capitulo nove: a conversa
Estamos há meia hora em silêncio, de repente Beatriz levanta e me pergunta se estou com fome e se eu topo comer algo, balanço a cabeça afirmativamente e observo sua nudez. Os seios maduros e bem definidos, bem diferente de 11 anos atrás, ela também ganhou peso ao longo do tempo, mas isso era o que a deixava mais bonita ainda. Ela veste o hobbie e pede algo pelo celular do cardápio em QR Code que fica no quarto.
— Quer alguma bebida?
— Macallan 12.
Ela arregala os olhos e arqueia uma sobrancelha, depois olha para o lado desviando o olhar.
— Que foi? – pergunto
— Nada, é que... O Kevin é muito fã desse Whisky, é uma coincidência você gostar também.
Reviro os olhos e mexo-me desconfortável na cama. Só de ouvir o nome daquele otário me dá ânsia.
— No que isso é relevante? Eu acabei de trans*r com a esposa dele, também seria isso uma coincidência? – sorrio ironicamente
Ela suspira, olha para cima como se estivesse procurando algum apoio ou se preparando para falar algo, mas permanece em silêncio. O clima permanece relativamente tenso e para piorar a situação o seu telefone toca. Ela me olha com uma cara que diz “desculpa, tenho que atender” e sai em direção ao banheiro sem antes que eu ouça: “Oi, meu bem” e ela tranca a porta do quarto. Reviro os olhos, mas o que eu esperava exatamente vindo aqui? Que ela me enchesse de beijos, pedisse desculpas por tudo, dissesse que ama e que me quer para sempre? Rio com gosto de amargura do meu pensamento irônico.
Pego meu celular e já ia saindo pela porta, quando Beatriz corre na minha direção e segura meu braço, viro-me em direção a ela e sinto seus braços me envolvendo em um abraço, não consigo abraçá-la de volta.
— Por favor, não vai...
Suspiro. Olho para cima tentando segurar a minha vontade de chorar e algumas tímidas lágrimas que teimam em aparecer por ali. Não deixo elas caírem e me afasto de seu abraço.
— Por qual motivo você me chamou aqui? Já não fez o bastante com a minha vida, agora quer me usar novamente para satisfazer seu prazer? Eu não sou um brinquedo, Beatriz. – Despejo
— Você me deve uma conversa, Anna. Eu te pedi uma conversa. Por favor, não vai sem... – Interrompo-a
— Não vou sem o quê? Eu fiquei admirada quando me mandou mensagem depois do que fizemos no banheiro da empresa... da minha empresa, meu local de trabalho! E você além de ser você, ainda é esposa do meu cliente, tem noção do que é isso? Não vê a gravidade desse problema?
— É só por eu ser esposa do seu cliente? Eu não significo nada pra você? – ela pergunta
— Deveria significar algo? Depois do tanto de coisas que você me fez? Depois de tudo que você me fez passar? Mesmo sabendo das minhas dores, das minhas inseguranças, de como eu me sentia em relação a tudo? Deveria mesmo significar alguma coisa? Você é o pior tipo de pessoa que eu já conheci na vida! Você é aquela pessoa que finge se importar, vai sugando a pessoa até a última gota de sentimento que ela possui e depois quando você acha algo melhor descarta como se fosse lixo!
— EU NÃO SOU ASSIM! – grita
— É O QUE VOCÊ É! – grito também – É COMO SEMPRE FOI! VOCÊ NÃO PODE FAZER O QUE QUISER COM UMA PESSOA E DEPOIS DESCARTAR!
— PELO AMOR DE DEUS, JÁ FAZ ONZE ANOS! SUPERA, ANNA! VOCÊ NÃO É MAIS UMA ADOLESCENTE, PORRA!
Nesse momento, sinto que vou explodir e me seguro para não perder minha cabeça, mas agora eu tenho uma raiva tão grande dentro de mim que sinto vontade de meter a mão na cara dela com toda a força que eu tenho, fechar a porta e nunca mais voltar. Vontade de feri-la para que ela nunca mais consiga me ferir novamente, mas consigo respirar e contar até dez.
— Beatriz, não é possível que você seja uma pessoa tão irresponsável com o sentimento dos outros! Por que me procurou? Me diz, para que?
— Achei que você tinha superado isso! – diz com lágrimas nos olhos – Eu não te procurei, Anna. Aconteceu... quando te vi naquela sala, toda poderosa, dona de si mesma, controlando a situação, eu... eu quis te encontrar, saber mais sobre você, queria saber se estava bem, sei lá!
— Você não queria isso, você me beijou! Você não disse nem um “Oi”, falou um “cala a boca e me beija, Anna”. É isso que você queria? Relembrar os velhos tempos?
— Eu não sabia o que eu estava sentindo naquele momento, eu só queria te beijar, ter você pra mim, eu não sei o que se passou pela minha cabeça, eu... ainda não sei o que se passa! – despeja
— Se é que você sente alguma coisa – olho em seus olhos – Cê acha que minha vida é um filme? Que pausa e volta de onde parou? O que você sentiu quando me traiu com aquele babaca, na minha frente, NA PORRA DO MEU ANIVERSÁRIO? – me altero – O que você sentiu quando eu parecia uma caveira de tanto que eu emagreci pois não tinha mais forças pra lutar por mim?
— Eu não tenho culpa do que seus pais te fizeram passar, Anna. – Responde com desdém
— Não, não tem. Mas tinha responsabilidade afetiva, pois estava comigo. Se não me queria mais, era só ter dito! Não precisava ter acabado com a minha vida que já estava uma merd*!
Nesse momento, tocam a campainha do quarto. Olho para ela com um ponto de interrogação na testa, ela me olha e pede passagem para que veja quem é. Coloca a mão na maçaneta, mas não abre.
— Oi! Quem é? – pergunta
— Desculpa incomodar, Sra. Somos da segurança, foi nos relatado que ouviram gritos vindo desse quarto, gostaríamos de nos certificar se está tudo bem. A senhora está em segurança?
— Oh, sim. Eu estava discutindo no telefone e acabei me alterando um pouco, não vai mais se repetir. – Olha-me dizendo a última frase com firmeza.
— Bom, se precisar de algo estamos à disposição.
— Obrigada.
Nesse momento, ela revira os olhos e me puxa pela mão e me leva até a cama.
— Senta e olha pra mim. Escuta o que eu vou te falar. – ela espera eu sentar e continua, olhando diretamente nos meus olhos - Eu sinto muito por tudo que eu fiz a você, eu era uma pessoa completamente idiota, estúpida, imatura, eu não posso fazer com que você esqueça tudo de uma hora para outra, pois eu entendo que te fiz passar por muita coisa e isso não vai mudar. Anna, eu quero muito continuar com você. Continuar te vendo, continuar de onde paramos. Eu sinto... Eu senti – corrige – Uma coisa muito forte quando entrei naquela merd* de escritório e era você. Eu mudei, eu sou outra pessoa. Você pode conhecer essa nova Beatriz e tirar suas conclusões depois? Me dá a oportunidade?
— Essa nova Beatriz também é infiel. Você traiu o seu marido comigo, esqueceu disso?
— Eu traí o meu marido pois vi que o amor que eu tinha abandonado estava ali e não tinha me esquecido. Eu vi nos seus olhos, Anna. Você ainda sente.
Fico em silêncio e abaixo a cabeça, deixo algumas lágrimas rolarem e eu odeio estar sendo fraca chorando assim na frente dela, mas eu não consigo controlar mais os meus sentimentos.
— Se eu pudesse escolher entre sentir e não sentir, escolheria não sentir.
Beatriz me puxou para um abraço, naquele momento os minutos pareciam parados, o cheiro dela era maravilhoso. Uma parte da minha razão dizia para eu ir embora, a parte da minha emoção dizia para eu ficar. Nos olhamos e nos beijamos. Um beijo calmo, mas cheio de mágoa, sentimentos confusos, com lágrimas, dor.
— Me perdoa... – ela diz com a cabeça baixa e evita olhar meus olhos.
Eu não tinha superado e não estava pronta para superar. Dei um beijo em sua testa e saí por aquela porta a deixando ali. Ela não foi atrás de mim e quando saí daquele quarto eu só pensei em correr para casa para desabar na minha cama, desabar eu comigo mesma, sem plateia, sem bebida, sem ninguém. Só eu com a minha dor.
Saio do hotel e vou em direção ao carro, tentando me lembrar onde estacionei. Olho em meu smartwatch e vejo que são 2h30 da manhã. Que bela merd*, amanhã estou fodida no escritório.
Pego o carro e vou dirigindo para sair da Av Atlântica, ligo o rádio e está tocando “Far Away”, do Nickelback.
'Cause you know, you know, you know
(Porque você sabe, você sabe, você sabe que)
I love you
(Eu te amo)
I loved you all along
(Eu te amei o tempo todo)
And I miss you
(E eu sinto sua falta)
Been far away for far too long
(Estive muito longe há bastante tempo)
I keep dreaming
(Eu continuo sonhando)
You'll be with me and you'll never go
(Que você estará comigo e nunca irá embora)
Stop breathing
(Paro de respirar)
If I don't see you anymore
(Se eu não te vir mais)
As lágrimas insistiam em cair, eu tentava dirigir pela Av Atlântica sem conseguir me concentrar direito, pois tinham várias lembranças na minha cabeça naquele momento, flashbacks de quando éramos adolescentes, nossas conversas no almoxarifado da escola, nossos momentos felizes e engraçados quando eu a ajudava a estudar para alguma prova, nossas trans*s e depois todos os nossos momentos felizes se vão quando volto para aquele maldito dia: penso nela me traindo, penso o quanto machucou, na dor que eu senti, na dor que eu sinto até hoje. Tento respirar e não consigo, vou tentando puxar o ar, mas as lágrimas não deixam, minhas mãos começam a tremer e eu estou no meio de uma crise de ansiedade. Uma dor no peito começa a se formar e eu tento manter a atenção no volante, mas quando eu chego em uma curva, o carro faz um movimento estranho e sinto meu corpo ir para a frente, para o lado, girar, girar, girar. O carro capotou e eu não sinto mais nada. Está tudo cinza na minha frente, a fumaça não me permite enxergar. Apago. Está tudo preto na minha vida.
Fim do capítulo
Estava com bloqueio criativo, meninas. Desculpa a demora para postar, acho que acabei matando alguém.
Divirtam-se, estou sombria :)
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Marta Andrade dos Santos
Em: 21/09/2024
Na verdade Beatriz é a passagem para outra vida ou espírito da morte.
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