Capítulo 21
Marisa passou quase uma hora dentro da floricultura, pensando no que comprar. Pensou em um buquê de rosas, mas não queria causar nenhum problema caso Laila estivesse realmente namorando. Pelo mesmo motivo achou melhor mandar a encomenda para o escritório, e não para a casa, assim ela não precisaria dar explicações para a namorada.
“Namorada.”
Só o pensamento embrulhou seu estômago, mas tinha que lidar com a realidade. Aquela era uma hipótese bastante palpável, que tinha grandes chances de ser verdadeira.
Quando, enfim, escolheu a orquídea, pegou o cartão e foi bastante direta. Continuava apaixonada por ela, queria uma chance de conversarem. E prometeu que, se Laila assim quisesse, seria a última. Assinou e colocou no envelope, passou o nome e endereço da destinatária e só restou torcer para que ela pelo menos respondesse.
*****
Ficou esperando o relógio marcar dezoito horas em ponto, horário em que terminava o expediente de Tales na empresa de marketing que ele trabalhava. Pegou o celular e ligou, os quatros toques parecendo quarenta, tamanha a ansiedade para que atendesse. Quando enfim ouviu a voz dele:
— Oi, amiga!
Quase não se lembrou de perguntar:
— Já saiu do trabalho? Tá podendo falar?
Ouviu o barulho da porta do carro se fechando quando ele respondeu:
— Acabei de chegar no estacionamento. Pode falar.
Laila hesitou um pouco, não sabia por onde começar:
— Preciso da sua ajuda… Não sei o que fazer.
Ele disse rápido:
— Deixa eu adivinhar… Tem a ver com a advogada que sumiu da sua vida, foi parar na Europa e ficou meses sem mandar sequer um sinal de vida?
Laila não conseguiu rir, a brincadeira dele era a mais pura verdade:
— Acho que você já me respondeu antes mesmo de eu perguntar.
Talvez sentindo a apreensão na voz dela, Tales falou sério dessa vez:
— O que foi que houve?
Laila suspirou ruidosamente e depois disse:
— Ela me mandou uma flor, com um bilhete.
Fez uma pausa e completou:
— Pediu pra me encontrar, nem que seja uma última vez.
O amigo ficou mudo do outro lado, fazendo Laila questionar:
— Tales?
Ele voltou a falar:
— Oi… Tô aqui…
— O que você acha?
Dessa vez não houve silêncio:
— Vou ser bem sincero, Laila. Você sabe o que eu penso dela, o que ela fez com você foi muita falta de maturidade, no mínimo… E outra coisa, como vai ser isso? O que mudou? Vocês vão continuar se encontrando às escondidas? Você vai continuar sendo a amante? Eu sei que o casamento dela é de fachada, mas e pra você, como vai ser? Já que ela não pode ser vista em público, tem que passar as datas comemorativas com o marido e a família… Você tá disposta a viver assim?
Laila apoiou o cotovelo na mesa e colocou a mão na testa:
— Você tá certo, eu não deveria nem estar cogitando vê-la de novo.
A voz dele amenizou:
— Amiga, eu estou te falando como alguém de fora dessa relação. Esse é o lado racional… Mas só você sabe o que tá sentindo aí dentro. Só você pode dizer se ainda precisa dessa conversa.
*****
“Oi. Obrigada pela flor. Podemos nos encontrar em um restaurante?”
Estava com o celular na mão há pelo menos vinte minutos. A tela mostrava a mensagem de Laila — que já tinha decorado. Marisa havia passado o restante do dia anterior esperando uma resposta, que só veio naquela manhã. Mas estava feliz, ela havia respondido e aceitado que se encontrassem, o que já era ótimo, apesar dos planos de Marisa serem outros.
Digitou e apagou a mensagem várias vezes, pensando em como responder e ao mesmo tempo não querendo demorar, para não ficar parecendo desinteresse ou descaso.
“Oi! Que bom que você respondeu… Eu estava pensando em te receber na minha casa, pode ser? Está livre hoje à noite? Posso te buscar a hora que quiser ou te passo meu novo endereço.”
Enviou a mensagem, bloqueou a tela do celular e o deixou em cima da mesa. Levantou e saiu de perto, como se isso pudesse aplacar a ansiedade e o medo da resposta que poderia receber. Nem cinco minutos depois, checou o aparelho e nenhuma mensagem. Saiu de perto de novo, foi para o quarto, arrumou a cama, tomou uma xícara de café e pegou de novo o celular. Nenhuma resposta.
*****
Depois da conversa com Tales, Laila foi para casa bastante pensativa. Não sabia o que fazer. Cogitou ignorar, ou mandar uma mensagem apenas agradecendo as flores. Mas sabia que, no fundo, não era isso que queria. Seguiu o conselho que o amigo tinha dado antes de terminarem a ligação:
— Vai pra casa, descansa, dorme e amanhã você decide melhor o que fazer.
Teve uma péssima noite de sono e acordou com a sensação de que tinha sido atropelada por um caminhão. Preparou e tomou o café tentando conter a ansiedade. Quando ficou pronta olhou para o relógio e viu que ainda tinha tempo antes de precisar sair para trabalhar. Sentou no sofá com o celular na mão e decidiu resolver aquilo de vez. Aquela seria a conversa derradeira. Digitou sua resposta, enviou, pegou a chave do carro e saiu de casa.
No caminho para o escritório, parou em um sinal e pegou o celular no banco do carona. Viu pelas notificações que Marisa tinha respondido, mas não abriu a mensagem. Chegou ao prédio do escritório, estacionou, subiu e entrou em sua sala. Começou a trabalhar para, alguns minutos depois, perceber que estava completamente dispersa. Adiar ler a resposta de Marisa só estava a atrapalhando. Pegou o celular e finalmente abriu o aplicativo de mensagens. Precisou ler pelo menos umas três vezes:
“Te passo meu novo endereço.”
A frase fez surgir milhares de questionamentos na cabeça de Laila. Marisa tinha se mudado. Com Edgar? Sozinha? Se fosse sozinha, o que significava? Tinha se separado? Ou só não dividia mais o mesmo teto que ele?
Não quis ficar dando espaço para especulações. Acreditou no bom senso de Marisa, que não a convidaria para estar no mesmo lugar que Edgar, e aceitou:
“Tudo bem, me passa o endereço. Chego às 20h?”
*****
— Merda, merd*, merd*…
Praguejou em voz alta enquanto levava o dedo à boca, tentando amenizar a dor da pequena queimadura. A cozinha estava uma bagunça, a roupa estava suja e o fogão um caos.
Marisa olhou para o relógio, tinha menos de uma hora para ficar tudo pronto, inclusive ela mesma, antes de Laila chegar. Se arrependeu várias vezes da ideia arriscadíssima de cozinhar o jantar. Tinha pegado na internet uma receita relativamente fácil de macarrão — que era o que sabia fazer — com camarão, que sabia que Laila gostava.
Quando deixou a comida encaminhada, lavou a louça e arrumou a cozinha. Faltava menos de vinte minutos para às oito quando entrou no chuveiro. Tomou banho o mais rápido que conseguiu, mas perdeu muito tempo escolhendo o que vestir. Testou várias peças de roupa, mas nenhuma lhe agradava, nenhuma parecia servir. Por fim optou pelo básico: calça e blusa.
Às oito e quinze da noite, estava borrifando o perfume, quando ouviu a campainha. Já tinha deixado a entrada dela autorizada na portaria. Deu uma última olhada no espelho e foi em direção à porta, com o coração quase saindo pela boca.
— Oi…
Marisa quase gaguejou, tentando manter a respiração normal, com a visão de Laila absurdamente linda, com um vestido preto, na medida certa entre formal e casual:
— Oi… Entra…
Sorriu e deu passagem para que Laila entrasse, sem conseguir conter o olhar que desceu da cabeça aos pés, enquanto ela estava de costas.
Caju logo apareceu abanando o rabo e cheirando as pernas de Laila. Ele pareceu ter se lembrado dela, que agachou um pouco para acariciá-lo.
Quando ficaram frente a frente de novo, Marisa disse:
— Que bom que você veio.
Laila deu um leve sorriso e perguntou:
— Apartamento novo?
Marisa também sorriu e respondeu:
— Pelo menos por enquanto.
Contendo a imensa curiosidade de perguntar o que significava aquela resposta, por que ela havia se mudado e o que tinha acontecido, Laila apenas meneou a cabeça.
— Senta, fica à vontade. O que você quer beber?
Observou a pequena mesa de quatro lugares posta na sala, com dois pratos, copos e talheres arrumados. Também viu as flores estrategicamente arrumadas em um pequeno arranjo e a luz quente do ambiente. Respondeu se sentando:
— Eu queria uma água.
Quando Marisa deu as costas em direção à cozinha, a acompanhou com os olhos até ela desaparecer. Tinha decidido não beber nada alcoólico pois queria estar cem por cento sóbria para aquela conversa. Não queria que nada interferisse na sua decisão, qualquer que fosse.
Marisa voltou com uma jarra d’água e a serviu. Depois sentou frente à ela:
— Como você está?
Se arrependeu da pergunta clichê, mas foi o que pensou para começar um assunto. Depois de um gole, Laila respondeu:
— Bem… E você?
Sorriu levemente, depois suspirou:
— Bem, mas parece que passou um furacão na minha vida.
Laila arqueou as sobrancelhas:
— Mesmo?
Não sabia o que Marisa queria ou não contar, então soltou a pergunta vaga. Ela ia começar a falar mas foi interrompida pelo alarme do celular:
— Só um instante…
Nos breves minutos que ficou sozinha esperando, Laila olhou ao redor na sala. Parecia mesmo a casa de alguém que tinha se mudado recentemente. Quando Marisa voltou, parou de pé e perguntou:
— Está com fome? Nosso jantar tá pronto.
Foi involuntária a expressão de surpresa de Laila:
— Estou um pouco. Se você quiser, já podemos comer.
Ela sorriu e disse, antes de sair de novo:
— Ótimo. Já volto!
Logo depois apareceu com uma travessa fumegante, que deixou sobre o descanso em cima da mesa.
Laila conteve como pôde a vontade de questionar de onde tinha saído aquele jantar.
— Posso te servir?
Estendeu o prato para Marisa e depois agradeceu:
— Obrigada.
Provou pela primeira vez a comida e não conseguiu mais se conter, a curiosidade era demais:
— Foi você quem cozinhou?
A insegurança de Marisa ficou estampada no rosto dela, enquanto ela falava apressadamente:
— Não tá bom, não é? Não precisa comer, a gente pode pedir alguma coisa…
Tentou pegar o prato de Laila, mas ela a conteve, colocando a mão sobre a sua:
— Calma, eu só perguntei quem tinha feito…
Manteve a mão sobre a de Marisa e a olhou nos olhos:
— Está muito bom.
Marisa se acalmou, mas ainda estava hesitante:
— Mesmo? Pode falar a verdade…
Sentiu um leve carinho da mão de Laila na sua quando ela falou:
— Mesmo. Só fiquei surpresa de você estar cozinhando.
Deu de ombros e justificou:
— Estou tentando e me arriscando um pouco.
Laila sorriu ainda mastigando e quando terminou disse:
— Eu ainda acho que se eu for naquela cozinha vou encontrar alguém cozinhando escondido pra você.
Riram juntas, recuperando um pouco da cumplicidade e do senso de humor que dividiram um dia.
— Muitas coisas mudaram na minha vida nas últimas semanas.
Laila sentiu abertura para perguntar:
— Quer me contar?
Marisa a olhou nos olhos quando falou:
— Claro… A primeira coisa você já sabe.
Fez um movimento com a mão, indicando o cômodo e continuou:
— Me mudei… Porque estou me separando de Edgar oficialmente.
Laila bebeu um gole d’água tentando disfarçar o que a informação a fez sentir. Marisa continuou:
— E não trabalho mais no escritório do meu pai.
Aquilo Laila realmente jamais esperaria. Não conseguiu conter o semblante surpreso, nem a pergunta direta:
— Por quê?
Com um pequeno sorriso entristecido, ela respondeu:
— Porque assim que eu pedi o divórcio, Edgar foi correndo contar pra ele que eu sou lésbica.
Voltou a falar antes de levar o garfo à boca:
— Ele também contou pros meus pais sobre nós duas…
Laila arregalou os olhos:
— E o que você fez?
Marisa terminou de mastigar, pousou os talheres no prato e disse com uma serenidade que surpreendeu Laila:
— Eu disse que era verdade… Que eu me apaixonei por você. E também que já tinha me relacionado com outras mulheres antes.
Laila ficou quase boquiaberta, demorou alguns segundos para voltar a falar:
— E eles?
Marisa suspirou:
— Nunca mais falaram comigo.
A exclamação de Laila saiu sem que ela percebesse:
— Meu Deus!
Voltou a tocar a mão de Marisa:
— Sinto muito que tenha sido assim.
Marisa acariciou a mão dela e sorriu ligeiramente:
— Eu também, mas não me arrependi de ter falado tudo de uma vez. É como se eu tivesse tirado um elefante das minhas costas.
Depois de, gentilmente, afastar a mão e voltar a comer, Laila perguntou:
— E como está sendo pra você? Essa nova fase…
Respondeu antes de beber um gole da água:
— É tudo muito recente… Tô me adaptando no apartamento, mas só de saber que agora a casa é só minha, já é ótimo. E quanto ao trabalho… Mandei currículos, estou esperando algumas respostas.
O sorriso de Laila quase fez Marisa derreter, quando ela disse:
— Com um currículo igual ao seu… Vai ser muito disputada.
Voltou a procurar a mão de Laila, aproveitando o momento de intimidade:
— E você? Como está a sua vida?
— Tudo bem… Gosto do meu emprego, não tenho do que reclamar.
Marisa soltou a pergunta que queria fazer desde o instante em que tinham começado a conversar:
— Você tá namorando?
Laila desvencilhou a mão da dela e recuou na cadeira:
— Por que você tá perguntando isso?
Marisa se arrependeu de ter tocado no assunto, mas ao mesmo tempo precisava saber:
— Eu vi você com alguém.
Laila desviou os olhos:
— Onde?
— Em um bar.
Voltou a olhá-la e disse séria:
— Se eu estivesse namorando não estaria aqui... Assim... Com você. Eu não teria nem vindo.
Marisa balançou a cabeça afirmativamente:
— Claro… Me desculpa.
Laila respirou e disse, mais amena:
— Eu estava com uma pessoa, mas não chegou a ser um namoro.
A informação e o verbo no passado aliviaram Marisa. Voltou a estender a mão para ela por cima da mesa.
Laila analisou aquele pedido silencioso por um instante, mas acabou unindo a mão à dela de novo.
— Desculpa meu egoísmo, mas... Eu adorei ouvir isso.
Acariciou a mão dela com o polegar ao completar:
— Eu sinto tanto a sua falta.
Laila fechou os olhos com aquela declaração. O coração querendo responder e a razão tentando segurá-la. Voltou a olhar Marisa, tirou a mão da dela e, sem conseguir resistir, tocou seu rosto.
Marisa esfregou o rosto contra a mão de Laila, depois beijou a palma, quase sem acreditar que estava sentindo de novo aquele toque:
— Eu quero tanto consertar as coisas… Se você me der uma chance…
Seguindo apenas a vontade genuína de se aproximar, levantou e estendeu a outra mão, ajudando Laila a se levantar também.
Agiu devagar, observando as reações dela, para saber até onde poderia ir. Colocou as mãos no rosto de Laila e se aproximou lentamente, tocando a boca dela com a sua.
Laila a abraçou pela cintura devagar e fechou os olhos, sem ter a menor condição de resistir. Naquele momento não seria capaz de racionalizar nada, a única coisa que importava era o corpo e a boca de Marisa unidos aos seus.
As duas completamente inundadas por um sentimento de saudade misturado com irrealidade, sem acreditarem que estavam realmente ali de novo.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
SeiLá
Em: 24/08/2024
Que bom que tudo está indo bem para as duas finalmente!
AlphaCancri
Em: 24/08/2024
Autora da história
Finalmente! Será que agora acabam os dias de luta e começam os dias de glória?
[Faça o login para poder comentar]
Marta Andrade dos Santos
Em: 23/08/2024
Gostei Marisa trabalhou certo.
AlphaCancri
Em: 24/08/2024
Autora da história
Temos que ser sinceras, Marisa está acertando bastante ultimamente hahah
[Faça o login para poder comentar]
Julika Sempre
Em: 23/08/2024
Agora vai...
Parabéns
Continue
AlphaCancri
Em: 24/08/2024
Autora da história
Vamos torcer para que vá mesmo hahahah
Obrigada, fico feliz que esteja acompanhando. Próximo capítulo amanhã!
[Faça o login para poder comentar]
Mmila
Em: 23/08/2024
Enfim..... Pode ser um recomeço.
Vai depender da autora.
Tá muito bom!
AlphaCancri
Em: 24/08/2024
Autora da história
Pode ser… Será?
Vai depender de Marisa e Laila, elas que mandam hahahah eu sou controlada por elas. Fico feliz que esteja gostando, próximo capítulo amanhã :)
[Faça o login para poder comentar]
cris05
Em: 23/08/2024
Uuuhhhuuulllll...sextou!
Eu já li esse capítulo 355.000 vezes rsrs
Valeu, autora. Amei!
AlphaCancri
Em: 24/08/2024
Autora da história
Aaah que bom! Quando lê mais de uma vez é porque realmente gostou, né? Fico muito feliiiz.
[Faça o login para poder comentar]
HelOliveira
Em: 23/08/2024
Uau sextou com capítulo novo, revelações e muitos sentimentos....
Marisa tá quase indo para um potinho junto com a Laila
Adorei
AlphaCancri
Em: 24/08/2024
Autora da história
Será que Marisa vai conquistar esse lugar no potinho nos próximos capítulos? Ou você vai querer quebrar o potinho na cabeça dela? Kkkk vamos ver
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
AlphaCancri Em: 24/08/2024 Autora da história
Pode ser que as duas ainda não admitam, mas eu acho que tem bastante amor envolvido rsrs