Capitulo 11
Capítulo Onze:
— É isso aí, agora você é minha filha perante a lei também, porque aqui, no meu coração, sempre foi.―declarou Marcela, emocionada.
Mais sinais e gestos vieram em resposta. A mulher entendia muito bem qual era o medo de Alex.
— Não, o Magnata não vai carregar você nem dizer que é seu pai. Para isso, ele teria que fazer um teste de DNA e brigar na justiça — coisa que ele não vai fazer. Além disso, estamos longe, fora do radar.
— Marcela, Mona, libera, minha sobrinha, precisamos tirar fotos da gata.―Leleco gritou examinando algo no computador do rapaz que veio ajudar na confecção dos documentos.
Pedido feito, pedido aceito. Alex pulou do colo da mãe e se posicionou para a foto. Em seguida, foi até o rapaz do computador, onde colheram suas impressões digitais. Os dedinhos de Alex ficaram pretos de tinta.
— Anda, vai tomar banho. Lave os cabelos, assim eles param de irritar seu pescoço. Depois, vista uma blusa de malha e calça comprida. Eu cortei as pernas das calças para parecerem bermudas.
Alex saiu em direção à casa, se coçando toda, mas logo isso passaria.
— Leleco, meu irmão e minha mãe não podem nem desconfiar que estou aqui há dois meses. Eles não entenderiam, e Dona Salete ia me encher de perguntas que eu não quero responder.
— Relaxa, não direi nada. Bem sei os problemas que você tem com sua família. Por mim, o Eduardo nunca vai saber. Até porque ele é meio perturbado... O cara posta nas redes sociais até quando vai ao banheiro. Outro dia estava todo enrolado com uma garota que ameaçou chamar a polícia se ele não apagasse a foto dela do Instagram.
— O pior é que ele é bem capaz disso mesmo. Lembra quando a gente fazia faculdade e ele estava começando o segundo grau? Cismou que namorava a irmã de uma amiga minha. Quando a garota soube, terminou o “namoro” que nunca existiu.
— Eduardo sempre teve ciúmes das gêmeas e do Anderson. Sempre achou que você amava mais os filhos da Dona Montserrat do que a ele. Vivia competindo por atenção. Depois que você foi embora, a coisa só piorou. Mas dessa garota parece que ele gosta de verdade.
Marcela sabia. Mesmo tendo seu próprio sangue, ela amava seus primos e os considerava irmãos. Não odiava Eduardo — também o amava —, mas sua família era a família de “Mom”, e ela estava bem com isso. Não havia traumas.
— Gente, a conversa tá boa, mas agora preciso ir ao shopping com minha filha comprar roupas e material escolar.
— Cuidado pra não topar com o Eduardo. Ele vive nos shoppings, principalmente agora que aquela garota que quase o processou está com um stand no festival de gastronomia da cidade. Você avisou sua mãe que estava chegando? — Leleco perguntou, ajudando o amigo a guardar tudo e esterilizando a mesa com álcool.
— Disse que chegaria amanhã, de madrugada, e que não precisavam me buscar no aeroporto.
— Marcela, bicha, tem certeza de que quer voltar pra sua casa? Eu falo isso porque você não se dá bem com seu padrasto, e, pelo que me lembro, sua mãe não aceitou muito bem sua sexualidade. Não seria melhor voltar pra fazenda da Montserrat?
Seu amigo e parceiro da adolescência franziu a testa, genuinamente preocupado. O padrasto da amiga fora um escroto quando ela começou a se descobrir.
— Minha vontade era essa mesma, mas aquela casa é minha. Meu pai me deixou a casa e tudo o que tinha no meu nome, no testamento. Eles nunca casaram no papel. Vou tentar uma reaproximação com minha mãe — pela Alex. Ela merece conhecer eles também. Se não der certo, comprei um sítio aqui perto.
Os amigos não se surpreenderam com suas palavras nem com sua aparente frieza. Sabiam o que ela passara quando seu padrasto a tirou à força do armário antes que estivesse pronta para se aceitar. O que eles não sabiam era que ela não queria tomar nada de ninguém. Amava a mãe e, apesar das brigas, também gostava do meio-irmão.
— Você que sabe onde tá se metendo. Como sempre, nunca escuta ninguém. Mas agora é diferente. Você tem uma filha. Tem que pensar nela abafada, de costas, desativando as câmeras.
— Minha vida é colocar a segurança e o bem-estar da minha filha em primeiro lugar. Amanhã cedo vou até a casa da minha mãe apresentar a Alex. Por enquanto, fica a seu critério, Leleco, tirar o Eduardo da minha cola. Invente algo. Só não deixe ele ir ao shopping Iguatemi hoje.
Os quatro se despediram, e os amigos saíram rapidamente, prometendo voltar de madrugada para esterilizar tudo.
Marcela saiu da quinta loja cheia de sacolas, de olho em Alex, que corria entre a multidão. A menina se virava o tempo todo para localizá-la e parava, encantada, diante de vitrines coloridas ou iluminadas. Quando via um brinquedo, travava — como agora.
— Quer comprar alguma coisa aqui? O dinheiro está acabando e não posso usar Pix ou cartão.
Ela evitava ao máximo usar qualquer forma de pagamento rastreável. Alex, com um sorriso enorme, negou com a cabeça e se afastou da vitrine. Mas ela viu o que a filha estava olhando: uma casinha de bonecas com todos os móveis em miniatura. Sinceramente, ela nunca achou graça nesses brinquedos. Quando criança gostava de brinquedos com movimento, de ação. Ainda assim, anotou mentalmente: depois voltaria para comprar.
Enquanto caminhava, mergulhada nesses pensamentos, uma voz a fez travar.
De onde estava, ela via toda a praça de alimentação e os quiosques ao redor. À esquerda, uma fila enorme se formava. Marcela se esticou para ver quem atendia — e então a viu: Chiara.
Ela parecia uma deusa, com bata e boina brancas, servindo pratos fumegantes. Marcela não via o que estava sendo servido, mas, pela fila, devia ser ótimo. Sua barriga roncou. Alex, como sempre, correu na direção do quiosque de onde vinha o cheiro de queijo derretido. Antes que fosse longe demais, a mulher segurou o braço da menina.
— Alex, não corre, meu amor. Aqui tá cheio, você pode se perder.
A menina parou, assustada, entendendo o risco. Se se perdesse... E se a mae não conseguisse encontrá-la? E se ela precisasse ir parar na televisão para isso? Todos os bandidos do Rio saberiam onde estavam. Alex segurou a mão da mãe com força, mas puxava com urgência.
Marcela se abaixou até ficar na altura da filha.
— Tá querendo ir aonde, desse jeito?
Alex cruzou as pernas e segurou a barriga. Ela queria ir ao banheiro.
— Entendi. Vamos ao banheiro. Depois a gente come alguma coisa. Tô morrendo de fome.
Não era comida, era urgência. Não percebeu. Um peso lhe apertou o peito. Ela devia conhecer cada necessidade de Alex só com o olhar.
Entraram no banheiro feminino de mãos dadas. Marcela explicava sobre as saídas de emergência, quando uma senhora saiu do banheiro familiar com a filha e as encarou.
— A senhora não pode trazer seu filho para este banheiro. O dele é ao lado — disse, apontando.
Marcela estreitou os olhos chamando mentalmente a mulher de vadia. Ela por acaso pediu alguma opinião?
A filha da senhora, da idade de Alex, sorriu com pureza. Só a mãe via problema.
Marcela olhou ao redor, leu todas as placas. Então, se virou para a mulher:
— Onde está escrito que eu não posso trazer meu filho aqui? E outra: eu não posso entrar no banheiro masculino para ajudá-lo, e não quero um adulto estranho tocando nas partes íntimas dele. Isso é constrangedor para uma criança, concorda?
Não esperou resposta. Abriu a porta do banheiro familiar e entrou com Alex, fechando-a na cara da mal-amada.
Ali havia um vaso para adultos e outro para crianças. Alex não precisava de ajuda. Sabia se virar, vestir-se, calçar, tomar banho, preparar lanche... Até fritar ovo e fazer miojo. A vida a ensinou — ou melhor, a ausência dela. Sua mãe biológica sumia por dias, deixava os três filhos sozinhos. Às vezes era achada drogada, suja, faminta. Dizem que vendeu os dois filhos mais velhos para traficantes. Só não fez o mesmo com Alex porque ela vivia fugindo do morro para encontrá-la.
Alex a cutucou oferecendo um rolo de papel todo desfiado. Havia papel espalhado por todo canto. Seu olhar assustado a trouxe de volta.
— Meu Deus do céu, minha filha! Como fez essa arte? Vamos ser expulsas se virem isso!
Marcela se secou, vestiu-se, enquanto observava Alex se atrapalhar tentando enrolar o papel de volta no rolo.
— Venha cá. Pegue esse pedaço e passe em você. Deixe que eu cuido disso.
Ela enrolou o papel, observando Alex escorada na porta, aguardando-a terminar de colocar o rolo na caixa ao lado da privada infantil. A menina era frágil, magrinha e muito pequena, com mãos finas de dedos longos, assim como suas pernas longas e finas. Os cabelos eram pretos, os olhos também, e sua pele era de uma cor de canela incrivelmente linda. Quando a encontrou escondida atrás do latão de lixo, seu grau de desnutrição era alarmante; só tinha olhos e barriga.
Nunca pensou que o descaso pudesse levar uma criança a morrer de fome, mas Alex era uma sobrevivente. Uma criaturinha que não desistia facilmente, que se agarrava a um fiapo de vida para escapar de um destino cruel.
Quando terminou de organizar tudo, pegou Alex pela mão, tirou as sacolas do gancho, abriu a porta e saíram rindo e brincando.
Ela estava com o coração na mão, ansiosa para ver e falar com Agata Chiara. Esse era seu nome, lindo e cheio de melodia quando pronunciado. Queria mesmo falar com ela, principalmente agora que podia sair em público sem colocar sua vida e a de Alex em perigo.
Demoraram mais do que o necessário na sorveteria. Alex provou todos os sabores antes de escolher um misto de baunilha e chocolate. Em seguida, brincou em todos os brinquedos do Playcenter. Quando finalmente cansou, o shopping já estava fechando. A maioria das lojas estava com as portas abaixadas e, para completar, Alex estava caindo de sono, arrastando os pés.
O jeito foi carregá-la nos ombros, segurando suas pernas, enquanto equilibrava as sacolas nos braços e deixar para ver Agata outro dia. Sua desculpa seria, mais uma vez, devolver a blusa que pegou emprestada, mas a verdade era que estava louca para ficar perto daquela garota atrevida e sentir seu cheiro.
Mas com uma criança quase caindo de sono e cheia de sacolas, a melhor opção era chamar um carro por aplicativo. Enviou uma mensagem pedindo a Jacinto para pagar a corrida e foi embora.
Fim do capítulo
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