Olhou de novo para o visor do celular e viu o nome do pai escrito. Não atendeu nem recusou a chamada, esperou até que caísse. A central de notificações mostrava “8 ligações perdidas”. Já sabia do que se tratava.

            Mais cedo, depois que disse para Edgar que queria o divórcio, ele ficou mudo, a olhando fixamente. Levantou devagar, passou por ela e fechou a porta da sala. Depois ficou de frente para Marisa de novo. A voz saiu em um tom calmo, mas ameaçador:

            — Nós não já falamos sobre isso?

            Encarou o olhar dele sem recuar:

            — Já. Agora estamos falando de novo. E eu estou te dizendo que vou me separar de você.

            Edgar segurou o braço dela sem delicadeza:

            — Qual é a sua, Marisa? Não tinha resolvido tudo indo pra Londres? Sua namoradinha não foi embora do escritório? Achei que já estava tudo certo.

            Se soltou da mão dele e disse:

            — Eu não te dou permissão pra me machucar assim, entendeu? E não preciso justificar nada… Esse casamento já acabou há muito tempo. Nós dois sabemos disso.

            A voz dele ficou mais grave:

            — Seus pais vão adorar saber o motivo desse divórcio. E eu não vou falar só de Laila não… Vou contar tudo, todas as mulheres com quem você se relacionou. Vou falar que você sempre foi sapatão, que levava mulheres pra casa pra poder ch*p…

            Marisa o interrompeu sem levantar a voz:

            — Você pode dizer o que quiser, Edgar. Nada vai mudar minha decisão.

            Abriu a porta e saiu. Ele foi atrás dela até o corredor e começou a gritar:

            — Isso mesmo… E eu não vou falar só pros seus pais não. Todo mundo aqui nesse escritório vai saber. Todos os seus amigos, todos os advogados dessa cidade…

            Marisa continuou andando como se aquilo não fosse com ela. Pegou a bolsa de volta na sala, disse para Sônia que iria trabalhar de casa e entrou no elevador com todas as pessoas a olhando, sem entenderem o que estava acontecendo.

            Àquela altura, com certeza o pai já estava sabendo do ocorrido, apesar de não estar no escritório no momento de sua discussão com Edgar. Depois que se acalmou um pouco, pegou o celular e retornou a ligação. Ele atendeu no primeiro toque:

            — Marisa, onde você está?

            — Em casa.

            A irritação dele estava nítida:

            — Posso saber o que foi que aconteceu aqui mais cedo? Achei que você já estava cansada de saber como se comportar aqui dentro. Seus problemas pessoais têm que ser resolvidos em casa.

            Esperou o pai terminar e disse calmamente:

            — Eu vou me separar de Edgar.

            O pai bufou do outro lado e falou como se estivesse refutando uma besteira:

            — Quando ele chegar em casa vocês vão conversar e se entender. Só não quero que isso se repita aqui, entendeu?

            Marisa não soube de onde veio aquele ímpeto, mas disse:

            — Pai, quem não entendeu foi você. Eu vou me separar de Edgar.

            Percebeu pelo silêncio dele que agora estava sendo levada a sério. Aproveitou para finalizar:

            — Minha decisão já está tomada e não foi de uma hora pra outra. Meu casamento acabou.

*****

            Laila estava parada com a mão no mouse, olhando para a tela do computador, mas a cabeça não processava sequer uma palavra do que estava escrito ali. As palavras que ficavam passando repetidamente em sua mente eram as de Marisa:

            “Eu ainda estou apaixonada por você.”

            Respirou fundo e fechou os olhos por um momento. Não podia ser tão fraca, tão manipulável. Depois de tudo que Marisa tinha feito, não podia simplesmente se deixar levar por meia dúzia de palavras.

            “Não vou voltar pra Inglaterra. Eu vim pra ficar.”

            Aquilo tinha causado um turbilhão interno. Marisa tinha voltado. Estava perto demais. Antes, quando se deixava levar por recaídas e ficava sofrendo por ela, pelo menos sabia que nada aconteceria porque Marisa estava a milhares de quilômetros de distância. Mas agora, tudo parecia muito palpável, possível…

            Tê-la visto de novo, sentido o perfume dela, ouvido a voz, pareceu desenterrar tudo o que tinha empurrado para o mais profundo de seu ser aquele tempo todo.

            O fim do expediente nunca demorou tanto para chegar. Trabalhou num estado letárgico, agradecendo ao universo por não ter nenhuma audiência ou reunião naquele dia. Quando chegou em casa viu que tinha uma mensagem de Olívia querendo saber como estava. Sentou no sofá, tirou os sapatos e começou a digitar a resposta. A mensagem foi imediatamente visualizada e respondida. Começaram a conversar e alguns minutos depois Laila já estava sorrindo sem perceber. Deixou que a vontade que sentiu se transformasse em palavras e digitou:

            “Quer vir aqui em casa?”

            Uma hora depois, estava abrindo a porta para que Olívia entrasse. Apresentou rapidamente o apartamento, pois apesar de terem se encontrado algumas outras vezes, Olívia nunca tinha ido até lá. Depois ficaram na sala, tomando um vinho. Até pensou em levá-la para a varanda, pois o clima estava ótimo naquela noite, mas todas as lembranças que tinha daquele lugar específico eram com Marisa.

            Quando a garrafa estava na metade, procuraram contato físico. Ficaram sentadas no tapete, bem próximas, com a mão de Olívia pousada na coxa de Laila, que passou a acariciar a nuca e os cabelos dela enquanto conversavam. Quando estavam na última taça, já tinham trocado vários beijos e carícias.

            Foram para o quarto deixando as roupas pelo caminho. Laila deitou por cima de Olívia, com as duas já completamente nuas. Se entregou às carícias, se deliciou com o corpo dela, atingiu o orgasmo e depois foi tomada por um sensação esmagadora de vazio. Não tinha sido ruim, pelo contrário, foi ótimo como sempre. Mas quando acabou, Laila se sentiu perdida, como se aquilo não fizesse sentido.

            Virou-se para Olívia ao seu lado, deu um rápido beijo em seus lábios e disse, antes de ir para o banheiro:

            — Já volto.

            Fechou a porta da suíte e ficou sentada no vaso, com a cabeça apoiada nas duas mãos.

            Tinha uma mulher maravilhosa deitada nua em sua cama. E estava sofrendo por outra que sumiu da sua vida sem nem lhe comunicar.

            Levantou, jogou uma água no rosto e depois enxugou. Iria tirar Marisa da sua vida e dos seus pensamentos. Abriu a porta e voltou para a cama decidida, onde Olívia a esperava com um sorriso.

*****

            — Por que você está fazendo isso comigo?

            Marisa olhou incrédula para a mãe, que tinha uma mão espalmada sobre a testa, como se estivesse recebendo a pior notícia do mundo:

            — Com você? Mãe, isso não tem nada a ver com você. Meu casamento acabou, é sobre a minha vida.

            Ficou observando enquanto ela pegava uma cartela de remédios, destacava um comprimido e bebia com um longo gole de água. Só depois ela voltou a falar:

            — Depois de tantos anos de casados, Marisa… Onde é que você vai arrumar um homem como Edgar? Ele tem a total confiança do seu pai.

            Exasperada por não ser considerada a maior interessada nem mesmo no seu próprio divórcio, explodiu:

            — Então ele que se case com meu pai! Aliás, acho que foi isso que ele fez quando entrou naquela igreja pra se casar comigo.

            Se levantou irritada, pegou a bolsa e disse antes de sair da casa dos pais:

            — Eu não vim pedir permissão. Só vim conversar porque você pediu… E nada vai mudar a minha decisão.

            Dirigiu de volta para casa esmurrando o volante repetidas vezes. A mão estava doendo quando estacionou e depois entrou no elevador. Abriu a porta de casa e sentiu vontade de dar meia volta e sair. Edgar a esperava sentado no sofá da sala:

            — Acabei de ter uma conversa com seu pai.

            Marisa foi irônica:

            — Que bom! Agora que você vai se divorciar, pediu a mão dele em casamento?

            Ele se levantou e falou sério:

            — Eu disse que iríamos conversar hoje. Ele está esperançoso de que vamos passar por esse momento difícil.

            Marisa o olhou incrédula:

            — Momento difícil? Você só pode estar brincando.

            Edgar deu mais alguns passos à frente:

            — É o seguinte, Marisa: Essa é sua última chance. Se você levar adiante essa ideia ridícula, eu vou contar tudo pros seus pais.

            Ignorando a sensação de enjoo e o leve tremor que sentiu, respondeu o olhando nos olhos:

            — Pois então vá em frente. Fique a vontade.

*****

            Na sexta-feira estava mentalmente esgotada. Precisou lidar com as ameaças de Edgar durante toda a semana. Todos os dias ele foi a sua sala dizer a mesma coisa: que iria explanar para Deus e o mundo que ela gostava de mulheres. Óbvio que ficava apreensiva cada vez que seu telefone tocava ou que alguém entrava na sala, imaginando que finalmente ele tinha cumprido a promessa, mas estava firme na sua decisão e não voltaria atrás. Pela primeira vez tinha visto uma luz no fim do túnel, sentido que podia sim mudar sua vida, e não olharia para trás de jeito nenhum.

            Não tinha mais voltado a falar com Laila. Primeiro queria resolver sua vida, ou pelo menos se organizar minimamente. Também já tinha avisado a Edgar que sairia de casa, e até que tudo fosse resolvido no divórcio, não queria mais ter que dividir o mesmo teto que ele. Desde quarta-feira estava dormindo em um hotel, até achar um lugar definitivo para alugar.

            Precisando muito relaxar um pouco, resolveu parar em um bar para tomar uma bebida antes de ir dormir no hotel. Queria apenas a sensação de relaxamento e sono que um único copo poderia proporcionar. Entrou no bar, que não estava muito cheio, e caminhou até o balcão. Fez o pedido ao Barman e olhou ao redor enquanto esperava. Teve certeza que seu coração parou de bater quando viu Laila sentada de frente para uma mulher, as duas com as mãos entrelaçadas em cima da mesa. Sentiu de novo a sensação esmagadora em seu peito, como tinha sentido quando passou mal em Londres. Virou as costas e saiu do bar sem nem cancelar o pedido. Caminhou rápido até o carro, abriu a porta e começou a procurar desesperadamente pelo celular dentro da bolsa. Não sabia para quem ligar. Pela primeira vez se sentiu horrível por não ter um amigo próximo o bastante para ajudar em uma emergência como aquela. Preferia morrer sozinha dentro daquele carro do que ter que ligar para Edgar, e não queria que os pais soubessem sobre aquele problema.

            Enquanto pensava, viu na tela do celular várias chamadas perdidas do pai e da mãe. Abriu o aplicativo de mensagens e havia muitas mensagens não lidas do pai. Rolou a tela e localizou o nome de Sônia, apertou para ligar e ela não demorou em atender:

            — Alô?

            Pediu com a voz ofegante:

            — Sônia, preciso muito da sua ajuda.

Fim do capítulo