capitulo treze: se permita
POV Anna
Fernanda entra naquele carro e minha vontade é de ir atrás e beijá-la, mas eu jamais poderia fazer isso com ela. Primeiro: meu coração era completamente dominado por outra pessoa; Segundo: jamais poderia fazer com Fernanda o que a Beatriz fez comigo; Terceiro: apesar de ter sentimentos por Fernanda também, ainda era tudo muito confuso aqui dentro.
Volto para a casa e vejo Bruna com um sorriso de orelha a orelha, estava pronta para a piadinha que ia vir, mas pelo contrário, ela pediu que eu me sentasse.
— Eu tive muito medo de te perder, Anna. Quando Fernanda me avisou que você estava no hospital, meu coração foi na boca. Você é muito, muito, muito importante pra mim, então não me deixa nunca, por favor.
Me abraçou e me encheu de beijos, uma coisa estupidamente melada até para mim. Afastei ela do meu corpo e falei:
— Tá, tá, tá, tá. Qual é a de vocês? Querem me comer? Tem Anna pra todas – pisquei
— Até para Beatriz?
Ela me perguntou na lata e meu corpo ficou tenso, não sabia o que responder a Bruna, metade de mim está com vergonha por ter prometido a ela que nunca mais ficaria ou olharia para Bia e a outra metade estava triste por tudo aquilo ter acontecido. Respiro fundo e meu corpo se enrijece, olho para Bruna e ela ainda espera uma resposta.
— Se você não vai me contar, eu conto. Beatriz e você decidiram viver um "remember-me" e tiveram uma linda noite de amor – disse ironicamente
— Ela quer reatar comigo, mas eu disse que não, quer dizer... eu não disse nada. Eu apenas saí e deixei ela sozinha naquele quarto de hotel e me odiei por isso. Chorei, tive uma crise de ansiedade, perdi o ar, não vi a curva, não vi o outro carro e capotei. E agora tô aqui conversando com você.
— Anna, você prometeu.. você prometeu há onze anos que nunca mais. Por favor, seja consciente. Vai deixá-la destruir sua vida assim? Aliás, sua vida e sua carreira, né? Vale a pena o risco? Pois ela é mulher de um cliente seu.
— Eu não consigo resistir à ela, tem uma força, uma eletricidade, um ímã, eu não sei te explicar. Quando tô com ela só existe nós duas. A gente se olha, trans*, fica bem e quando conversamos, vem a mágoa, a raiva, a dor…
— Amiga, eu estou com você para tudo nessa vida. Só não me peça para passar a mão na sua cabeça quando essa história acabar mal. Tem uma pessoa incrível que chegou na sua vida agora, talvez você tenha que permitir que ela a faça bem. Vocês são tão lindas juntas e olha que você a trata somente como amiga.
— Maria Fernanda é uma pessoa tão, mas tão incrível, que eu tenho medo de magoá-la e não seria justo. Eu quero protegê-la de mim mesma. – olho nos olhos de Bruna – Não estou dizendo que eu não sinto nada por ela, eu sinto. Eu só estou dizendo que, para eu me permitir viver algo com a Maria Fernanda, eu preciso tirar esse amor que eu sinto pela Beatriz daqui de dentro. Não é justo com ela. Ela não merece nada pela metade.
— Vocês já tiveram essa conversa? – balanço a cabeça negativamente e ela continua – Anna, eu acho que você só precisa deixar as coisas bem claras pra ela. Na responsabilidade afetiva você não precisa ser recíproca não, tá?! Você apenas precisa ser sincera a todo momento, não fazer joguinhos, ser honesta e isso você já é, minha amiga. Você não quer começar nada com a Fernanda, pois está com medo de magoá-la e isso já diz muito sobre quem você é. Eu te admiro muito, Anna. Você tem uma índole incrível, é uma pessoa incrível e merece ser feliz. A vida pode ter aprontado um monte com você, mas ainda sim, você é uma das pessoas com caráter mais ímpar que eu conheço. Vocês vão começar a construir algo baseado na confiança que vocês tem uma na outra. Não minta pra ela, se algo acontecer entre você e a Beatriz, sei lá, tipo: “ela foi na empresa acompanhar o marido e respirou o mesmo ar que eu”, conte para Fernanda.
— Sabe aquela sensação de paz e conforto? Quando você está com a pessoa e ela te deixa confortável, com o coração quentinho? Foi isso que senti com a presença dela aqui hoje. Ela me fez deitar no sofá e ficou me fazendo cafuné, ouvindo as músicas que eu gosto, fazendo o possível para que eu me sentisse bem, ela cantou uma música pra mim olhando nos meus olhos, Bruna. Ela quis dizer algo com aquilo, por outro lado, ela poderia ter me beijado, mas ela não quis cruzar essa linha, pois sabe que eu ainda não estou pronta. Mesmo que ela não diga, ela fala com o olhar. – suspiro
— Você é intensa e ela também, só que de formas diferentes. É uma intensidade do bem e ela super combina com você. Se eu fosse você, a chamava pra sair mais vezes fora do escritório, para vocês se conhecerem melhor. Essa menina te conhece há dois meses e já fez mais por você do que Beatriz em 2 anos que vocês se relacionaram. Permita-se sentir, amiga. Eu só quero o seu bem – ela se aproxima e me abraça – mas também quero te dizer que sou #MaNa até o fim.
— #MaNa? O que é isso? – arqueio uma sobrancelha
— É o nome de shipp de vocês. Ma de Maria e Na de Anna.
— Bruna, você enlouqueceu? – ponho a mão no rosto e balanço a cabeça negativamente
— Você queria o quê? #NaMaria?
— HAHAHAHAAHHAAHA mulher, eu não te aguento – caímos na gargalhada.
Bruna ia dormir a noite comigo, pedi que ela ficasse. Ela me incentivou a mandar uma mensagem pra Fernanda perguntando se ela havia chegado bem e dar boa noite.
*Anna Florence – adv :*
- Oi, você chegou bem?
*MaFe:*
- cheguei sim, tá tudo bem com você?
*Anna Florence – adv :*
- tá sim, Bruna vai dormir aqui comigo hoje. Por falar nisso, quero ver um filme no cinema amanhã, mas ela não quer ir, pq está alegando que o filme é mto sangrento, ela só gosta desses romances água com açúcar dela kkkk quer ir cmg?
*MaFe:*
- Qual filme?
*Anna Florence – adv :*
- O corvo.
*MaFe:*
- Vamos, você aproveita e me ajuda a escolher uma roupa para a festa da empresa que é sexta ;)
*Anna Florence – adv :*
Você vai?
*MaFe:*
- Sim. Comer e beber de graça, uma ótima oportunidade de não fazer janta numa sexta à noite.
*Anna Florence – adv :*
- Com quem?
*MaFe :*
- Hmmmm. Não sei, Ralf me convidou. Aceito o convite?
Grrrrrh. Rosno. Sim, rosno! Acho que ela só podia estar de brincadeira comigo. Bruna acompanha a nossa conversa e zomba da minha cara pelo meu nítido ciúme.
*Anna Florence – adv :*
- Se você quiser aceitar, sinta-se a vontade rs eu não irei, mas boa festa pra vc :)
*MaFe :*
- Amanhã conversamos sobre isso, vou deitar.
*Anna Florence – adv :*
- Te busco na empresa às 19h, Bruna vai me emprestar a charrete dela para irmos.
*MaFe :*
- KKKKKKKK Anna Florence!! Não fale assim do carro dela.
*Anna Florence – adv :*
- Uai, só disse a verdade. Bons sonhos, Fe.
*MaFe :*
- Já disse que pra você Maria Fernanda e para ter bons sonhos, preciso sonhar com você. Boa noite, Anna. Se cuida.
XxXx
— Essa menina é a maior atacante que eu conheço! Ela não perde tempo, amei a atitude – diz Bruna
— Ela terá bons sonhos com o Ralf. – reviro os olhos
— Você morre de ciúmes dela, admita.
— Admito. Mas ela não precisa saber disso.
— Como se fosse impossível notar – Bruna sorri
O dia passa sem maiores novidades, Bruna sai para trabalhar e eu resolvo responder alguns e-mails de trabalho, a maioria sem importância. Ralf, Andressa e Maria Fernanda dividiram entre si minha demanda de trabalho enquanto eu estava fora e por isso não tinha tanta coisa pendente assim. Ainda tinha 4 dias de atestado, graças a Deus.
Resolvo não arriscar lavando a charrete (ops, carro) de Bruna e o mando para o lava jato. Naquela tarde havia sentido algumas dores devido a cirurgia, mas nada que eu precisasse me preocupar. Tomo meu banho e me olho no espelho, reparando a mediana cicatriz que ficou abaixo do seio indo próxima à costela, ficou horrível. Será que existe cirurgia para remover cicatriz de cirurgia? Rio do meu pensamento maluco e me arrumo para ir ao cinema com Maria Fernanda, coloco um short preto de cós alto, meu tênis vans old School preto e uma blusa curta de gola alta, que apesar de curta, só mostrava parte da minha barriga, pois eu estava com horror a essa cicatriz. Pego um casaco e o amarro na cintura, pois apesar de estar calor no Rio de Janeiro, era frio dentro do cinema.
Espero Maria Fernanda na rua de trás do escritório, ela entra no carro e me dá um beijo no rosto. Conversamos amenidades no caminho, ela me conta do seu dia de trabalho e disse que Roberto estava de namorada nova, que a levou no escritório para tratar de uma compra e venda de uma casa, ele pediu que Maria Fernanda cuidasse do contrato, ela estava feliz, amava direito civil.
Chegamos no shopping e passamos no cinema para comprar os ingressos, escolhemos a última sessão, assim daria tempo de andarmos pelo shopping atrás da roupa que ela queria. Fernanda me deu a bolsa dela para carregar e eu estava achando graça daquilo. Ela era muito indecisa, pedia minha opinião pra tudo e eu dizia que ela ficava linda em todas as roupas que vestia.
— Anna, você tem que se decidir! – ela dispara
— Eu?
— É! Te chamei por um motivo: me ajudar. Você está me deixando mais confusa ainda.
— Tá, eu não tenho culpa se você é um mulherão da porr* e fica linda em todas as roupas que experimenta.
— Anna! – ela ruboriza e sorri.
— Mas experimenta esse vestido. Achei a sua cara assim que o vi.
Entrego o vestido para ela e ela entra no provador, me distraio olhando para o nada e quando ouço a porta do provador abrindo, meu queixo quase cai. Ela estava linda, o vestido era preto com detalhes brilhosos em prata, era um modelo Midi, tinha uma fenda que deixava a perna à mostra, era aberto na altura das costelas que deixava sua tatuagem à mostra e tinha um singelo decote.
— Nossa, você está…
— Estou…? – pergunta sorrindo
— Você sabe. – ela me deixa sem palavras.
Ela sorri e diz para a vendedora que vai levar o vestido. Ela faz o pagamento e eu fico encarando um par de botas cano longo maravilhosas e caras, mas que faziam muito meu estilo e eu estava apaixonada por elas.
— Vamos?
Aceno com a cabeça e ela me dá sua bolsa novamente para eu segurar, passamos em uma loja de departamentos e compramos alguns doces e chocolates para ver o filme. Ela parecia muito empolgada para ver um filme sobre sangue e vingança. Ela pega a pipoca da mão do atendente quase correndo e me puxa para a sala de cinema.
— Não sabia que gostava de filmes assim. – ela diz
— Eu amo tanto filmes quanto séries de ação e terror, suspense também. Romance e drama não fazem muito meu tipo.
Finalmente achamos nossos lugares e nos sentamos no meio, na última fileira. O filme fala sobre um usuário de drogas chamado Eric, que se apaixonou por uma presidiária na reabilitação, na prisão. Eles fogem juntos, mas acabam sendo assassinados por uma gangue, pois a jovem havia sido testemunha de vários crimes. Ele retorna do além e vai em busca de vingança, tentando matar cada um que tirou a vida da sua amada, ele atravessa o mundo dos vivos e dos mortos em busca de justiça.
Estamos vendo as cenas de romance do filme e ela apoia a cabeça no meu ombro, começo a fazer cafuné em seus cabelos e ela suspira, levanto o braço da cadeira do cinema e peço para que ela encoste em meu peito, o cinema está vazio então podemos ficar bem à vontade, sem que ninguém da frente ou dos lados comecem a reclamar. Pego uma pipoca do balde e dou em sua boca, ficamos um tempinho do filme assim, quietinhas. Apenas vivendo o momento e cuidando uma da outra, ela também me dava chocolate na boca e eu confesso que estava amando aquilo, meu coração fica aceleradíssimo. Começam as cenas de sex* do filme e eu falo um singelo “eca”, Fernanda sorri. Damos as mãos e ela fica fazendo carinho na minha com o seu dedo polegar, dou um beijo na sua testa. Estou morrendo de vontade de beijá-la, mas uma parte de mim se segura ao máximo. Eu amo o que Maria Fernanda me faz sentir, mas eu tinha medo desse sentimento, tinha medo de magoá-la, mas também tinha medo dela me magoar. Em uma determinada parte do filme, o Corvo fala que “o amor só traz sofrimento” e eu concordo. Até então, o amor só havia me trazido coisas ruins: um sentimento por uma pessoa que eu não conseguia me livrar, o amor dos meus pais que eu nunca tive... até meu amor-próprio já tinha desistido de mim. O filme acaba e os créditos sobem, Fernanda me olha com preocupação.
— Está tudo bem?
— Acho que sim...
— Anna, aconteceu algo? – pergunta preocupada
— Gatilhos, mas nada que eu não consiga lidar, fique tranquila. Vamos? Vou levar a senhorita em casa.
Saímos do shopping e ele estava praticamente vazio, eu estava um pouco calada e tinha um conflito interno na minha cabeça tão grande, que eu parecia aérea quando Fernanda falava alguma coisa para mim.
Entro no carro e ligo o rádio, pelo horário estava dando aquelas músicas dos anos 2000, posso ouvir o som de “Give Your Heart a Break”, da Demi Lovato e Fernanda começa a cantar. Eu não poderia ter ligado o rádio em momento mais oportuno, não? – penso ironicamente
Fecho os meus olhos e começo a questionar quando vou conseguir me curar desse sentimento que me acompanha há tantos anos e ainda não morreu.
— No que está pensando? – ela pergunta e eu balanço a cabeça negativamente como quem dissesse “nada”. Ela continua: — Está pensando nela, não é?
— Maria Fernanda...
— Dirige e me escuta. Hoje quem vai me escutar é você. — Ela olha bem séria pra mim e eu decido escutar, afinal, eu não ia contrariar uma mulher irritada.
— Anna, se você não quiser conversar com a Bruna, por achar que ela já desistiu de você quando o assunto é Beatriz, conversa comigo.
— Eu não posso conversar com você, Fê. Eu não quero te ferir, você não merece isso, eu sou tão idiota que sei que não te mereço.
— Mas você não acha que quem tem que decidir sobre isso sou eu?
— Como assim?
— Digamos que isso não é sobre você, eu te conheci já sabendo que você era apaixonada por outra pessoa. Eu quem decido se vou ficar ou não na sua vida e se eu ver que eu vou me machucar, eu tiro meu time de campo e aceito ser apenas sua amiga, está bem?
— Eu tenho tanto medo de te machucar, Maria Fernanda. Você não tem noção, eu não quero que aconteça com você o que aconteceu comigo, eu acho que sou tão traumatizada com isso que se eu fizesse mal para você, eu me sentiria 100x pior do que eu já me sinto hoje em dia.
— Me fala o que você sente por ela. Não mente para mim.
— — Eu ainda sinto coisas por ela, coisas intensas, sabe? A gente tem uma eletricidade, um magnetismo, não sei te explicar. Quando estamos juntas, quando trans*mos, quando estamos "de boa" e dane-se o mundo, é perfeito. Porém, quando a realidade chega e ela precisa ir embora o medo toma conta, a dor, o desespero também. É como se você desejasse algo que você não tem, mas está bem ali e você não consegue alcançá-lo. É horrível. Eu gosto da sensação que ela me traz, do proibido, do divertido, gosto do sorriso, das graças dela, do seu jeito egocêntrico, do abraço, eu gosto de tudo nela, mas nunca conseguimos progredir e isso me frustra, pois ela é um poço de incertezas, de indecisões, eu nem sei se ela seria capaz de arriscar tudo por minha causa como ela disse que faria, mas acho que não. Não quero me iludir de novo, eu quero me afastar dela. Só não sei se consigo, por isso tô mantendo distância, mas não sei até quanto tempo. Esse amor me machuca, pois é um amor que eu não posso ter, mas também é um amor que não consigo me livrar. Eu já tentei me livrar muitas vezes, mas eu não consigo, parece que está enraizado em mim.
— Obrigada por ser sincera comigo, Anna. Eu só quero isso de você: honestidade e sinceridade, mas você merece uma chance de ser feliz e eu não tô falando somente na vida amorosa, mas na sua vida profissional também, não deixe que uma coisa atrapalhe a outra. Esse jogo de vocês é muito perigoso e só uma pode sair perdendo. Anna, eu não vou fingir que você não mexe comigo, que você não me atrai, que você fica insuportavelmente linda de roupa social e semblante sério no escritório, que o seu estilo musical não é maravilhoso e que seu olhar não é o mais lindo que eu já vi, eu quero te conhecer mais e mais. – Ela faz uma pausa – Eu não quero fingir, mas também não posso ficar te esperando pra sempre. Se eu pudesse definir um sentimento, eu definiria que eu estou completamente encantada por você. Então eu não vou tentar nada se você não se sentir à vontade para isso. Você acha que eu já não quis te beijar ou já não quis que você me beijasse? Anna, eu vou estar aqui. Eu não vou tentar e não vou forçar uma barra, quando você sentir que deve ficar comigo, me fala. Ou... só fica.
Estaciono o carro na calçada da sua casa, os nossos olhares se cruzam e eu a abraço. porr*, Maria Fernanda. Eu não mereço você.
— Se cuida.
Ela me dá um beijo na testa e entra em seu apartamento. Volto para casa com um milhão de sentimentos confusos. É, Bruna, sabe aquele convite que você me fez uma vez para ir à terapia? Talvez eu aceite.
Os dias se passaram e eu e Maria Fernanda só nos falamos por WhatsApp, eu ainda estava de atestado médico e só iria voltar na segunda feira. Pensei bem e conversei muito com Bruna sobre ela, sobre Beatriz, sobre tudo. Hoje era sexta feira e era a festa da empresa, eu havia decidido ir, Bruna havia me convencido de fazer uma surpresa, buscando Maria Fernanda. Perguntei discretamente para a Andressa se ela havia aceitado a companhia de Ralf, mas ela havia me dito que ela está se esquivando dele igual o diabo foge da cruz e eu confesso que nunca me senti tão feliz em ouvir uma fofoca.
Eu queria muito que meu coração tivesse uma segunda chance, eu estava cansada de mergulhar de cabeça em um amor raso, havia sofrido sérios danos por conta disso. Todo mundo tem um passado obscuro: eu, por exemplo, me apaixonei por uma mulher que se me perguntarem três qualidades eu não sei responder. Estava na hora de me permitir, estava na hora de eu começar a recuperar o meu amor-próprio. O primeiro passo para recuperá-lo, é recuperar minha autoestima: fui ao shopping e decidi comprar um vestido que eu amei só de olhar para ele, preto de manga longa, ele era todo fechado, mas tinha uma fenda que deixava minha perna à mostra. Aproveitei e passei na loja que fui com Maria Fernanda e comprei a bota de cano longo caríssima. Foda-se, hoje eu vou me amar em primeiro lugar. O segundo passo era resolver a questão do carro. Que saudade do meu carro, mas essa noite eu merecia algo muito melhor. Fui até o aeroporto numa loja de locação de carros que havia lá, enquanto não recebia o valor do seguro e não subisse de cargo para comprar outro, decidi que ia me dar de presente ao menos por um dia, dirigir um Audi A5. Entrei no carro e me subiu uma adrenalina absurda, era perfeito. Assinei os papéis da locação e nem preciso dizer que saí pela Avenida das Américas em alta velocidade.
Cheguei em casa 18h, eu tinha que tomar banho e estar perfeita essa noite. Tomei um banho demorado, acho que nunca demorei tanto no banho na minha vida, literalmente foi um banho premium plus, como dizem no Tik Tok. Esfoliante, óleo para banho, tudo que eu tinha direito. Escolho uma lingerie vermelha e me olho no espelho, eu estaria maravilhosa se não fosse essa ridícula cicatriz. Passo hidratante no corpo e ponho o vestido, coloco um cordão dourado com um pingente médio de um trevo de quatro folhas para me dar sorte, o relógio e óbvio, como toda sapadrão, a Xuxinha preta no pulso esquerdo. Não que eu tenha intenção de algo, mas nunca se sabe, né? Seco o meu cabelo com secador e o deixo um pouco bagunçado, rebelde. Me maquio e passo um batom vermelho para finalizar. São quase 20h e eu pedi para Sabrina dar uma enrolada na Maria Fernanda, já que ela achava que iriam juntas.
Peguei o carro, não sem antes pegar o singelo presente de Maria Fernanda. Eu comprei uma rosa vermelha para ela, sempre achei buquê de flores bregas demais, mas uma rosa era muito bonita e especial. Paro em frente a sua casa e mando mensagem para Sabrina para avisá-la que supostamente tinha chegado, saio do carro e a espero ansiosamente encostada nele com a rosa na mão. Quando a vejo sair de casa, meu coração só falta dar pulos. Ela estava absurdamente linda com aquele vestido, ela estava virada de costas trancando sua casa e ainda não tinha me visto. É quando ela vira e dá de cara comigo, incrédula. Ela vem andando desconfiada na minha direção e tento parecer o mais impassível possível, mas quando ela para na minha frente, é impossível não dar um sorriso.
— Oi. – digo
— Anna... Oi.
— É para você. – Entrego a rosa pra ela – Você está linda.
— Obrigada, eu... – ela ruboriza – não sabia que você viria, pra mim Sabrina viria me buscar.
— Digamos que eu tenho uma parcela de culpa nisso – pisco pra ela – vamos?
— Anna, por que está aqui? – ela me olha confusa
— Eu decidi que merecia me dar uma nova chance, então eu queria muito tentar com você... Eu sou nova nisso, então... se você quiser, é claro... vamos com calma. Eu quero te conhecer e quero permitir que me conheça também, mesma que eu seja uma pessoa confusa, uma pessoa que tropeça nas próprias palavras e que cava o seu próprio abismo. Eu quero que conheça meu lado bom e que tenha paciência com o lado ruim, essa Anna que você admira, eu vou tentar ser, mas não vou conseguir ser o tempo todo. Então, por favor... se vamos tentar, se você ainda quiser tentar me conhecer, eu estou confiando em você, não me machuca.
Ela me dá um abraço inesperado, enlaça meu pescoço e eu abraço sua cintura, ficamos ali sentindo o cheiro uma da outra. O silêncio de Maria Fernanda estava me deixando aflita, ansiosa, mas ela não parecia nem um pouco querer sair do meu abraço. Ela esfrega o nariz no meu pescoço e eu sinto um arrepio pelo meu corpo inteiro quando começa a sussurrar no meu ouvido: — Anna Florence, a sua sorte... é que eu sou completamente encantada por você. E sim, eu ainda quero conhecer a mulher maravilhosa que você é. E minha intenção jamais, jamais, jamais mesmo, será partir o seu coração. – ela se vira e olha nos meus olhos – Confia em mim.
Entrelaço nossos dedos e encosto minha testa na dela, em seguida dou um beijo na sua mão. — Vamos?
Ela assente e entramos no carro. Sempre quando passava a marcha, entrelaçava nossos dedos e ela passava a marcha junto comigo, eu olhava para Maria Fernanda e sorria. Como pode ser tão linda?
— Eu amei o carro. – sorri – como conseguiu?
— Eu tive uma conversa comigo mesma e decidi que um dos primeiros passos para cuidar de mim mesma, era me permitindo viver coisas que eu queria viver. Eu sempre quis dirigir um Audi, então como o meu deu PT, decidi alugar um para viver essa noite.
— O que você espera dessa noite? – ela pergunta
— No momento só estou pensando em vivê-la.
Chegamos no luxuoso Copacabana Palace, deixo meu carro com o manobrista e dou meu nome e o de Maria Fernanda para o recepcionista antes de entrar no vasto salão. Maria Fernanda fica de braços dados comigo para entrar, ela parece nervosa.
— Anna?
— Diz.
— Roberto vai nos matar – ri de nervoso – Quando você sofreu o acidente, ele disse pra mim que a empresa não aprovava relacionamento entre funcionários.
Dou uma risada.
— Deixa que eu lido com ele, não se preocupe.
Entramos e logo o fotógrafo vem nos cumprimentar, pediu uma foto nossa. Estão todos os funcionários e posso visualizar alguns clientes. Logo Andressa acena pra gente e vamos em direção a ela.
— Pelo visto deu certo, não é? – ela pisca pra mim e sorri para Maria Fernanda.
— Obrigada, amiga. – Agradeço
— Um complô contra mim. – Maria Fernanda se faz de ofendida
— E você nem gostou de ela ter ido te buscar, né? Tá na sua cara o quanto você está feliz. – Sabrina vira-se pra mim – Anna, é bom tê-la de volta. Maria Fernanda ficava velando sua mesa todos os dias.
— Sabrina! – Maria Fernanda a repreende e nós damos risada. Entrelaçamos os dedos e ficamos conversando sobre a minha recuperação.
— Gente, não olha agora, mas o Ralf está vindo pra cá. Ele vai ficar arrasado.
— Deixa isso comigo – Maria Fernanda diz
— Oi, Anna. Bom te ver. Fernanda, vejo que está em ótima companhia – diz ressentido
— Ralf, você sempre soube que... – ele a interrompe, olhando diretamente pra ela – Eu sei da sua sexu*l*idade e como pessoa observadora que sou, sabia que você arrastava uma asinha pra Anna, só não vê quem não quer, mas sabe quando você ainda tem esperança? – ele se vira pra mim – Droga, Anna! Você está com a menina mais bonita da empresa, você é uma mulher de sorte.
— E como sou, meu amigo.
— Se bem que quatro é par.
— Sai pra lá, me livra dessa Ralf – diz Sabrina
— Sabrina, não me diga que você também é “do vale”?
— Eu gosto de pessoas. É isso, pronto falei.
— Ótimo, eu ainda tenho chance – sorrimos
Fomos para o bar e eu pedi uma água, enquanto Maria Fernanda pedia algum drink. Não estava podendo beber por conta da medicação que eu estava tomando e por estar dirigindo, afinal, tenho que levar minha garota pra casa.
Maria Fernanda e Sabrina resolveram dançar, eu fiquei do bar observando-as. Maria Fernanda era muito linda, ela tinha uma aura, uma luz.. seus cabelos ruivos tinham um movimento perfeito em simetria com seu corpo, a voz de Ellie Goulding em “Outside” preenchia a pista de dança e todos dançavam animadamente, dou um sorriso quando Fernanda joga um beijo da pista de dança pra mim. Sou interrompida do meu transe com uma voz e uma sombra sentando-se ao meu lado.
— Oi.
— Oi. – respondo secamente – O que está fazendo aqui?
— Eu vim falar com você, saber se estava bem e se estava precisando de alguma coisa.
— Estou bem, Beatriz. E não, obrigada. – olho para Maria Fernanda e ela parou de dançar, está com o olhar fixo em nós – Cadê o seu marido?
— Jogando pôker com Roberto no salão de jogos. Anna, eu fui te ver no hospital – interrompo-a
— Ok, Beatriz. Obrigada por ter ido, está bem? Você deveria voltar para a companhia do seu marido, eu já vou indo – olho para Maria Fernanda e levanto-me, sou impedida por Beatriz.
— Ela é a sua namorada? Não se largaram a noite toda.
— Não.
— Está saindo com ela?
— O que isso tem importância pra você?
— Já me esqueceu?
— Não acredito que você está me perguntando isso. Você é muito sem noção, Beatriz. Tô fora de discutir com você, vê se me deixa em paz e segue sua vida, a minha eu já segui. Dá licença.
Saio em direção onde Maria Fernanda está e pego em sua mão, a levo para um lugar mais afastado, na varanda.
— O que ela queria? – me pergunta
— Ela queria saber se eu estava bem e precisando de alguma coisa.
— Hm. – se limita a dizer
— Ei. Não precisa se preocupar, está bem? Prometi sinceridade e honestidade, então confia em mim.
— Anna, eu confio. Eu não confio é nela. – sorri amargamente
— Eu me permiti... eu escolhi estar com você essa e todas as outras noites que você quiser estar comigo – olho em seus olhos – É passado.
Ela me olha fixamente e sussurra no meu ouvido, cantando junto com a música que estava tocando naquele momento: — Então fala que você também acredita em destino, Fala pro seu passado, que seu futuro é comigo...
Ela põe a mão na minha nuca e eu olho pra sua boca, ela morde seu lábio inferior e isso pra mim soa como um convite. Encosto meu nariz no dela, umedeço meus lábios e a beijo. Um beijo calmo, lento, carinhoso... vou explorando cada pedacinho dos seus lábios devagar, sem me importar se tinha gente da empresa vendo ou não, eu não estava no meu horário de trabalho, então foda-se. Naquele momento só existia Maria Fernanda e eu... faço um carinho nas suas costas durante o beijo e ela começa a fazer carinho no meu rosto, finalizamos o nosso beijo com um selinho e nos abraçamos.
— Anna...
— Oi... – digo
— Se eu te disser que sonhei com isso uma ou duas vezes, você vai acreditar? – diz envergonhada
— Era melhor no sonho ou na realidade?
— Boba! – sorri
Ficamos ali na varanda curtindo mais um pouco a companhia uma da outra, quando somos interrompidas pela Dra Baldez.
— Olá, Dra Anna. Vejo que se recuperou. E se recuperou bem, pelo visto – diz olhando para Maria Fernanda, que ruboriza.
— Oi, Dra Baldez. Foi apenas um susto, obrigada pela preocupação.
— Te vejo na segunda feira? Sei que não é para falarmos de trabalho agora, mas vou precisar de um auxílio em um caso criminal e estava procurando alguém que pudesse ser minha associada nesse caso, é um caso difícil, de tráfico infantil. Estou preocupada.
— Será um enorme prazer ajudá-la, Dra Baldez. Nossa, não tenho palavras para agradecer o convite.
— Irei resolver tudo com o Dr Roberto para liberá-la durante essa semana que virá, você vai trabalhar direto no meu setor e no meu escritório, a minha secretária irá te passar os detalhes na segunda. Vou indo, meninas. Aproveitem o evento. A propósito, ouvi alguns comentários sobre vocês duas durante a festa, a empresa tem a política de não aprovar namoro entre funcionários, mas sinceramente, eu não estou me importando nem um pouco com política. Vocês fazem um casal lindo. Só peço que não deixem atrapalhar o rendimento profissional de ambas, está bem? – olha para nós duas.
— Sim, Dra Baldez – respondemos juntas
— Obrigada – diz Maria Fernanda
— Disponha, com licença.
Esperamos ela sair para dar um gritinho e uns pulinhos desnecessários, parecíamos duas crianças.
— Tem noção que ela te chamou para trabalhar pessoalmente com ela? Roberto vai surtar! – diz sorrindo
— Por que está sorrindo? Ele vai comer meu fígado, mas acho que vai valer a pena.
— Anna, ele te elogiou quando você estava internada, disse que não queria perder uma das melhores associadas que ele possui.
Sorrio com o comentário. Estava tudo dando certo e minha vida parecia ter se encaixado: eu havia dado uma chance para mim mesma e as portas resolveram se abrir. Acho que, finalmente, estou me permitindo. Prometo para mim mesma que não vou deixar nada estragar essa noite ou a minha vida daqui pra frente. Eu era a mulher mais feliz do mundo.
Fim do capítulo
Gente, o que acharam?
E qual nome do shipp do casal? #MaNa ou #NaMaria? hahahahahahaha
Esse capítulo foi muito especial pra mim, foi maravilhoso escrevê-lo.
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tayl0rmaniac4 Em: 01/10/2024 Autora da história
espero que não!