Capítulo 20
Depois que chegou em casa, Laila foi direto para a varanda. Tinha tido uma noite super agradável com Olívia, como sempre tinha sido quando saíam, mas inventou uma desculpa para que não dormissem juntas.
Se debruçou na sacada, sentindo a brisa da noite e deixando que o aperto que sentia no peito transbordasse pelos olhos. Chorou em silêncio de novo. Não tinha conseguido superar Marisa, pois, se tivesse, estaria naquele momento com Olívia. Ela era maravilhosa, linda, engraçada, inteligente… Mas parecia que nada daquilo era suficiente. E Laila sabia que o problema não era Olívia, e sim, ela mesma. Ninguém seria suficiente enquanto não conseguisse deixar aquele sentimento para trás.
Sentou na espreguiçadeira e abraçou o próprio corpo, quase em posição fetal. A sensação conhecida — de completa impotência — que experimentou durante o divórcio, apareceu de novo. Não se desesperou, apenas se permitiu senti-la. A diferença era que agora sabia que passaria por aquilo, que iria se recuperar, por mais que levasse tempo, como já havia passado antes. Mas saber disso, nem de longe, fazia com que doesse menos.
*****
Deitada na maca do hospital, Marisa olhava para o medicamento gotejando lentamente ao seu lado. Sônia tinha ido em seu socorro, a levado para o hospital e ficado com ela até duas horas atrás. Precisou insistir muito para que ela finalmente fosse embora, pois já passava de meia-noite. O médico da emergência foi muito solicito, conversou com Marisa por bastante tempo, depois que ela já estava estabilizada. Recomendou veementemente que ela procurasse ajuda psicológica, pois tudo indicava se tratar de uma crise de ansiedade. O mesmo diagnóstico que recebeu no hospital em Londres.
De manhã, quando teve alta, Sônia já estava lá. Marisa olhou para ela não como uma colega de trabalho, mas como uma amiga de verdade. Foi inundada por uma gratidão que a fez abraçá-la e dizer:
— Muito obrigada. Por tudo.
Resolveu passar em casa antes de ir para o hotel porque queria ver Caju. Apesar da diarista ter garantido que ele estava bem e de que tinha deixado bastante comida e água no dia anterior, temia que Edgar pudesse fazer algo com ele apenas para atingi-la. Mais um motivo para encontrar logo um lugar definitivo para morar.
Toda melhora que teve durante o tempo no hospital quase foi por água abaixo quando entrou no apartamento e se deparou com a mãe, o pai e Edgar sentados no sofá da sala.
Os três olharam para ela ao mesmo tempo. A mãe baixou o olhar, com um semblante horrível, parecendo que tinha chorado por horas. O pai se levantou, com o cenho franzido e Edgar se colocou ao lado dele.
— Onde você estava, Marisa? Por que nã atendeu o telefone?
A pergunta do pai fez com que ela se sentisse na adolescência, quando chegava tarde em casa. Não queria falar sobre o que tinha acontecido, por isso mentiu:
— Num hotel.
Ele não pediu, ordenou:
— Sente. Queremos conversar com você.
Respirou profundamente e o atendeu. A mãe evitava contato visual e Edgar parecia uma criança que tinha ido contar para os adultos que o coleguinha tinha feito bagunça.
— Edgar conversou comigo. E me contou que você… Que você... Se relacionou com a doutora Laila.
Assim que ele terminou a frase, ouviu-se um lamento curto da mãe, que logo pegou o lenço e colocou sobre o nariz. Marisa voltou sua atenção para os dois homens sentados à sua frente. Primeiro olhou para o semblante dissimulado de Edgar. Depois manteve o olhar firme na direção do pai:
— Sim.
A mãe se levantou:
— Eu não quero ouvir isso, Adriano.
Ele respondeu irritado:
— Vai ouvir sim, Sandra. Todos nós vamos ter essa conversa, doa a quem doer.
Marisa acompanhou, indignada, a mãe obedecendo e voltando a se sentar, completamente submissa. A relação deles sempre tinha sido assim: o pai liderava, dava as coordenadas, decidia o que era melhor para a família, e a mãe seguia cegamente, nunca questionava. Só naquele momento Marisa pareceu se dar conta de como a relação dos dois era, no mínimo, desbalanceada.
— E o que você tem a dizer sobre isso?
Olhou para o pai sem entender a pergunta:
— Pra vocês? Nada.
Percebeu a veia saltando no pescoço dele, o que sempre acontecia quando ficava nervoso:
— Não estou para gracinhas, Marisa. O que foi que deu em você? Por que fez isso? Você não é assim… Você nunca…
Ele parou para respirar e tentar se acalmar, antes de continuar:
— O que ela fez com você? Te seduziu? Vocês estavam bêbadas? Usaram drogas?
Não estava acreditando no que estava ouvindo. O pai preferia acreditar que ela tinha se drogado do que, simplesmente, que a filha gostava de mulheres.
Um fio de felicidade surgiu dentro dela ao perceber que, apesar de sentir os batimentos acelerados, as mãos suarem e não estar nada confortável naquela situação, não cogitou em momento nenhum negar ou voltar atrás na decisão de mudar sua vida:
— Eu me envolvi com Laila porque eu me apaixonei por ela.
O pai falou rápido:
— Por favor, Marisa, depois de velha deu pra isso?
Não se intimidou com o tom dele:
— Não, pai. Sempre fui assim. Sempre gostei de mulheres. Laila não foi, nem de longe, a minha primeira.
A mãe colocou a mão no peito:
— Adriano, eu não vou aguentar.
A cena não fez Marisa parar:
— E eu estou cansada, muito cansada, de ter que fingir essa vidinha que vocês construíram pra mim como sendo perfeita. Há muito tempo eu não tô feliz. Há muito tempo eu venho tendo uma vida dupla, e não quero mais isso.
Doutor Adriano se pôs de pé:
— Pois então saiba que essa sua vidinha perfeita acabou de terminar. Não conte conosco pra mais nada. Não precisa voltar ao escritório. Se você está fazendo uma escolha, arque com as consequências.
A mãe também se levantou:
— Não fala assim, Adriano…
Ele se virou para a esposa e disse:
— Vamos, Sandra, a conversa terminou.
A mãe ainda a olhou por uns segundos, fazendo Marisa achar que ela fosse falar algo, mas ela apenas pegou a bolsa e seguiu o marido.
Quando a porta se fechou, Marisa se virou para Edgar:
— Satisfeito? Tudo resolvido agora.
Ele continuou calado a olhando com a cara fechada. Marisa deu alguns passos em direção ao quarto, mas parou e voltou a encará-lo:
— Você é um bobão, Edgar. Um banana. Não falou uma só palavra aqui na minha frente, mas quis ir correndo contar pra ele quando eu pedi o divórcio. Você é um imaturo, puxa-saco, que lamberia até a sola do sapato do meu pai. Não sei o que eu tinha na cabeça quando aceitei me casar com um homem como você.
O deixou atônito no meio da sala e foi caminhando a passos largos para o quarto.
*****
— Ai, eu não acredito, Laila!
Olhou para a amiga e fez uma cara de rendição:
— Eu não podia continuar com ela dessa maneira, Bárbara.
Tales deu um tapinha em seu braço antes de dizer:
— O seu problema é ter caráter demais… Não estava sendo bom na cama? Por que parar?
Laila suspirou e olhou para os amigos. Estavam na casa dela, sentados na sala, tomando um vinho. Tinha acabado de dizer que havia conversado com Olívia e que decidiram frear a forma com que vinham se relacionando. Não conseguiu manter a decisão de tirar Marisa definitivamente de seus pensamentos. Era incontrolável. E não queria deixar Olívia no meio da confusão sentimental que se encontrava:
— Eu precisava ser sincera... Como gostaria que ela fosse comigo. A gente já estava em um quase namoro, mas eu não consigo agora…
Bárbara fez uma careta:
— Por causa daquela outra.
Laila não respondeu, só deu de ombros, resignada.
Tales encheu novamente as três taças e depois disse, como se estivesse em uma reunião estratégica:
— Então vamos lá: você não superou a advogada bipolar, mas também não quer dar chance pra uma nova relação. Então como superar, se você não consegue seguir em frente? Qual é o seu plano?
Laila riu da maneira com que ele se referiu a Marisa:
— Não tem plano nenhum. Só vou viver um dia de cada vez, deixar o tempo passar…
Bárbara falou impaciente:
— Caramba, Laila, como você quer superar essa querida se fica presa no passado que teve com ela?
Tentou argumentar:
— Não tô presa, eu só não consigo ainda…
Tales a observou em silêncio por alguns segundos e depois disse:
— É realmente passado, certo? Isso ficou no passado, não é? Não vai me dizer que existe alguma chance de você voltar com ela…
O silêncio sincero de Laila fez o amigo exclamar:
— Por tudo que é mais sagrado!
*****
Marisa saiu do consultório da terapeuta e dirigiu até o apartamento que tinha alugado há duas semanas, desde a fatídica conversa com os pais e Edgar. Foram a duas coisas que colocou como prioridade: começar a terapia e se mudar para um local que pudesse chamar de lar.
Caju a recebeu efusivamente, como sempre. Marisa deixou a bolsa no sofá e tirou das sacolas as compras que tinha feito. Após arrumar tudo, sentou no pequeno escritório, ainda improvisado, e abriu o notebook. Depois que havia recebido o e-mail — de um ex-colega de trabalho — para que ela assinasse um termo de renúncia e não atuasse mais em nenhum processo do escritório do pai, tinha entendido que era definitivo. Decidiu mandar seu currículo para alguns escritórios que conhecia na cidade. Optou por não mandar para o que Laila trabalhava, pois não queria, de alguma forma, parecer estar invadindo o espaço dela.
Quando terminou, deu uma ajustada na casa, mudando alguns móveis de lugar, depois anotou coisas que ainda precisava comprar. Já à noite, se arriscou no fogão, fazendo um macarrão ao molho de tomate, com um vídeo de passo a passo aberto no celular.
Sentou para comer e, sem perceber, estava pensando em Laila. No que ela acharia do apartamento novo, se ela aprovaria o macarrão e em como queria contar para ela sobre tudo que havia acontecido em sua vida nos últimos dias. Uma sensação de angústia a invadiu por um instante ao imaginar que isso poderia nunca acontecer. Tinha visto Laila com outra pessoa, no que poderia ser bem mais que um simples encontro, talvez fosse a namorada, talvez ela tivesse seguido a vida.
Mas se não fosse, ainda estava disposta a tentar uma última vez, pelo menos poder mostrar para ela que as coisas seriam diferentes, mesmo sem nenhuma garantia que daria certo.
*****
Laila tinha acabado de sair de uma reunião com um cliente, quando voltou para sua sala e a secretária bateu na porta:
— Chegou isso aqui pra você, doutora.
Arqueou as sobrancelhas e perguntou:
— Pra mim? Não encomendei nada.
A jovem respondeu sorrindo:
— Um rapaz veio entregar, disse que era um presente.
Depois que agradeceu e ela saiu, ficou olhando para a caixa vertical retangular, com um laço no meio. A primeira pessoa que pensou ter mandado foi Olívia, mas depois da conversa que tiveram, não tinham trocado mais que meia dúzia de mensagens.
Pegou o pequeno bilhete preso na caixa e o abriu. Todo o corpo foi preenchido por uma onda elétrica quando viu a assinatura, antes mesmo de ler o restante.
Leu a mensagem com o coração martelando no peito. Se levantou, andou pela sala, relendo várias vezes as palavras dela. Depois voltou a se sentar e puxou o laço, que se desfez abrindo as quatro partes da caixa, revelando um lindo arranjo de orquídea branca.
Fim do capítulo
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HelOliveira
Em: 21/08/2024
Laila é muito especial......Marisa já está me dando orgulho, só a força do amor pra fazê-la arrumar tanta coragem...pq essa família dela aff
Vamos ver se consegue conquistar a confiança da Laila de novo
Autora a história está maravilhosa
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Dessinha
Em: 21/08/2024
Bom demais lidar com gente madura. As duas personagens principais estão se mostrando ser, é maravilhoso de ler. Belíssimo!
AlphaCancri
Em: 21/08/2024
Autora da história
Eu confesso que tenho inveja da maturidade delas, principalmente de Laila.
Foi o que eu pensei em fazer com as personagens quando comecei a escrever essa história… Maturidade de duas mulheres adultas, apesar de alguns deslizes, pois não somos máquinas rsrs
Fico feliz que tenha percebido e esteja gostando! Obrigada!
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cris05
Em: 20/08/2024
Sábia decisão, Laila. Olivia não merece estar nesse rolo e sair magoada.
Bravo, Marisa! Eu consigo visualizar a cara de tacho de Edgar.
Autora, querida, como você termina o capítulo desse jeito? Isso é maldade, viu.
Amanhã é sexta, sabia? E não vale responder o comentário só na quinta rsrs.
AlphaCancri
Em: 21/08/2024
Autora da história
Laila sempre muito lúcida, tenho até um pouco de inveja da maturidade emocional dela hahah
Marisa, enfim, saindo do papel de coadjuvante da própria vida, né? Acho que ela ainda foi muito bondosa com Edgar rs
Amanhã não é sexta kkkk mas, se der tudo certo, vou tentar postar na sexta mais cedo, para a espera ser um pouco menor :)
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Mmila
Em: 20/08/2024
Agora vai Marisa. E ainda vai desbancar o escritório do pai junto com a Laila.
Sao minhas previsões. Kkkkkkkk
Ahuardando ansiosamente o próximo capítulo.
Pode ser amanhã autora.
AlphaCancri
Em: 21/08/2024
Autora da história
Finalmente, parece que vai hahah
Será que ela vai acabar com o império do Dr. Adriano?
Se der tudo certo, posto o capítulo na sexta um pouco mais cedo :))
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Socorro
Em: 20/08/2024
Parabéns Marisa !!!
agora vida nova, trabalho novo logo e lutar pelo amor da sua vida..
graças que a Olívia já dançou kkk
AlphaCancri
Em: 21/08/2024
Autora da história
É isso! Acho que agora vai hein… Ela finalmente tomou a frente da própria vida.
Desejo tudo de bom pra Olívia, mas não estava torcendo por ela e Laila rsrs
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AlphaCancri Em: 21/08/2024 Autora da história
Preciso confessar que Laila é meu xodó, me apaguei muito a personagem hahah
E Marisa tá se saindo muito bem nessa nova fase, né? Tomara que continue.
Bom, não podemos dizer que ela não está tentando reconquistar Laila, basta saber se vai dar certo…
Obrigada! Fico muito feliz em saber que está gostando. De verdade!