Nunca Te Amarei -- Capítulo 47

Gentilmente, Francesco puxou a cadeira para Matilde sentar.

-- Você está ótima, Matilde.

-- Muito obrigada, Francesco. Tentarei não deixar o elogio subir à minha cabeça.

-- Não precisa ser irônica. Você sabe muito bem que é uma mulher extremamente bonita.

Matilde se sentiu corar.

-- Obrigada, você é muito gentil.

O garçom deixou o cardápio e saiu. 

-- Sabe Matilde, não sou homem de rodeios, por isso vou logo direto ao assunto.

Matilde olhava para ele agora, visivelmente interessada. A forma como ele falou a deixou ressabiada. 

-- Pois então, fale logo homem. Está me deixando assustada.

-- Sinceramente não queria estar falando sobre isso, mas temos que nos preparar para o pior.

O semblante de Matilde era de pura agonia.

-- Sobre o que você está falando?

-- Sobre Donatela -- ele fez uma pequena pausa -- Depois de tudo o que aconteceu com a Luciana, a detenção, a acusação de tráfico de drogas, será muito fácil para ela conseguir a guarda do menino.

Matilde entrou em pânico.

-- Jamais! Ela não tem nenhum direito sobre o menino, não é avó, não é mãe, não é nada!

-- Ele é herdeiro de uma fortuna bilionária, você acha mesmo que um juiz vai permitir que ele fique com uma traficante?

Houve alguns instantes de um silêncio perturbador. Quem quebrou o silêncio foi Francesco.

-- Não seja inocente pensando que a justiça é cega, ela não é cega não. Enxerga muito bem quem tem mais dinheiro.

Novamente os olhos de Matilde se arregalaram em uma ansiedade gigantesca.

-- Então, o que vamos fazer, Francesco?

Kristen foi direto ao banheiro onde se despiu e entrou embaixo do chuveiro.

O jato forte e quente da ducha melhorou seu estado de espírito. Relembrou os acontecimentos do dia. O almoço... Na verdade foi bastante agradável, Luciana sabia ser simpática e encantadora. Tinha senso de humor, era mesmo charmosa e cativante. Tocou os lábios com os dedos, lembrando-se das sensações maravilhosas provocadas pelo beijo da noite passada. Jamais sentiu emoções tão intensas num simples roçar de lábios. Estremecendo, ela se deitou na cama. Precisava se desligar e descansar um pouco, o dia seguinte seria bem agitado. Puxou o cobertor até a cabeça e fechou os olhos dando um longo suspiro. Estava quase pegando no sono quando alguém bateu na porta do quarto com tanta força, que provocou um estrondo no corredor. 

Kristen correu para atender e deu de cara com Luciana. 

-- O que aconteceu?

-- Donatela...

Kristen a fitou por alguns instantes e finalmente a puxou para dentro do quarto.

-- O que tem a Donatela?

-- Ela entrou na justiça para tirar o Dudu de mim -- Disse Luciana, chorando.

Kristen a abraçou com toda ternura.

-- Calma, meu anjo. Nós vamos resolver isso, ninguém no mundo vai afastar o Dudu de você -- quando olhou para Luciana, ela a encarava com um ar muito sério -- Confie em mim, vou impedi-la de fazer isso, nem que tenha que dar um sumiço em Donatela.

Luciana tentou sorrir, em meio às lágrimas.

-- Eu confio em você.

-- Assim está melhor, bebê. Mantenha a cabeça erguida, não desanime nunca.

Luciana só conseguiu balançar a cabeça.

-- O que faremos agora?

-- Antes de tudo vamos contratar um advogado experiente e acostumado a esse tipo de causa. 

Com um ar aflito, Luciana sentou-se na cama.

-- Estou com muito medo, Kris.

Kristen sentou-se ao seu lado.

-- Agora você vai me explicar direitinho toda essa história. Onde está a intimação?

Luciana ergueu o olhar para ela. Sua mente funcionava a todo vapor. 

-- Está aqui, o oficial de justiça entregou para a Laura. Por ser minha irmã, ele disse que não havia problemas.

-- E não tem mesmo. Deixe-me ver.

Luciana balançou a cabeça num gesto afirmativo e entregou a intimação a ela.

Kristen estudou o papel por alguns instantes e de repente ficou séria. 

-- Precisamos correr, temos pouco tempo para a sua defesa.

-- Estou tão cansada, desanimada. Quando tudo parece estar calmo, aí vem uma tempestade e o vento refrescante se transforma num furacão. Não aguento mais.

Kristen segurou o rosto dela entre as mãos.

-- A Luciana que eu conheci costu­mava gostar do excitante. Aceitava qualquer desafio com grande determinação nesses seus belos olhos.

Luciana sentiu o coração disparar, como se fosse saltar de dentro do peito. Pegou a intimação e virou-se para sair.

-- Eu nunca fui assim.

-- Não mesmo? -- Kristen a segurou pela mão, impedindo-a de sair -- Você já foi uma mulher destemida. Agora... Bem, agora você é mais reservada. Como se alguém ou alguma coisa a tivesse privado de toda aquela impetuosidade.

Perturbada com toda a situação, Luciana se livrou da mão dela.

-- Isso tudo é ridículo, Kris. Não mudei tanto assim. E com toda a certeza, não tenho medo de nada.

-- Pois não é o que demonstra.

Luciana também sabia disso e evitou encará-la. Ultimamente sentia-se mais insegura e medrosa. E a causadora desse medo se chamava Kristen Donate. Quando ela estava por perto sentia-se dependente, protegida e esperava que ela resolvesse tudo com sua força e coragem. Da mesma força que havia agido em sua relação com Arthur. Concluiu consternada.

Dobrou o papel e olhou para ela com altivez.

-- Você não queria correr para prepararmos a minha defesa? Então vamos.

-- Estou à sua disposição.

Luciana saiu à frente dela com a cabeça erguida. Assim que chegaram na sala, ela voltou-se para Kristen com determinação.

-- Você já tem algum advogado em mente?

-- Não tenho nenhum, mas conheço alguém que pode nos indicar. 

Quando entraram no apartamento, Francesco surpreendeu-se com o silêncio.

-- Onde está todo mundo? Será que saíram?

-- Será que aconteceu algo grave? Luciana não me mandou nenhuma mensagem -- Matilde entrou em pânico.

-- Calma mulher, ainda não sabemos ao certo o que aconteceu. Não seja tão pessimista, por favor.

Depois daquele comentário, Matilde ficou em silêncio, porém, fervia por dentro. Provavelmente nem dormiria, preocupada com a filha.

-- Se não se importa, Francesco, vou tomar um café na cozinha, não vou dormir até descobrir o que está acontecendo.

-- Fique à vontade.

Matilde foi para a cozinha matutando, Francesco foi atrás. Matilde estava preparando o café quando todos entraram na cozinha falando ao mesmo tempo.

-- Ela não tem direito nenhum sobre o Dudu -- disse Laura, revoltadissimo.

-- Ela acha que tem, meu medo é que o juiz também ache isso -- disse Luciana, preocupada.

-- Calma gente, vocês ouviram o que a advogada falou.

-- O que a senhora faz em minha cozinha? Meu templo sagrado invadido, profanado, meu Deus! -- berrou Rick, desesperado -- Larga tudo, deixa que eu faço o café.

-- Onde vocês estavam? -- perguntou Francesco.

-- Estávamos no escritório, vô -- com um ar aflito, Kristen sentou-se.

O senhor franziu as sobrancelhas, fitando-a de lado.

-- O que está acontecendo?

-- A Donatela entrou na justiça pela guarda do Dudu, senhor Francesco -- respondeu Luciana, com lágrimas nos olhos.

-- É isso mesmo, Kristen? É sério que essa mulher teve coragem de fazer isso? 

-- É verdade, vô, a Donatella fez isso mesmo. O oficial de justiça levou a intimação na casa da Luciana, a Laura recebeu e trouxe até aqui.

-- Na verdade eu já esperava por isso, ela não vai aceitar de forma alguma a Luciana administrar os bens herdados pelo Eduardo -- confessou Francesco -- Já procuraram um advogado especializado em direito de família?

-- Sim, agendamos um horário para amanhã -- respondeu Kristen.

Rick colocou as xícaras sobre a mesa e foi buscar a jarra com café. 

-- Uma pergunta: Quem tem mais direito sobre a guarda de um menor com herança? Alguém sabe responder?

Todos se entreolharam, era uma boa pergunta.

-- Ninguém sabe? -- insistiu Rick -- Quem pode responder?

Kristen olhou para Luciana.

-- O Google! -- ela correu para o escritório sendo seguida por todos -- Vamos ver o que diz o Google.

"A guarda de um menor é uma questão que deve ser avaliada pelo juiz, que considerará a aptidão de cada familiar para exercer a tutela. A legislação leva em conta a estabilidade emocional e a capacidade financeira dos pretendentes. Se os pais falecerem, ou perderem o poder familiar, quem terá o dever de gerir a vida desses menores, segundo a regra de preferência são: Os avós, irmãos maiores e depois os tios".

-- Eu posso -- Matilde exclamou eufórica.

-- O juiz com certeza não vai aceitar, mãe. Para ele não teria lógica manter o menino sob o mesmo teto que eu.

-- Bem, e eu não tenho nem residência fixa, nem capacidade para cuidar de uma criança -- Francesco comentou desanimado.

Todos olharam para Kristen. 

-- Irmãos maiores! -- falaram em coro.

-- Eu?

-- Claro! -- a voz entusiasmada de Luciana soou do outro lado da sala -- Você cumpre todos os requisitos. Nenhum juiz vai negar a guarda à irmã mais velha, rica e com estabilidade emocional.

Kristen olhava para ela agora, visivelmente orgulhosa.

-- Inclui aí, linda, charmosa, cheirosa... O juiz é capaz de querer ficar no lugar do Dudu.

-- Não brinca, Kris -- pediu Luciana -- Você é a minha única esperança.

Parecendo adivinhar o pensamento, Kristen a fitou com um sorriso.

-- Se existe essa possibilidade, é claro que vamos tentar. Imagina, será uma grande felicidade para mim ser tutora do Dudu.

Luciana aproximou-se dela e sem se importar com a presença de Matilde, enroscou-se em seu pescoço e beijou-a demoradamente no rosto.

-- Obrigada, Kris. Muito obrigada!

Francesco sorriu, enquanto despenteava os cabelos loiros da neta num gesto carinhoso.

-- Acho que finalmente encontramos uma saída plausível.

Matilda encostou-se nele.

-- Eu não concordo com essa solução.

-- Porque mãe? -- Luciana perguntou em um tom quase ríspido.

-- De qualquer forma vamos perder o nosso menino. Só muda a pessoa.

-- E que mudança, mãe -- disse Laura -- Estando com a Kristen nós manteremos contato praticamente normal com o Dudu.

-- Ao contrário da Donatella, caso ela ganhe a guarda, esqueçam. As visitas serão monitoradas e por algumas horas -- completou Francesco.

-- Que garantia temos disso? -- insistiu Matilde -- Está escrito na Bíblia: o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. 

Kristen, que até então estava apenas observando, cansou da discussão e se virou para sair do escritório.

-- Depois que terminarem essa discussão ridícula, me comuniquem o que decidiram. E por favor, pensem no que é melhor para o Dudu e não o que é melhor para vocês -- Kristen saiu, irritada.

-- Kristen, espera! -- Luciana tentou impedi-la, mas Kristen não recuou -- Viu o que a senhora fez? Está feliz agora?

Matilde abriu os braços.

-- Eu só acho que você deve se resguardar, vai abrir mão do seu filho sem nenhuma garantia?

Diante do olhar atento de todos, Luciana a rebateu com firmeza.

-- Eu confio na Kristen, ela ama o Dudu, o Dudu ama ela e isso é o que importa.

Luciana foi atrás da loira e a encontrou na sacada.

-- Chateada com a minha mãe? -- foi a pergunta que Luciana fez ao cruzar o olhar com o de Kristen, debruçada sobre a mureta da sacada.

Kristen esperou alguns segundos, então respondeu.

-- Sinceridade? Não! -- ela respondeu sorrindo.

Luciana também sorriu, aliviada.

-- Ainda bem, o que eu faria se você desistisse?

-- Não fiquei chateada com a tua mãe porque não me interessa o que ela, ou, qualquer outra pessoa que não seja você e o Dudu pensem -- Kristen olhou diretamente para ela -- Isso responde a sua pergunta?

Luciana balançou a cabeça. Na verdade, a resposta só vinha confirmar uma constatação: Kristen se preocupava demais com o futuro do irmão e respeitava seus direitos e sentimentos como mãe.

-- Oh, Kris, você nem imagina como me deixou feliz por ter aceito a responsabilidade de lutar pela guarda do Dudu. Acredito que assim não temos mais que nos preocuparmos com a Donatella e focarmos apenas em provar a minha inocência.

-- Amanhã mesmo vamos informar a nossa decisão à advogada, temos que nos apressar -- Kristen, bocejou, já era madrugada e o sono a invadia -- Bem, boa noite, Lú. 

-- Calma lá, garota -- Luciana a segurou pelo braço -- Antes de ir você me deve algumas respostas.

-- Como assim?

-- Mesmo depois de todos os acontecimentos dos últimos dias você ainda não me perdoou? Você também me deseja, eu sinto isso.

-- Sente? -- Kristen se fingiu admirada.

-- Sim, senti no dia em que me beijou.

Finalmente Kristen compreendeu onde ela queria chegar. E ficou rubra de vergonha. Só mesmo uma presunçosa como ela para imaginar que Luciana não descobriria suas verdadeiras emoções. 

-- E então, Kris? -- ela insistiu com um sorriso malicioso.

-- De forma alguma! Nunca ouvi nada tão absurdo! Não tem cabimento! Se bem me lembro era você quem sempre sentiu uma grande atração por mim. Vivia correndo atrás de mim, morria de ciumes de todas as mulheres que se aproximavam de mim.

Luciana ficou irritadíssima.

-- Ora, sua... Sua convencida, arrogante, presunçosa...

O final da lista de insultos foi abafado por um beijo. Um beijo ardente e ao mesmo tempo terno. E sem saber por que não reagia, Luciana continuou imóvel enquanto sua boca era ex­plorada pelos lábios ávidos e gentis.

Finalmente Kristen se afastou, encarando-a com aquela ex­pressão irônica, capaz de enfurecê-la e ao mesmo tempo des­concertá-la.

-- Eu vou dizer se a perdoei ou não -- disse Kristen, andando de costas até a porta.

-- Vai? -- Luciana cruzou os braços, sorrindo -- Quando? 

-- Que tal velejar comigo este fim de semana? Estou pretendendo ir a Angra dos Reis.

O convite deixou Luciana sem fala por um momento. Ela e Kristen sozinhas no barco por um fim de semana? Só de pensar, Luciana se arrepiou toda.

-- Claro, e porque não? -- no mesmo instante ela respondeu com um sorriso maroto nos lábios.

 

 

 

 

Fim do capítulo