Capitulo 61
Capítulo 60 - AP
A Bia pegou no sono deitadinha no meu ombro e recebendo meus cafunés. Eu estava encantada por aquela mulher humana e delicada no meu colo, na minha cama, me aceitando. Eu olho pra ela e vejo verdade, vejo descoberta. Vejo uma pessoa que entendeu que sentia algo por uma mulher e aceitou essas descobertas, aceitou que não era apenas cuidado e que poderia ser amor. Isso não tira seu passado, sua história, jamais. Eu fiquei com ela ali no meu corpo, por um bom tempo até eu pegar no sono e ser abraçada por Morfeu.
Acordei no dia seguinte de conchinha com ela. Nossos corpos, sem roupa, estavam colados, quentes! Eu estava com dificuldade de sair daquele encaixe. Olhei rápido o celular, sem muito movimento, deu o horário, mas eu estava cansada demais para ir a academia. Hoje vou pular o treino. Me mantive ali abraçada ao corpo nu da Bia e pensando, será que devo contar para ela sobre a ameaça de ontem? Será que devo me preocupar? A ameaça veio da Mayra, que está vendo o cerco fechar ao seu lado, está ficando maluca, preocupada. O foda é que não posso simplesmente ignorar porque pode ser uma ameaça verdadeira, mas acho que não vou assustar a Bia com esse assunto ainda.
Levantei com bastante cuidado sem acordar ela. Peguei uma muda de roupa e segui para o banho. Banho rápido para começar o dia, tentei não pensar muita coisa, mas está quase impossível, os links dos casos não saem da minha cabeça. Coloquei uma roupa de casa e segui para a cozinha. O que será que temos aqui? Ovos, queijo, pãozinho. Tem até uma laranja que dá pra fazer um suco. Tudo certo.
Preparei alguns ovos mexidos com queijo, esquentei o pão torando as bordas, passei um café ao mesmo tempo que tentava fazer um suco de laranja. Que caos. Mas vai dar certo. Deixei tudo pronto na cozinha, coberto por um pano e fui acordar minha musa. Cheguei no quarto e ela ainda estava na mesma posição, de lado, o lençol cobrindo um lado do glúteo. Fui passando a mao suavemente na pele da Bia, tentando acordar, segui fazendo carinho no ombro e enchi ela de beijinho no rosto. Percebi que já tinha acordado, mas estava aproveitando o cafuné.
- Bom dia gostosa!
- Hummmm
- Fiz um cafezinho pra gente. Não quer levantar?
- Hummm.
- Tem café quentinho, pao, ovo, suquinho - ela virou o corpo, toda torta ainda, mas olhando pra mim - tem café fresco!
- Se me acostumar assim, tem que continuar assim!
- Isso chama relacionamento, companheirismo! - sei um selinho nela - quer tomar.cafe comigo?.
- Eu quero! Dá pra eu tomar um banho antes?
- Um banho rapidinho dá. É o tempo de eu lavar a louça. - estiquei a mão pra ela, dando espaço para ela levantar. Ela ainda sem roupa ficou sentada na cama, acabei olhando fixo para os seios dela, soltos. No direito havia uma marca circular, pra mim uma mordida, já cicatrizada. Claro que não perguntei nada, eu não havia reparado no namoro gostoso de ontem. Tentei disfarçar - Adoro seus peitinhos! São lindos!
- Agora são nossos, eles adoraram ser bem tratados ontem! - eu acabei ficando sem graça.
- Vou arrumar a cozinha enquanto você toma um banho. Tudo bem? - ela afirmou com a cabeça e eu saí do quarto, em direção a cozinha para organizar as louças sujas. Pouco tempo depois eu me assustei com o abraço dela por trás de mim, eu ainda estava lavando louça.
- Eu adoro esse cuidado que você tem comigo.
- Amor, é pra ser legal. Se fosse pra ser chato chamava delegacia de polícia - sequei minha mao e ofereci - Vamos comer.
- Nossa, que mesa bonita - sentou na bancadinha- tem até suco de laranja.
- É que as laranjas da geladeira estavam implorando para virar suco. Elas estavam morrendo. Tem café fresco também.
- Sabe que se começa um relacionamento com o sarrafo lá em cima tá em que manter né?! - falou se servindo de um pouco de suco.
- Bia, você é meu amorzinho. Fazer esses chamegos aqui, cuidar, dar carinho não é obrigação de começo não. É pra ser sempre. Errada sou eu se deixar de fazer - ela sorriu desconfortável - e amor, não é uma bronca. Estamos conversando, nos conhecendo, nos entendendo. Isso é o que acontece quando duas histórias querem ser uma. Ninguém se anula, as duas se juntam..
- Obrigada por tudo ontem, acho que nunca me senti amada e cuidada como ontem. Eu sou uma pessoa difícil Flávia, toda machucada. Cheia de problemas.
- Meu amor, que adulto não tem problemas? - meu celular tocou nessa hora, uma mensagem. Cliquei na tela pra ver rapidamente o que era: “ Não esquece, só ficar pianinha, DL”.
- Tudo bem? Ficou séria.
- Esquece, coisa do DP. Tudo bem!
- Mesmo? Você está preocupada, sempre que fica preocupada fica com essa ruguinha na testa.
- Você é cuidadosa comigo também. Sabe até qual ruga é de preocupação.
- Te conheço bem eu acho. Gosto de olhar seus detalhes - sorri - Como você está com isso que estamos vivendo, começando? Pergunto por que a morte da Fabi ainda é recente, teve a questão com a Bruna, não quero me impor em nada.
- Bia, fica tranquila. Você não está se impondo, nem me obrigando a nada. Eu preciso seguir em frente. Amo a Fabi e como sinto falta dela todos os dias, mas não posso morrer com ela. Nós tínhamos um combinado que se algo acontecesse com uma, a outra deveria viver, não poderia morrer junto. E é isso que quero tentar todo dia, por mais que a saudade dela rasgue meu peito diariamente.
- Eu não quero disputar o espaço dela tá? Quero estar aqui por você.
- Por mim não amor, por nós - estiquei de novo a mão - Parece bobagem, mas nosso relacionamento é para nós duas, nem mais uma, nem mais outra - Levantei com carinho e fui até ela, abracei ela gostoso, colocando ela no meu tórax, segurei ela um tempo nessa posição e enchendo ela de bitoquinhas na cabeça. Ficamos assim um tempinho, até nos soltarmos e seguirmos nas obrigações da vida.
Fui com a Beatriz para o DP, não quero assustar ela, mas quero ficar em cima e proteger. Antes de sairmos de casa ela percebeu que eu estava armada e perguntou o porquê. Eu tentei jogar um “migué” e falei que a pistola estava travando e eu precisava que o armeiro desse uma olhada. Por mais que eu trabalhe armada, detesto ficar com a pistola o tempo todo, como se fosse minha sombra. Assim que chegamos no DP ela foi em direção ao laboratório dela e eu subi até o segundo andar procurando a Isabelle..
- Posso entrar?
- Entra, entra, consegui uma coisa pra gente.
- O que? Tem café aí? - falei antes mesmo de sentar na cadeira.
- Tem aí, passei agora pouco. Enteche pra mim também - falou esticando uma caneca preta dela escrito “ lute como um boleto, os boletos sempre vencem”. Enchi a caneca dela e entreguei, enchi a minha e sentei - Consegui levantar mais alguns casos de desaparecimento que batem com datas de saída dela do país. E incrível…
- Todos ela acompanhou?
- Como você imaginou? - demos risada do “completar” de raciocio.
- Ela está me ameaçando! - soltei direto.
- A Mayra? - a expressão da Isa mudou de centrada para raiva.
- Formalmente a “Das Letras”.
- O que aconteceu?
- Ontem saindo da faculdade, uma moto me seguiu. Eu embiquei em um posto de gasolina, e me deram o recado que a Das Letras mandou eu parar, ficar pianinha. Hoje de manhã, recebi por mensagem também, falando que é só ficar pianinho.
- Pera, não entendi. Você estava indo da faculdade pra sua casa?
- Não, sai da faculdade, tava tarde pra caralh*, aí dei uma carona pra Ana Lu, tava levando ela na Freguesia do ó.
- Porr* e os caras te seguiram da faculdade ate lá.
- Praticamente, eu parei pra mais da avenida Pompeia. Achei um posto de gasolina com outro de frente, boa área de fuga. Estacionei e mandei a Ana Lu entrar na conveniência.
- E aí os caras te abordaram?
- Nem desceram da moto, só deram o recado e saíram. Moto sem placa. Estavam de balaclava e capacete..
- Porque não sentou uns pipocos neles?
- Isa, eu iria sair disparando em alguém? Do nada?
- Não é do nada cara, você foi ameaçada.
- Eles eram só entregadores, quero ir atrás dela.
- Você tava armada pelo menos? Porque você tem uma mania idiota de andar desarmada - olhei pra ela de um jeito que ela sabia a resposta - Porr* Flávia, você tem a merd* de uma pistola pra que? Pra ficar no armário pegando poeira? Anda armada cara. Pra sua proteção, pra proteção da Beatriz. Pensa se alguém aborda vocês duas e você tá desarmada. Porr*! Tem arma, sabe usar, porque não usa? - ela foi subindo o tom conforme falava comigo. Eu entendi naquele momento que apesar de eu ser amiga da Isa e termos nossa história, essa foi uma bronca de delegada para investigador. Foi uma bronca de trabalho e ela tem razão. Eu me arrisco muito em não estar armada no dia a dia.
- Sim. Você está certa.
- Eu vou chamar ela para um depoimento - falou voltando a sua calma.
- Acha que é o momento? - perguntei
- Acho que já passou pra ser sincera. Se ela está te ameaçando é a prova que estamos no caminho certo, estamos causando alguma coisa nela. Medo, ansiedade, não sei, mas estamos mexendo com ela.
- Pode ser indiciada como mandante da morte do Evangelista e o tráfico de pessoas - Pontuei, tentando ir organizando as ideias.
- Exato, quero pelo menos mostrar que estamos na cola dela. Só que assim Flávia, você vai andar armada full, isso se eu não meter uma escolta em você.
- Não, quando essa mulher entender que está caindo, vai parar isso.
- Flávia, para de ser menina, de ser moleque. Acha que ela vai cair fácil? Negativo. No mínimo vai aparecer aqui com um ou dois bons advogados, não vai ficar presa de imediato, vai intimidar a gente, isso se ela não revidar com você. Cara, é casa, DP, faculdade, sem passeio, sem rolezinho - ela ciclou de novo, era a delegada Isabelle falando e não a Isa - Não esquece que estamos lidando com ela e com o Ricardo, não sabemos o quanto o Ricardo é brother dela, o quanto ele está com ela - puxou o ar fundo, pensativa -E você dona Flávia, foda hein, está namorando a ex do Ricardo, vitima de violencia e é ex da Bruna, atual da Mayra.
- Chefe…- tentei pontuar, mas a Isa estava firme
- Que beleza hein. Vou ligar pro juiz da Vara e ver se já consigo um mandado para ela vir depor. Oh, por enquanto é especulação e ela já está em cima. Quando vier depor, vai ser real, abre seus olhos Flávia.
- Sim - não respondi mais nada.
- E nem preciso te falar que não vai estar no depoimento dela né? Você pode ser a investigadora desse caso, mas está muito envolvida. Vai no máximo assistir do espelho, anotar e me orientar. Não quero você de frente com a Mayra. Está entendo Flávia?
- Sim sra.
- Tá liberada. Fica atenta ao celular - Confirmei com a cabeça e sai da sala da Isa, ela realmente estava nervosa com alguma coisa, provavelmente eu mesma ou por outro tema, mas nervosa.
Nem fiquei rondando muito pelo DP, fui direto pra sala dos investigadores e comecei a trabalhar, apesar de eu não interrogar diretamente a Mayra, vou ajudar a Isa com as perguntas. Para ser bem sincera vai ser bom eu não participar, tem uma grande chance de eu perder a linha, não bater, isso não, mas gritar, acabar acusando, esse tipo de coisa. Coisas bobas que podem fazer a gente perder o caso ou perder alguma vantagem.
Eu já estava no final do expediente, querendo recolher minhas coisas, quando a Isabelle passou na minha sala, estabanada, e jogou: Ela chegou. A Isa deu a noticia e saiu. Eu abri de novo meu caderno de rascunho, dei uma passada de olho rapido, peguei ele e desci um andar, em direção a sala de interrogatório. Eu não vou participar diretamente, mas vou ficar atras do espelho, acompanhando tudo.
- Chegou a revisar alguma coisa, Flávia? - em outras palavras a Isa me perguntou: fez o roteiro de perguntas? Eu com calma, não querendo juntar as esferas do dragão de uma delegada irritada, entreguei meu caderno aberto na página das perguntas. Ela pegou, deu uma lida rápida, bateu o olho na verdade - Eu vou estar com o rádio ligado, vai me assessorando daqui. Pode ser?
- Claro Isa, vou estar com você o tempo todo. Não esquece que a gente está no controle, ela pode ter um advogado bom, mas você é uma excelente delegada, conhece o caso, sabe do envolvimento dela. E cara, esse depoimento é só pra amarrar mais ela, dar corda para se enforcar.
- Desce pro entremeio, fica lá - entremeio é uma sala que fica atrás do espelho mágico da sala de depoimentos. É onde podemos interrogar varios suspeitos ao mesmo tempo. Não enrolei, desci rapido para a sala de interrogatório e acessei o entremeio. Pouco tempo depois chegou a Isabelle, ela estava séria, centrada, junto com a Mayra e uma terceira mulher, que pelo porte e vestimenta deve ser a advogada dela. Se não estou enganada é a mesma advogada que do Puca. A Mayra estava, como sempre, bem vestida uma calca social colada no corpo, muito bem vestida, um mocassim feminino e uma camisa perde com as mangas dobradas, dessa vez o cabelo estava preso em um coque. ]Ela estava rindo com a advogada, como se nada tivesse acontecendo, mas eu já conheço a figura e seus trejeitos, sei que está nervosa. Por baixo da mesa começou a bater a perna inquieta, por mais que por cima da mesa estivesse rindo.
- Ótimo senhoras, podemos começar? - A Isa iniciou, joguei no audio dela “ É a mesma advogada que do Puca”, delicadamente ela mexeu a cabeça pra cima e pra baixo mostrando que recebeu minha mensagem.
- Doutora, a primeira pergunta tem que ser para a senhora. Porque minha cliente está aqui? Quais são as acusações? - a advogada já veio de direita.
- Não há acusações. Estamos realizando algumas diligências complementares em relação ao falecimento do jornalista Marcius Evangelista.
- E o que minha cliente tem em relação a isso?
- Exatamente isso que quero conversar com a sra Mayra hoje. Podemos? - a Isa já mudou o tom, começou brevemente a ser irônica, mas mantendo a firmeza. Isso garota! - Nome completo Mayra.
- Mayra Isacatti, com dois t.
- Você tem algum apelido, codinome ou forma como é chamada?
- Ai depende né doutora, minha mulher me chama de um jeito bem carinhoso. Sua investigadora já deve me chamar de um jeito menos educada, mais insatisfeita - deu uma risadinha irônica.
- Vou pedir que a senhora se atente às perguntas. Eu não estou aqui para brincadeiras sra.
- Não tenho apelidinhos não, mas se quiser pode me dar um doutora.
- A senhora vai querer um desato nas suas costas? Posso conseguir agora! - a Isa já meteu a esquerda.
- Chega Mayra, só responde a doutora - a advogada tentou acalmar os ânimos.
- Alguma vez foi chamada ou respondeu pelo codinome Das Letras?
- Das Letras acho que não, até achei interessante - ela manteve-se ironica, mas por breves segundos sua expressão alterou, deixou de bater as pernas quando ouviu a pergunta e só voltou a mexer após responder.
- Como era sua relação com o jornalista Evangelista? - Isa continuou.
- Ah, eu conhecia ele de rosto, dei uma ou outra matéria para ele fazer. Mas nunca conversamos muito não.
- Você que distribuía as matérias que ele precisava fazer?
- Não, ele era autônomo, ele achava os assuntos que chamavam atenção e fazia o trabalho dele. Quando o jornal onde eu trabalho precisava de alguém específico, aí chamava ele. Mas não tenho vínculo, ele fazia o trabalho dele.
- E que tipo de trabalho, matéria o Evangelista fazia?
- Acho que ele fazia de tudo um pouco, crime político, crime fiscal, assassinatos, ele tinha um faro muito bom pra matéria.
- Hummm, você sabe qual era o trabalho que ele estava fazendo quando foi assassinado? - ela novamente mudou a expressão por segundos.
- Ah doutora, isso é muito complicado, como não era matéria pro meu jornal eu não sei sobre o trabalho dele. Mas imagino que fosse investigativo, alguma coisa nesse caminho.
- Se ele trabalhava com investigação e com matérias mais voltadas para o criminal, porque ele te observava tanto no aeroporto? - ela mudou novamente a expressão, o olho ficou mais escuro, a perna parou de balançar e colocou as mãos em cima da mesa.
- Não sei, affair?
- Então sabia que ele te espiava no aeroporto! - a Isa jogou um verde e conseguiu colher maduro.
Lo - Não - respirou - não, fiquei sabendo agora pela senhora - pega na primeira queda.
- E ele tinha um affair pela senhora então?
- Deveria ter, pra estar me olhando no aeroporto como a senhora disse.
- E você acha isso normal?
- Ah, deve ser, sua investigadora fez isso também, na porta do jornal. Ficou lá parada, me encarando. Cadê ela atrás do vidro? Oi gostosa! - falou olhando para o espelho mágico.
- Esse é o último recado, se desviar das perguntas ou faltar com respeito novamente será considerado desacato.
- Isa, pergunta das viagens e da sonegação de imposto - A Isa sacudiu levemente a cabeça de novo - Ela tem um Audi preto desse ano, 300 mil.
- Mayra, qual função você exerce no jornal?
- Eu sou editora e assessora de projetos.
- Me explica melhor o que você faz.
- Eu cuido do que vai ser publicado no jornal do dia seguinte, ajudo na tipografia, que seria o mesmo que montar o jornal em si. E cuido das revistas e jornais que o grupo Foi notícia tem em Londres.
- E esse trabalho te gera um salário de quanto aproximadamente?
- 22 mil por mês.
- Qual carro você tem Mayra?
- Porque a pergunta doutora ? - a advogada interferiu novamente - onde a Sra quer chegar?
- Sua cliente utiliza um carro de aproximadamente 300 mil reais para ir e voltar do trabalho, confere Mayra?
- Sim.
- Esse carro é seu?
- Não.
- De quem é?
- É de um amigo.
- Que amigo? Eu pergunto porque deve ser um amigo muuuuuito rico pra liberar um carro desse pra você ir e voltar todo dia do trabalho. Me desculpa, mas se eu tivesse um carro desse eu usaria, não emprestaria pra ninguém.
- Temos amigos diferentes doutora.
- Exatamente. Temos amigos diferentes. Quem te emprestou o carro?
- Não importa, ele só emprestou.
- Quero o nome.
- Minha cliente não é obrigada a responder sobre ameaças.
- E estou ameaçando quem aqui doutora? Vou mudar a pergunta então, no último ano você conta no dedo 27 viagens internacionais. Confere?
- Não sei, faço várias.
- Tá, te garanto que está registrado na polícia federal 27 saídas legais do Brasil, sendo 19 para Londres, 6 para Lisboa e 2 para São Francisco. Se seu cargo é de tão alta gerência, rendendo um salário de 22 mil mês, como uma empresa te libera para tantas viagens? E mais ainda, se precisam tanto de você em Londres, porque não te garantem um emprego lá, como correspondente internacional por exemplo? - Nessa hora a advogada se surpreendeu e olhou aflita para Mayra, que começou a rir, os pés que antes sacudiam, agora batiam forte no chão, as mãos saíram de cima da mesa e foram para cima das pernas, onde foram firmemente apertadas.
- Isso é uma questão da administração da empresa que minha cliente trabalha, não dela.
- Concordo doutora. Mas agora essa é pra ela, consegue me explicar porque nessa foto - foto na mesa - Nessa, nessa, nessa - foi colocando várias fotos na mesa - um jornalista investigativo tirou foto de você e porque em cada uma dessas fotos você estava acompanhando uma pessoa que desapareceu depois de viajar com você?
A Mayra foi perdendo o brilho, começando a rir.
- Porque essas pessoas desapareceram Mayra?
Começou a rir mais alto e sacudir a perna.
- Cadê essa menina aqui Mayra? Ela tem o que… 25 anos? Não é a idade da sua namorada? Você sequestrou ela? Matou ela? Cadê essas vítimas Mayra? Cadê essas pessoas?
A advogada perdeu o tempo de interferir, a Isabela ficou em pé, apontando cada foto, enquanto falava firme e alto: cadê elas Mayra? Por isso que você mandou matar o Evangelista? Por isso que mandou matar ele? - A Mayra estava gargalhando e chorando ao mesmo tempo e a Isa apertando. Sei que não iria sair nada formal dali, mas dá pra apertar um pouco mais se a Isa quiser.
- Para, para, por favor. Para! - A Mayra pediu completamente fora do eixo e começou a chorar
- Como entrou nisso, Mayra? - a Isa perguntou sentando de volta na cadeira.
- Eu precisava de dinheiro. Eu precisava de dinheiro.
- E pediu dinheiro pra que?
- Eu vim do interior de São Paulo - continuava cafungando - quando fiz a entrevista para estagiário eu não tinha nem roupa pra entrevista. Minha roupa foi emprestada, estava de favor na república de uma amiga, dividindo a cama de solteiro com ela. No dia da minha entrevista me apaixonei pela mulher mais linda do mundo, só que ela tinha dinheiro. Ela sabia o que era o bom e o melhor e só eu tendo dinheiro para poder ter uma chance com ela.
- Quem te emprestou o dinheiro?
- O Antônio, pai da Bruna, entendeu a situação e me deu o telefone de um agiota. Eu que entrei em contato, eu que pedi dinheiro, eu que fiz tudo isso. Fiz isso por amor, queria dar o melhor pra ela.
- Isa, qual o nome do agiota? O nome do agiota? - falei no microfone.
- E quem é esse agiota Mayra?
- Não sei onde achar ele. - olhou pro chão, está mentindo.
- Qual o nome dele?
- Ele chama Juba - quase gritei do entremeio, filha da puta.
- Tá, e o que aconteceu entre você pedir dinheiro emprestado e você traficar pessoas para fora do país?
- Não, eu não tráfico pessoas. Não faço isso.
- Você é gente boa e ajuda pessoas desamparadas no aeroporto?
- Não, alguém entrega o passaporte na minha casa, nos dias que vou viajar, eu entrego o passaporte pra pessoa que está indo e ajudo a embarcar. Quando chega no destino alguém vem buscar elas. Eu ajudo esses passageiros pro Juba. É só isso que faço.
- E não recebe nenhum tostão por isso? Só a caridade pela dívida!
- Era a condição para pagar minha dívida com ele.
- Ele que te emprestou o audi?
- É… - respirou- Isso - está mentindo!
- Quem mandou matar o Evangelista?
- Eu não sei. Eu não sei - abaixou a cabeça chorando, chorando copiosamente. Pra mim, showzinho.
- Doutora, terminamos aqui. Recomendo imensamente que sua cliente não tente sair do país e esteja de fácil comunicação. Aguardem aqui na sala enquanto o escrivão imprime o documento.
- Sim - a Mayra continuava com a cabeça para baixo, chorando copiosamente. Eu peguei o celular nessa hora e entrei em contato com o juiz, pedindo para grampear o celular dela, já atualizei sobre a evolução do caso. E sei que posso tomar uma bronca da Isa por ter passado por cima dela, trabalhar com a Isa é diferente de trabalhar com o Cantão.
Eu me mantive no entremeio enquanto conversava com o juiz,, o mesmo que autorizou o interrogatório da Mayra. Um certo tempo depois a Isa chegou no entremeio.
- E aí? - eu perguntei primeiro.
- Uma atriz e das boas, a Globo está perdendo uma vila de novela das nove.
- Ufa, meu medo era você ter caiado no chorinho dela.
- Não, jamais. Aquilo era pra ela parar de falar. Quando chegamos no mandante do assinato do evangelista ela deu show. Cara, apesar de não ter sido 100% esse depoimento, conseguimos uma confissão que ela transporta as pessoas para fora do país.
- Preciso pedir uma escuta do telefone dela e preciso avisar a PF. Provavelmente vamos perder esse caso.
- Isa, esse caso já se desdobrou tanto, não acho que estamos perdendo não, estamos desenrolando até onde podemos. Ah, eu já pedi a escuta no celular dela, escritório e casa.
- Flávia..
- Eu sei, estou aprendendo a trabalhar com você. Mas não posso ignorar que sou investigadora, preciso das provas.
- Você tá certa, pode avançar.
- Vai ligar pra PF agora?
- Vou subir, tomar um café, repassar o caso e ligar.
- Quer ajuda?
- Não, Flávia, pode ir. Você tem aula agora, e pelo que você falou já tá no talo de falta.
- Eu estou mesmo, mas se precisar eu fico e te ajudo a passar o caso.
- Vai ser uma conversa inicial provavelmente, agendo para amanhã uma videochamada com você para passarmos detalhes.
-Tá bom Isa, eu estou no celular qualquer coisa, sério, qualquer coisa me liga.
- Fica tranquila, vai pra sua aula. Não pode ser essa investigação a te fazer vencer em faltas.
- Fica bem tá e qualquer coisa me liga.
- Flávia, fica armada. Qualquer coisa me aciona, ela sabe que você está no caso.
- Estou com a pistola e estou em alerta. Fica tranquila - me despedi da Isa e voltei rapidinho para minha mesa, peguei rápido minhas coisas e sai. Estou em cima do horário para a faculdade.
Joguei a mochila nas costas, virei um último gole de café frio, quase gelado, que estava em cima da minha mesa. Desci a escada rapidinho, sem nem prestar atenção em nada, só no automático. Alcancei a rua e continuei andando.
Ouvi um bip bip de buzina, mas nem me importei, estou atrasada para a aula.
Ouvi outro bip bip, caguei, continuei andando.
- E aí gostosa, “vamo” conversar? - Quando olhei pro lado para ver o que ou quem era, o Audi A3 preto da Mayra estava ao meu lado. Ela com o braço pra fora do carro. Encostei a mão discretamente na minha pistola na cintura.
- Negativo, não tenho o que falar com você!
- Ah, tem sim Flavinha! - falou como se fossemos amigas de longa data e eu continuei andando e ela me seguindo com o carro - O que você quer pra cancelar tudo isso?
- Eu não negocio com vagabundo.
- Ah, o que você quer? Toda mulher tem seu preço - falou irônica rindo, mostrando que aquele choro de um hora atrás era teatro.
- Eu não quero nada seu, eu não negocio com vagabundo. Mete o pé.
- Flávia, minha querida. Fala seu preço - continuou irônica, rindo.
Por sorte eu sou muito bem treinada no que faço, eu já estava olhando o ambiente desde que eu sai do DP, não estava programando ser abordada por um carro, mas eu estava alerta. Puxei rapidamente minha pistola e apontei pra ela, fazendo uma boa empunhadura. Em automático ela fechou o vidro do carro, rindo, rindo e saiu. Mantive a empunhadura e acompanhei o carro dela, indo embora.
Fim do capítulo
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