capitulo vinte e dois: o maldito jogo
Estou sentada na cama do quarto de Fê esperando-a se arrumar. O dia estava insuportavelmente quente lá fora e pedi que ela colocasse a roupa mais confortável possível. Meu grupo no WhatsApp já estava pipocando às 7h da manhã, entre provocações e muitas risadas do pessoal do time. As meninas eram em sua maioria, lésbicas, uma ou outra que era bissexual ou hetero. Avisei que ia levar minha namorada e começaram a zombar de mim no grupo, eu estava dando risada disso quando Fê saiu do banheiro com um short jeans e uma blusa que dizia "my heart says yes, my brain says WTF", rio da frase em sua blusa e ela ainda era curta, que deixava uma parte do seu corpo a mostra. Fernanda tinha uma tatuagem na costela que era linda, era uma pequena flor e ao lado escrito em traços finos: "a vida é hoje". Ela coloca sua havaiana branca, como toda carioca em dias quentes, pega sua bolsa e me puxa pela mão em direção à porta, quando ela se abre, damos de cara com seu pai com as mãos ainda no ar, provavelmente ia bater na porta quando a abrimos de repente.
— Bom dia, filha. — Ele sorri — Bom dia, Senhorita Anna.
— Bom dia, pai — Ela dá um abraço nele
— Bom dia, Sr. — Aceno com a cabeça
— Vão sair tão cedo?
— Hoje eu tenho futebol, vou levar Fernanda para assistir.
— Filha, não é possível... — Levanta as mãos para o céu em negação
— Pai, quer parar com isso? Ela não é Alessandra, ok? Ela é Anna, uma pessoa completamente diferente — Fê responde magoada com ele e eu fico muito ruborizada com aquela situação e um pouco incomodada, pois odeio que me comparem, principalmente com aquela mulher estúpida.
— Anna, não me entenda mal. — Ele pigarreia antes de continuar — Fernanda é minha única filha, meu maior tesouro nessa vida. Não gosto que a magoem, me desculpe se estou sendo um velho sem noção, mas eu prezo pela felicidade da minha filha. Da última vez, Fernanda ficou na cama 1 semana e não saía para nada. Entende minha preocupação?
— Entendo, mas não sou como Alessandra. Como Fernanda disse: "somos pessoas completamente diferentes" e jamais minha intenção será magoar Fernanda, acho que precisamos nos conhecer melhor para o senhor constatar isso. Você e sua esposa não querem jantar na minha casa um dia desses para me conhecer melhor? Seria um prazer recebê-los. — Faço o convite, tentando fazer com que minha voz não vacile.
— Será um prazer, querida. Só marcar que iremos. Bom, ótimo jogo pra vocês. — Ele diz em tom de despedida — Anna?
— Sim? — Arqueio a sobrancelha
— Qual seu time?
— Apesar de ser carioca, sou Corintiana desde criancinha. — Pisco
— Ah, menos mal. Se falasse "Flamengo", eu ia te expulsar dessa casa.
— Pai! — Fernanda o repreende
— O senhor é tricolor ou vascaíno?
— Vascaíno.
— Ótimo. — Dou um sorriso pra ele — É o único clube Carioca que eu tenho apreço.
— Parece que vamos nos dar muito bem — pisca pra mim — Mas vocês não estão atrasadas?
— É mesmo. — Fernanda dá um olhar pra mim como quem diz: "vamos logo, pelo amor de Deus!"
— Tchau, Sr Mauro.
XxXx
Passamos na minha casa para trocar de roupa e tomar café rapidinho. Na verdade, eu tentei trocar de roupa, visto que Fernanda quando me viu com o uniforme do futebol, ela queria tratar logo de tirar e não parava de tentar apertar minha bunda, não sei que tara é essa que ela tem, pois meu popô nem era tão grande assim. Entre brincadeiras e sorrisos, entramos no Uber e fomos em direção ao local onde seria o jogo.
Já no carro, Fernanda parecia pensativa, com os olhos perdidos na paisagem do Rio. O silêncio entre nós não era incômodo, mas eu sabia que havia algo na interação com o pai dela que mexeu com ela por dentro.
— Fê, tá tudo bem? — Pergunto pousando a mão suavemente sobre a dela.
Ela olhou para mim, sorrindo de leve, mas com um brilho de tristeza nos olhos.
— Tá, é só... é difícil não lembrar de certas coisas. Meu pai é muito protetor, você consegue lidar, né? Mas é porque... — Ela suspirou e abriu minha mão. — Quando eu terminei com Alessandra, foi horrível. Acho que foi a primeira vez que realmente me quebrei por dentro. Isso você entende, não é?
Aceno que sim com a cabeça e meu coração aperta. Todos nós já tivemos o coração partido por alguém algumas vezes na vida. Na minha vez, foi uma de uma forma tão arrebatadora que eu nunca mais quis me abrir de novo... até Fernanda chegar. Talvez eu fosse isso para ela também: um recomeço.
Quando Fernanda me falou sobre o que aconteceu entre ela e Alessandra, eu quis matar essa mulher. Além dela ter basicamente estuprado Fê, ainda tinha a cara de pau de ligar para ela algumas vezes. Eu nunca peguei nenhuma ligação dela nesse tempo que estamos juntas, talvez sua relação com Bruna esteja fazendo sua vida tomar outras rédeas, mas isso não me fazia ficar menos preocupada, pois além de Bruna ser minha melhor amiga, o destino se encarregou dela também conhecer Alessandra e se essa mulher machucar a minha amiga/irmã, o bicho ia pegar e ia pegar feio.
— Ela era o oposto de você. Alessandra fez questão de me diminuir quando terminamos, sabe? Quando a gente brigou, por conta da questão do consentimento, ela disse coisas que me faziam sentir pequena, frágil... até me fizeram acreditar que ninguém nunca me ia amar de verdade. E quando terminei com ela, foi de um jeito tão frio, tão... cruel, que eu só consegui me esconder. Sentia medo, sentia vergonha, sentia culpa. Eu só queria ficar trancada dentro do meu quarto e remoer a situação. Meu pai viu tudo isso e, desde então, ele tem essa... resistência. Nunca contei a ele o que aconteceu ou para mamãe, mas se eles soubessem, não sei o que eles fariam.
— Fê, você sabe que eu nunca faria isso com você, né? E que você não tem culpa de nada disso que aconteceu, a culpa é daquela... — Censuro as minhas palavras — daquela mulher.
Ouvir o peso em suas palavras fazia meu coração apertar.
—Sei. É por isso que estou aqui com você. Mas algumas cicatrizes demoram a sumir, sabe? Eu tento não trazer isso para nossa relação, porque você é tão diferente dela... tão... você. Eu sei que estamos no início, mas você é diferente. O que estamos construindo é tão bom, eu me sinto tão feliz, tão segura.
O Uber parou no semáforo, e eu aproveitei o momento para segurá-la pelo queixo, fazendo-me olhar nos olhos.
— Eu sei que a gente ainda está no começo, mas quero ser a melhor pessoa para você. Quero que você confie em mim, completamente.
Ela piscou algumas vezes, os olhos marejados. Então, sem dizer nada, Fernanda se inclinou e me beijou ali mesmo, como se estivesse despejando todas as palavras que não conseguia dizer em gestos.
Quando nos afastamos, ela respirava fundo e irradiava.
— Você me faz acreditar que eu mereço mais. Isso já é muito.
O motorista olhou para trás algumas vezes e deu alguns sorrisos. Geralmente não costumava beijar Fernanda em carros de desconhecidos, pois o mundo está louco hoje em dia, mas naquele momento me permiti sentir o beijo da mulher que eu estava apaixonada. Sim, eu estava apaixonada por Fê e não podia mais me enganar sobre isso.
Chegamos no local do jogo e as meninas vieram me cumprimentar, o campo de futebol da Casa do Marinheiro, na Penha, Zona Norte do Rio estava nos aguardando. O campo era amplo e o gramado muito bem cuidado, graças a Deus. As linhas brancas foram pintadas recentemente, faziam um contraste com o verde vivo do gramado, ao redor do campo já poderíamos ver algumas pessoas nas arquibancadas de concreto, eram famílias espalhadas, toalhas estendidas e algumas cadeiras dobráveis para os mais velhos.
A vista era muito bonita, palmeiras imensas que balançavam suavemente ao ritmo da brisa, mas pouca brisa, pois o dia estava quente e eram apenas 9h da manhã. Maldito hell de janeiro. O cheiro de churrasco vindo de quiosques próximos se misturava ao som de risadas e conversas, criando um ambiente descontraído e acolhedor.
É quando ouço uma voz conhecida me chamar:
— Anna?
— Bruna? Como sabia que eu ia jogar hoje? – Pergunto surpresa
— Não sabia. Vim acompanhar Alê – Sorriu tímida
— Ah, esqueci que você só liga para ela agora. Ela vem jogar aqui hoje? — Alfineto
— Tudo bem, Fê? – Cumprimenta Fernanda, que assente com a cabeça – Ela vai jogar contra você, Anna.
Fernanda olha para mim surpresa, olho para ela sem saber o que dizer ou falar. A última coisa que eu queria era trazer Fernanda a um lugar onde ela se sentisse desconfortável, para ver uma pessoa que a deixava mais desconfortável ainda. O que era para ser divertido, para mim já tinha virado um inferno, pois alguém que parecia ser Alessandra, começou a vir na nossa direção, vi que a minha ruiva tinha ficado com a respiração tensa ao vê-la se aproximando.
— Oi, amor – Bruna a recebe com um selinho — Já conhece minha melhor amiga, a Anna? Estava doida para apresentar vocês.
— Oi. – Ela faz um gesto para apertar minha mão
— Oi. – Respondo secamente, apertando sua mão mais firme possível, ela arqueia a sobrancelha.
— Oi, Fernanda. Como vai? – Ela se refere à minha ruiva. Como ela tem a pachorra de se referir à ela?
— Bem e você? – Fê dá um sorriso forçado
— Bem.
Alessandra era uma mulher desfem. Loira, mas claramente não natural. Seus cabelos curtos, em um corte americano impecável, traziam duas listras nas laterais que acentuavam seu estilo marcante. O piercing na sobrancelha esquerda brilhava discretamente à luz do sol, assim como o no septo, adicionando um toque de rebeldia ao rosto sério. O corpo bem definido denunciava sua profissão de professora de educação física — algo que Bruna, claro, já tinha mencionado, pois davam aula na mesma escola.
Os seios eram pequenos, harmonizando com a postura confiante e o jeito seguro de quem não passava despercebida em lugar nenhum. Mas foi o conjunto de tatuagens que realmente chamou minha atenção. Elas cobriam boa parte de seus braços, e, entre elas, uma se destacou: "Karma", em letras precisas e fortes. Um tanto irônico, não? Afinal, parecia que ex-namoradas eram mesmo meu karma.
Dois brincos pendiam no mesmo buraco de cada orelha, ela parecia me observar da mesma forma que eu a estudava — atenta, sem pressa, como quem gosta de medir o terreno antes de dar qualquer passo. O ar entre nós ficou carregado de tensão, e, para dissipar o desconforto, Bruna virou-se para mim com um sorriso doce e falou:
— Ei, boa sorte. Você é ótima, lembra disso! – Deu-me um beijo na bochecha
E depois, olhando para ela, completou com aquele tom inconfundível de carinho:
— Quanto a você, estarei torcendo, como sempre.
Suspirou, apaixonada, e eu senti meu sangue ferver. Ainda deram um selinho. Por que, diabos, Bruna tinha que namorar a ex da minha atual? Que bagunça. Que inferno. Nem sei se estavam namorando de fato, mas não faço questão de saber. Bruna continuou:
— Fê, vem para a arquibancada comigo? — Bruna chamou, os olhos brilhando de empolgação.
— Vamos. Se importa, amor? — Fernanda virou-se para mim, esperando minha permissão.
— Não, claro que não — respondi, tentando soar convincente. Depositei um beijo suave em sua testa e sussurrei: — Torce por mim.
— Eu sempre vou torcer por você.
Ela sorriu antes de selar nossos lábios com um beijo rápido. Depois, seguiu de braços dados com Bruna, que já tagarelava alguma coisa. Eu não conseguia ouvir, mas dava para perceber o entusiasmo na voz. Talvez ela estivesse mesmo feliz demais com Alessandra para notar como aquela situação era absurda. Ou talvez estivesse cega. Muito cega.
Tentei me concentrar, mas senti a presença dela antes mesmo de levantar o olhar. Alessandra. Agora era só nós duas, em pé ao lado do campo, o silêncio entre nós tão incômodo quanto inevitável.
— Você joga há muito tempo? — a voz dela quebrou o clima tenso.
— Jogo. Desde o colegial — respondi, sem demonstrar muito entusiasmo.
Ela assentiu lentamente, os olhos fixos em mim, antes de soltar um suspiro quase imperceptível.
— Anna, essa situação é embaraçosa pra mim também — confessou, forçando um sorriso que não chegou aos olhos.
Por um momento, fiquei sem saber o que dizer. Parte de mim queria responder com algo cortante, mas Alessandra, a tão falada ex de Fernanda, não parecia exatamente confortável com a dinâmica entre nós.
Alessandra inclina a cabeça ligeiramente, analisando-me como se pesasse cada palavra. Não parecia intimidada; na verdade, parecia se divertir com a tensão.
— Eu sou muito sincera com Bruna sobre o que sinto por Fernanda ainda.
Meu estômago afunda. O sol quente do campo pareceu esquentar ainda mais, mas a sensação vinha do gelo que se formava dentro de mim. Não acredito que ela teve a audácia de dizer isso! Que sínica. Antes que eu pudesse rebater, ela continua, a voz surpreendentemente calma:
— Estou sendo sincera com você também.
Eu respiro fundo, cruzando os braços em um esforço consciente de manter a compostura.
— A mim não interessa o que você sente ou deixa de sentir — respondo, minha voz baixa, porém cortante.
Ela dá um sorriso enviesado, como se acabasse de ganhar uma pequena vitória. Em seguida, inclina-se levemente para frente, os olhos fixos nos meus, desafiadores.
— Uau, Bruna falou mesmo que você era ciumenta, mas eu não sabia quanto — ela diz, com um ar debochado.
Eu sorrio de volta, apertando os olhos ligeiramente, como quem está prestes a lançar uma cartada final.
— Ciúme? Não, meu bem. — Dou um passo à frente, o suficiente para que minha sombra cruze com a dela. Minha voz sai carregada de ironia: — É proteção. Cuidado. Carinho.
Por um instante, o sorriso dela hesita, mas não desaparece. Ela cruza os braços, refletindo meu gesto, e responde com um breve riso, como se estivesse impressionada — ou talvez desafiando a veracidade das minhas palavras.
Ela não responde de imediato, mas seus olhos continuam em mim, como se tentasse desvendar algo. E, naquele silêncio momentâneo, percebo que Alessandra não era só alguém do passado de Fernanda — ela era um teste. Para mim, para Fernanda, talvez até para Bruna.
— Ei, Anna! Você não vem? — grita Soraya, uma das meninas do meu time, interrompendo o momento como um clarim chamando para a batalha.
Viro o rosto em sua direção, tentando apagar qualquer vestígio do que acabou de acontecer entre mim e Alessandra.
— Já vou! — respondo, levantando a voz para soar casual, mesmo que meu coração ainda estivesse acelerado.
Quando volto o olhar, Alessandra já está a alguns passos de distância, caminhando tranquilamente em direção ao time dela. Antes de se afastar completamente, ela se vira ligeiramente, com um sorriso que parece ainda mais desafiador agora.
— Que vença a melhor, “doutora” — provoca, piscando de maneira quase insolente antes de seguir seu caminho.
Eu apenas respiro fundo, forçando meu corpo a relaxar. Era só um jogo, repito para mim mesma. Só um jogo. Mas, no fundo, nós duas sabíamos que não era.
O campo, que momentos atrás parecia acolhedor e cheio de vida, agora parecia pequeno demais para nós duas. A tensão pulsava como uma linha invisível ligando nossos olhares, mesmo à distância.
O barulho das arquibancadas — risos, conversas e até as vozes infantis vindas do parquinho ao fundo — tornava-se uma trilha difusa. O som abafado de uma bola sendo chutada ecoava ao longe, mas nada parecia importar. Apenas as palavras ditas e, principalmente, as não ditas preenchiam o espaço entre nós.
Com um último suspiro, sacudo a cabeça e caminho para o centro do campo, sentindo o peso de Alessandra ainda em algum lugar atrás de mim. Era hora de jogar. E vencer.
XxXx
O jogo estava pegando fogo. Literalmente! Que sol escaldante da porr*. O placar marcava 2x2, cada gol arrancado com esforço e determinação. Meu primeiro gol foi uma bomba certeira no ângulo, depois de driblar duas jogadoras e deixar a goleira do time adversário sem reação, ela literalmente “frangou”. Alessandra, claro, não deixou por menos: depois de reclamar com a coitada da goleira fazendo com que quase a menina chorasse, respondeu com um chute forte de fora da área, empatando a partida com a mesma confiança desafiadora que exalava fora do campo.
Filha da puta.
Agora, a tensão crescia a cada passe. O sol começava a ficar pior, o sol de 12h já estava quase me derretendo, o suor escorria pelo meu rosto e meus músculos queimavam. Cada jogadora estava exausta, mas ninguém queria ceder. Incrível!
Soraya recebeu a bola no meio de campo e olhou para mim, indicando com o olhar o próximo movimento. Corri pela lateral, escapando da marcação. Soraya me lançou um passe preciso, e eu já sabia o que fazer. Dominei a bola com a parte externa do pé direito, girei o corpo e deixei uma adversária para trás com um corte seco. A arquibancada vibrou, e eu sabia que essa era minha chance.
Com a bola colada nos pés, avancei em direção à área adversária, Alessandra surgindo à minha frente como uma muralha. Ela veio para me bloquear, mas consegui um drible de corpo, enganando-a e abrindo espaço. Respirei fundo e preparei o chute.
Foi então que aconteceu.
Senti o impacto antes mesmo de perceber o movimento. Alessandra, num carrinho agressivo, atingiu minha panturrilha com força. A dor foi instantânea, aguda, como se um choque atravessasse minha perna. Eu caí no chão com um grito involuntário, a bola rolando para longe.
O jogo parou imediatamente. O apito da árbitra soou alto, mas eu mal podia ouvi-lo. Meu mundo se reduziu à dor que pulsava em minha perna.
— Anna! — ouvi Fernanda gritar da arquibancada, sua voz desesperada.
Soraya e outras companheiras de time correram até mim, me ajudando a sentar no chão enquanto eu segurava a panturrilha, tentando controlar as lágrimas que ameaçavam escapar.
— Tá doendo muito? — perguntou Soraya, a preocupação estampada em seu rosto.
Eu assenti, mordendo o lábio para não gritar de novo.
Fernanda já estava ao meu lado, ajoelhada na grama. Seus olhos estavam marejados, e ela tentava, sem muito sucesso, disfarçar o nervosismo.
— Anna, você tá bem? Fala comigo! — Sua voz tremia, e sua mão tocou meu rosto com delicadeza.
— Tô bem, Fê, só... só dói pra caramba — tentei dizer, mas a voz saiu fraca.
Ela olhou para minha perna, depois para Alessandra, que ainda estava perto, com uma expressão que oscilava entre culpa e determinação.
— Você perdeu a noção, Alessandra?! — Fernanda explodiu, levantando-se de repente. — Era só um jogo!
— Foi uma jogada limpa, eu só fui na bola — Alessandra tentou justificar, embora seu tom não fosse tão convincente quanto ela gostaria.
— Limpa? — Fernanda apontou para mim, ainda no chão. — Olha pra ela! Você tá cega ou tá se fazendo?
Soraya e as outras me ajudaram a levantar, e eu apoiei o peso em uma delas, tentando ignorar a dor que ainda latej*v*.
— Fê, calma... não faz drama — tentei amenizar, mas ela não tirava os olhos de Alessandra, a raiva evidente em cada movimento.
— Você vai ficar bem, Anna? — ela perguntou, ignorando completamente Alessandra agora, a preocupação voltando a dominar seu rosto.
— Vou. Só preciso sair um pouco.
Fernanda assentiu e caminhou ao meu lado enquanto as meninas me levavam para fora do campo. Antes de sair completamente, ela lançou um último olhar para Alessandra, cheio de algo que eu não via com frequência: desprezo.
O campo inteiro parecia ter parado. A arquibancada murmurava em especulação, mas eu só conseguia me concentrar no alívio de estar longe do campo e no toque reconfortante de Fernanda, que não largou minha mão em nenhum momento.
— Meninas, obrigada por tudo! — agradeço, enquanto as meninas do time me ajudam a sentar fora do campo.
— Soraya? — chamo, e ela imediatamente para, me olhando como quem já sabe o que está por vir.
— Diz, Anna.
Seguro o olhar dela por um momento e sorrio, mesmo com a dor pulsando na panturrilha.
— “Vá e vença, que por vencido não os conheça.”
Dou uma piscada, e ela sorri de volta, aquele sorriso diabólico que era quase uma promessa. Ela sabia exatamente o que significava. Como uma das poucas mulheres do BOPE, Soraya conhecia bem a força por trás dessa frase.
— Deixa comigo. — Ela se vira e volta para o campo com uma determinação que fez até a torcida se calar por um segundo. Eu sabia que ela ia ganhar aquela porr*. E, se sobrasse pra Alessandra, melhor ainda.
A dor na minha panturrilha voltou a me puxar para a realidade. Era intensa, quase incapacitante. Fernanda não perdeu tempo, insistindo em me levar ao hospital.
Chegando lá, o diagnóstico foi o esperado: nada grave, mas exigiria muito gelo, repouso, uma bandagem elástica... e, claro, carinhos de uma ruiva. Essa última parte eu receitei por conta própria.
Assim que chegamos ao meu apartamento, Fernanda assumiu o comando. Ela foi direto para a cozinha preparar algo para comermos, enquanto eu me ajeitava no sofá com a perna elevada. Em algum momento, pediu uma bolsa térmica em gel pela farmácia para aliviar a dor na minha panturrilha. Mas, apesar de toda a eficiência prática, havia algo no olhar dela que me incomodava.
Fernanda estava chateada. Mais que isso: magoada.
Enquanto o arroz terminava de cozinhar, ela se sentou ao meu lado, pegou minha perna com delicadeza e colocou minha panturrilha sobre a dela. Com dedos firmes, mas cheios de cuidado, começou a massagear o músculo dolorido.
— Você tá bem? — ela perguntou, sua voz baixa e carregada de culpa.
— Tô, amor. É só dor muscular, nada sério.
Mas ela não pareceu convencida. Seus olhos começaram a brilhar com lágrimas que logo escorreram, teimosas.
— Me desculpa, amor. Eu não deveria ter deixado você jogar contra ela... — Sua voz falhou, e ela balançou a cabeça, como se estivesse brigando consigo mesma. — Ela sempre foi assim. Me perdoa.
As lágrimas escorriam agora sem interrupção, e aquilo fez algo dentro de mim se apertar. A ideia de Fernanda se sentir culpada por algo que não tinha controle me deixava furiosa. Não com ela, mas com Alessandra.
Eu segurei seu rosto com uma das mãos, forçando-a a olhar para mim.
— Amor, não vamos deixar isso estragar tudo. — Minha voz era suave, mas firme. Entrelaço nossos dedos, passando o polegar sobre a mão dela em um gesto tranquilizador. — Você está aqui comigo, e é isso que me importa.
Ela me olhou como se quisesse acreditar nas minhas palavras, mas ainda assim seu semblante carregava culpa.
— Eu só... odeio que ela tenha te machucado. Não é justo.
— Ei. — Puxei-a levemente para perto, encostando minha testa na dela. — O que não é justo é você se culpar por isso. Alessandra pode ser um problema, mas ela não é maior que a gente.
Um pequeno sorriso começou a surgir em seus lábios, ainda tremendo pela emoção.
— Você sempre sabe o que dizer, né?
— Faz parte do pacote. — Sorri, tentando aliviar o peso no ar.
Ela soltou uma risadinha curta e voltou a massagear minha perna, agora com um toque mais tranquilo.
Enquanto ela cuidava de mim, eu percebi mais uma vez o quanto Fernanda significava. Não importava o que Alessandra ou qualquer outra pessoa fizesse. O que tínhamos era mais forte do que qualquer carrinho ou rivalidade.
— Amor... – Sussurro, a voz baixa, quase como se fosse um segredo, mas que, de alguma forma, precisava ser dito.
Fernanda olha para mim, com aqueles olhos carinhosos, e passa os dedos suavemente pelos meus cabelos. O gesto faz meu coração bater mais rápido. Ela se inclina um pouco, perto o suficiente para sentir a temperatura de sua respiração.
— Oi, amor — ela responde, e a leveza no tom dela faz com que meu peito se aqueça. Se aproxima ainda mais, e selamos nossos lábios de forma breve, mas cheia de significado. — O que foi?
Fecho os olhos por um segundo, tentando reunir toda a coragem que preciso para falar o que está guardado dentro de mim, e então, com um sorriso suave, digo:
— Eu tô muito apaixonada por você.
Ela me observa em silêncio por um momento, os olhos fixos nos meus, como se estivesse esperando que eu dissesse algo mais. Mas, naquele instante, apenas o simples "eu tô apaixonada por você" parecia suficiente para traduzir tudo o que estava em meu peito.
Com a mão que ainda estava na minha cabeça, ela a passa carinhosamente até o meu rosto, e, em seguida, me puxa para mais um beijo, agora mais demorado, mais profundo. As palavras não eram mais necessárias. O silêncio que nos envolvia falava mais do que qualquer coisa que pudéssemos dizer.
Quando nos afastamos, ainda nos olhamos por um tempo, sem pressa. Fernanda sorriu, aquele sorriso tímido que me fazia derreter por dentro.
— Eu também te amo, Anna. – Sua voz era suave, cheia de carinho. Ela sabia o que eu queria dizer com estar apaixonada por ela.
E, naquele instante, eu soube que, por mais difícil que fosse o caminho à frente, nada poderia abalar o que estávamos construindo.
Fim do capítulo
Boa tarde, meninas!
Capítulo de quinta feira está on e roteando! Fortes emoções, hein?
Obrigada por estarem acompanhando e lendo tudo até aqui. Vocês são f!
Instagram: @rodriguesnathh
Até domingo!
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 22/11/2024
Essa ex da Fernanda é uma vaca mesmo credo mulher ridícula se acha.
nath.rodriguess
Em: 25/11/2024
Autora da história
Vocês não viram nada...
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Mmila
Em: 21/11/2024
Essa Alessandra..... sei não, não merece a Bruna também.
Casalzinho apaixonado esse. Lindas, Anna e a Fernanda.
Vamos ver o que o futuro reserva pra Anna no trabalho.
nath.rodriguess
Em: 25/11/2024
Autora da história
Elas são um amorzinho
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