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Capitulo 39 – Meias verdades
Júlia
Dou um gole consideravelmente generoso no meu drink de tequila, enquanto assisto TV em uma espécie de transe há um bom tempo, com um programa atrás do outro sem ao menos notar.
Havia colocado no Discovery World por ser um canal aleatório demais que provavelmente não me faria pensar nela. Mas estava enganada, porque eu já tinha pensado pra cacete desde que coloquei nesse maldito canal.
Acho que tinha me esquecido que, no ano passado, a gente costumava a colocar nele quando não tínhamos ideia do que assistir, apenas para não deixar a TV desligada. Vez ou outra passava um desses programas em que um casal precisa escolher entre três casas, e então ficávamos imaginando o que seria uma casa ideal. Por fim, escolhíamos a “nossa” com base no gosto em comum de nós duas.
É até um pouco estranho, parando para pensar agora. É como se a gente já tivesse alguma intenção de ter uma vida juntas desde aquela época, o que não fazia nenhum sentido, eu acho.
Acendo a tela do meu celular pelo o que talvez seja a sétima vez dentro de cinco minutos, só para checar se não havia alguma nova mensagem dela, como se eu tivesse uma real intenção de respondê-la, o que não era o caso.
Não sei exatamente o que venho evitando, mas acho que, se eu não falasse com ela, é como se nada tivesse acontecido, como se pudéssemos voltar ao começo onde ainda estaríamos no nosso melhor momento, como se eu estivesse prestes a recebê-la na minha casa, dentro dos próximos minutos. É como se eu ainda fosse amada por aquela família, como se eu não tivesse passado de “filha amada” para uma grande vergonha e decepção.
Só que a Sofia não tinha me mandado nada, e havia sido assim nos últimos dois dias. Não sei se ela estava querendo dar um tempo, diante do meu silêncio, ou se tinha apenas desistido. Pensar naquela última opção machuca demais, mas eu já estava tão machucada.
Escuto uma batida na porta e meu corpo paralisa. Será que é tarde demais para fingir que não tem ninguém em casa?
Quem quer que esteja atrás dessa porta já deve ter escutado o som da TV ligada. Merda. Eu não deveria atender, mas não vejo outra opção, então caminho com muita relutância até a porta.
– Sei que eu provavelmente sou a última pessoa que você deseja ver agora, mas... – O Clóvis começa a falar assim que aparece no meu campo de visão. – Será que poderíamos conversar?
Sim, eu não queria vê-lo, não queria ver ninguém, na verdade, apenas afundar naquele sofá e apodrecer junto com os meus próprios sentimentos de merd*, conturbados, e com a minha própria culpa.
Mas ainda assim, vê-lo ali era melhor do que se fosse a Sofia. Eu não saberia o que dizer, ou como dizer, como agir com ela, depois de tudo. Então apenas abro um pouco mais a porta e aceno com a cabeça, fraca ou apenas cansada demais para dizer ou fazer qualquer outra coisa.
Tinha sido o Clóvis que tinha contado para a Marta, isso ficou óbvio depois que eu ouvi a sua voz, do outro lado da porta, pedindo para que a minha amiga a abrisse e me deixasse sair.
Era para eu estar odiando-o mais do que tudo agora, mas eu não conseguia odiá-lo mais do que estava odiando a mim mesma. Eu que adiei aquilo, eu que não tive coragem o suficiente para contar para a Marta, ou para qualquer outra pessoa. Apenas deixei com que o próprio destino se encarregasse disso, fazendo com que um a um ficasse sabendo das mais variadas e piores formas possíveis.
– Eu disse para a Marta que ela deveria vir te ver. – Revela, enquanto se senta no meu sofá, quando me vê fazendo o mesmo. – Quero dizer, para ter uma conversa de verdade, e não... – Ele diz enquanto olha para o meu rosto, para o hematoma que não tinha deixado de ficar menos horroroso apenas porque uma semana tinha se passado. A essa altura, eu já tinha desistido de passar maquiagem para amenizar. – Bem, achei que seria meio hipócrita da minha parte dar esse conselho sendo que eu mesmo não o seguia. – Ele tenta sorrir, mas não consegue.
Vejo culpa em seus olhos.
– Você veio me pedir desculpas? – Pergunto apenas para preencher aquele espaço de silêncio que havia se formado.
Eu não esperava que me pedisse, e nem sei se faria alguma diferença, para ser bem sincera.
– Mais do que isso. – Ele diz, e eu o olho com um pouco mais de energia, ou curiosidade, pela primeira vez desde que entrou aqui. – Sei que você não esteve com ninguém dos Furtado desde que... bem, desde que tudo aconteceu. – Ele examina alguma coisa em meus olhos e, de alguma maneira, encontra a confirmação que estava procurando. – O que quer dizer que você provavelmente não sabe, então... Prefiro que você saiba por mim, em nome da nossa amizade... ou, pelo menos, em nome de tudo o que já vivemos juntos.
– Eu não sei onde está querendo chegar. – Digo, sem muito floreiros, ou muita paciência.
– Eu sei que não... – Ele abaixa a cabeça, parecendo um pouco constrangido enquanto procura as palavras certas. – Júlia, eu e a Marta nos envolvemos, nessa última semana.
O quê?
– Se envolveram? – Tento reproduzir as palavras, para que talvez dessa forma, saídas da minha boca, fizessem um pouco mais de sentido.
– É... Tivemos um caso, como queira chamar. – Ele olha nos meus olhos, novamente procurando algum tipo de confirmação minha. Não sei se encontra alguma, dessa vez, mas decide continuar. – Sabe, depois que eu vi você com aquela... com a Sofia... – Ele mesmo se corrige. – Eu fiquei bastante...
– Puto. – Digo por ele.
– É. – Ele sorri, acanhado. – Sei que eu não tinha esse direito, nós dois não estávamos mais juntos, eu sei, mas... você precisa concordar comigo que foi no mínimo estranho encontrar vocês duas daquele jeito... Você com a garota que era pra ter sido a sua afilhada... – Ele continua a me olhar sem jeito, como se estivesse à procura da antiga Júlia, ou de alguma versão de mim mesma que ele não conseguia mais encontrar quando me olhava desse jeito.
– Sei, foi tão estranho que te fez pensar, “opa, por que não ir lá foder com a mãe dela?” – Digo de forma debochada. – Porque isso com certeza não seria nada estranho... – Continuo, sem tanta energia.
– Eu sei, bizarro pra cacete, não vou dizer que não... – Ele se curva um pouco, mas depois continua. – Assim que eu saí daquele quarto e desci para a festa, eu esbarrei com ela lá embaixo. Eu queria muito ter contado, mesmo, mas... eu não consegui. Então fui pra casa, bebi basicamente a noite inteira. – Ele diz, em seus próprios pensamentos, se recordando de tudo.
– Na manhã seguinte a Marta me ligou. – Ligou? Ela deve ter ligado assim que acordou e não me encontrou mais na casa dela, fico pensando comigo mesma. – Disse que queria conversar comigo. E eu, sabe... eu sabia que não deveria, mas eu ainda estava puto da vida, então eu só fui.
Ele fica esperando por alguma intervenção minha, mas como ela não vem, ele apenas prossegue.
– Quando ela me contou que você tinha confessado que estava apaixonada por outro cara, e me perguntou se eu sabia quem era... De novo, eu pensei muito em contar, fui lá para isso, mas algo não me deixava... Só que eu ainda queria revidar de alguma forma e... ela me ofereceu um whisky, e bebeu um pouco também. – Bebeu? Pela manhã? Não conseguia imaginar a Marta que eu conhecia agindo dessa maneira, mas a Marta que eu conhecia nunca fumava, e não foi o que eu descobri, quando peguei ela com um cigarro aquela vez, no hospital. A Marta que eu conhecia também não trairia o marido com o ex da melhor amiga, por mais fodido que o casamento dos dois estivesse, ou mesmo sabendo que eu e o Clóvis não tínhamos mais chance alguma... O que me faz pensar que, talvez, a Marta que eu conhecia nunca existiu, não realmente. – E, sabe, eu só queria que você sentisse pelo menos um pouco do que eu senti. – Ele completa, por fim, me tirando dos meus pensamentos.
Então ele estava pensando em me atingir enquanto fodia com ela?
– Isso é doentio. – É tudo o que consigo dizer.
Além de doentio, era cruel. A Marta poderia até não ser a melhor mãe do mundo – com certeza não era – ou a melhor esposa, ou a melhor amiga, mas ela continuava sendo mãe, esposa... minha melhor amiga, a única que eu tive, e me doía saber que ela foi usada de uma forma tão nojenta.
– Eu sei. – Ele encolhe os ombros mais uma vez. – E na primeira vez pode ter sido só isso, mas... Depois ela me chamou de novo, no meio da semana, e nessa segunda vez foi diferente.
– Diferente? – Pergunto, curiosa e incrédula ao mesmo tempo.
– É... Sabe, a Marta é uma mulher atraente... E eu estaria mentindo se dissesse que nunca notei a forma com que ela me olhava, desde a faculdade... – A voz da Marta me dizendo que o “garoto-lindo-da-Economia” não parava de me encarar surge de novo na minha cabeça. Eu nunca tinha parado para pensar que ela não parava de encará-lo, também. – O que eu quero dizer é que não foi ruim ficar com ela. A Marta é uma grande mulher e... apesar de ser mais velha do que nós dois, ainda está bem gostosa. – É a minha vez de me curvar, um pouco envergonhada. – Desculpa se fui longe demais, mas... se você curte a filha, deve entender do que eu tô falando... – Ele sorri, meio sem jeito, como se me perguntasse: “muito cedo pra isso?”
Se ele realmente tivesse me perguntado, minha resposta provavelmente seria um “com certeza”.
– Cala a boca. – Tento soar séria, mas acabo deixando escapar um sorriso, no final.
Por mais que aquilo fosse nojento de se pensar, essa era a primeira vez que ele –
ou que qualquer pessoa – estava demonstrando que me reconhecia, pela pessoa que sou de verdade. O que se confirma na sua pergunta seguinte:
– Então... Você sempre gostou de mulheres?
– Não... – É a minha primeira resposta, mas depois de pensar mais um pouco... – Provavelmente. A diferença é que antes eu negava isso a mim mesma. – Abaixo a cabeça, pensativa. – Lembra daquela menina da faculdade que disse que gostava de mim?
– É claro que eu lembro. – Sim, é claro que ele lembrava. Ele tinha feito questão de jogar aquela história na minha cara, quando comecei a defender a Sofia depois daquele jantar desastroso.
– Eu acho que eu também já tinha olhado para ela e, sabe, eu me sentia muito bem por ela me notar daquela maneira. Eu gostava dos olhares... Não era da forma que você me olhava, ou como qualquer outro garoto já tinha me olhado antes. Era diferente. – Sorrio, presa em pensamentos. – Mas quando vocês ficaram sabendo, a minha única reação possível foi concordar que aquilo era repulsivo. – O sorriso vai desaparecendo conforme vou me lembrando do quanto sofri naquela época, por ter agido daquela maneira com aquela garota, e principalmente por ter agido daquela forma comigo mesma.
– Eu nem imagino o que seja passar por isso, Júlia, eu... sinto muito. – Reconheço sinceridade em sua voz.
– Tá tudo bem. – Não estava, mas eu não tinha conseguido pensar em outra coisa para dizer.
Nós ficamos em silêncio, por um tempo, até que:
– Você parecia viva, sabe... enquanto beijava ela. – Ele diz, agora não tanto sem jeito. Parecia mais familiarizado, com o quer que estivesse vendo em meus olhos nesse momento.
Era para eu sentir vergonha por ele falar algo assim, em algum outro momento eu provavelmente teria sentido, mas não agora, sei lá, não mais. Só conseguia sorrir com a lembrança, e depois, sentir o sorriso se amargar ao pensar que talvez aquela pode ter sido uma das últimas vezes que nos beijamos.
– De um jeito que eu nunca vi, sabe? – Ele continua. – Você nunca esteve assim enquanto esteve comigo. Parecia que era onde você deveria estar.
“Onde eu deveria estar...”
Algo naquela frase espeta o meu peito, como uma espada afiada.
– Você ainda não me disse porque decidiu contar para a Marta... – Tento mudar de assunto, mais para afastar para longe a vontade de chorar que estava começando a sentir subindo pela garganta do que realmente para querer saber o motivo que lhe fez contar.
Todos já sabiam agora, não fazia diferença, não tinha mais importância saber como ou porquê.
– É... Acho que devo isso a você, certo? – Ele começa. – Bem, na sexta-feira, a Marta me disse que o marido ia passar alguns dias fora, e que os filhos também, então me chamou para passar o fim de semana lá. – Ele faz uma pequena pausa, e então continua. – Estava tudo ótimo e... não me leve a mal, mas eu nem conseguia mais pensar em você quando estava com ela. – Ele sorri, sem jeito, e fica evidente que estava falando a verdade. Eu sabia quando estava mentindo, e não era o caso. – Só que aí o marido dela apareceu, nos pegou juntos... – Merda... não consigo nem imaginar como o Seu Olavo deve ter se sentido. – E começou a falar um monte de coisas, que nós dois estávamos traindo não só a ele, mas a família toda, você, a Sofia...
– Você deve ter ficado puto. – Digo.
– É, eu fiquei, mas mesmo assim não me pareceu que valia mais a pena falar dessa história. Só que então o Seu Olavo saiu e a Marta ficou arrasada, de um jeito que eu nunca tinha visto antes... – Tento imaginar a cena, mas não consigo. A Marta arrasada ou se sentindo culpada por algo que ela mesmo tenha feito? – Então eu não achei justo que ela se sentisse tão culpada, sem saber da verdade. – Ele me surpreende com aquilo, mas ainda assim...
– E você achou justo contar uma coisa que não dizia respeito a você?
– Eu agi mal, eu sei. Não podia ter tirado isso de você. Você deveria ter tido o direito de escolher quando falaria sobre isso, e para quem falaria. – Ele me surpreende mais uma vez com a sua resposta. – Não era só sobre você e a Sofia, não é? Era sobre você... E eu nem espero que você me perdoe por isso. Mas, por algum motivo, Júlia, não sei porquê, o ser humano foi feito assim, passível de erros.
Ele provavelmente estava se referindo a si mesmo, mas acho que aquilo servia para nós dois.
xxx
– Clóvis, não me entenda mal... – Digo conforme giro a chave para abrir a porta. Tinha dado apenas uns quinze ou vinte minutos desde que ele saiu daqui de casa quando escutei uma nova batida na porta. – Mas eu só quero que você me deixe um pouco... – Interrompo a minha frase no mesmo instante em que levanto a cabeça e vejo outro alguém no lugar dele, e paraliso.
– É claro que ele já veio falar com você. – A Marta diz, com uma aparência bastante cansada, e até abatida. Assim como eu, ela joga as palavras de forma preguiçosa. – Não se preocupe, eu não vou encostar em você dessa vez. – Me garante, provavelmente percebendo que eu tinha dado alguns passos para trás, na defensiva.
– Por que? Algum problema de eu ter ficado sabendo? Se ele não viesse, você não me contaria? – Eu sei, eu não estava muito em condições de cobrar a verdade. Mas eu também não poderia fingir que estava totalmente indiferente àquela situação. Porque não estava.
A Marta sempre fez de tudo para eu reatar com o Clóvis. Quando eu poderia imaginar que ela também seria capaz de algo assim?
– Você não tem nada para me dizer? – Provoco, notando o seu silêncio repentino. – Algo sobre você ter traído o seu marido, trans*do com o meu ex que você tanto fazia questão de empurrar para cima de mim? Ah! E algo sobre esse ex em questão ter tipo uns dezesseis anos a menos do que você? – Cruzo os braços, com indignação.
Eu não era o maior exemplo em pessoa, mas eu nunca fiz questão de ser. Pelo contrário, era ela quem sempre cobrou isso de mim. Era ela que fazia questão de se portar como se fosse uma pessoa sem falhas.
– Ah, Júlia, faça-me o favor... Nós todos somos adultos... E como você bem me disse uma centena de vezes, você já não tinha nenhum interesse no Clóvis. – Ela vai entrando dentro da minha casa, sem esperar por qualquer convite meu. – E eu conheci o Clóvis quando ele tinha dezenove, eu não vi ele nascer, nem acompanhei toda a infância dele... – “Diferente de você”, só faltou ela dizer.
Era incrível como ela conseguia fazer o assunto não ser sobre ela quando bem entendia, ou quando bem lhe convinha.
Ela se senta no meu sofá e abre algo que estava segurando – que logo percebo que se trata de um álbum de fotografias. Sem muita opção, me sento no outro sofá, de frente para ela.
Começa a folhear página por página até parar em uma em que havia várias fotos da Sofia de quando era pequena. Ela então passa os dedos por uma, como se estivesse fazendo carinho ou algo assim, o que chama a minha atenção.
Era uma foto em que eu estava com a Sofia em uma pequena piscina inflável redonda. Eu estava com um biquíni cor de rosa enquanto ela estava apenas com a parte de baixo de um biquíni infantil, cheio de babados e estampa de bichinhos.
A Sofia devia ter uns três anos na época e eu provavelmente tinha uns vinte, respectivamente. Aquela era uma das primeiras versões da Sofia que eu havia conhecido: a menininha fofa que começou a aprender a me chamar de "Tia Júlia".
Sinto um nó se formar na minha garganta.
Aquilo me atravessa de mil formas diferentes. Tudo o que eu tinha feito de errado parecia estar ali naquela única imagem pulando bem na minha cara, expondo todos os meus defeitos.
A Marta sabia disso e tinha trazido aquelas fotos de propósito para me ferir ainda mais. Como se eu não estivesse destruída o suficiente, por dentro e por fora.
Como eu pude? Eu nunca poderia...
Sinto meus olhos arderem e não consigo segurar algumas lágrimas.
– Você lembra quando a Sofia tinha uns seis ou sete anos e dizia que ia se casar com você um dia? – É a primeira coisa que me pergunta, e eu apenas olho para ela, apática. – Eu achei engraçado, nós duas rimos... Mas então... A Sofia cresceu, nos disse que era lésbica, e não me pareceu assim mais tão engraçado. – Ela faz uma longa pausa, e fico esperando aonde ela iria chegar.
– Eu sempre notei como a Sofia te olhava. Exceto quando ela era bem nova, nunca foi como quem olha a sua tia, madrinha, ou até mesmo a melhor amiga da sua mãe. Sempre teve uma coisa a mais, e conforme os anos iam passando... mais eu notava, mais ficava evidente. Eu não sou idiota, Júlia, e acho que você também não é. Provavelmente você também notava esses olhares... Mas eu nunca, em hipótese alguma, pensei que você pudesse... – Ela se perde um pouco nas palavras, e depois noto que tinha desistido de continuar desse último ponto.
– Você entrou na nossa família como minha amiga, minha melhor amiga, e como uma madrinha para a Sofia, mas pra mim, você era como uma filha, uma irmã mais velha para os meus filhos... – Ela faz mais uma pausa. – Você consegue ver o quanto me traiu, não consegue?
– É... eu fodi com tudo. – Literalmente, mas tento afastar aquele pensando da minha mente. – Eu... sinto muito.
A Marta não era uma santa, cada vez mais eu me dava conta disso, mas eu também reconhecia os meus erros, a minha própria culpa.
– Sente?
– Ah, pode apostar que sim. – Deixo escapar, ou simplesmente não faço questão de guardar aquilo para mim.
Se eu não sentia na alma – o que não era verdade, porque eu sentia sim, com todo o meu coração – os tapas que ela me deu no meu rosto, principalmente o último, fizeram com que eu sentisse bastante.
– Como eu posso saber? – Ela pergunta, olhando para a fotografia. – Como eu posso saber que você não colocava as suas mãos imundas nela, desde essa época? – Ela me questiona aquilo muito mais para fazer com que eu me sinta suja, que eu me culpe mais do que já vinha me culpando, do que por preocupação, tenho certeza.
Felizmente, eu já reconhecia alguns mecanismos de manipulação que ela usava comigo, e sabia que ela estava errada. Isso nunca aconteceu. E eu não tinha tido uma tara pelo seu corpo, pela sua bunda ou pelos seus seios – apesar de só a lembrança deles fazer o meu corpo acender inteiro agora – mas não era sobre isso. Nunca foi.
Estava mais para como eu me sentia derretida quando ela sorria, ou quando não parava de tagarelar sobre curiosidades de algum filme, ou bastidores... Sobre como eu me sentia foda quando ela dizia que ainda ia me ver sendo uma cantora profissional, um dia...
Eu não tinha medo de ser julgada quando estava com a Sofia, apesar dela implicar com minhas coisas com bastante frequência, nunca foi sério, era só mais uma coisa nossa, algo que podíamos ter uma com a outra e que não funcionaria com mais nenhuma outra pessoa. Com a Sofia, eu não precisava me acomodar, não precisava ceder, não precisava me policiar ou remar contra tudo o que eu era ou contra tudo o que eu acreditava. Ela me queria daquele jeito, e eu queria estar ali. É assim que ela fazia eu me sentir, e acho que isso era o que eu mais amava nela.
– Você não pode saber. – Respondo, por fim. – Eu não tenho como te provar, você vai precisar confiar em mim... na nossa amizade.
– Nossa amizade... – Ela repete, indiferente. – Será que um dia fomos mesmo amigas?
Era uma boa pergunta. Será que essa era realmente a melhor definição para o tínhamos?
Não tenho certeza.
– Você se lembra de como eu tratava os dois, não lembra? Como pode pensar que eu... – Não consigo concluir a frase, me sentindo enjoada só de pensar.
– Você sempre cuidou muito bem da Sofia. – Ela me corrige, ríspida.
– Porque você sempre cuidou muito bem do João Pedro. – Rebato aquilo de volta.
– Então é isso? Você queria me punir? Queria me fazer pagar por alguma coisa que você acha que eu tenha feito de errado?
Rolo os olhos, extremamente casada desses seus joguinhos, dessas suas chantagens e do seu vitimismo barato. Exausta dela achar que o mundo inteiro gira em torno dela e que tudo o que acontece é por sua causa.
– Não... Eu fiz isso por mim... Pela sua filha, pela Sofia. – E pelo amor doce que ela me fez acreditar que eu poderia ter. – Isso não tem nada a ver com você. – Rebato, e ela fica um tempo sem ter o que dizer.
– Há quanto tempo? Há quanto tempo isso vem acontecendo pelas minhas costas? – Pergunta, quebrando o silêncio.
– A gente se beijou pela primeira vez no aniversário da Sofia. – Confesso.
Não fazia sentido continuar mentindo.
– Mas isso já faz... meses, Júlia... porr*! E vocês me fazendo de idiota todo esse tempo?
– Não foi desse jeito, Marta, eu tentei tanto, você nem faz ideia. Se você soubesse o quanto eu tentei...
– Sim... Estou vendo como você tentou. – Ela diz, de forma presunçosa. – O que aconteceu? Por que simplesmente optou por não me dizer nada do que estava acontecendo?
– O que exatamente queria que eu te dissesse?
– A merd* da verdade? Se eu soubesse... Eu não teria deixado acontecer, pode ter certeza disso.
Eu não sei de que verdade ela estava falando. Não sei em que versão louca ela tinha escolhido acreditar. Também não fazia ideia do que tinha sido conversado em sua casa, o que me deixava completamente no escuro.
– Eu tentei te contar algumas vezes, mas você sempre vinha com um argumento pronto, com suas próprias conclusões ou com a sua manipulação de sempre... E eu sempre fiz tudo por você, Marta, sempre quis te agradar, sempre aceitei, passei por cima das minhas próprias vontades, por você... porque você sempre foi como uma segunda mãe, pra mim... Eu nunca quis te decepcionar. – Despejo tudo aquilo de uma vez só.
– E de repente decidiu fazer o que mais me destruiria, por vingança?
– É claro que não.
– Então por que?
Hum, vamos ver, por que eu me apaixonei pela sua filha, porr*?
Mas algo ainda não me permitia dizer tudo o que eu queria, então digo apenas meias verdades.
– Marta... Eu nunca fiz nada que pudesse magoá-la, mesmo que ela não soubesse que poderia estar sendo. Eu nunca me aproveitei disso, nunca. Sempre fiz de tudo o que estava ao meu alcance para fazê-la feliz.
Eu estava mentindo? Será que me enganei tanto assim? Não, eu não era um monstro tão horrível, não poderia ser. Sempre fiz o impossível para consertar tudo, para que ela crescesse feliz, se sentisse amada, tivesse uma boa vida.
E eu a amava, amava tanto.
Mas não era sobre isso, era? A Marta não estava realmente preocupada com a Sofia, estava?
– Eu sei. – Sabe? – Mas isso não torna tudo menos difícil de engolir. – Ela diz recolhendo algumas fotos de cima da mesa e fechando o álbum. – E nunca vai tornar. – Declara enquanto se levanta do sofá carregando tudo consigo.
Eu me levanto atrás dela, por reflexo, e a sigo até a porta.
– “Eu nunca fiz nada que pudesse magoá-la”. – Ela repete o que eu tinha falado minutos atrás. Não há muita emoção em sua voz. – Mas não é isso o que você ia acabar fazendo, de uma forma ou de outra? Ou você pretendia ficar com ela por muito mais tempo? Assumir para todos que está ficando com uma mulher, ou melhor – ela ri, debochada – com uma menina de dezenove anos cuja família sempre te considerou como uma madrinha? Você estava mesmo disposta a assumir isso para os nossos vizinhos? Para as minhas amigas? Para os seus colegas do escritório? E mesmo que o fizesse, o que restaria para a Sofia? O que você poderia proporcionar para ela, tendo dezessete anos a mais?
Não consigo dizer nada. Ela tinha acabado de repetir tudo o que eu mais havia me questionado durante todo esse tempo em que estivemos juntas. E eu nunca consegui chegar a alguma conclusão.
– Pelo o amor de Deus, Júlia, você nem vai poder estar lá para ela quando mais precisar de você... como pode ser tão egoísta? Porque... do jeito que você a fez ser tão dependente de você, é claro que quando você morrer ela não vai ter mais ninguém... Como pode querer algo assim para a vida dela? – As suas palavras acabam tendo um impacto ainda maior do que aquele tapa que me custou frascos de maquiagem.
Ela despeja tudo aquilo em mim, e fico perdida, algumas lágrimas caem enquanto tento processar o que é realidade, e o que ela está fazendo com que eu acredite que seja. Mas a verdade é que aquilo tudo dói demais e eu só consigo me sentir a pior pessoa do mundo.
– Eu não conheci a sua, mas... como mãe, tenho certeza de que ela estaria tão decepcionada. – Ela me olha com pesar. – Você já foi tudo pra mim um dia, Júlia, a minha pessoa favorita do mundo, mas... Foi você que me disse uma vez que a minha filha deveria vir em primeiro lugar, sempre. – Ela me dá as costas, me deixando completamente sem chão, ou reação.
Eu sei.
Ah, eu sei.
E eu nunca poderia desejar algo diferente.
Então por que eu me sentia completamente devastada agora?
Fim do capítulo
Boa tarde, Sojulovers do meu coração!
O que estão achando dessa reta final? E do comportamento da Júlia?
O que acharam das atitudes do Clóvis?
E da Marta???
Quero MUITO saber: O que vocês acham/esperam que vá acontecer quando Soju se encontrar??
Teorias? Suposições do que vem por aí? Alguém tem??
Ainda temos uns 6 capítulos pela frente, e espero que fiquem comigo até o final, hein?
E não esqueçam de me favoritar como autora!
E de favoritar a história!
E de comentar!
Como vocês já sabem, leio todos os comentários e fico extremamente feliz com cada um deles, com todas as teorias e por todo o carinho. Além de ser, de fato, o melhor termômetro para me ajudar a saber e entender como a história está chegando para vocês!
Mais uma vez, obrigada por estarem comigo durante todo esse tempo! De verdade mesmo!
E obrigada pelas leitoras que estão chegando agora!
Obrigada pelos comentários, pelo engajamento, pelo carinho e por tudo!
Então é isso, até o capítulo 40, com muitas emoções!
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Zanja45
Em: 13/10/2024
E da Marta???
RESP.: Marta foi muito leviana com Júlia, a conversa que as duas tiveram serviu pra Júlia ter mais certeza de como é a mãe de Sofia na realidade. - Um ser desprezível sem nenhum pingo de compaixão e bondade. Que continua a manipular as pessoas ao seu bel- prazer.
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Zanja45
Em: 13/10/2024
O que acharam das atitudes do Clóvis?
RESP.: Clóvis, apesar da mancada que ele deu com a Júlia, contando pra Marta do relacionamento dela com Sofia. Ele, surpreendeu bastante, pois num ato de desatino se envolveu com Marta, mas tentou se redimir do que ele fez , contando tudo pra Júlia. Gostei de ver esse lado dele mais amigo, sendo sincero com Ju, abrindo as arestas pra ela, dando liberdade pra ela expressar os sentimentos dela. Apesar do começo meio atropelado, porque Júlia ainda estava meio na depressiva, se corroendo na culpa e ao mesmo tempo querendo estar ao lado de Sofia . Esse diálogo, no final serviu pra melhorar um pouco mais o astral de Julia.
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Zanja45
Em: 13/10/2024
O que estão achando dessa reta final? E do comportamento da Júlia?
RESP.: Muito densa. Está beirando ao desespero, mas ela tem dando passos significativos, mesmo sendo lento, para resolver as questões dela( o debate consigo mesma está intenso. Ela está sofrendo muito mais nessa fase). Dizer o que está sentindo e o que pensa sobre o outro não é coisa fácil.
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Em: 12/10/2024
Julia pelo amor de deus ne minha filha bora reagir pq a pior coisa e ficar com uma mulher adulta e formada e sendo uma covarde a merda já ta feita aconteceu, e vc e a madura da relação bora se impor e merecer o amor e a admiração que a Sofia tem por você.
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Em: 07/10/2024
Nossa!
Marta sendo Marta e com pesar digo o mesmo da Júlia.
Quandoa a Júlia vai reagir e ficar ao lado da Sofia?!?!?!?!
e a Sofia esperando a reação da Júlia, até quando?!?!?
Capítulo pesado e necessário.
Parabéns autora.
Aguardando os próximos.....
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Gaya
Em: 06/10/2024
Meuuuuuuuu Deuuuusssss
Amadissima autora!
Peloooooo amoooooor!
Dê um tranco nessa Ju!
Que ela consiga colocar essa "fezes" doente de Marta no lugar dela!
Ôhhhh sofrência de capítulo!
Tudooooooooo que, com respeito as bovinas, a vaca da Dissimulada da Marta faz, mesmo escancaradamente estando errada, a Nutela da Ju congela!
Pelo amoooooor.... faça com que a Ju tenha atitude e coloque a Marta no lugar dela!
Serzinha vagadia!
Tu és FODÁSTICA autura!
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Em: 06/10/2024
Que capítulo forte!
A conversa da Júlia e da Marta foi necessária. Só espero que no fim tudo fique bem entre elas...
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