Capítulo narrado pela Fê
capitulo vinte e seis: entre sombras e esperancas
POV MARIA FERNANDA
Eu nunca tinha visto a minha Anna desse jeito. Tão frágil, tão fora de si.
Quando dei a notícia da morte da mãe dela, ela ficou sem chão. Desde então, ela estava presa em uma incapacidade de responder estímulos da qual não conseguia escapar. Estamos no velório e ela permanece ao lado do caixão, imóvel, os olhos fixos no rosto da mãe. Ela não chorava, mas algo na forma como sua respiração prendia e soltava me dizia que estava se afogando por dentro. Bem, era a Anna. Ela iria guardar tudo que estava sentindo pra si.
No início fiquei um pouco distante, mas meu alerta estava ligado. Eu queria estar em uma distância segura para que ela pudesse ficar à vontade com seu luto, estava respeitando aquele momento que parecia ser só das duas, mesmo que a mãe de Anna estivesse morta. Por outro lado, minha vontade era tirá-la dali, sacudi-la, dizer que era permitido respirar e que sentir a tristeza que ela estava no momento era inevitável.
Bruna foi diversas vezes tentar acudi-la, mas ela não olhava pra ninguém, não falava com ninguém, ela só tinha olhos para o corpo já sem vida a sua frente. Eu não sei o que se passava na cabeça dela, mas eu queria muito tirá-la daquela inércia em que ela se encontrava.
— Anna... – Minha voz saiu baixa, quase um sussurro. Me aproximei lentamente e ela sequer piscou.
Tentei buscar algo nos olhos dela, qualquer coisa, qualquer sentimento, mas não havia nada além de um vazio impenetrável.
Observei o ambiente ao redor: familiares distantes cochichavam em um canto; rostos curiosos espiavam Anna, talvez tentando entender a dor que ela não expressava. A sensação de invasão me incomodava. Queria protegê-la até mesmo disso.
— Anna, por favor, vem comigo. Só por um instante – Toquei de leve seu ombro e sua pele gelada me alarmou.
— Eu... não consigo sair daqui, Fernanda.
Porr*, isso me quebrou.
A voz dela era quase inaudível, frágil. Não era nem de longe aquela mulher segura que eu conhecia, a mesma que enfrentava o mundo sem hesitar, não parecia aquela mulher que derrubou o dono da empresa dias atrás. Era a Anna menina, perdida em alguma memória que não era acessível pra mim.
Observo Bruna e a vejo se alarmar. Ela estava com um grupo de amigos da Anna e todos eles começaram a burburinhar algo. Olho para a porta da capela e vejo aquele rosto indesejavelmente conhecido procurando por alguém, era ela: minha... rival? Posso chamar assim? Beatriz.
Minha primeira reação foi apertar a mandíbula. Eu queria ignorá-la, mas como? Na verdade, eu queria rosnar naquele momento. Ela parecia brilhar naquele ambiente fúnebre, estava vestindo uma calça justa, casaco de couro e umas botas de cano curto. Confesso que ela era uma mulher bonita, mas sua presença era como se não pertencesse ao mesmo mundo de luto e dor em que estávamos. Beatriz parou na entrada, os olhos vasculhando o salão, até que os encontrou: os de Anna.
Foi um instante rápido, mas o suficiente para o meu coração acelerar. Anna não desviou o olhar, não piscou. Era como se estivesse em uma batalha silenciosa com algo que nem eu, nem Beatriz, nem ninguém ali pudesse compreender.
Me levantei lentamente, tentando disfarçar a raiva que queimava no meu peito. Eu não ia permitir que ela transformasse aquele momento num espetáculo.
Beatriz começou a se aproximar, os saltos das botas ressoando contra o chão de mármore da capela. Eu caminhei em sua direção, bloqueando o caminho.
— Beatriz. — Minha voz era baixa, mas firme.
Ela parou, a cabeça inclinando de leve, o queixo erguido. Tinha aquele ar de autossuficiência que me irritava profundamente.
— Não quero causar problemas, ruiva. — Seu tom era suave, quase doce. Um falso convite à paz. — Só quero estar aqui por ela.
“ruiva”, “só quero estar aqui por ela”.
Estar por ela? Depois de tanto tempo? Depois de tudo? Não pude evitar que meus olhos estreitassem.
— Anna está... vulnerável. — Escolhi as palavras cuidadosamente. — Não é o momento para isso.
Ela suspirou, mas não recuou.
— Eu não vou demorar.
Antes que eu pudesse argumentar mais, Beatriz deu um passo para o lado e me contornou, como se eu fosse um obstáculo fácil de ignorar. Fiquei ali, paralisada por um instante, antes de girar sobre os calcanhares para observá-la se aproximar de Anna.
Anna não reagiu. Nem um músculo. Beatriz parou ao lado dela, ficando tão perto que o perfume dela quase me alcançou.
— Anna... — A voz dela soou suave, íntima.
Meu peito apertou, e as palavras que vinham na minha direção pareciam ruídos distantes. Fiquei esperando, quase sem respirar, por qualquer reação da mulher que amo.
Nada.
Anna continuou imóvel, como se Beatriz fosse apenas mais uma sombra no ambiente.
Mas eu conhecia Anna o suficiente para saber que, por dentro, ela estava sentindo. E isso me incomodava.
Beatriz deu um passo atrás, finalmente percebendo que não teria uma resposta. E foi nesse momento que Anna mexeu os lábios, tão baixinho que precisei me inclinar para ouvir.
— Por que você está aqui? — A voz dela era um sopro.
Beatriz sorriu, um sorriso pequeno, talvez triste, talvez culpado.
— Porque eu sinto muito, Anna.
E então se afastou, caminhando de volta para a saída.
Eu voltei ao lado de Anna, sentindo minha raiva se dissipar aos poucos, substituída por uma tristeza que eu não sabia como lidar. Segurei sua mão novamente, fria como antes, e ela ainda não reagiu.
Tudo o que eu queria era protegê-la. Mas como se protege alguém de si mesmo?
Enquanto isso, meus pensamentos fervilhavam. Eu queria entender o que se passava na cabeça dela, o peso de tudo aquilo. A relação com os pais sempre fora um tema delicado, mas, nos últimos meses, Anna havia mencionado a ausência deles naquele hospital. Agora, tudo parecia vir à tona de uma só vez.
Mais tarde, quando os olhares se dispersaram e a sala esvaziou um pouco, me abaixei ao lado dela.
— Você pode falar comigo. Qualquer coisa. Ou nada. Mas estou aqui.
Pela primeira vez, ela desviou os olhos do corpo e me encarou. Havia tanto ali — raiva, dor, confusão —, mas ainda assim, ela não disse nada. Apenas encostou a cabeça no meu ombro, num gesto silencioso de rendição.
E foi assim que ficamos, até que uma voz masculina interrompe nosso momento.
— Anna? – O homem tinha uma voz grossa e tinha ódio em seu olhar, não sabia quem era, mas fiquei absolutamente assustada com ele.
Anna quando escuta a voz dele estremece e vira o rosto lentamente para olhá-lo, o ódio no olhar dela era recíproco. Eu não sei de onde ela tirou forças naquele momento, mas respondeu ao homem:
— Ora, ora. Olha quem resolveu aparecer. Na hora da morte que os parentes resolvem sair do bueiro, não é mesmo? – Disse a frase carregada de ironia.
— Me respeite, você ainda tem meu nome na sua certidão.
Espera, era esse o pai dela?
Anna levantou-se, como se cada palavra dita por ele tivesse ativado algo dentro dela. Mas o olhar que ela lançou ao homem não era de dor, era de puro desprezo.
— Meu nome pode estar na sua certidão, mas você nunca foi meu pai. — Sua voz saiu firme, mas eu percebia o tremor em suas mãos.
O homem estreitou os olhos, dando um passo à frente. O ar entre eles parecia eletrizado, como se qualquer palavra pudesse causar uma explosão.
— Engraçado ouvir isso de quem virou as costas para a própria família. Você nunca respeitou seus pais, Anna. Nunca.
Aquilo foi como uma faca cravada no peito dela, e eu não consegui ficar parada. Dei um passo ao lado dela, minha mão buscando a dela, mas ela não me deu atenção.
— Respeito? — Anna riu sem humor, a cabeça inclinando de leve, como se as palavras dele fossem tão absurdas que mereciam ser escarnecidas. — Eu implorei pelo seu respeito, e tudo o que ganhei foi rejeição. Vocês me viraram as costas quando eu mais precisei.
Ele ergueu o queixo, os olhos endurecendo.
— Você fez suas escolhas. Escolhas que envergonharam essa família!
Senti o ar fugir dos meus pulmões com aquela frase. Anna deu um passo à frente, e a raiva dela transbordava em cada palavra:
— Eu quase morri! Vocês sabiam disso e, mesmo assim, não apareceram no hospital. Sabe qual é a parte mais irônica? Acreditava, lá no fundo, que vocês fossem melhores. Achei que o amor por um filho superasse qualquer preconceito, mas estava errada. Vocês nunca me amaram.
O homem hesitou por um momento. Talvez houvesse um resquício de dor ali, mas ele rapidamente mascarou isso com arrogância.
— E agora? Só porque sua mãe morreu você está aqui? – O sorriso dele era diabólico e enfim começou a gritar, chamando a atenção de todos – Essa daqui veio visitar a mãe só no leito de morte! Ela nunca se importou com esta mulher! – Disse, apontando para o caixão.
O silêncio que se seguiu ao grito dele era ensurdecedor. As pessoas ao redor prenderam a respiração, enquanto Anna dava um passo à frente. O brilho feroz em seus olhos era assustador. Antes que qualquer um pudesse reagir, o som seco do soco preencheu o espaço. Um coro de exclamações ecoou pela capela. Tento segurá-la, mas ela está carregada por uma nuvem negra, uma tempestade que a qualquer momento iria afundar aquele cemitério inteiro.
— Bateu no seu próprio pai? – A voz dele era de ira – Eu vou te ensinar a me respeitar, sua sapat...
Antes que Anna pudesse responder, eu intervi, incapaz de me conter diante daquela cena horrível.
— Chega! – Grito
Anna se afasta, vindo para o meu lado. Consegui o que queria e chamei a atenção dele.
— E quem é você? É mais uma dessas rameiras que minha filha anda?
Engoli a raiva que subia pela garganta. Ele queria me atingir, me tirar do eixo, mas eu sabia que Anna precisava de mim firme agora.
— Meu senhor, você não me conhece e nem eu lhe conheço, mas isso aqui é um velório e você está desrespeitando não só a sua filha, como a mãe dela que merece descansar em paz. Eu vou desconsiderar do que você me chamou, pois isso aqui é local de gente civilizada.
O olhar dele se voltou para mim, pesado como uma rocha.
— Nem quero lhe conhecer. – Seu olhar se voltou para Anna – O seu luto é tão falso que você não consegue chorar nem na morte da tua mãe. Você é pedra.
— Verdade, ela não está chorando. — Minha voz era firme, carregada de proteção. — Mas não é porque não sente. É porque vocês tiraram dela até isso: o direito de sofrer com dignidade.
— Vou perguntar de novo: quem é você?
— Alguém que está ao lado dela, ao contrário de você.
Anna segurou meu braço, o gesto quase desesperado. Eu a olhei, esperando que ela dissesse algo, mas ela apenas balançou a cabeça, como se dissesse: Deixa. Ele não vale a pena.
Ela deu as costas para ele e voltou a se sentar ao lado do caixão. O homem permaneceu ali por mais alguns segundos, como se esperasse que ela voltasse a confrontá-lo, mas, ao perceber que não haveria mais nada, deu meia-volta e saiu. Parece que veio aqui só para humilhá-la, em momento algum se importou com a sua ex esposa morta dentro daquele caixão.
Quando ele desapareceu pela porta da capela, o peso no ambiente não diminuiu. Anna estava de volta àquele estado de torpor, mas agora seus ombros tremiam levemente.
Me abaixei ao lado dela, segurando suas mãos frias.
— Não precisava da violência. — Minha voz era baixa, só para ela.
Ela não respondeu. Apenas apertou minha mão, quase imperceptivelmente, enquanto as lágrimas finalmente começaram a escorrer pelo seu rosto.
Bruna se aproximou de nós junto com Andressa, deu um abraço apertado em Anna e disse que estava na hora de descer para o cemitério para que enfim, o corpo da mãe de Anna pudesse ser enterrado. Fora Bruna e eu quem resolvemos toda burocracia do enterro, Anna estava sem condições, ela só liberava o pix e nem queria saber o que era.
Minha Anna... O que vai ser de você agora, meu amor?
Ao nosso redor, os poucos familiares presentes se mantinham distantes, como estranhos em um cenário alheio. Mas ali, naquele instante, éramos nós por ela.
O corpo de Dona Bethe finalmente pode ser enterrado. Anna preferiu que o corpo da mãe fosse posto em uma das gavetas do cemitério. A família de Anna estava distante, não falaram com ela uma vez, nem para dar as condolências. Que coisa horrível. Até onde o preconceito leva as pessoas? Enquanto o caixão era empurrado para dentro da gaveta fria, senti o aperto da mão de Anna na minha novamente. Ela olhava fixamente para frente, mas eu sabia que por dentro uma batalha se travava.
Eu não sabia o que seria dela depois disso, mas tinha certeza de uma coisa: não importava o que acontecesse, eu estaria lá para ajudar a recolher os pedaços, mesmo que ela tentasse me afastar.
XxXx
Bruna nos levou de carro até a casa de Anna e disse que iria ficar, pois estava muito preocupada e que queria conversar algumas coisas comigo. Entrei com Anna no banheiro para ajudá-la a tomar um banho, Bruna foi para a cozinha e disse que iria fazer algo para comermos.
Comecei a despi-la e liguei o chuveiro na temperatura mais quentinha possível. Queria que meu amor tivesse todo o cuidado e carinho do mundo nesse momento. Ela olha pra mim com um olhar vazio, sem brilho. Ofereço a minha mão para ela segurar e ela a segura, vou guiando-a até o box do banheiro e a coloco embaixo do chuveiro, observo a água cair pelo seu corpo e enfim, ela se permite chorar. Coloca as mãos nas paredes geladas do banheiro e vira de costas pra mim, acho que ela estava constrangida por eu estar vendo-a em uma situação em que ela estivesse absolutamente vulnerável.
Resolvo intervir e tiro minha roupa rapidamente e entro no chuveiro com ela também. Abraço-a por trás e ela se vira rapidamente para me abraçar, enterra seu rosto na curvatura do meu pescoço e desaba. Enquanto ela chorava, seus soluços reverberavam contra meu peito, como se cada lágrima carregasse anos de dor acumulada. Meu Deus, o que fizeram com você, amor? Eu acariciava seus cabelos molhados, sussurrando palavras que não tinham a pretensão de consertar nada, mas que esperavam apenas fazer companhia ao seu luto.
— Eu estou aqui, vida. Eu não vou a lugar nenhum, eu tô aqui.
Ela me apertou com mais força, como se tivesse medo de me soltar e se perder em si. O som da água caindo parecia abafar tudo o que havia de tumultuado dentro dela, criando um espaço onde só existíamos nós duas, estávamos numa bolha naquele momento e eu sinceramente espero que o mundo e o pai dela se danem. Ninguém iria fazer mais mal à minha Anna, eu ia lutar com todas as minhas forças para protegê-la.
Quando o choro finalmente começou a ceder, ela afastou o rosto do meu pescoço, mas ainda manteve a testa encostada no meu queixo. Seu olhar encontrou o meu, os olhos vermelhos e inchados, mas carregados de algo novo – talvez gratidão, talvez aceitação.
— Fê, ninguém nunca cuidou de mim assim, como você cuida... – Soluçava – Nem mesmo a Bruna que esteve presente nos momentos mais difíceis da minha vida. Você é minha vida, obrigada por estar comigo.
Beijei sua testa demoradamente, desejando que ela sentisse na minha pele o que talvez ainda não conseguisse ouvir nas palavras: ela nunca estaria sozinha enquanto dependesse de mim.
Depois que saímos do banho, Anna estava visivelmente exausta, mas parecia respirar um pouco mais fundo, como se a tempestade dentro dela tivesse dado uma trégua. Bruna nos esperava na sala, e ao nos ver, apenas nos entregou um chá quente e um prato com algo simples, mas reconfortante.
— Vou dormir aqui hoje, Anna Florence. E não adianta discutir! – Ela anunciou, Anna apenas aceitou em concordância. – E toma esse chá, vai lhe fazer bem.
— Obrigada, amiga. – Ela diz, em um fio de voz.
Ela come a comida forçadamente, obviamente estava sem fome, conhecia aquele olhar. Depois bebe seu chá e adormece quase que de imediato no sofá. Estranhei a forma como ela dormiu e olhei pra Bruna, que tira do bolso um frasco de Rivotril.
— 10 gotinhas de Rivotril no chá. Não falha nunca. – Ela sorri fraco
— Dopou ela? – Pergunto espantada
— Sim e não. Ela precisa dormir e eu preciso conversar com você. – Senta-se no sofá a nossa frente e certifica-se que Anna esteja realmente dormindo e continua:
— Eu nunca vi a Anna dessa forma. Eu já a vi triste, destruída, mas dessa forma eu nunca tinha visto. Se ela não caiu, foi por você. Obrigada por estar ao lado da Anna, eu vejo que você a ama de verdade, mas precisamos reunir forças para estar ao lado dela agora.
Fiquei olhando para Bruna, ainda um pouco desconcertada pela sua atitude direta, mas não pude deixar de entender sua preocupação. O tom em sua voz era firme, mas seu olhar estava carregado de tristeza.
— Ela é minha melhor amiga, Fernanda. Eu conheço a força que ela tem, mas também sei até onde ela pode aguentar sozinha. E hoje... – ela suspirou, esfregando o rosto com as mãos. – Hoje ela quase se perdeu.
Engoli em seco, sentindo o peso daquelas palavras.
— Eu não vou deixá-la sozinha, Bruna. Nem agora, nem nunca.
Ela assentiu, como se esperasse essa resposta, mas havia algo mais em seus olhos.
— Eu acredito em você, mas quero te preparar para o que pode vir. Quando a Anna se fecha... é difícil trazê-la de volta. Ela não gosta de se sentir vulnerável, e o luto, essa dor que ela está sentindo, pode afastá-la das pessoas. A cabeça dela está terrivelmente confusa, eu não sei o que ela está sentindo. Ela não fala. É disso que tenho medo. Anna tentou suicídio anos atrás, eu morro de medo disso acontecer de novo.
— Ela não vai me afastar – interrompi, talvez com mais firmeza do que pretendia.
Bruna arqueou uma sobrancelha, um pequeno sorriso surgindo em seus lábios.
— Espero que esteja certa. Ela vai precisar de você. Mas você também vai precisar ser forte, porque às vezes amar alguém assim é carregar um fardo que nem sempre é justo.
Aquelas palavras entraram como um punhal no meu peito. Eu sabia que Bruna não dizia aquilo para me desmotivar, mas para me preparar.
— Eu sei o que sinto por ela – respondi, minha voz baixa, mas cheia de certeza. – E nada disso vai mudar.
Bruna relaxou um pouco, como se minha resposta fosse suficiente, e mudou de assunto.
— Certo, amanhã vou providenciar algumas coisas para ela. Talvez seja bom vocês tirarem um tempo longe daqui, nem que seja por uns dias. Eu conheço uma casa no interior que pertence à minha família, e tenho certeza de que ela poderia usar para ter um pouco de paz.
Pensei na ideia, começando a enxergar um vestígio de alívio para Anna no meio daquele caos.
— Vou conversar com ela quando ela estiver pronta – concordei.
Bruna deu um sorriso curto, mas sincero.
— Então, estamos juntas nisso.
Bruna suspirou profundamente antes de falar novamente:
— Vou cuidar dos detalhes para que vocês possam viajar, mas você precisa convencê-la, Fernanda. Ela não vai se permitir parar.
Eu ri, sem humor.
— Não é só ela. Roberto, meu chefe, vai criar um inferno se eu pedir folga agora. Para ele, sentimentos não entram no cronograma.
Bruna franziu a testa, parecendo irritada.
— Ela sempre me falou que esse homem fazia um inferno na vida dela. Que tipo de chefe impede alguém de cuidar da pessoa que ama num momento como esse?
— Um chefe que acha que o trabalho vem antes de tudo – respondi, tentando conter o sarcasmo. — E por conta da história de Beatriz, Anna e o cliente dele. Ele ainda está puto, vem me tratando muito mal por conta dessa situação.
Bruna bufou, cruzando os braços.
— Por falar em Beatriz... O que aquele pedaço de estrume estava fazendo no velório? Ela quis mexer com Anna, é isso? Que demônia. Eu odeio aquela mulher com todas as minhas forças, ainda bem que você interveio na situação.
Enquanto ajeitava a manta sobre Anna, as palavras de Bruna sobre Beatriz ecoavam na minha mente. O que aquele pedaço de estrume estava fazendo no velório? Era exatamente o que eu queria saber, mas não tinha coragem de perguntar a Anna. Porque, no fundo, eu sabia que a resposta talvez fosse pior do que o silêncio.
Voltei para o sofá, mas minha mente não me dava trégua. A imagem de Beatriz, impecável e intrusiva, rondava como a porr* de um fantasma perseguindo a vítima em um filme de terror. Não era só a presença dela, mas como Anna reagiu a ela. Por mais que eu quisesse ignorar, não conseguia apagar da memória o jeito como a voz de Anna pareceu voltar ao vê-la. Como, por um instante, mesmo em meio à dor, ela conseguiu olhar para Beatriz com algo que eu não via há dias.
— Isso está te consumindo, não está? – Bruna perguntou, baixinho, mas com uma clareza que fez meu estômago revirar.
Não respondi de imediato, mas ela não precisava de uma resposta.
— Olha, eu não confio na Beatriz, nunca confiei, mas vou te dizer uma coisa. Se a Anna ainda sente algo por ela – e não estou dizendo que sente – não vai ser essa insegurança que vai fazer a diferença. O que vai contar é o que vocês têm agora.
Olhei para Bruna, tentando absorver suas palavras, mas minha voz saiu carregada de um cansaço que eu mal conseguia conter.
— E se o que temos agora não for suficiente?
Ela abriu a boca para responder, mas Anna se mexeu novamente no sofá, chamando minha atenção. Me abaixei ao lado dela, observando-a de perto. Mesmo dormindo, sua expressão era tensa, como se o peso de tudo estivesse presente até nos sonhos.
Não é sobre ser suficiente, pensei. É sobre não desistir.
Mas, enquanto voltava ao meu lugar, o pensamento persistia: E se ela desistir de mim primeiro?
Fiquei em silêncio, encarando o nada enquanto Bruna parecia avaliar cada detalhe da minha reação. Eu sabia que não podia falar tudo o que sentia sem soar injusta, sem parecer que não confiava em Anna. Mas a verdade era que aquele olhar vazio dela, tão perdido e dolorido, parecia encontrar um caminho diferente quando Beatriz estava por perto.
E isso me despedaçava.
— Sabe o que mais dói? – murmurei, sem encarar Bruna. – Não é nem a Beatriz em si. É que... eu vi o brilho que ela traz de volta nos olhos da Anna, mesmo que por segundos. E comigo... comigo é só sombra.
Minha voz falhou, mas continuei. Mesmo com os olhos marejados antes que Bruna pudesse dizer algo.
— Eu sei que ela está destruída agora, e não espero que ela seja outra pessoa. Só que... talvez eu esteja com medo de nunca ser suficiente para ela. De nunca conseguir tirá-la desse lugar onde ela parece preferir se esconder. A Anna mudou um pouco por nós duas, tenho medo dela voltar a ser o que era.
Bruna suspirou, mas não me interrompeu.
— E se ela me vê como alguém que a está segurando, em vez de ajudar? E se, no fundo, ela ainda quiser a Beatriz porque é mais fácil lidar com o passado que agora a quer do que se abrir para o futuro desconhecido?
Minha confissão pairou no ar, pesada, quase sufocante.
— Fernanda, meu Deus – Bruna começou, sua voz mais suave do que eu esperava. – Eu entendo o que você sente, mas precisa se lembrar de uma coisa: você é o agora dela. Você está aqui. E quando Anna sair dessa fase ruim, vai perceber que o que vocês têm é muito mais forte do que qualquer sombra do passado. Ou demônia do passado.
Engoli em seco, absorvendo aquelas palavras, mas sem conseguir me convencer totalmente. Talvez Bruna estivesse certa, mas o medo ainda era uma presença constante.
Bruna tocou minha mão, como se quisesse ancorar meus pensamentos.
— Só não esqueça que amar alguém como a Anna não é sobre competir com as cicatrizes dela. É sobre ajudá-la a encontrar um jeito de viver com elas.
Olhei para Anna, que dormia profundamente, seus lábios entreabertos e a respiração pesada. Um soluço preso ameaçou escapar da minha garganta.
— E se eu não souber como fazer isso? – perguntei, minha voz quase inaudível.
Bruna me olhou com a firmeza de quem já viu mais do que gostaria.
— Então você aprende, Fernanda. Aprende porque vale a pena. Minha amiga vale a pena, antes dessas merd*s acontecerem na vida dela, ela era a pessoa mais doce que eu já conheci. Quando você chegou, ela abriu o coração dela pra você; o brilho no olhar dela quando está contigo é notável. Como você não vê?
Fiquei encarando Bruna por alguns segundos, tentando encontrar as palavras certas, mas tudo parecia fugir do meu alcance. Apenas balancei a cabeça, concordando em silêncio, enquanto sentia uma gota de esperança se infiltrar na barreira de medo que eu havia construído.
De repente, Anna murmurou algo no sofá, sua voz baixa e quase imperceptível. Me aproximei, pensando que fosse apenas outro movimento involuntário, mas suas palavras foram claras o suficiente para me fazer congelar:
— Fê... fica...
Meu coração acelerou. Ela ainda dormia, mas a maneira como meu nome saiu de seus lábios era como um pedido, como se ela quisesse se agarrar a mim naquela penumbra que estava a vida dela naquele momento.
Bruna me olhou, um pequeno sorriso surgindo em seu rosto.
— Acho que isso responde a minha pergunta.
Me abaixei ao lado de Anna, pegando sua mão fria na minha e a segurando com firmeza.
— Eu não vou a lugar nenhum, meu amor – sussurrei, mais para mim do que para ela.
E, naquele instante, mesmo que as dúvidas ainda pairassem, senti um fio de esperança se entrelaçar com minha determinação. Se ela ainda conseguia me chamar, mesmo em seus pesadelos mais sombrios, eu sabia que, de alguma forma, ainda estávamos conectadas.
Era um começo. Não ia desistir do meu amor.
Fim do capítulo
Meus amores!
É com imensa gratidão e alegria que compartilho essa conquista: nossa história, O nosso recomeço, chegou ao segundo lugar entre as mais lidas!
Cada leitura, cada comentário e cada compartilhamento é um incentivo gigantesco para continuar dando vida a essa trama que tanto significa para mim. Vocês são parte essencial dessa jornada, e é emocionante saber que a história de Anna, Beatriz e Fernanda encontrou um lugar especial no coração de vocês.
Sim, essa história é também de Beatriz! kkkk 60% dessa história é baseada em fatos reais e a personagem mais odiada da história é real e ambas possuem o mesmo nome tanto na ficção como na vida real, mas se não fosse por ela, isso aqui também não seria possível.
No começo, eu não queria me identificar pois não acreditava no meu trabalho como escritora, pois isso aqui pra mim, virou meu trabalho e eu levo muito a sério. Por isso o pseudônimo "Tayl0rmaniac4", mas meu nome é Náthally Rodrigues, muito prazer!
Não costumava divulgar a minha história, mas agora quero que o mundo veja "O Nosso Recomeço". Não tenho mais vergonha da minha escrita, da minha história e se Beatriz da vida real ver que o nome dela está aqui (pq eu sei que ela me stalkeia), dane-se! KKKKK
Gratidão pelos meus leitores! Vocês são fod@
Instagram/Threads: @rodriguesnathh
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 08/01/2025
A mãe da Anna foi vê-la no hospital, né? E só a Beatriz sabe e não falou nada.( A mãe da Anna deve ter pedido para ela não falar nada. Acho eu.)
Essa perda para a Anna está difícil de encarar,pq,a mãe foi embora sem antes procurá-la. A mãe faleceu e ela jamais saberá se,a mãe a amava de verdade.
A Anna pedindo para a Maria Fernanda ficar,mesmo enquanto está dormindo e sonhando,me deixou com o coração aquecido.
Esse genitor da Anna é sem palavras,ele é mais um que não vale 1 Real.
Obs: Talentosa demais você,e, muito corajosa também. Não deve se fácil colocar em palavras algo real,algo vivido. Parabéns!
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jake
Em: 07/12/2024
Ola Nathi Parabéns pelo segundo lugar....Já falei com vc pelo ZAP do lettera e volto a dizer que sua história e. maravilhosa e desde o primeiro cap disse que seria um sucesso.Bom Beatriz não tem jeito né será que ela não percebe que a fila andou...Anna precisa ser forte dá a volta por cima , voltar para o escritório colocar o Raulf e oRoberto no seu devido lugar e casar logo com a Fe. A Bruna e um amor....Me da o tel dela kkkkParabens Nathi.
nath.rodriguess
Em: 20/12/2024
Autora da história
Obrigada, Jake! Você é um amor!
Gratidão por estar sempre acompanhando, lendo a minha história, comentando e me incentivando a escrever pra vocês. Li sua mensagem um pouco tardiamente, peço desculpas por isso ):
Espero que você esteja satisfeita com o desenrolar da história desde então ><
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HelOliveira
Em: 06/12/2024
Parabéns autora pelo segundo lugar e vamos em.busca do primeiro pq sua história merece
nath.rodriguess
Em: 20/12/2024
Autora da história
Muito obrigada, meus amores!
É um prazer enorme estar em segundo lugar, gostaria muito do primeiro, mas seria injusto pq a história da Alina Vieira é perfeita, eu sou muito fã de ENEAMT >
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Lilian Santos
Em: 06/12/2024
Nathaly, vergonha de escrever tão bem?
Eu te acho corajosa em colocar num conto uma parte de uma história verdadeira, parabéns e continue.
Você escreve muito bem e essa história é maravilhosa de ler e dane-se mesmo para Beatriz kkkk abraço!
nath.rodriguess
Em: 06/12/2024
Autora da história
Assim vocês enchem meu coração de alegria!
E dane-se ela mesmo kkkkkkkk
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Mmila
Em: 06/12/2024
Nossa que pesadelo a Anna está revivendo.
Fê, força, fé e segura a mão da Anna.
Essa Beatriz é uma boa bisca... pra não dizer coisa mais feia.
Ninguem merece esses pais.....
nath.rodriguess
Em: 06/12/2024
Autora da história
A Beatriz é uma incógnita mesmo, será que ela realmente ama a Anna?
Mmila
Em: 06/12/2024
Acho que a Beatriz não ama nem ela mesma.
Mas que coragem sua de escrever essa história, mais chocada ainda de ser real.
Sua escrita nos dá um visão muito grande dessa realidade.
Parabéns pela escrita e mais ainda pela coragem.
Com o coração aqui cheio de carinho e aconchego pra você e torcendo sempre por sua renovação.
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nath.rodriguess Em: 09/01/2025 Autora da história
Gratidão! 60% dessa história é baseada em fatos reais. É difícil colocar em palavras às vezes, confesso.