Capitulo 42
Nunca Te Amarei -- Capítulo 42
Kristen parou diante da mãe olhando-a seriamente, com seus enormes olhos verdes.
-- Qual o problema, dona Donatella? Tinha um compromisso e tive que cancelar. Espero que seja importante.
-- É importante, sim -- disse ela, em tom excitado, surpreendentemente como se pedisse desculpas -- Donatella foi sentar-se no sofá e bateu no lugar a seu lado convidando-a a fazer o mesmo.
Kristen aproximou-se hesitante e sentou-se devagar. Donatella esfregou as mãos com nervosismo.
-- Você me conhece como ninguém, Kris. Sempre fui uma pessoa cética, mas ultimamente tenho passado por situações no mínimo estranhas.
O rosto de Kristen estava impassível.
-- Onde está querendo chegar?
Donatella estava estranha quando levantou a cabeça e fitou a filha.
-- Ou estou ficando louca, ou tem um espírito aqui em casa.
Kristen se levantou num rompante.
-- Eu não acredito! Até você Donatella?
-- Porque até eu? Tem mais alguém passando pela mesma experiência?
Kristen revirou os olhos e cruzou os braços, evidentemente irritada.
-- Tem sim, a louca da Vera.
Donatella tomou a mão dela nas suas e depois olhou para o rosto da filha com nítida surpresa.
-- Quem é essa Vera?
Kristen puxou a mão com delicadeza.
-- Minha vizinha. Ela é espírita e vive vendo fantasmas.
Donatella desviou o olhar e ficou pensativa.
-- Com que frequência?
-- Todo momento.
-- Interessante.
Kristen respirou fundo e voltou a sentar-se.
-- Enfim, me conta o que está acontecendo.
-- Por várias noites seguidas, acordo com uma sensação estranha, como se uma pessoa pesada estivesse sentada na beira da minha cama -- começou ela -- Não apenas o colchão está inclinado para baixo, mas também meu edredom parece estar preso sob alguma coisa e, como se não bastasse, também sinto minha bochecha dormente e gelada.
Kristen ergueu as sobrancelhas sem nada dizer. Donatella continuou:
-- Você sabe como o condomínio é seguro, não existe a menor possibilidade de alguém invadir o apartamento. Não faz o menor sentido.
-- E a Bernadete?
-- Todas as vezes que isso aconteceu não havia ninguém no quarto além de mim. A Bernadete estava dormindo no quarto dela. Mas a sensação de haver outra pessoa no quarto permanece a noite inteira. Eu não sei explicar o motivo.
--Talvez seja um sonho recorrente, provavelmente haja algum medo ou situação te afligindo.
Donatella balançou a cabeça, descordando.
-- E a parte do edredom na beirada da cama amassada no formato de uma bunda grande e pesada?
-- A explicação mais provável é que a senhora mesmo se mexeu e fez a marca no edredom. De qualquer forma, tecnicamente falando, não há motivo para pânico.
-- Não? Mesmo depois de tudo o que contei?
Kristen se levantou e passou as mãos pelos cabelos, deixando-os cair sobre o ombro.
-- Durante momentos do sono, obtemos o que procuramos durante o dia. Ou seja, podemos passar nossas noites agitadas por tudo o que vivenciamos durante o dia. É o que penso.
Donatella respirou profundamente.
-- Já vi que não posso contar com você.
-- Não é bem assim, é que é muito surreal esse negócio de espíritos. Eu admiro a senhora Donatella estar falando sobre isso. Não estou te reconhecendo -- Kristen se levantou, impaciente -- Vamos almoçar, estou com fome.
-- Já vamos, mas primeiro me passa o número da sua amiga espírita.
-- Ah, não!
Luciana sorria feliz com a presença da amiga.
-- Que bom que você veio me visitar, estava com tanta saudade! Faz tempo que não nos vemos.
-- Desde que você pediu demissão da empresa.
-- Verdade -- Luciana a observou parecendo muito pensativa -- Poxa, parece que faz tanto tempo, né?
-- Parece, mas só fazem alguns dias. Não está desanimada?
-- Por estar desempregada?
Leticia balançou a cabeça afirmativamente.
-- Não, por enquanto é como se estivesse de férias. Primeiro vou organizar a minha vida, depois, vou atrás de um novo emprego. Com o dinheiro que recebi de indenização, vai dar para tocar as coisas de forma tranquila.
-- Que bom -- disse Letícia, de maneira arrastada -- O dia está lindo, que tal darmos um pulo na praia da Barra?
Luciana pensou um pouco antes de responder.
-- Sei não, o sol desse horário é muito prejudicial à pele. Não costumo ir à praia ao meio-dia.
-- Nem eu, mas podemos almoçar em um dos restaurantes da Kris.
Luciana fez uma careta engraçada.
-- É sério isso?
Letícia riu.
-- Nada a ver. É só mais um ótimo restaurante da orla, mas se isso te incomoda, podemos escolher outro.
-- Tá, tá, escolhemos no caminho, então. Espera um pouco, vou pegar a minha bolsa.
Francesco parou diante do prédio e olhou ao redor. Devem haver mais de cem câmeras de monitoramento espalhadas pela rua principal e algumas delas com visão privilegiada da entrada da portaria e do estacionamento, pensou animado.
-- Acho que vou precisar da ajuda do delegado Santana -- quando se virou, deu de cara com Vicente.
-- Boa tarde, senhor. Precisando de ajuda?
Francesco encarou o porteiro.
-- Boa tarde -- respondeu ele e enfiou as mãos nos bolsos da calça -- Não estou precisando de ajuda, mas obrigado. O senhor é muito prestativo -- o avô de Kristen encarou o porteiro como se enxergasse além de sua alma.
-- Procuro ajudar no que posso.
-- Acredito -- Francesco deu alguns passos, fez uma volta em torno de si mesmo, pareceu que ia entrar no carro, mas recuou e, estacou à beira da calçada, moveu a cabeça dum lado para outro e deu um brusco passo à frente -- Porque você desligou as câmeras de segurança de alguns andares do prédio?
Ele olhou para Francesco, assustado, e perguntou gaguejando:
-- Eu não desliguei as câmeras, o senhor não pode me acusar sem provas.
-- Claro que posso, não sou policial. Eles sim não podem acusar sem provas, se pudessem, você já estava preso.
Vicente olhou para ele com os olhos arregalados.
-- Não estou entendendo aonde o senhor quer chegar.
Francesco balançou a cabeça sorrindo, o sorriso dele foi irônico e rápido.
-- Não preciso falar o que você já sabe -- o idoso deu alguns passos em direção ao táxi estacionado a alguns metros de distância -- Agora eu vou embora, mas pode ter certeza que voltarei.
-- O senhor é louco -- comentou o porteiro, irritado.
-- Pode ter certeza que sim, senhor Vicente -- ele afirmou, encarando o porteiro com firmeza -- Louco por vingança!
Determinado, Francesco afastou-se dele e dirigiu-se para o automóvel. Vicente ficou realmente preocupado, o pai de Arthur era um homem poderoso e poderia facilmente destruí-lo com um simples telefonema a algum de seus amigos influentes.
Leticia sentou no banco do passageiro e jogou a bolsa no banco de trás.
-- Que dia lindo! -- Letícia olhou para o sol brilhante e ajeitou os óculos escuros acima da cabeça -- Que tal almoçarmos no restaurante da Angelica? Faz tempo que não a vemos.
Luciana riu, arqueando as sobrancelhas, gostando da ideia.
-- Ah, que pena, devia ter trazido o Dudu. Ele ama a Angel.
-- Eu bem que te falei para trazer ele.
-- Fiquei preocupada, seria impossível segurá-lo à sombra. Você sabe como é criança, eles não entendem que o sol do meio dia é perigoso.
Leticia balançou a cabeça.
-- É, a radiação solar é mais intensa nesse horário e o Dudu é bem branquinho -- ela riu -- Um autêntico Donati.
-- Nem me lembre -- Luciana riu -- Então vamos.
Luciana deu partida no carro e depois de alguns minutos pegou a avenida das Américas que provavelmente seria o caminho mais rápido para chegar a Barra.
A Praia da Barra da Tijuca é a maior praia do Rio, não tem um grande calçadão, como Copacabana, pois é uma zona de conservação ambiental. É o reduto de surfistas e amantes dos esportes aquáticos, por suas fortes e violentas ondas. É perfeita para a prática de Bodyboarding, kitesurfing, windsurf e o tradicional surfing.
A Praia da Barra da Tijuca sedia campeonatos de surfe nacionais e também já deu lugar a WT (campeonato mundial).
-- A Kristen adora surfar nessa região. Ela diz que a Barra da Tijuca tem várias praias boas para surfar, incluindo a Praia da Macumba, a Praia da Barra e a Praia do Pontal.
-- Eu tenho é medo, isso sim -- Luciana olhou no espelho retrovisor, deu sinal e entrou a esquerda -- O mar é muito bravo e tem pouco espaço na areia. É ruim até pra caminhadas na areia.
-- Ah, mas é excelente para curtir com os amigos, porque é super tranquila.
-- Isso sim, mas nada como o Arpoador. O mar pode ser bravo, mas é a praia mais romântica do mundo. O pôr do sol no Arpoador é uma maravilha da natureza. É um verdadeiro privilégio poder assistir o sol se pôr da pedra, que junto às paisagens do Rio de Janeiro formam um cenário espetacular.
Pensativa, Letícia olhou para a paisagem deslumbrante que avistava pela janela do carro.
-- Involuntariamente você acaba de repetir o discurso da Kristen.
Luciana fez uma careta.
-- Para com isso, eu sempre gostei do Arpoador.
-- Não, Lú, você sempre gostou da praia de Copacabana.
Quando parou num sinal vermelho, Luciana se virou para Letícia.
-- É, talvez ela tenha me mostrado o lado poético e amoroso dessa praia. Você tem razão -- admitiu.
O sinal ficou verde e ela saiu em disparada em direção ao estacionamento da Avenida João Corte Real.
Quando Kristen e Vera chegaram à sala, encontraram Francesco sentado no sofá. Seu traje demonstrava bom gosto e sensibilidades aprimoradas e chamou a atenção da nova amiga de Kristen.
-- Seu avô é um gatão.
-- Dá para notar que a beleza é genética, mesmo, e ultrapassa gerações.
Vera empurrou Kristen pelo ombro e disse:
-- Sua convencida!
-- E não é verdade?
Vera não respondeu, apenas balançou a cabeça e caminhou até Francesco.
-- Boa tarde, senhor.
Francesco se levantou olhando para Vera profundamente nos olhos.
-- Boa tarde, senhorita -- com um gesto fidalgo, ele estendeu a mão a Vera -- Muito prazer, me chamo Francesco.
-- Eu me chamo Vera e estava muito ansiosa em conhecê-lo. A Kristen falou maravilhas ao seu respeito.
Kristen revirou os olhos.
-- Menos né, Vera. De onde você tirou essa ideia?
-- Você falou sim! -- Vera insistiu.
-- Desista, minha jovem, ela nunca admitirá o orgulho que sente desse velho homem.
Kristen deixou-se cair no sofá, ao lado do avô.
-- E o que esse velho homem tem aprontado, livre pela cidade maravilhosa?
Francesco suspirou, cruzou as pernas, e bateu com as pontas dos dedos sobre os joelhos.
-- Estou vindo da delegacia -- ele olhou para a neta, provavelmente analisando sua reação.
Kristen não olhou para ele. Ela apertava as mãos, extremamente concentrada nelas. -- Fui pedir para o delegado solicitar as imagens das câmeras de monitoramento dos prédios vizinhos.
-- Ainda com esse pensamento, vô? O pai estava perturbado e não suportou a pressão. O pai estava mentalmente abalado, ele não era corajoso, era fraco, covarde... era uma pessoa que estava em intenso sofrimento -- ela abaixou a cabeça -- E quem sou eu para julgar quem estava em sofrimento? -- Kristen estava triste, com o coração apertado -- Qual o motivo do sofrimento dele? Eu nunca vou saber, tento não buscar muitas respostas porque sei que nunca vou encontrá-las. Meu objetivo hoje é me preservar e cuidar da minha vida. É assim que busco forças para seguir sem odiá-lo pelo que fez -- Ela esboçou um sorriso triste e percorreu as mãos pelo rosto, antes de pedir licença e se retirar.
Com um gesto rápido, Francesco chamou Vera para sentar-se ao seu lado no sofá.
-- Quando uma pessoa morre por motivos de doença, acidente, o que for, por mais desconfortável que seja, todos demonstram solidariedade imediata, querem saber dos detalhes, falam abertamente sobre a situação, oferecem conforto. No suicídio, não. O incômodo se expressa no silêncio, na ausência do que dizer, no inconformismo, na incredulidade. É como se as palavras fossem inúteis, como se nada pudesse amenizar a dor e essa reação vai alimentando, com o tempo, a nossa própria resistência em expor o que sentimos.
-- Entendo -- respondeu, Vera -- Kristen evita falar sobre o pai, é como se tivesse vergonha, culpa, dúvidas, raiva... Não sei ao certo.
-- Acho que um pouco de cada, o suicidio de alguém próximo tem um efeito potencialmente devastador em quem fica.
Luciana comeu o último pedaço da porção de peixe frito que saboreavam na área externa do restaurante de Angélica.
-- Ai meu Deus! Esse peixe estava divino -- disse Luciana, francamente -- O seu restaurante é o melhor da orla.
-- Concordo plenamente -- afirmou Letícia, enquanto se levantava para ir ao banheiro -- Já volto -- ela pegou a bolsa e saiu.
-- Dessa parte da praia até pode ser -- Angélica abriu um largo sorriso. O olhar da dona do restaurante indicava que ela gostava mesmo de Luciana -- Mas você sabe muito bem que os melhores restaurantes são os da Kristen.
Luciana não pode deixar de sorrir.
-- Você é muito humilde.
-- E você muito gentil -- ela se virou para sair, mas antes que o fizesse, Luciana a chamou.
-- Angel.
-- Sim? -- ela voltou para perto da amiga.
-- Você tem falado com a Kristen, ultimamente?
Angélica sorriu, divertindo-se.
-- Falei com ela ontem, porque?
Sem jeito, Luciana se revirou na cadeira.
-- Ela não comentou nada? -- Luciana perguntou esperançosa.
-- Sobre você? -- perguntou, mesmo sabendo a resposta.
-- Sobre eu e ela -- Luciana sorriu sem graça.
-- Para ser sincera, a maior parte do tempo conversamos sobre o espírito inquieto do Senhor Arthur -- ela sentou-se de frente para Luciana -- A nova amiga de Kristen é espírita kardecista. É uma médium iniciante, ainda está em desenvolvimento, mas tem se mostrado capaz de ser intermediária entre o mundo invisível, espiritual e o mundo material, ela tem em suas mãos um presente -- falou, sem querer magoar a amiga.
-- Sério que vocês só conversaram sobre isso? -- ela não escondeu a decepção -- Pensei que pelo menos ela tivesse alguma curiosidade sobre mim.
-- Você conhece a Kristen, ela nunca daria o braço a torcer. Mesmo que estivesse morrendo de curiosidade.
Luciana deu um sorrisinho de canto.
-- Sim, eu a conheço muito bem.
Letícia retornou do banheiro e parou de pé ao lado da cadeira de Luciana.
-- Se você não se importa, já vou indo. Tenho um outro compromisso para o fim da tarde.
Luciana fez menção de se levantar.
-- Claro que me importo. Você veio comigo, vai embora comigo.
Letícia balançou a mão no ar.
-- Não, não. Eu vou para o outro lado da cidade, chamarei um Uber e estará resolvido. E não adianta insistir.
Luciana concordou com a cabeça.
-- Então, seja feita a vossa vontade.
Letícia abaixou-se para beijar o rosto da amiga. Depois, jogou um beijo de longe para Angélica.
-- Nos vemos por aí.
Letícia se foi e Luciana voltou-se para a Angélica.
-- Fala mais sobre essa história do espírito do Arthur.
Kristen despertou num pulo. Tinha deitado um pouco após o almoço e caiu em um sono profundo. O pesadelo veio de imediato, assustador e incrivelmente vivido, dando a impressão que estava acordada e vivenciando algo real. Não soube dizer por quanto tempo ainda permaneceu ali até que, em estado de choque, tirou o cobertor, se levantou da cama e arrastou seu corpo dolorido até o banheiro.
Olhou para o seu reflexo no espelho e se questionou:
-- Que sensação ruim é essa?
Luciana dirigia seu carro tranquilamente em direção a Copacabana quando ouviu a sirene de uma viatura chamando a sua atenção para que encostasse.
-- Que merd* é essa?
Assustada, Luciana obedeceu, estacionou o carro no acostamento e baixou o vidro. A viatura parou logo atrás, dois policiais desceram e um deles a abordou.
-- Por favor, moça. Saia do carro.
Por um instante, um medo contido começou a se intensificar dentro dela. Sem proferir nenhuma palavra, Luciana obedeceu.
Créditos
https://estudio.r7.com/suicidio-a-dor-dos-que-ficam-24012020
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 01/11/2024
Não acredito que a bandida da Letícia apontou para a Luciana.
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HelOliveira
Em: 29/10/2024
Bom que está de volta, espero que esteja tudo bem.
Letícia aprontou com a Luciana ....
Vandinha
Em: 03/11/2024
Autora da história
Olá HelOliveira!
Comigo está tudo bem, obrigada.
Então, que bela amiga, não é mesmo?
Abraços fraternos, querida.
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Mille
Em: 29/10/2024
Oi Vandinha
Saudades de ti, espero que esteja tudo bem.
E que amiga viu Letícia é uma cobra tenho quase certeza que ela aprontou e vai deixar a Luciana ir presa.
Bjus e até o próximo capítulo
Vandinha
Em: 03/11/2024
Autora da história
Olá Mille!
Também senti saudades. Estou muito bem, graças a Deus, e voltando com tudo. Vamos que vamos!
Leticia é a suspeita número um e já tem alguém de olho nela, pode ter certeza.
Beijos amiguinha.
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Vandinha Em: 03/11/2024 Autora da história
Olá Marta!
Pois é, que amiga hein!
Beijos