capitulo dezenove: onde as escolhas pesam
CAPÍTULO 19. ONDE AS ESCOLHAS PESAM.
A noite havia sido, dentro da medida do possível, agradável. O acolhimento e o carinho da Fê contribuíram muito para que fosse. Mesmo eu não merecendo muito seus cuidados, foi bom para que eu acabasse adormecendo durante a madrugada em seus braços. Com tudo que aconteceu, o encerramento daquela noite foi melhor do que eu esperava depois de um dia de merd*.
Quando acordamos pela manhã, acabei colocando uma roupa dela e aquilo estava se tornando constante no nosso relacionamento: dividir lookinhos. Agora, eu me encontrava sorrindo vestida com a sua camisa branca e sua calça pantalona.
— Ficou ótimo em você — ela diz, se sentando no meu colo e eu aproveito para roubar alguns beijos
— Não tão bem quanto em você. Felizmente minha namorada é uma grande gostosa.
— Para, amor! — ela ri, corando levemente.
Céus, eu tinha a mulher mais perfeita desse mundo e eu não merecia tanto. Descemos para tomar café e eu pude observá-la melhor. Fernanda tinha uma leveza, sutil em seus gestos e apesar de ter dormido tarde ontem, tinha acordado sem olheiras, nada que indicasse seu cansaço. Ela era linda, quando estava vestida com aquela saia lápis que marcava toda sua silhueta então, ficava irresistível. Eu era muito sortuda.
Sou pega no flagra babando pelo seu corpo enquanto ela termina de coar o café. Dou um sorriso malicioso pra ela, mas ela cruza os braços.
— Nem vem, Anna Florence. Você está de castigo.
— Eu não posso fazer nada se você é linda, amor. – A abraço por trás e dou um beijo em seu ombro, ela dá um sorriso.
— Olha Anna, aqui não tem aquela sua cafeteira chique não, aqui o café é coado e se mamãe for na sua casa e ver uma cafeteira daquela, rola até segunda guerra mundial.
— Sério? Qual preconceito da sua mãe contra cafeteiras modernas? – Arqueio a sobrancelha
— Mamãe diz que café de cafeteira e expressos são superficiais e não tem gosto de café, tem gosto de máquina – ela ri – Eu disse que ia comprar uma cafeteira de cápsula aqui para casa e ela disse que ia me deserdar, então nunca mais toquei no assunto.
Falamos sobre amenidades, entre beijos e olhares apaixonados. O que me fez esquecer, por meia hora, a tempestade que estava por vir na minha vida. Lavei a louça do café e saímos de mãos dadas em direção ao metrô.
Já no meio do caminho comecei a ficar tensa, pensando em como eu ia encarar Roberto depois daquilo. Fernanda me olhava com preocupação, visto que eu estava muito calada e séria. Eu estava preocupada sim, mas eu não podia me eximir do peso das minhas próprias escolhas. Eu escolhi ajudar Bia e bem, agora vou acabar pagando por isso, seja lá qual for a punição.
De óculos escuros, pisei naquele local. Uma tentativa inútil de camuflar o que eu estava sentindo e evitar olhar nos olhos de alguém que soubesse da minha verdade. Me despedi de Fernanda no elevador e ela me desejou boa sorte, combinamos de nos falar por mensagem assim que eu soubesse o que aconteceria.
Assim que entrei no meu setor, olhei tudo ao meu redor. Não eram nem 7h da manhã, o escritório estava vazio. Senti minha alma gelar só em pensar em me despedir daqui. Sigo até a minha sala, olho a vista linda e sinto meus olhos marejarem quando penso na oportunidade que joguei no lixo... por um erro. Ponho os óculos escuros sob a mesa, mexo nos meus cabelos visivelmente nervosa, prevendo que aquele dia seria infernal.
O maldito telefone da sala toca e, óbvio, como eu estava imersa no meu ócio particular, acabo me assustando.
Merda, já começou.
— Pronto.
Atendo e ouço uma voz já conhecida do outro lado da linha.
— Dra. Florence, que bom que chegou. A Dra. Baldez lhe aguarda na sala dela nesse exato momento.
— Ok, Diana. Diga a ela que estou indo imediatamente.
Ela já sabia.
Obviamente ia me demitir, arrancar meu fígado e minhas tripas e jogar minha cabeça fora.
Quando chego próximo a sua sala, Diana me olha e balança a cabeça negativamente. Dou três batidas leves e ouço sua voz imponente ordenando para que eu entre. Antes disso, olho a hora no relógio em meu pulso para constatar a hora da minha morte.
07h15 a.m.
— Senta.
Ela manda, eu obviamente obedeço, sentando em uma daquelas cadeiras maravilhosamente macias que ela tem dispostas na sala dela. Observo a minha chefe se estacionar ao lado da janela, encarando a linda paisagem do Centro do Rio e, sem sombra de dúvidas, puta para caralh* comigo.
— Chegou ao meu conhecimento que a senhorita tem um caso com Beatriz Duarte, esposa de um cliente. Cliente esse, Dra. Anna, que detemos 20% da empresa dele, como você mesma exigiu nesse contrato que eu tenho em mãos.
Ela se vira bruscamente, arremessando o contrato na mesa e me fazendo engolir seco.
— Você tem alguma coisa a dizer sobre isso? — ela ajeita os olhos e me encara seriamente
— Dra Baldez... permita-me explicar que eu não tenho um caso com ela. Eu sei como isso soa, mas o que aconteceu... foi algo breve, um erro. Uma história antiga que ressurgiu num momento onde fui fraca, mas que já terminou. Eu percebi rápido que não era isso que eu queria. Eu tenho alguém, estou feliz com Maria Fernanda e é com ela que eu quero estar. O que aconteceu com Beatriz foi... só um tropeço. Um tropeço que não devia ter acontecido.
— Tropeço?! Você chama de tropeço? Isso foi uma bela de uma cagada, Dra. Florence. — ela suspira, tentando se acalmar — eu quero que você entenda a gravidade da situação: Proetti me ligou ontem à noite, disse que a minha funcionária tinha um caso com a esposa de um cliente. Roberto não chegou a mim, ele foi falar com o Gustavo diretamente. Ele quer a sua cabeça, quer demiti-la por justa causa. Eu estou de mãos atadas, Anna.
Ela parecia além de irritada comigo, decepcionada.
— É uma história longa... mas começou antes mesmo de eu entrar na firma. Antes dela conhecer o Kevin. — Suspiro, tentando manter a compostura. — Quando nos reencontramos, aquilo tudo voltou. Eu reconheço meu erro, Dra. Baldez. Eu não vou me eximir dele. Eu vou entender perfeitamente se você assinar minha demissão.
— Eu não vou te demitir. Eu posso te matar, mas eu não vou te demitir.
Ela balança a cabeça, visivelmente irritada.
— Estou irritada com você, chateada com você, quem quer a sua cabeça nesse momento sou eu. Mas eu não vou te demitir.
Nesse momento, ela fecha os olhos e faz um gesto com as mãos que não consigo decifrar, um daqueles que a gente faz quando precisamos raciocinar.
— Se você fosse advogada júnior, eu precisaria de uma reunião do conselho para assinar sua rescisão, mas como não é, estou dependendo da decisão de Roberto como supervisor dos Associados.
Abaixo a cabeça.
— Presumo que ele já esteja com a carta de demissão pronta e assinada então — digo
Ela aperta as têmporas, como se estivesse tentando domesticar uma dor de cabeça e abre o notebook, digitando rapidamente algo e liga para o RH. Ordenou que olhassem o e-mail que ela enviou e fizessem todos os trâmites necessários. Eu não estava entendendo.
— Você vai levar uma suspensão. 15 dias sem remuneração a partir de amanhã. Ganharei tempo nessa situação com Roberto e Proetti. Use esse tempo para colocar essa cabeça oca no lugar e resolver aquela pendência para mim. Isso é uma ordem, me mostra que vale a pena lutar pelo teu emprego, Anna Florence. Você tem duas semanas. Caso contrário, seu lugar não é aqui. Resolva. Pode ir.
Me levanto rapidamente, assentindo positivamente às suas ordens.
Saio daquela sala e finalmente posso respirar, Diana olha para mim e faz um gesto com a mão para que eu vá até a mesa dela.
— Vou te perguntar mais uma vez: gosta desse escritório? — ela pergunta, olhando ao nosso redor
— Sim, claro. Por que está me perguntando isso?
— Dra Baldez ama isso aqui, ela construiu isso aqui com o suor do trabalho dela, se ela está te dando uma nova chance é porque confia em você, não a desperdice.
— Como você sabe que ela me deu uma nova chance, Diana? — pergunto surpreendida
— Eu sei de tudo. É meu trabalho saber, agora vá até aquela sala e dê tudo de si.
Ao entrar na minha sala, sento na minha mesa e o sentimento era de alívio, mas de muita determinação também. Mando uma mensagem para Fê contando o que havia acontecido, marcamos de almoçar juntas em um restaurante próximo ao escritório.
Abro a gaveta da proibição e analiso os papéis das planilhas de gastos do roubo da empresa. Eram muitos números para uma pessoa de humanas analisar. Imediatamente, me lembro de um amigo de faculdade que era contador e passo a situação. Ele me pede para encontra-lo no dia seguinte em seu escritório.
Passo o restante da manhã trabalhando tranquila, ninguém veio me incomodar e eu também evitei sair para evitar burburinhos. Não sabia se isso havia se espalhado e quanto menos as pessoas apontarem para mim, melhor para minha reputação aqui dentro. Sobre a apelação do caso de tráfico de pessoas, Dra. Baldez havia me dado o ok depois que corrigi seguindo suas orientações e, apesar da minha vida pessoal ter se fundido com a profissional, eu conseguia ser competente no que fazia e isso me tranquilizava.
👠💻
No restaurante, contei tudo a MaFê sobre o que havia acontecido, ela ouvia atentamente, sua mão segurando a minha por debaixo da mesa. Para a minha surpresa, Jasmine, minha ex ficante e garçonete do bar, veio nos atender.
— Oi, Florence. Quanto tempo... resolveu aparecer? — ela diz me encarando cheia de sorrisos
— Oi, Jasmine. Como você está? — resolvo perguntar
— Indo, como sempre. Você e Andressa nunca mais vieram aqui, fiquei um tempo sem admirar a beleza de vocês.
— Você já conhece a minha namorada? Maria Fernanda, Jasmine. Jasmine, Maria Fernanda. – Faço as apresentações e Fernanda sorri forçadamente, claramente enciumada.
— Oh, Maria Fernanda. Me desculpe! Não sabia que a Anna estava namorando, faz um tempo que ela não aparece por aqui.
Ela fica ruborizada e eu dou uma risada da cara dela.
— Vai a merd*, Anna.
— Parece que você só vai contemplar a beleza de Andressa agora. – Sorrio
— Ah, ela nunca mais apareceu aqui também. Mande lembranças, diga que estou morrendo de saudades.
— Posso fazer nossos pedidos ou você vai ficar aí relembrando o passado? – implico
Depois que Jasmine saiu, Maria Fernanda me dá a mão por cima da mesa, em seguida, belisca o meu dedo
— Quer dizer, Anna Florence, que você já teve um rolo com essa mulher? Você e dona Andressa? – ela continua beliscando cada vez mais forte e eu vou sentindo uma dor insuportável.
— Ai, ai, ai... Calma, amor. Eu vou explicar.
— Pois explique – ela para de me beliscar e me fuzila com o olhar
— Desde quando entrei na empresa, venho aqui nesse restaurante e Andressa também, ambas já ficamos com Jasmine e o sonho dela é fazer um ménage conosco.
— E você me fala isso assim? – Belisca mais
— Falo, pois tenho olhos somente para uma ruiva ciumenta que vai ser em breve, a descoberta do MMA de tanto que me agride.
Ela sorri convencida e logo nossos pedidos chegam. Agora seus dedos acariciavam os meus com mais calma, como se estivéssemos entrando num outro ritmo. Ela está me olhando com aquele olharzinho que eu já conhecia, como se quisesse perguntar algo e não sabia como.
— Você está bem mesmo? — ela pergunta séria, mas com a voz doce
— Eu... Ah, amor. Eu tô tentando ficar bem. Eu já disse que hoje foi um dos dias mais loucos da minha vida?
Ela assente com a cabeça e aperta a minha mão.
— E ainda assim você ainda tirou um tempo para compartilhar comigo. Isso diz muito sobre você.
— Eu precisava de paz. E você me dá isso. Mesmo quando me belisca — brinco, e ela ri de leve, mas seus olhos continuam atentos, buscando algo em mim.
— Diz, amor — falo displicentemente
— Dizer o que? — ela bebe um gole do seu suco
— O que você quer me dizer, seu olhar está me dizendo que quer me perguntar algo — dou um sorriso
— E a Beatriz? Ainda tira sua paz?
Demoro um pouco para responder. A pergunta dela vem carregada de cuidado, não de cobrança.
— Não, amor. Realmente era o trabalho que estava me preocupando.
Fernanda apoia o cotovelo na mesa e me observa por alguns segundos, como se estivesse escolhendo as palavras antes de falar.
— Amor... Eu sei que você já disse que ela não tira mais sua paz, mas... — ela hesita — sabe aquela história de colocar na balança que lhe falei ontem?
Assinto positivamente.
— Você colocou? Pois às vezes a gente se prende a alguém só porque uma parte da história foi boa... e esquece o estrago que o restante causou. E ainda está causando.
Respiro fundo, encostando nas costas da cadeira e ela continua a falar com total sensatez.
— Agora você tem que aproveitar essa segunda chance e se controlar. Lembre-se que você concorre ao cargo de sócia júnior e não pode se envolver em mais confusões e polêmicas. Todo mundo quer a cabeça de todo mundo naquele escritório, Anna. Eu fui poucas vezes fora da minha sala para não ouvir comentários sobre você, mas as pessoas estão comentando. – Ela faz uma pausa – Sobrou até pra mim, mas eu não me importo com isso pois sei da sua verdade e confio em você.
— Está se referindo a quê? – pergunto
— Estou me referindo ao fato de todo mundo estar me chamando de corna, mas o pior são os olhares de pena que me lançam o dia todo.
— Você sabe que não é isso, não sabe? – pego em sua mão e aperto com firmeza – Eu não quero te magoar nunca, mil vezes que eu me magoe, mas não posso magoar você.
— Eu sei, linda. Só é muito desconfortável ficar escutando esse tipo de coisa, a minha vontade é de mandar cada um tomar no...
— Ei! Não perde sua compostura e sua essência por conta de um bando de filhos da puta que querem me derrubar. Desculpa fazer você passar por isso, amor. Me sinto muito mal.
Abaixo a cabeça visivelmente chateada com a situação. Eu não queria que isso estivesse acontecendo com ela, que respingasse em nós.
— Esqueça. Estamos juntas e vamos superar.
Me aproximo para selar nossos lábios e encosto a cabeça no ombro dela. Decido finalmente me abrir e falar como me sentia.
— Eu nunca me senti tão na merd* quanto naquela época, Fê. Ela não tira minha paz, mas o que ela fez sim, até hoje. Ela me traiu. Me destruiu. E foi tudo ao mesmo tempo: o término, o escândalo, o divórcio dos meus pais... — minha voz falha, e eu dou uma risada amarga — que merd*. Parece que tô rebobinando minha vida.
Fernanda toca minha mão de novo, com carinho.
— Seus pais... — ela começa, hesitante. — Como foi pra você lidar com o divórcio deles? Sabe Anna, depois do acidente nós não conversamos mais sobre isso... e é algo que eu realmente queria saber sobre a minha namorada. Eu sei da história, a Bruna acabou me contando no hospital, mas queria saber o que você acha, o que você sente, se foi procurá-los depois que teve alta... Claro, se você se sentir à vontade de se abrir comigo.
— Sabe uma coisa que eu amo em você? – olho diretamente nos seus olhos, dando um sorriso – É que é nítido o quanto se importa comigo e o quanto pra você é importante saber cada coisa da minha vida.
Ela cola sua testa na minha e suspira.
— Você é importante pra mim — diz baixinho
— Você também, linda. Por isso que eu vou te contar o que quer saber.
Ajeito a postura e ponho as duas mãos no rosto, tentando criar coragem e procurando as palavras certas. Era um assunto que me fazia mal, mas não via problema algum em compartilhar com Maria Fernanda, eu estava cada vez mais disposta trazê-la para a minha vida e isso exigia ser sincera e honesta, inclusive com meus sentimentos. Eu já confiava nela e em seus sentimentos por mim, apesar de ter muito medo de ser machucada em uma nova relação, algo me dizia que essa não era sua intenção.
— Depois da minha tentativa de suicídio, minha mãe se afastou de vez. Eu só esperei terminar o ensino médio e passar na faculdade pra poder sair de casa. Já não existia mais ela e o meu pai... e, inevitavelmente, eu me sentia culpada por tudo.
Arrumei um emprego numa loja de instrumentos e fui levando. Trabalhava pra pagar a faculdade e me manter. Na real, mais pela faculdade do que por mim mesma.
Ela me observa, colocando suas mãos nas minhas, numa tentativa de me passar coragem para continuar contando.
— Fiquei lá por três anos, até que passei na prova pra estagiar na PGE. O salário era melhor que na loja, claro. Conheci muita gente, fiz networking, fui tentando construir uma carreira aqui fora. Estudei, me ferrei várias vezes, mas segui. Decidi fazer a OAB, passei de primeira, antes mesmo de me formar.
Dou um sorriso, eu realmente sentia orgulho dessa conquista.
— Fui indicada pra Proetti-Baldez pelo meu chefe na época, o procurador Ricardo Cascardo. Ele disse que eu tinha potencial, que ali eu teria chance de crescer. E é onde estou até hoje. — bebo um gole d’água — Mas, voltando aos meus pais... minha mãe me liga de vez em quando pra falar o básico. Já o meu pai… ele simplesmente sumiu. Se excluiu da minha vida.
Solto um suspiro cansado antes de continuar.
— Minto. Ano passado ele me ligou no meu aniversário. Queria saber se eu já tinha me "livrado dessa vida impura". — dou um sorriso sarcástico, apoiando as mãos no queixo e meneando a cabeça — como você deve imaginar, eu disse que não. E sabe o que ele respondeu? Que, enquanto eu não me livrasse desse “espírito de sapatão”, a filha dele estaria morta.
As lágrimas começam a cair, e Fernanda segura minha mão com firmeza.
— Amor... não precisa contar mais se está te machucando contar isso tudo — ela diz, preocupada
— Eu quero que você saiba o que eu sou... quero que você saiba aonde está se metendo e que eu sou muito fodida da cabeça — limpo algumas lágrimas — Depois desse episódio, não nos falamos mais. Eu quase morri e nenhum dos dois veio me ver. Nem minha mãe. Você tem noção disso?
Respiro fundo, tentando engolir a dor.
— Isso ainda me machuca demais. Mas, se algum deles precisasse de ajuda... eu ainda estenderia a mão.
Ela me abraça, e eu deixo as lágrimas caírem no ombro dela, em silêncio. Só queria que essa dor parasse de me assombrar e que os pesadelos que ainda tenho parassem.
— Eu sinto muito, meu amor… — ela diz baixinho — ninguém merece passar por isso. Nem todo mundo nasceu pra ser pai ou mãe. Nem todo mundo vai te dar amor, carinho, acolhimento.
Ela toca meu queixo e me obriga a olhar pra ela.
— Mas olha pra você. Olha a mulher foda que você é. Uma advogada brilhante. Uma mulher ainda mais incrível. — Ela me dá um selinho — Você vai ser advogada júnior — mais um selinho — depois sênior — outro selinho — e vai ter seu nome na porta daquele escritório. Promete pra mim?
Só consigo assentir com a cabeça.
Queria mudar de assunto para não parecer mais fraca diante dela.
— Umas amigas minhas me chamaram para jogar bola no fim de semana, quero distrair a minha cabeça de tudo isso que está acontecendo, não quero ficar em casa melancólica. Você gostaria de ir me ver jogar? — pergunto
— Que karma, meu Deus — ela dá uma risada nasal, balançando a cabeça negativamente
— Karma?
— É. Estou fadada a ser maria chuteira — revira os olhos
Ah.
A ex.
— Se não quiser ir, não precisa. É um convite, não uma intimação. — digo, sentindo uma pontinha de ciúmes crescer
— Ciúmes, Anna? – ela pergunta sorrindo pra mim
— Fernanda, você é terrível. Não! — digo com firmeza por fora, mas por dentro estava com ciúme sim.
— Bruna tem falado com você sobre ela?
— Sobre a sua ex? Quando liguei para minha melhor amiga para contar sobre o que aconteceu comigo, ela estava dormindo e disse que sua ex tinha dado uma canseira nela.
— E o que você falou?
— Desliguei na cara dela e a sigo ignorando desde então. — dou um sorriso
— Anna... – balança a cabeça negativamente – Não é assim que se resolve as coisas. Se está fazendo bem para ela, não tome minhas dores para você. Às vezes ela pode ter mudado.
— Eu tenho ciúme das minhas amizades. E quando eu penso que ela está com uma pessoa que te machucou, sinto vontade de cortar a cabeça dessa Alessandra fora. – Faço um gesto com as mãos de cortar o pescoço
— Você fica linda com ciúmes, sabia? – ela olha para mim e dá um sorriso tão lindo que esqueço até do que eu tava falando
— Você que é tão linda, Fê. – Dou um beijo na sua mão
Fernanda ergue os olhos para cima e vejo a feição dela mudar.
— Ora, ora. O casalzinho mais ridículo da empresa.
Era Ralf com seu ar de deboche. Fê olha para mim preocupada, ela sabia do meu temperamento e sabia que se eu aprontasse mais alguma, eu estava fora da empresa. Então decidi usar minha inteligência emocional ficando em silêncio e ignorando-o completamente.
— Até quando você vai prestar esse papel? — Fernanda pergunta com ar de reprovação para ele
— Até quando você vai se prestar a esse papel, não é? Todo mundo está zombando de você porque você é corna e ainda sai para almoçar com essa daí. — ele aponta a cabeça para mim — Francamente... que falta de amor próprio.
Meu sangue ferve.
Olho para Maria Fernanda. Eu era como uma bomba relógio, poderia explodir a qualquer momento e minha namorada sabia disso. Para defendê-la, eu seria capaz de qualquer coisa, mas naquele momento, sabia que ele usaria qualquer coisa que eu fizesse para me derrubar. E como as coisas não estavam boas para o meu lado, conseguiria facilmente, por ser puxa-saco de Roberto.
Decidi me concentrar e não o responder a altura, mas quando eu voltasse da minha suspensão, eu ia acabar com a raça dele.
— Vamos, meu amor? — pergunto a Fernanda, já me levantando. Ignorando ele completamente e dando a mão para ela
— Vamos.
Fernanda lança um olhar gélido para ele e eu espero sinceramente que ela nunca direcione esse olhar pra mim. Fê era um amor, doce, mas quando mexia com alguém ou algo que ela gostava... ah, meu amor, ela era pior que a Elsa de Frozen.
Quando saímos do restaurante, o clima pesado que se formou lá pareceu se dissipar. Ela segura minha mão com força, como se tentasse me trazer de volta ao mundo real, mas naquele momento as palavras dele estavam ecoando na minha cabeça. Aliás, acho que na dela também. Não estava sendo fácil pra Fernanda aturar certas gracinhas por conta das minhas escolhas burras.
O resto do dia no escritório foi uma verdadeira tortura, as horas pareciam se arrastar. A sensação de estar com um pé fora da firma e com a Dra. Baldez tentando salvar o pouco do que restou do meu emprego, é exaustiva.
O problema não era nem o dinheiro em si, já que não sou louca e tinha uma considerável quantia guardada para alguma emergência, mas o fato é que de novo ficarei sem trabalhar e terei que esperar 15 longos dias até tudo se resolver. Ou não, né? Eu não sabia se as coisas iam de fato, se resolver.
Passo o dia todo me equilibrando entre trabalhar e trocar mensagens com Fê, isso me tranquilizava e me trazia um pouco de conforto. Ela tentava me deixar bem, me lembrando o quanto sou importante para ela e o quanto sou forte por aguentar o que está por vir.
Só que eu sou Anna Florence, enquanto 99,9% de mim por fora era uma rocha irredutível, 99,9% de mim por dentro era preocupação e autossabotagem.
Quando o relógio marca 18h30, finalmente me permito sair. Maria Fernanda me espera na entrada da empresa com um sorriso. Aquele sorriso sempre me iluminava.
— Como foi o restante do seu dia? — ela pergunta enquanto caminhamos juntas para o metrô.
— Um pesadelo. — Respiro fundo. — Mas, ao mesmo tempo, um alívio. Dra. Baldez me deu uma chance, mas o que aconteceu com Ralf… — solto um suspiro. — Eu não sei como vou lidar com isso.
— Vai dar tudo certo, Anna. Eu confio em você. Confio na nossa relação. E sei que você não vai deixar esses imbecis te derrubarem. Vamos aproveitar esses dias. Vamos nos focar no que importa, ok?
No caminho para casa, já começamos a discutir os planos para o fim de semana. Maria Fernanda, sempre muito prática, tenta tirar meu foco da nuvem carregada que estava na minha vida, oferecendo pequenas distrações para que eu não me perca no turbilhão de pensamentos.
— Futebol te relaxa, certo? Então vamos. Eu também preciso de algo que me faça esquecer por um momento a loucura do escritório e eu prometo que não vou ser “maria chuteira”, ok? Só vou te acompanhar e ver você se divertir.
— Só se você prometer não me dar bronca se eu te pedir para ficar comigo hoje. – Faço um biquinho irresistível para ela, que me fuzila com o olhar e depois sorri.
— Tudo bem, Anna Florence. Vou avisar meus pais que vou dormir com você.
— Preciso conhecê-los, eles vão achar que estou sequestrando a filha deles.
— Precisa mesmo, mamãe está ansiosa para conhecer minha “namorada misteriosa”, como ela diz.
Assim que chegamos em casa, tomamos banho juntas. Sem sex*, só cuidado e carinho. E antes que eu tivesse a chance de protestar, antes de eu vestir a minha blusa, ela me deita na cama e faz massagem nas minhas costas, como se tivesse tentando relaxar toda a tensão que o dia me causou.
A minha namorada era tão linda.
Do nada me bateu uma bad, abaixei o olhar, sentindo meu peito apertar.
— Você não vai me deixar, vai? Não importa o que digam, o que façam… você ainda vai estar comigo?
Ela me olha com um sorriso e me vira para ela, como se já soubesse o que eu estava sentindo.
— Amor, claro que não. Eu estou aqui. Sempre vou estar... Não vou a lugar nenhum.
A puxo para os meus braços, sentindo o conforto do seu abraço. Por mais que o futuro ainda seja incerto e eu ainda sinta o peso das minhas escolhas, eu sei que enquanto ela estiver ao meu lado, eu posso enfrentar qualquer coisa.
O celular dela toca e pelo carinho na voz, está falando com seu pai. Enquanto ela fala ao telefone, continua acariciando meus cabelos. É o tipo do conforto silencioso que eu precisava e que só ela sabia me dar.
Fecho os olhos, aproveitando o momento de paz.
Mas eu ainda aguardava a tempestade lá fora. E essa, quando viesse, iria desatar tudo.
Fim do capítulo
Até eu estou ansiosa para saber o que vai acontecer com a Anna nessas duas semanas, gente! Estou dividida entre duas coisas e ainda não decidi o que vai acontecer, mas prometo que até domingo vocês saberão.
Tenho recebido algumas mensagens no instagram e estou amando vocês interagindo comigo. Vocês podem me mandar mensagem por lá, quem sabe a gente faz um grupo sobre a história? O que vocês acham?
Sem falar nos comentários por aqui, fico muito feliz em recebê-los.
Meu instagram: @rodriguesnathh
Beijo, meus amores! Até domingo!
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HelOliveira
Em: 08/11/2024
Torcendo para a Ana descobrir quem está desviando o dinheiro e salvar a pele dela voltando por cima
nath.rodriguess
Em: 08/11/2024
Autora da história
Vamos torcer pra isso!
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Mmila
Em: 07/11/2024
Já prevendo "os ladro?s"......
Maria Fernanda, que gente boa!
Anna, se ajeite com essa, não perde nem de vista, você achou sua alma gêmea.
nath.rodriguess
Em: 08/11/2024
Autora da história
Anna está demorando a perceber isso, não é? Entretanto, tudo é um processo.
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Socorro
Em: 07/11/2024
boa tarde autora,
tá na hora desse Ralf levar o que merece heim
solução pra isso que ele seja o ladrao kkk
quero elas juntas acabando com esses imbecís
aposto que a Anna vai descobrir uma bomba
nath.rodriguess
Em: 07/11/2024
Autora da história
Ralf era amigo, virou inimigo.
Anna vai descobrir uma bomba terrível.
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