o motoqueiro dos seus pensamentos.
Sua mesa ficava de frente para a avenida. Bem à sua frente estava Marcela, encarando-a, sentada na moto ainda de capacete com a viseira levantada e uma bolsa pendurada no guidão. Ela não desceu, apenas deu partida e foi embora.
Fim do capítulo
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Lea
Em: 16/12/2024
Então,o casamento dos pais da Ágata chegou ao fim. Melhor assim,do que ficar em um relacionamento de faixada. Que ambos sejam felizes.
A Ágata indo morar sozinha: o irmão estreia a casa antes dela, agora tem os dois homens da vida dela embaixo do mesmo teto que,se imaginou tendo privacidade. Isso é família. Kk
E esse concurso, será que é real?
O Eduardo que,acha que namora com a Ágata é o irmão da Marcela?
Bom, está aí o encontro que aconteceria não acontecendo.
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