Capitulo dois: troca de olhares
Já eram 5h da manhã quando acordei e fiz minha higiene rapidamente, escolhi o primeiro blazer que vi no guarda-roupa, tomei meu café e saí para o trabalho. Não deu tempo nem de respirar.
Cheguei pontualmente às 6h30. Estava focada no processo da empresa de transportes. Eles iriam declarar falência em 2 semanas e nos procuraram para tentar reverter a situação, mas eu ainda não havia achado um meio pra isso.
Mergulhei nas doutrinas de direito empresarial, tentando decifrar aquele juridiquês insuportável, sem perceber o tempo passar. Meus colegas de trabalho me davam “bom dia”, mas eu respondia de forma engessada. Não tinha tempo para conversas inúteis; minha única prioridade era encontrar uma solução para o caso. Foi quando ouvi alguém batendo palmas, chamando nossa atenção.
— Atenção, Doutores! — A voz aguda do meu chefe ecoou pela sala.
Roberto era o sócio sênior chefe dos associados do setor de civil e empresarial e ele era a personificação do excesso. Era um homem baixo, ostentava uma calvície avançada que ele tentava disfarçar com os fios penteados cuidadosamente para trás. Seu rosto redondo, que transbordava expressões exageradas, os dentes grandes sempre aparecendo entre sorrisos falsos ou caretas enigmáticas.
Ele era workaholic como eu, mas ele chegava a ser abusivo. Enviava e-mails de madrugada e cobrava respostas antes mesmo do expediente começar. Pra piorar, ele tinha o dom de se meter onde não era chamado e parecia saber – ou achar que sabia – tudo o que acontecia no escritório. Era um bajulador nato: sempre atrás do Dr. Proetti, que era o chefe do escritório, tentava desesperadamente ganhar pontos com a chefia. O problema era que a Dra. Baldez não tinha paciência para suas investidas e já havia dado alguns foras nele na frente dos associados.
Depois que ele conseguiu a nossa atenção por completo, prosseguiu com seu discurso. Coloquei a caneta na boca de forma impaciente, mordiscando. Eu tinha muito trabalho a fazer e gostaria de me concentrar sem interrupções.
— Atenção, doutores! Visando a melhoria das pesquisas jurídicas e jurisprudenciais nesse setor, contratamos uma assistente jurídica para auxiliar vocês. O nome dela é Maria Fernanda e está à disposição de todos os associados. Ela terá uma sala ao lado da minha e vocês poderão contatá-la quando precisar de ajuda em algum caso. Agora, mais do que nunca, eu não quero corpo mole! Quero o setor de Direito Civil e Empresarial trabalhando intensamente!
Revirei os olhos. Para que todo esse show para apresentar uma funcionária?
Foi então que prestei atenção nela. Estava visivelmente ruborizada, timidamente, por ter sido apresentada no meio de tanta gente, mas sua postura transbordava confiança. Maria Fernanda era ruiva, com algumas sardas delicadas salpicadas pelo rosto. Não eram muitas, mas tinham sardinhas singelas ali. Seus olhos azuis claros eram os mais lindos que eu já havia visto.
Ela usava uma saia lápis cinza, um pouco acima do joelho, combinada com uma blusa branca impecável. Nos pés, uma singela sandália prata que harmonizava perfeitamente com seus acessórios discretos. Eu não consigo desviar o olhar dela até que, por um segundo, nossos olhos se encontraram. Fiquei hipnotizada, o tempo parecia ter parado. Ela também me olhou diretamente, parecia me analisar. Por alguns segundos, fiquei ali, sem saber como agir, até que ela se virou para Roberto quando ele acabou o blá-blá-blá dele, agradeceu o apoio e disse que esperava poder ajudar todos de forma significativa.
Depois que Roberto finalmente saiu e ela seguiu para sua sala, respirei aliviada e senti que o meu estômago parou com a sensação estranha e meus pequenos suspiros em relação à beleza dela cessaram.
Oi? Pequenos suspiros? Eu só posso estar louca.
Já eram quase 12h quando decidi fazer uma pausa no trabalho para almoçar. Estava morrendo de fome, não havia comido nada ainda. Peguei minha bolsa e saí em direção ao restaurante próximo ao escritório. Quando entrei, Jasmine, a garçonete com quem às vezes mantinha um envolvimento casual, veio ao meu encontro com aquele sorriso de sempre.
— Estressada hoje, meu bem?
— Só um caso que não consigo encontrar uma saída. Com certeza, não estarei perto de resolvê-lo tão cedo. Isso está me consumindo.
— Posso te ajudar a aliviar esse estresse mais tarde, topa? — ela disse, com um tom sugestivo.
— Não seria nada mal — respondi com um sorriso malicioso. — Vou pedir o de sempre.
Ela anotou meu pedido com a rapidez de sempre e, ao ouvir "o de sempre", soltou uma risadinha. Era uma piada interna nossa. Uma loira daquelas queria se envolver comigo, e eu, tão estressada, não estava exatamente em posição de recusar uma proposta indecente.
Terminei a refeição rapidamente, paguei a conta e antes de sair, avisei a Jasmine que mandaria uma mensagem mais tarde.
Cheguei no escritório e, logo que entrei, o telefone na minha mesa tocou. Atendi rapidamente, e era Roberto pedindo que eu fosse até a sala dele. É, minha gente, os momentos de paz duraram um pouco.
Quando cheguei lá, ele estava com um semblante sério, aquilo era rotineiro, ele não era de dar sorrisos mesmo, por isso não me importei de imediato
— Por favor, Anna. Senta.
— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei, já me sentando e acatando o pedido.
— Olha, nunca me arrependi de aceitar um caso na minha vida, mas esse da Maximum Transportes está me deixando absolutamente estressado. — Ele faz uma pausa — Sei que posso parecer exigente e realmente sou, sei que está fazendo o máximo possível, mas esse caso não é fácil. O cliente está cada vez mais no nosso pé, desesperado por resultados. Eu não tenho como dar resultados a ele, pois até agora você não me deu nenhum.
— Como assim? Você me deu o caso ontem, Roberto. Não é assim, de uma hora para outra que irei resolvê-lo. Não posso agir de qualquer forma nisso. Você mesmo disse que é um caso complicado de resolver, por acaso você não está acreditando n minha competência para resolvê-lo, é isso?
— Não me entenda mal, Dra. Florence. Acredito que Ralf já deveria ter encontrado uma solução para esse caso. Desde ontem você está nisso e ainda não bolou uma estratégia, não encontrou um jeito de reverter a falência da empresa. O que isso me faz pensar?
Respirei fundo e não o respondi. Não queria ser demitida por justa causa, mas adoraria colocar esse babaca no lugar dele. Como não obteve resposta, ele resolveu continuar.
— O cliente vem aqui para uma reunião amanhã e quer saber como está o andamento do processo. Se eu não tiver nada até amanhã às 14h, terei que tirá-la do caso e passar para o Ralf ou outro associado. Estamos com prazo curto.
Levante-me, dei um sorriso sarcástico e equilibrei a cabeça positivamente.
— Está certo. Compreendido. Deseja algo mais ou posso voltar para minha mesa?
— Pode ir.
Saí aquela sala querendo dar um soco no primeiro que passasse na minha frente. Me dirigi até a copa do setor e enchi minha caneca de café, sem me importar com os outros funcionários. Bebi aquele líquido amargo — certamente alguém esqueceu do açúcar — como se fosse pinga, virando praticamente tudo de uma vez. Vi estrelas. Era como se a cafeína estivesse sendo injetada nas minhas veias. Vi tudo girar em segundos. Acho que estava tudo misturado dentro de mim... A raiva, o caso, a frustração com Roberto, os sonhos com Beatriz, meus traumas, minhas inseguranças...
Senti um tremor nas mãos. Apertei os olhos, encostei as costas no armário atrás de mim e me apoiei para não cair. Meu coração estava acelerado e eu tinha a sensação de que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
— Você está bem? — Disse Maria Fernanda, se aproximando com um ar de preocupação.
— Estou sim... Vai passar.
— Você quer uma água? Está muito pálida. Está passando mal? Eu te levo até a enfermaria, não sei onde fica, mas te levo.
Achei graça na sua preocupação e dei um meio sorriso.
— Vai passar. Me dá licença? Tenho que voltar para minha mesa, tenho muito trabalho.
— Se precisar de alguma coisa, estou à disposição. É só bater na minha sala ou ligar para o meu ramal.
— Obrigada, Maria Fernanda. Você é muito gentil.
Fui até o banheiro, lavei o rosto e, mesmo assim, ainda senti minhas mãos trêmulas. Peguei minha bolsa, retirei meio comprimido de clonazepam e tomei, tentando desacelerar um pouco. O que fiz com o café foi loucura, e o que fiz com o clonazepam foi ainda mais insano. Por favor, não façam isso.
Subi até a cobertura do prédio para pensar em uma solução e esperar o remédio fazer efeito. Senti o vento no meu rosto e me permiti fechar os olhos, respirando fundo. Quando fiz isso, pensei em Maria Fernanda, me perguntando se eu estava bem, tão preocupada comigo... Aquela preocupação parecia tão sincera.
Mas o que realmente me fazia ficar nervosa era o sorriso dela. Era um sorriso tão bonito, gentil, quase perfeito, deixava meu coração batendo rápido. Ela era linda, com aqueles olhos azuis e aquele jeito doce de falar, sempre educado e atencioso. E, por mais que eu tentasse não reparar, não consegui deixar de notar que ela era encantadora.
Pensar sobre isso, só me deixou ainda mais inquieta. O que estava acontecendo comigo? Eu estava interessada na secretária jurídica? Rio desse pensamento. Anna, Anna... Você não pode perder tempo com distrações.
Volto ao meu setor, sento-me na cadeira e penso em algumas formas de resolver esse caso, mas nada vem. Lembro das palavras de Roberto dizendo que Maria Fernanda poderia ajudar no que a gente precisasse. Apesar de ela ser apenas uma assistente jurídica, me pareceu alguém decidida e inteligente.
Tomo coragem e caminho em passos lentos até a sua sala, antes de bater, paro com a minha mão no ar hesitante. Sentia que estava entrando em um terreno perigoso, onde eu poderia ser engolida a qualquer momento pela ruiva mais linda que eu já vi.
Bato na porta e lá de dentro ela aumenta o tom de voz e fala um singelo “entra”. Quando ela me vê, abre aquele sorriso. Ah, que sorriso lindo.
— Dra Anna... Oi.
— Você sabe meu nome — Retribuo o sorriso e me sento na cadeira em sua frente.
— O seu nome e o nome do Doutor Roberto foram os únicos que eu consegui gravar.
— Não me lembro de ter mencionado.
Ela parece um pouco desconcertada com a minha observação, mas logo complementa:
— O Dr. Roberto me disse.
Será que Roberto disse o meu nome para ela? Ou será que ela perguntou? Fiquei imaginando por um segundo enquanto prosseguia com o que precisava.
— Não tenho muito tempo. Estamos no meio de uma reversão de falência da Empresa Maximum Transportes e amanhã é a minha primeira reunião com eles e querem resultados, mas eu não tenho nada.
Ela balançava a cabeça positivamente, prestando atenção em cada palavra que eu dizia.
— Em um primeiro momento, vou pedir ao juiz a recuperação judicial da empresa para não perdermos tempo, mas não queria chegar a esse ponto da recuperação, pois eles não querem declarar falência mesmo. Tem cliente que acha que advogado é santo milagreiro, né? Enfim.
Ironizo a última frase sobre os clientes e ela abre um sorriso.
— Preciso entrar em contato com o credor para saber como negociar essa dívida milionária que eles têm, mas pelo que eu li no resumo que Roberto me deu do caso, eles não querem negociar nada. — Reviro os olhos — Preciso que ache alguns precedentes para que force essa negociação. Você consegue me ajudar? Eu não sei quantas pessoas estão na minha frente nesse momento, mas essa demanda é extremamente urgente.
— Dra. Anna, será um prazer ajudá-la. Quando começamos?
— Pode ser agora?
— Estou à sua disposição — Ela diz, animada.
— Vou pegar o notebook e as minhas anotações para a gente começar. Quer fazer isso aqui ou na sala de reuniões? — Digo já me levantando
— Aonde for mais confortável pra Doutora. — Ela me deu uma piscadinha
Meu Deus, que mulher.
Fui até a minha mesa, peguei livros, anotações, notebook, papéis, tudo o que era necessário, e fui direto para a sala de Maria Fernanda para começarmos a trabalhar. Ela era muito eficiente, olhava tudo com atenção, não deixava passar nada e me fazia perguntas sempre que não entendia algo.
Depois de suas inúmeras pesquisas, enquanto eu digitava a petição inicial e o pedido de recuperação judicial da empresa, ela soltou um grito que até me assustei:
— Achei!
— O que você achou? Que susto! — Sorri colocando a mão no peito e ela sorriu de volta, visivelmente animada.
— Achei uma jurisprudência favorável, mas antes de usar em juízo, tenta marcar uma reunião com o banco credor pra fazer uma proposta, quem sabe não aceitam e vocês consigam resolver tudo extrajudicialmente?
— Eles não estão dispostos a negociar a dívida, infelizmente. Você acha que eu devo tentar novamente? Se eu tentar novamente, vou ameaçá-los a entrar com a ação.
— Acho que é válido tentar.
— É, vale sim. E o que mais você achou?
Ela se aproximou de mim e se sentou ao meu lado, me explicando os detalhes. Tentei me concentrar nas palavras dela, mas o seu perfume — com certeza Floratta Red — estava me deixando completamente tonta. Ela era muito cheirosa. Quando ela passou a pontinha da língua nos lábios, me senti perdida, meu corpo inteiro reagindo a ela.
Tentei focar no que estávamos fazendo, olhar para os papéis, mas só conseguia pensar no quanto ela estava perto demais. O calor do seu corpo, a suavidade da sua voz... Cada movimento que ela fazia, eu ficava mais instigada. Meu coração acelerou e, por um momento, uma vontade repentina de beijá-la me invadiu.
Foi quando nossos olhares se cruzaram, e, de repente, o tempo parou. Ela ficou em silêncio, e eu também, não conseguindo desviar os olhos dela. Era como se o mundo tivesse desaparecido ao nosso redor.
Foi a troca de olhares mais intensa da minha vida.
De repente, percebi o que estava fazendo e, um pouco desconcertada, decidi voltar à realidade.
— Obrigada, Maria Fernanda. Foi muito bom trabalhar com você. — Digo, fechando o notebook e fazendo as últimas alterações sobre o caso no meu bloco de notas.
— Eu... Eu... também acho, Dra. Anna. Foi realmente muito bom trabalhar com você.
— Você é muito dedicada e empenhada, será uma advogada incrível. Obrigada por atender meu pedido de última hora.
— Não quero me meter no que não é da minha conta, mas você está bem? Não parecia quando nos encontramos na copa.
— Bom, agora estou sim. — Dou um sorriso aliviado — Estava preocupada com esse caso.
Na verdade, eu ficaria bem melhor depois de um beijo seu.
Anna, que pensamentos são esses sobre a assistente? Decido interromper a conversa antes que eu ouvisse meus pensamentos intrusivos e a beijasse ali, ganhando assim, um processo por assédio.
— Bem, vou ligar para o advogado do banco para marcar a reunião com ele. Espero que seja antes do cliente chegar aqui. — Me levanto pegando minhas coisas. — Mais uma vez, obrigada Maria Fernanda.
— Imagina, se precisar conte comigo.
Ela apertou minha mão e me levou até a porta. Saio da sua sala com o coração descompensado e um sorriso no rosto, balanço a cabeça negativamente repetindo para mim mesma:
“Foco na carreira, foco no trabalho, NÃO se permita! Você sabe o que aconteceu da última vez que você se permitiu.”
Já na mesa, ligo para o advogado do banco e uso todo o meu poder de persuasão para marcar a reunião antes do cliente chegar aqui amanhã. Ele fica sem saída e decide aceitar.
O Roberto mal pode esperar pela revira volta que esse caso vai ter, estou com sangue nos olhos só porque ele disse que deveria ter passado o caso para outra pessoa. Daqui a pouco ele também colocaria em dúvidas a minha capacidade para ser advogada júnior. Eu era mais do que capacitada pra isso, eu não via a hora de subir de cargo para escolher trabalhar com direito criminal e sair desse setor horrível pra sempre.
Roberto não perde por esperar.
Fim do capítulo
Meninas, no capítulo seguinte entrarão dois personagens novos na história, quem será que é? hahahaha
Comentem, é muito importante pra mim.
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Zanja45
Em: 08/11/2024
Anna pelo que vi não deixa passar nada, já tem um biscate com a garçonete, agora já está de olho na Assistente Jurídica e ainda tem Beatriz, a ex pra pensar. Kkkk!

nath.rodriguess
Em: 08/11/2024
Autora da história
hahahaha a anna eh babado
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Zanja45
Em: 08/11/2024
Maria Fernanda, chegou com muito gás e já foi ajudando Anna. Que bom que ela está abrindo o caminho junto com a ajuda de Maria Fernanda pra tentar reverter a situação da Maximus Transportes,mas será que ela conseguirá fechar o acordo?

nath.rodriguess
Em: 08/11/2024
Autora da história
Anna é sempre muito perspicaz e focada no que ela quer
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Zanja45
Em: 08/11/2024
Esse chefe de Anna já pega no pé dela. Que cara insuportável.

nath.rodriguess
Em: 08/11/2024
Autora da história
Sim, muito! Acho que todos nós já encaramos um chefe assim na vida, não é?
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jake
Em: 01/09/2024
Anna foca no caso e mostra ao Roberto que vc é capaz.
Eita q M.Fernanda já está mexendo com os pensamentos da Dra.Anna.
Quem será os próximos personagens???

nath.rodriguess
Em: 04/09/2024
Autora da história
Hahahahaha eu postei dois capítulos novinhos pra vocês não ficarem na expectativa
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Marta Andrade dos Santos
Em: 01/09/2024
Vai dar tudo certo Anna e Roberto vai morder a língua.

nath.rodriguess
Em: 04/09/2024
Autora da história
Roberto é um ridículo, construí o personagem dele inspirado no meu ex chefe.
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nath.rodriguess Em: 03/01/2025 Autora da história
ela gosta de curtir muito a vida kkkkkkk