capitulo dezoito: escolhas
CAPÍTULO DEZOITO. ESCOLHAS.
Sentada em um pub na lagoa.
Era assim que eu me encontrava. Pedi um whisky ao garçom que me atendeu prontamente. Como água, tomei tudo em um gole só. Como eu poderia estar sentada ali, pronta para acolher a pessoa que mais me fodeu na vida? Sorrio amargamente, rodando o copo e encarando o nada.
Quando olho para frente, a vejo entrar. Seu olhar era de tristeza, seus olhos inchados denunciavam que havia chorado. A maquiagem era só armadura, ela estava em um estado que nunca tinha visto antes. Ao cruzar seu olhar com o meu, ela corre para me abraçar, imediatamente retribuo seu abraço e a aperto forte em meus braços. Beatriz começa a entrar em um tipo de choro compulsivo e tudo que eu poderia fazer no momento era abraçá-la forte como se o meu abraço fosse capaz de curar aquela dor.
— Ei, princesa... não chora — digo carinhosamente
— Você costumava me chamar assim quando namorávamos — ela dá um sorriso fraco no meio do caos que começava a se instaurar na vida dela
— Senta... quer beber alguma coisa? Uma água?
— Anna, eu quero a bebida mais forte que esse bar tiver.
Peço ao garçom o mesmo whisky que estou bebendo e observo suas feições. Quando o whisky chega, ela toma um gole e abaixa a cabeça, pensativa sobre o que quer que seja. Seu rosto está sem cor, muito diferente daquela Beatriz altiva, nariz em pé, irônica que eu conhecia. Ela parecia tão... não sei como definir agora.
— Me conta o que aconteceu — peço
— Ah, Anna... — ela suspira, sua voz demonstrando o quanto estava cansada — eu não estava aguentando mais, acabei falando para o Kevin em uma briga que eu queria me separar, que não conseguia ver futuro nisso para mim, eu falei a verdade: que não o amava, que nunca o amei. Disse que queria seguir os meus sonhos, os meus planos, seguir o meu coração pela primeira vez na vida. Que não era justo comigo permanecer nessa relação.
Ela larga o copo no balcão, sua voz falhando e ela de certa forma, buscava forças para continuar falando.
— E ele? — encorajo-a a falar, mas com medo da resposta
— Ele surtou...
Ela diz e me olha como se estivesse pedindo socorro, como se eu fosse a única coisa em que ela pudesse se ancorar naquele momento.
— Ele achou que fosse brincadeira minha, riu da minha cara. Quando viu que não era, ele virou outra pessoa, começou a quebrar coisas, me pressionou contra a parede, eu fiquei com medo, estava muito assustada, ele apertou meu braço, me empurrou...
Olho para a marca roxa no seu braço direito e ela tenta esconder.
— Ele bateu em você? — digo, já rangendo os dentes e com o punho fechado
— Não, não chegou a bater. Quando ele começou a me insultar e a me xingar, eu comecei a discutir com ele e... ele perguntou se eu estava com outro homem, me insultou de novo, me chamando de vagabunda, puta, piranha e tantos outros nomes horríveis — ela gesticulava e chorava ao mesmo tempo — ele disse que se eu quisesse “pica”, ele poderia me dar para o resto da vida.
Nesse momento, não pude controlar o meu instinto de abraçá-la novamente. A puxei contra o meu peito, forte, como se quisesse protege-la, como se aquele abraço pudesse apagar tudo de ruim que ela estava vivendo.
Ali, com Bia tremendo nos meus braços, eu senti um aperto no peito. Um incômodo. Não era só raiva do corno babaca, era... medo. Medo do que essa nossa aproximação poderia significar. Medo do que eu estava sentindo.
Eu ia me odiar pelo resto da vida se machucasse Fernanda de alguma forma, mas ao mesmo tempo, não conseguia olhar para Beatriz e trata-la com indiferença. Era impossível. Ainda havia algo dentro de mim, algo que eu tentei enterrar tantas vezes, mas que insistia em aparecer sempre que ela se reaproximava.
Céus, porque tinha que ser tão complicado?
Ou será que eu quem complicava tudo?
— O que mais aconteceu? Sei que tem mais coisa... — a afastei suavemente, me sentando na bancada de novo
— Depois dele me insultar... — ela se senta ao meu lado — ele pareceu se acalmar e disse que eu poderia ter quantos quisesse, contanto que eu não me separasse dele e mantivesse isso em segredo das pessoas.
O cara praticamente queria que ela fosse uma esposa troféu, ele era um otário.
— Eu fiquei em choque quando ele disse isso, tentei convencê-lo que não precisava disso, que não era esse tipo de pessoa e aí... — ela suspira, fechando os olhos como se quem tomasse coragem para continuar contando — eu confessei que estava apaixonada por uma mulher, que sempre fui lésbica e havia descoberto isso há algum tempo e que só me casei com ele por pressão da minha mãe.
Ela encosta a testa na mesa do balcão, colocando as mãos no rosto, visivelmente nervosa.
— Anna, eu...
— O que você disse pra ele? — meu olhar era sério
— Ele me perguntou se eu estava apaixonada por você... Na verdade, ele afirmou. Parecia ter certeza. Ele disse que a gente demonstrava algo diferente.
— Porr*, Beatriz... Ele é um cliente.
— Fica calma... — me olha apreensiva
— Tem mais?
— Ele disse que iria falar com Roberto.
— O quê?!
Me levanto bruscamente, coçando a nuca rapidamente, tentando pensar. Se eu pudesse definir uma palavra para esse momento, seria “fodida”.
— Sapinha...
Ela tenta me tocar, mas eu a afasto.
Me chamar pelo apelido que ela me deu quando éramos namoradas não ia amenizar a situação. Desde que ela voltou para a minha vida, tudo virou um caos. Não ia amenizar. A presença de Beatriz nunca amenizava nada.
— Por favor... me deixa explicar, não foge. Por favor. — ela segura meus pulsos, me forçando a olhar para ela e ficamos frente a frente.
— Beatriz, eu não acredito que você foi tão irresponsável.
— Ele... já sabia, Anna. Ele sabia que eu estava diferente desde quando você reapareceu na minha vida, que eu ficava desconcertada quando te via, mas quando ele disse que ia falar com a minha mãe, eu me desesperei... — ela começa a chorar — eu me vi desesperada, você sabe o quanto é difícil pra mim, você sabe que ela não aceita que eu...
Beatriz põe a mão no peito. Eu tento segurar as minhas lágrimas que estavam tentando cair, mas eu não ia chorar na frente dela, então decidi descontar minha raiva.
— Era só ter mentido, porr*! Você mente para ele há anos e quando realmente tem que mentir, você dá para trás?
— O que você queria que eu dissesse, Anna? — diz nervosa — Ele já sabia!
— NEGASSE!
Falo gritando e as pessoas começam a olhar em nossa direção, respiro fundo e tento me controlar, mas mantendo a frieza.
— Beatriz, você tem noção de que eu estava prestes a conseguir o cargo que eu sempre quis e você colocou tudo a perder? Se esse homem fizer um escândalo na minha empresa, o que minha chefe vai pensar? O que a Fê vai pensar de mim? Meu Deus...
— Não acredito que você está preocupada com aquela ruiva — diz com desdém
— ‘Aquela ruiva’ a quem você se refere, é minha namorada, Beatriz — a olho séria — e sim, eu devo satisfações e explicações a ela. Por mais que tenha acontecido antes da gente namorar, vai ficar decepcionada comigo.
— Ela é sua o quê?! — seu tom de voz aumenta — eu não acredito, Anna! Já estão namorando? Você me disse que não tinham nada na festa da empresa, você mentiu pra mim?
— Não, eu não menti. Quando me perguntou daquela vez, realmente não tínhamos nada. Agora temos. — falo com segurança
— Ela não sabe que a gente teve um caso? Então, só mais algumas pessoas irão ficar sabendo, do que vai adiantar ela ficar puta contigo? – revira os olhos
— Você me expôs. – Olho para ela – E eu quero saber se isso foi de propósito ou não. Caso tenha sido, eu juro que nunca mais vou olhar para sua cara. Eu juro que dou um jeito de te tirar completamente da minha vida, nem que eu tenha que me mudar pra marte.
— Olha minha cara de quem queria te expor, Anna. Eu me importo com você! Como eu disse: ele já sabia.
Como se estivesse prevendo que as coisas pudessem piorar, ouço palmas sendo batidas pausadamente. Meu pior pesadelo: Kevin e Roberto. Juntos.
Eu tô fodida pra caralh*.
— Não te falei, Roberto? — sorriu ironicamente — O casalzinho está aqui, peguei no flagra.
— Kevin, como você me achou aqui? — Bia pergunta
— Seu celular tem rastreador, minha querida. Eu só te segui — responde dando de ombros e se vira para mim — Você destruiu a minha vida, sua advogadinha de merd*. Agora eu vou destruir a sua. Sabia que dormir com a esposa do seu cliente á antiético? Vou te denunciar na OAB por isso, sua vadia! E seu emprego pode esquecer. Vou fazer um inferno para te demitirem por justa causa.
— Kevin, você quer me denunciar? Fica à vontade, ok? Só não esquece de contar que você gritou, empurrou e ameaçou sua mulher. A OAB adora um contexto completo. A Delegacia de Atendimento à Mulher também. Vão adorar ver o braço roxo da sua esposa.
— E ah — dou um sorriso irônico — me chamar de vadia não vai fazer seu pau crescer nem sua moral aparecer. Vai tentar destruir a minha carreira? Boa sorte. Mas se vier, venha pronto. Porque eu não corro.
— É claro que eu estou pronto. Eu vou te destruir agora.
Ele saca uma arma e a aponta para mim, em seguida para Beatriz, que toma a minha frente e fica na mira, me protegendo.
Roberto finalmente parece sair do transe e fala diretamente com ele.
— Kevin, me escute. Não vale a pena, você é um empresário de sucesso, uma pessoa boa. Não desperdiça sua vida assim. A pena para esse crime é muito severa, não destrua sua vida, seus negócios. Quem está falando não é seu advogado, é seu amigo.
— Roberto, ela me traiu, Roberto... ME TRAIU COM UMA MULHER!
Os clientes do pub começam a se apavorar vendo que ele estava com uma arma na mão e começam a se abaixar.
Francamente, onde estão os seguranças desse local?
— Eu não te traí com uma mulher, eu te traí com várias mulheres. Eu não gosto de homens, Kevin. Eu me casei com você por conta da minha mãe, só que eu cansei, Kevin, cansei de me esconder, eu cansei de fingir algo que eu não sou, estou me separando de você — Bia diz aos prantos, mas com uma coragem que eu desconhecia
— Acha que eu vou deixar você ficar com ela? Te dar o divórcio, ver você pegar metade dos meus bens, da minha empresa, para vocês serem o casal feliz? — ele diz ironicamente — eu jamais vou permitir que seja feliz, Beatriz. Quer a separação? Eu dou, mas farei da sua vida um inferno. Eu vou te deixar sem nada, eu vou te deixar no chão e você vai ter que voltar a fazer programa, sua piranha!
Olho para ela espantada.
Não, não posso acreditar nisso.
É sério?
Isso é sério?
— Como você sabe disso? — ela o questiona
— Acho que estou sobrando nessa história. — digo me preparando para ir embora
— Anna, não vai. Por favor. — Bia mais uma vez segura meu braço
— É, Anna... não vai embora, fica mais um pouco.
Kevin dá um sorriso malicioso para mim e aponta a arma para mim.
Confesso que eu não estava com medo, ele não teria culhão para fazer aquilo e eu sinceramente estava cansada do meu passado, estava absolutamente cansada de tudo que Beatriz trazia para mim. Saber que ela foi garota de programa me deixou mais enojada, não porque eu tinha preconceito com mulheres que levavam a vida dessa forma, mas por saber que ela nunca teve necessidade de ter essa vida. E que eu poderia tê-la feito feliz sem que ela precisasse recorrer a isso.
Beatriz nunca me trazia coisas boas mesmo.
E a babaca aqui, ainda se preocupava.
Que se foda.
— Você quer atirar, Kevin? — olhando nos seus olhos me aproximo dele e ando em direção ao cano da arma que estava apontada para mim, coloco minha testa nela. — Então atira.
O vejo suar nesse momento. Suas mãos tremem e o olhar dele para mim é de puro ódio. Seus dentes serram em sua boca e sinto sua mandíbula travar.
— Eu estou bem aqui na sua frente. Porém, saiba que se atirar em mim, ela não vai deixar de ser lésbica e tampouco vai ficar com você para satisfazer suas vontades. Ela com certeza vai arrumar outro ou outra trouxa feito nós dois. Você não é o centro do mundo, cara. Você não pode controlar tudo.
— Anna, não...
Beatriz tenta falar, mas eu a interrompo.
— Não o quê? Cala a boca — reviro os olhos — você já acabou com a minha vida mesmo, morrer seria o de menos.
Ele abaixa a arma e Roberto aproveita esse momento curto de sanidade para pegar o revólver da mão dele, ainda o vejo dando dois tapinhas nas costas de Kevin, enquanto o corno fica de cabeça baixa.
As pessoas começam a sair dos seus esconderijos e ouço a sirene da polícia se aproximar, era só o que me faltava. Resolvo sair dali antes que, além de desempregada, eu tenha que passar a noite prestando depoimento em uma delegacia.
🔫💔
Depois do ocorrido, ando sem rumo pela Lagoa Rodrigo de Freitas, a noite estrelada do verão carioca estava bonita, mas eu estava me sentindo completamente cansada para contemplar alguma coisa. Caminhei mais e parei em um píer que dava de frente para uma curiosa estátua: um indígena com um arco e flecha em mãos em cima de uma pedra. Não sabia o que significava, mas fiquei um tempo ali observando e imaginando coisas sobre a minha vida.
Estar sob a mira de uma arma, literalmente, é algo que eu não havia imaginado para essa noite.
Pego meu celular e ligo para a única pessoa que me importava agora. A pessoa que eu poderia contar todos os meus medos. Ela certamente me daria umas boas porr*das também, mas eu estava disposta a correr o risco.
— Alô? — ela pergunta com voz de sono
— Já está dormindo? — estranho, ela não era de dormir cedo
— Estava cochilando, alguém me deu uma canseira agora há pouco
Solta uma gargalhada baixa, certamente com receio de acordar alguém.
— Bruna, você está com quem? – pergunto já me exaltando
— Estou com Alê, por quê?
— Deixa pra lá, esquece.
Desligo o telefone na cara dela. Sinto meu rosto queimar e algumas lágrimas insistem em cair. Depois que a adrenalina do momento passou, eu me sentia vulnerável. Nossa, eu queria muito poder respirar e ser feliz tranquila sem que a minha vida desse uma volta de 360 graus.
Sem contar que, não sabia se deveria contar o ocorrido pra MaFê, pois eu estava com muito medo dela me rejeitar, ficar brava, não falar mais comigo e terminar por eu ter ido encontrar Beatriz e ainda me arriscar dessa forma.
Merda.
Estávamos bem. Finalmente decidimos nos entregar e viver o que estávamos sentindo uma pela outra, mas agora... agora eu tinha medo de que isso acabasse por falta de confiança. O que ela acharia quando eu dissesse que fui encontrar minha ex para ampará-la?
Decido ligar, mesmo com a dor no peito. Era uma crise de ansiedade chegando.
— Oi, amor. — ela atende e sua voz me acalma por alguns segundos
— Fê... Oi. — tento dizer sem chorar, mas a voz embarga
— O que aconteceu? Está tudo bem? — seu tom é de preocupação
— Não... — decidi ser sincera — amor, eu preciso te ver. Eu preciso muito falar com você e tem que ser tipo, agora. Você pode me encontrar? Sei que está tarde, mas eu preciso falar com alguém se não vou explodir.
— Onde você está?
— Na lagoa.
— O que está fazendo na Lagoa, Anna? — sua voz demonstrava ciúme — Pega um Uber e vem aqui pra casa.
— E seus pais? – pergunto receosa
— Saíram pra jantar, mas eu aviso minha mãe que você vem aqui, ela já sabe de você. Só vem pra cá. Se acalma, tá bem? Respira. Quer que eu chame o aplicativo pra você?
— Não, eu chamo. Daqui a pouco estou aí.
— Não demora. Quando chegar, me avisa. Beijo
Desligamos o telefone e eu chamei o app, por sorte o motorista estava há 1 minuto de distância e não demorou a chegar. Tentou puxar papo no caminho, mas eu estava tão aérea que ele se mancou e resolveu ficar calado. Fernanda morava em Irajá, na Zona Norte do Rio. Da Lagoa para Irajá era 30 minutos e eu nunca quis que meia hora se passasse tão rápido.
Chega uma mensagem de Beatriz no meu telefone:
*Beatriz Duarte*
- Anna, eu nunca quis te expor. As coisas não estão boas para o meu lado, não sei o que Kevin fará, mas falei com Roberto para que não fizesse nada com você. Me atende, por favor.
Ela começa a me ligar e a minha cabeça começa a doer, eu só queria que isso nunca tivesse acontecido. Você é burra, Anna Florence. Você é burra!
Para piorar, a estação de rádio do Uber estava tocando um pagode horroroso, peço para o motorista trocar de estação e pego o meio da canção ‘Fortnight’, da Taylor Swift. Minha cabeça começa a se tranquilizar com alguns minutos de música boa e calma.
Quando cheguei ao prédio de Fê, toquei o interfone. Ela desceu rápido e me olhou preocupada. Tudo o que consegui fazer foi me jogar no seu abraço esperando que estar nos seus braços me deixasse calma.
A crise de ansiedade havia chegado. Eu não conseguia respirar. Tudo estava turvo. Ela me apertava forte, tentava falar comigo, mas eu não respondia. Até que ela me puxou para dentro do apartamento.
Deixo que ela me guie pelos cômodos e quando vou passando pelo estreito corredor, vejo vários quadros em preto e branco da Cidade do Rio: o Cristo Redentor, o Calçadão de Copacabana, o Pão de Açúcar. Quando eu não estivesse a beira de um ataque de nervos, perguntaria à Fernanda quem teve essa ideia de decoração maravilhosa, achei conceito.
Quando chegamos em seu quarto, ela coloca seu notebook que estava em cima da cama para o lado e faz um gesto para que eu sentasse na cama dela. Sentamos uma de frente para outra e ela me olha em silêncio, mas com expectativa.
Céus.
Que medo da porr* dessa mulher me deixar.
Estar na mira de uma arma, ok.
Se Fernanda me deixasse, o mundo se acabaria ali para mim.
Embora eu achasse que eu não a merecia.
Uma lágrima teimosa insiste em cair, então a limpo rapidamente. Ser fraca agora era o que eu menos precisava. Decido falar de uma vez.
— Fê, você se lembra do que eu lhe contei da minha última conversa com Beatriz?
— Lembro. Tem mais alguma coisa que você não me contou? — ela pergunta e eu vejo o quanto está receosa
— Não. É que... – ela me interrompe
— Anna, lembra do que prometemos uma para outra?
— Honestidade e sinceridade.
— Seja honesta e sincera comigo, tudo bem? Não mente pra mim.
— Eu jamais faria isso, o meu medo é ser sincera e honesta com você até demais e te magoar. Não sei nem por onde começo.
— Começa do início. Nos falamos quando saímos do trabalho e você disse que ia tomar um banho e descansar, pois seu dia tinha sido de fato, uma merd*. Por que você saiu?
— Beatriz me ligou. — Dou um suspiro longo — Ela disse que contou para o marido.
Começo a contar a história do começo sem omitir nada, contei exatamente tudo o que aconteceu para Fernanda, todos os detalhes. Ela me olha espantada de início, mas depois se mostra com uma expressão totalmente impassível e é exatamente disso que eu tenho medo.
Maria Fernanda era extremamente doce, encantadora, forte, dona do sorriso mais lindo, ela se doa de coração em uma relação, mas quando ela fica irritada ou magoada com alguma coisa, ela consegue desapegar e sair de cena em segundos.
Eu tinha medo de que ela me rejeitasse, eu tinha medo de Fernanda sair da minha vida, eu realmente não queria que isso acontecesse, ela é uma pessoa extremamente cara para mim.
Quando termino de contar um silêncio paira entre nós, olho para ela apreensiva e minha ansiedade não aguenta.
— Diz alguma coisa, amor. Por favor – suplico com um fio de voz
— Quer um conselho?
Olho nos seus olhos, mas não respondo.
— Não vou te falar como namorada, pois como namorada você sabe minha opinião e sabe o quanto estou chateada com você, acho que dispensa comentários, né?
Abaixo o olhar.
— Vou te falar como amiga: eu quero que você rebobine a sua vida igual fita cassete e veja se essa menina já te trouxe algo de bom. Quero que pese na balança: as coisas boas que ela te trouxe, se sobressaem as coisas que ela te trouxe de ruim? Aí você me responde se é uma boa ideia mantê-la na sua vida.
Ela faz uma pausa rápida, encara o nada, mas logo em seguida retoma o raciocínio:
— Não posso escolher por você e nem vou te obrigar a fazer uma escolha, até porque eu não sou esse tipo de mulher. Porém, veja se as escolhas que você anda fazendo para sua vida fazem sentido e observe bem para onde essas escolhas estão te levando.
— Fê, eu... Me desculpa, eu quis ajudá-la e acabei ferrando comigo mesma. Com certeza serei demitida, Roberto não vai deixar barato isso e se Kevin fizer um escândalo na empresa, óbvio que o certo seria optar pelo cliente, ainda mais quando fiz aquele imbecil dar 20% da empresa dele pra nós.
— Amanhã eu vou estar com você, Anna. Eu vou segurar sua mão.
Ela estende a mão para mim e eu a pego, fazendo um carinho com meu polegar. Ela tira uma mecha de cabelo do meu rosto.
— Eu sempre vou estar ao seu lado. Não vou deixar você, vou estar contigo independente do que acontecer na empresa. Só não me peça para encarar de boa que você foi vê-la. Poderia ter dito não. Estou decepcionada com você.
Meus olhos enchem d’água.
Ah, amor...
— Por mais que você tenha vindo aqui e tenha sido sincera comigo, às vezes honestidade e sinceridade não são o suficiente, precisamos mais do que isso para uma relação dar certo.
Escuto suas palavras. Ela estava espetando uma agulha no meu peito sem dó, mas era necessário. Meu medo vai se tornando um sentimento de tristeza. Além de ter acabado com a minha carreira, eu ainda havia magoado a pessoa que me deu uma chance.
Fazia um tempo que eu não me sentia dessa forma e não me dá gosto algum voltar a sentir esse sentimento vazio. Deus do céu, que sentimento horrível.
Encaro o chão perdida nos meus pensamentos, rezando para o aperto no peito passar. Porém, as escolhas foram feitas. Escolhas burras, com toda certeza. Entretanto, a vida não é um morango e agora eu precisava encarar a merd* que eu fiz.
Precisava ter forças para saber quais seriam os próximos capítulos da minha vida. Eu só não queria passar o resto da minha juventude sendo triste, não quero desperdiçar minha vida com melancolia, eu já fui melancólica demais da minha adolescência para cá. Guardei sentimentos só para mim por anos, eu estava muito, muito, cansada.
Ultimamente, tenho dado o meu melhor para tentar ir em busca da minha felicidade, mas eu sou a Anna — eu tive que dar uma cagada em tudo.
— Amor, eu entendo que esteja desapontada comigo. Te peço desculpas por ter tomado essa atitude e acho que não é só pra você quem devo desculpas, mas... pra mim mesma. Eu preciso pensar. Vou pra casa, não estou legal. – Digo já me levantando
— Não vai, Anna. Dorme aqui, está tarde. – Ela pede fazendo um carinho no meu rosto
— Obrigada pelo convite, amor. Porém, eu não estou boa companhia hoje e não sei se conseguirei dormir. Você ainda tem um trabalho, precisa descansar para amanhã e eu já tomei muito seu tempo.
— Fico preocupada com você, eu que não vou conseguir dormir se você não ficar aqui
— Fica tranquila, minha época de capotar em curvas já passou – sorrio e ela me dá um soquinho no braço
— Que sem graça, Anna Florence. Não fala isso nunca mais. – me repreende – Você vai ficar aqui e ponto.
— E seus pais? – pergunto receosa
— Provavelmente se saíram para jantar e se não chegaram até agora, estão em algum motel. Vou arrumar a cama pra gente deitar, ok?
Enquanto vou ao banheiro lavar o rosto, vejo meu reflexo no espelho e evito olhá-lo. Um caco. Decidi não contrariar Fernanda, aceitei o convite para dormir aqui, pois Deus me livre aquela ruiva irritada. Quando retorno para o quarto, ela está no telefone com a mãe, provavelmente avisando que eu dormiria aqui. Dou um sorriso. Que bonitinho. Era estranho estar na casa dos pais da minha namorada, nunca pensei que passaria por isso algum dia.
E sinto que, mesmo chateada, ela está feliz por me ter ali.
Quando ela desligou o telefone, a abracei por trás. Ela permitiu meu gesto de carinho e ficamos ali na sua janela observando o condomínio. Fomos para a cama e eu me aninhei em seu peito enquanto ela fazia carinho nos meus cabelos.
Eu não queria demonstrar, mas estava nervosa. Ansiosa pelo dia seguinte. Estava em crise de ansiedade. Perder meu emprego e o que lutei para conquistar ia me doer absurdamente. Comecei a roer minhas unhas, Fê percebeu e me deu a mão para evitar isso.
Eu estava me preparando para a tempestade que viria amanhã no trabalho. No entanto, estava me sentindo acolhida pela única pessoa que demonstrou que eu valia a pena.
Ela me dava forças para enfrentar as minhas escolhas.
Fim do capítulo
Primeiramente, eu gostaria de agradecer às minhas leitoras por terem me colocado no TOP 15 das mais lidas do Lettera, estamos em 4º lugar e eu estou muito feliz que vocês estão lendo a minha história, comentando, me incentivando! Isso me dá forças para seguir em frente. Essa é a primeira história que eu escrevo, eu leio histórias sáficas desde os meus 12 anos e elas me ajudaram muito na descoberta da minha sexualidade e eu também queria retribuir de alguma forma. Sites como o lettera são importantíssimos para a nossa visibilidade e resistência, tô muito feliz por agora ser uma autora.
Esses dias tive uma ideia para uma segunda história, mas vou postá-la somente quando acabar "O Nosso Recomeço", que está prevista para 45 capítulos. Muitas águas vão rolar nessa história e eu quero todas vocês juntinhas comigo.
Gratidão, meninas!
Qualquer dúvida, qualquer comentário, sugestão, elogio, crítica, eu estou aberta aqui nos comentários e no meu direct do instagram: @rodriguesnathh
Somos 4º lugar, mores!
Ah! E em 1º lugar nesse ranking, está a história da Alina Vieira. "Ela não é a minha tia" é uma história incrível e merece todo esse reconhecimento, merece todas as coisas boas que estão acontecendo. Corram lá e se deliciem com essa história maravilhosa.
É isso, meninas! Irei postar toda Quinta e Domingo.
Até lá!
Comentar este capítulo:
Mmila
Em: 04/11/2024
Anna, Anna, chega de pisada na bola.
Tenho esperança que você vai continuar no trabalho.
Maria Fernanda é o anjo da vida da Anna.
E vamos para o próximo capítulo.
Parabéns autora, tá muito boa a história.
nath.rodriguess
Em: 04/11/2024
Autora da história
Maria Fernanda eh um amorzinho.
Muito obrigada por estar gostando!
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nath.rodriguess Em: 07/01/2025 Autora da história
Ela vai ter o final que merece =)