capitulo sete: caminhando para o desconhecido
No dia seguinte chego à empresa cedo para ninguém perceber que estou levando as inúmeras caixas de arquivos para a sala de Maria Fernanda. Quando finalmente acabo de deixar os arquivos em sua sala, olho ao meu redor e percebo como nunca reparei na sala dela.
A mesa bem organizada e perfeita, olho ao redor e vejo diversos quadros, entre eles um sobre empoderamento feminino. Era bem a cara dela mesmo, qualquer dia tocaria no assunto para saber suas opiniões sobre isso. Na parede ao lado tem um quadro com seu diploma de Bacharel em Direito pendurado. Ela se formou pela FND, na UFRJ. Uau. Inteligentíssima a minha ruiva. Olho para a sua mesa novamente e vejo um porta retrato, o pego e vejo a foto de um homem e uma mulher dando beijo no rosto de Maria Fernanda na sua formatura, presumo que são seus pais.
A porta se abre e eu me assusto, mas respiro aliviada quando vejo seu rosto.
— Que susto, Maria Fernanda. Achei que fosse Roberto.
— Dando bobeira assim, Doutora? Sabe que ele entra sem avisar. – ela diz em tom repreensivo – O que faz aqui?
— Vim deixar as caixas na sua sala, mas já estou saindo.
Ela observa o porta retrato na minha mão e me olha sem entender.
— São seus pais? – pergunto
— Sim. Dona Débora e Sr Mauro. Meus tesouros nessa vida, inspiração pra não desistir, por isso deixo especificamente essa foto na mesa. – ela suspira e olha para baixo, com um olhar triste, parecia que tinha algo que a magoava.
— Ei, por que você ficou mal assim?
— Quero dar orgulho a eles, dizer que finalmente sou advogada, mas não consigo.
— Lembra do que eu te falei ontem? Não deixa uma prova idiota acabar com o seu sonho. Tente de novo, quantas vezes for necessário, mas tente. – Coloco o porta retrato em sua mesa e pego em suas mãos – Eu já falei pra você e vou falar de novo: se você precisar de ajuda para estudar, eu vou estar nesse processo com você.
Ela olha para nossas mãos e, em seguida, olha diretamente nos meus olhos. Faz um carinho nas minhas mãos com a ponta dos dedos e me permito sentir aquele contato. Era uma sensação gostosa esse flerte todo, eu me sentia absolutamente à vontade perto dela, meus olhos estavam presos no dela e a minha mente parecia vaga. Eu estava hipnotizada por aquela mulher na minha frente. Somos interrompidas com o barulho da porta se abrindo e soltamos as mãos rapidamente. Tentamos disfarçar, mas com certeza assim que Roberto adentrou a sala percebeu alguma coisa, pois começou com suas babaquices.
— A conversa está boa, pelo visto Maria Fernanda, você falhou em entender a importância da tarefa que eu lhe designei, a não ser que tenha terminado. Será que eu vou ter que reunir todos os associados porque a assistente jurídica estava ocupada demais conversando e não conseguiu terminar?
— Na verdade, a tarefa já foi finalizada e eu já ia mandar para você via e-mail. – ela diz com firmeza.
— E a senhorita? – dirige-se a mim – O que faz aqui?
— Estava pedindo à Maria Fernanda se ela poderia me ajudar com a tentativa de conciliação de uma ação de divórcio que vou fazer na parte da tarde. – dou uma sacada rápida
— Doutora Anna, a nossa assistente jurídica não é exclusividade sua. Ela tem diversos associados para auxiliar, acredito que ela já a tenha ajudado bastante fazendo coisas pelas quais ninguém solicitou que fizesse.
Engulo seco aquela resposta e dou um sorriso irônico em sua direção.
— Bom, Maria Fernanda, desculpe tomar o seu tempo. Eu já estou de saída, com licença.
Saio da sala de Maria Fernanda e os deixo a sós. Vou em direção à minha mesa, coloco meus fones de ouvido. Realmente escutar Slipknot estava em primeiro lugar na minha lista de “coisas para fazer quando se está com raiva”. Aproveito para checar minhas redes sociais e havia uma mais uma solicitação de contato de Beatriz no instagram.
*Beatriz*:
- vai realmente me ignorar? Saudade de você. Fala cmg pfvr, preciso te ver.
*Anna Florence*
- o que você quer, Beatriz? Eu já te dei o que você queria.
*Beatriz*
- uma conversa.. pode ser?
*Anna Florence*
- eu não tenho o que conversar, Beatriz. Não posso me envolver assim com a esposa de um cliente, eticamente não é correto. Nem moralmente.
*Beatriz*
- não consigo esquecer o seu beijo e o teu cheiro
Bastou isso, meus amigos. Bastou isso pro meu coração errar as batidas e eu começar a considerar a ideia de vê-la. Não respondo a mensagem, mas ela continua:
*Beatriz*
- estou hospedada no Fairmont, em Copacabana. Eu não moro na cidade do Rio, moro em Petrópolis, estou aqui a passeio. Caso você queira me encontrar, hoje é meu último dia aqui, vou subir a serra amanhã à tarde. Quarto 706.
Aceitei sua solicitação e coloquei a nossa conversa no modo temporário, eu que não queria correr o risco do marido dela pegar o celular dela e olhar nossas mensagens.
*Anna Florence*
- Beatriz, o Kevin é cliente da minha firma. O que ele vai pensar quando me ver em um quarto de hotel com você? Eu tô fora de problema.
*Beatriz*
- ele não está na cidade... anna, eu vou ficar te esperando. Mesmo que você diga que não vai vir, eu estarei aqui.
Visualizo sua mensagem e não respondo, mas fiquei absolutamente tentada a ir naquele hotel, encontrar a mulher que fodeu minha vida há anos e ainda tem tanto poder sobre mim que é impossível raciocinar e pensar racionalmente.
Tento me concentrar no trabalho, ironicamente eu realmente tinha uma conciliação de divórcio para realizar. Minha cliente estava se separando do marido a qual estava casada há 20 anos. Ela me disse na entrevista que o traiu e não se arrepende. Sorrio. Quem dera que acontecesse comigo, quem dera que Beatriz realmente me amasse e estivesse disposta a se divorciar desse cara. Eu nem sei quem ela é de verdade. Suspiro e volto a me concentrar no trabalho.
O dia acontece sem maiores problemas, graças a Deus a conciliação sem nenhum barraco, ambos queriam se separar e pronto. Não precisaria nem entrar na justiça para a dissolução do casamento, seria tudo feito extrajudicialmente.
Dou uma pausa para o café e encontro Ralf na copa interna.
— Anna, já viu o memorando no seu e-mail?
— Não, o que aconteceu?
— O escritório vai comemorar seus 30 anos de existência, a festa é no próximo mês. O memorando foi enviado diretamente pel Dr Proetti. Está todo mundo falando disso, como você não viu?
— Eu não sei, eu estava ocupada o dia todo. – dou de ombros
— Sua workaholic! Hahahaha
— Vai ser aonde a festa?
— Copacabana Palace.
— Já vi que vou ter que gastar milhões em roupa. Não tenho nem orçamento pra isso.
— Nem eu, querida. Mas vou pesquisar smokings, você pode me ajudar com isso? Você tem bom gosto.
— Do que estão falando? – diz Maria Fernanda, entrando na copa interna e pegando nossa conversa no meio
— Do quanto a Anna tem bom gosto – Ralf responde
— É mesmo? – ela olha pra mim como se quisesse que eu dissesse algo
— Para roupas. Viu o memorando?
— Vi. Tenho a opção de não ir? – ela revira os olhos
— Acho que ninguém tem essa opção, mas as festas e coquetéis da empresa sempre são ótimos, essa não deve ser diferente.
— Maria Fernanda, você já tem companhia? – Pergunta Ralf com ar interessado
Como é que é? Olho para ele e o fuzilo com o olhar, quem ele pensa que é pra flertar com Maria Fernanda assim? Na minha frente!
— Ainda não. Tenho trabalhado tanto que estou desanimada para festas relacionadas a trabalho, eu passo 8h do meu dia aqui (ou mais), não queria passar mais do que isso, eu queria absolutamente respirar. – suspira
Ela fala pra ele e eu finalmente respiro. Ela não flertou de volta, ponto para o time Florence. Eles ficam conversando amenidades e eu relaxo. Eu não consigo definir o que sinto por Maria Fernanda, era um ciúme com misto de querer beijá-la, de tê-la, de protegê-la. Sempre quando ela se aproximava de mim e eu sentia seu cheiro de perfume suave, eu ficava embriagada com aquilo.
Nunca cheguei a perguntar a Maria Fernanda sobre sua sexu*l*idade, mas com certeza estava estampado na cara dela que era lésbica. Se fosse bi ou hétero, seria uma decepção: Tão linda e perdendo tempo com pau. Dou uma gargalhada do meu pensamento e ambos olham para mim com um ponto de interrogação no olhar.
— Passou uma coisa muito engraçada na minha cabeça, desculpem – falo ainda rindo do que pensei – vou trabalhar, beijos pra vocês.
Me despeço deles e volto para o meu trabalho, tenho mais uma reunião com um cliente novo que veio me procurar para entrar com uma ação de reintegração de posse. Que chatice, meu Deus. E sabe o pior? Os clientes da área cível gostam de mim, mesmo eu não gostando nem um pouco de atender a demanda deles. Eu faço Direito por paixão, pois amor mesmo só na área criminal. Li essa semana que a Doutora Deolane foi presa, seria meu sonho tirá-la da cadeia? Hahaha.
Bato finalmente meu ponto e vou em direção ao meu carro, antes de dar partida olho mais uma vez o telefone. Beatriz não havia mandado mais nada, mas meu coração estava pedindo por ela. Pela Beatriz eu sei o que sinto, eu sinto amor. Aquele amor que você vê a pessoa e seu coração fica quentinho, você sorri quando a vê, quer fazer planos com a pessoa, ter uma vida, ser feliz. Eu imaginava a felicidade ao lado dela, mas eu não conseguia imaginar isso sendo possível.
Cheguei em casa e fui direto para o chuveiro. As lembranças do passado começaram a torturar minha mente, eu voltava no tempo a todo momento e naquele fatídico dia. As lágrimas automaticamente surgem nos meus olhos, tento afastá-las, mas eu não consigo. Céus, preciso urgentemente de terapia. Como uma pessoa adulta não superou algo que aconteceu na adolescência? Eu, mulher, advogada, dona da própria casa e do próprio carro, emprego fixo, carreira em ascensão. Bastava uma pessoa vir e conseguia me derrubar inteira, apenas ela conseguia me derrubar dessa forma. Havia raiva, havia mágoa em meu coração, mas também havia amor e um tanto de sentimentos confusos.
Desligo o chuveiro e vou até o guarda-roupa e visto um macacão longo preto, coloco um tênis branco, pois salto Deus me livre. Ponho uma maquiagem leve, destacando meus olhos, solto os cabelos, não penteio. Deixo-os rebeldes, assim que eu gosto. Pego as chaves do carro e saio em direção ao desconhecido.
Fim do capítulo
Será que a Anna vai seguir o coração ou a razão? No próximo capítulo vou escrever sobre o que aconteceu lá na adolescência com a Anna.
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 21/09/2024
Lá vai Anna quebrar a cara essa Beatriz é chave de cadeia miserável.
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