Capítulo 17
Antes mesmo de pegar o celular na bolsa, Laila já sabia quem estava ligando. Tinha se tornado hábito encontrar com os amigos na sexta-feira depois do expediente, e às vezes até durante a semana, o que tinha sido uma surpresa não só para eles mas como para a própria Laila:
— Oi, amiga!
Pelo barulho da ligação soube que Bárbara já estava no bar.
— Tá onde? Estamos te esperando aqui.
Respondeu apertando o alarme do carro:
— Saindo agora do escritório, fiquei enrolada hoje.
— Vai vir direto pra cá?
Sentou e fechou a porta do carro:
— Sim, já chego aí.
Como já previa, o bar estava cheio. As mesas estavam todas ocupadas e havia muita gente em pé. Tentou localizar os amigos, ficando na ponta do pé para tentar enxergar por cima das pessoas, mas não conseguiu achá-los. Pegou o celular no bolso e mandou uma mensagem para Tales. Foi andando entre as pessoas, olhando para a tela, esperando a resposta, até que sentiu um encontrão. Um líquido, que ela reconheceu pelo cheiro como cerveja, molhou a tela do aparelho e respingou nas mangas do casaco. Olhou para cima e viu que o estrago na outra pessoa tinha sido muito pior, pois a mulher a sua frente estava com a camisa completamente molhada.
Extremamente envergonhada, Laila a olhou e pediu desculpas repetidamente. Sabia que provavelmente a culpa tinha sido sua, por estar andando em um lugar cheio, de cabeça baixa. A mulher sorriu para ela enquanto dizia:
— Tudo bem, não tem problema.
Ainda vexada, Laila disse:
— Desculpa mesmo. Eu te pago outra bebida… Qual é a cerveja?
A moça sorriu de novo, no momento em que Tales chegou ao lado delas quase gritando por causa da música e o barulho das vozes ao redor:
— Amiga, estamos sentados ali.
Só então ele percebeu a outra mulher e disse quase tímido:
— Ah, desculpa… Tudo bem? Se quiser sentar com a gente também…
A moça agradeceu e disse que estava com uns amigos. Laila perguntou de novo qual cerveja ela estava tomando e ela respondeu que não precisava se preocupar. Se despediram rapidamente e cada uma foi para um lado do bar.
Assim que sentaram com Bárbara, Tales implicou:
— Nossa, amiga, estou orgulhoso de você. Colocou a fila pra andar… Não tão rápido quanto eu gostaria, mas levando em conta seu histórico, está ótimo.
Bárbara olhou de um para o outro sem entender:
— Do que vocês estão falando?
Laila balançou a cabeça em negação e respondeu:
— Não tem nada disso… Eu esbarrei em uma moça e entornei a cerveja dela. Só estava me desculpando.
Tales prontamente emendou:
— Mas quando eu cheguei, estavam conversando bem pertinho.
Laila riu e se justificou mais uma vez:
— Com todo esse barulho, só assim pra gente se escutar. Não começa a criar história nessa sua cabeça…
O amigo apertou os olhos e disse com um sorrisinho:
— Vai dizer que você não reparou no olhar amadeirado da gata?
Fazendo Laila gargalhar dessa vez:
— Ai, amigo, você me diverte... Mas para com isso, eu não sei nem o nome dela.
*****
Durante todo voo de volta para o Brasil, Marisa se manteve medicada. Quase dopada, na realidade. Não queria pensar em nada durante aquelas horas, só queria chegar em casa. A ligação para informar o pai de que estava voltando tinha sido pior do que esperava. E ela sabia que, muito do que ele havia falado, era verdade. Estava agindo como uma menina mimada, que não sabe o que quer, mas que precisa ser atendida ao mudar de ideia de dez em dez minutos.
Tinha conseguido mudar a modalidade do doutorado para ser feito a distância, entregado o loft e preparado tudo para sua volta em pouco mais de uma semana. Deixou para avisar o pai quando estivesse tudo certo, com a passagem comprada. Achou por bem mandar uma mensagem para Edgar, apenas para evitar inconvenientes ao chegar em casa.
Uma hora antes do avião pousar já estava sóbria, sem os efeitos dos remédios. Desembarcou e pegou o primeiro táxi que conseguiu. Passou em casa para deixar a mala e ficou aliviada ao ver que não tinha ninguém. Pegou o carro e foi até a casa dos pais. Não que quisesse ter algum embate com eles naquele momento, mas precisava pegar Caju, estava morrendo de saudades dele.
A mãe a abraçou e perguntou se tinha feito boa viagem, o pai apenas a cumprimentou de longe e perguntou se ela voltaria a trabalhar na segunda-feira. Respondeu que sim, apesar de ter pensado em ficar uma semana livre, para se organizar. Mas não queria dar mais um motivo para ele ficar insatisfeito.
Com Caju preso no banco de trás, dirigiu devagar, tentando controlar a vontade que sentiu de ir até a casa dela. Não conseguiu. Quando se deu conta, já estava entrando na rua do prédio de Laila. Dirigiu devagar, nutrindo uma esperança infantil de vê-la entrando ou saindo. Depois foi para casa, tomou um banho demorado, e dormiu com Caju em sua cama.
*****
Já era madrugada quando Laila foi até o balcão na intenção de pedir a última bebida. O bar já estava bem mais vazio e menos barulhento. Fez o pedido e ficou esperando, com os cotovelos apoiados na madeira.
— Aquela bebida ainda está de pé?
Olhou para a mulher parada ao seu lado, sorrindo. Sorriu de volta e respondeu:
— Claro… O que você tá bebendo?
A moça se aproximou e também se apoiou no balcão:
— O mesmo que você.
Laila sorriu ainda mais, não só porque estava gostando da conversa, mas por estar se permitindo flertar daquela maneira.
Levantou a mão para o Barman e fez um sinal de dois, pedindo para que duplicasse seu pedido. Depois voltou a olhar para a moça:
— Acho que eu não perguntei seu nome…
Ela estendeu a mão e respondeu:
— Olívia. Muito prazer.
Apertou a mão dela de volta:
— Laila.
As bebidas chegaram e continuaram conversando ali mesmo. Os copos ficaram vazios, pediram outra rodada. Laila perdeu completamente a noção do tempo, concentrada na conversa que fluiu fácil e divertida. Só olhou o relógio do celular quando os amigos se aproximaram para se despedir.
Logo depois que eles saíram, as duas terminaram as bebidas. Conseguindo vencer a pontinha de inibição, e seguindo o que queria naquele momento, propôs:
— Quer ir pra outro lugar?
A aceitação dela foi imediata. Como Olívia tinha ido de carona com os amigos, foram para o carro de Laila. Assim que entraram, o clima de flerte que já estava instaurado fez com que as duas se aproximassem e se beijassem. Um beijo que encaixou e fluiu perfeitamente, fazendo com que as mãos ficassem mais ousadas, buscando os corpos uma da outra.
Se não saíssem dali logo, aconteceria no carro mesmo. Laila pensou um pouco pois não queria levá-la para sua casa, mas a falta de jeito não a permitiu sugerir um motel. Sorriu quando Olívia disse, de uma maneira simples e sedutora:
— Conheço um motel aqui perto, o que você acha?
*****
Acordou com os braços dela em volta de sua cintura. Se mexeu ficando com as costas no colchão e olhou para o lado. Olívia estava nua, linda e ainda adormecida. Acariciou o rosto dela com suavidade e ela lentamente abriu os olhos. Sorriu para Laila antes de dizer:
— Bom dia!
Laila tocou a tela do celular que estava ao lado da cama e respondeu:
— Boa tarde!
Riram por um momento, e voltaram a enlaçar os corpos. Ficaram abraçadas por alguns minutos, despertando devagar, até Olívia começar uma carícia com as pontas dos dedos pela barriga de Laila, subindo até os seios e voltando a descer pelo corpo dela.
Já completamente despertas, os olhos se encontraram. Laila girou o corpo e ficou por cima dela. Se beijaram devagar, enquanto os corpos se buscavam e se encaixavam como na noite anterior.
Olívia interrompeu o beijo por uns instante, com a mão direita enfiada nos cabelos de Laila e a esquerda passeando por toda parte de trás do corpo dela. A olhou nos olhos e disse baixo, com a voz tomada pelo desejo:
— Você é muito gostosa, sabia?
Aquilo arrepiou Laila completamente. Voltou a beijá-la, aumentando o atrito entre os corpos. Se entregou ao desejo e à delícia de sentir o sex* dela molhado contra o seu.
Ainda ficaram horas sem levantar da cama, só depois pediram comida e no fim da tarde, quase noite, deixaram o motel.
*****
Marisa passou o sábado e o domingo se organizando, externa e internamente. Não se sentia completamente preparada para voltar ao trabalho, rever as pessoas, ter que dar explicações… Mas era uma coisa que teria que fazer mais cedo ou mais tarde.
Só encontrou com Edgar domingo à noite, quando ele chegou em casa. Ele perguntou como tinha sido a viagem e como ela estava. Respondeu de forma simples e direta, quem visse de fora jamais diria que era uma conversa entre marido e mulher.
Na segunda-feira perdeu o sono cedo, se arrumou e chegou ao escritório antes do início do expediente, o que achou ótimo pois estava quase vazio. Sônia chegou logo depois, se abraçaram e ficaram alguns minutos conversando.
Quando ela tocou no nome de Laila:
— Uma pena a saída da doutora Laila, não é?
Marisa rapidamente fez o que tinha feito meses atrás… Fugiu:
— Pois é, meu pai me disse… Bom, vou entrar e começar a me organizar.
Caminhou até a sala e entrou rápido. Deu uma olhada ao redor, contendo dentro de si todas as lembranças que aquela sala despertava. Viu que sua mesa estava ocupada, com pertences pessoais e pastas. A mesa que antes era de Laila estava vazia. Parou ao lado e colocou a mão na cadeira, como se aquilo fosse capaz de trazê-la de volta por um instante. Depois se sentou, arrumou suas coisas e se concentrou no trabalho que teria pela frente.
As duas primeiras semanas foram mais fáceis do que Marisa imaginava. Tinha sido como andar de bicicleta novamente depois de muito tempo. Se readaptou à rotina com facilidade, voltou a ser aquela Marisa que vivia para o trabalho, revezando o tempo com as aulas e os estudos do doutorado.
Na quinta-feira da terceira semana de volta ao escritório, tinha acabado de chegar quando Sônia entrou afobada na sala:
— Doutora Marisa, o doutor Pablo acabou de ligar. Estava vindo pro escritório, mas a esposa dele entrou em trabalho de parto. Ele quer saber se você pode fazer a audiência de hoje no lugar dele…
Marisa achou engraçado ele ter mandado perguntar se ela poderia cobri-lo porque — nada mais, nada menos — o filho dele iria nascer:
— Claro, Sônia… Liga pra ele e diga pra só se preocupar com a família nesse momento. O resto está sob controle.
Entrou no Fórum quinze minutos depois do horário da audiência. Caminhou depressa até a porta da sala e foi conferir a folha da pauta que estava presa no quadro de avisos. Para sua sorte, a sua audiência também estava atrasada. Só então relaxou um pouco e olhou em volta, procurando um lugar para sentar no corredor. Foi aí que sentiu todo o corpo gelar, teve a sensação de que o coração bateu dez vezes mais forte e sentiu o rosto corar imediatamente ao ver Laila, parada em pé, bem na sua frente.
*****
Laila se levantou depois de alguns minutos sentada esperando. Ficou de pé, encostada na parede, pegou suas anotações e as releu para não esquecer de nenhum detalhe do que precisaria levar para a audiência. Quando levantou os olhos, duvidou de sua própria sanidade ao ver Marisa caminhando apressadamente em sua direção, mas sem olhá-la. Quando ela parou para ler a pauta de audiências em frente à sala onde Laila também participaria, seu coração pulou dentro do peito. Tinha visto nos autos que o escritório responsável pela outra parte era o do seu ex-emprego, mas jamais imaginaria ver Marisa ali na sua frente. O que ela estava fazendo no Brasil?
Aproveitou o fato de tê-la visto primeiro e tentou rapidamente se recuperar do choque inicial. Laila não queria demonstrar o quanto vê-la tinha mexido consigo. Até pensou em ignorá-la, fingir que não tinha visto e só dirigir a palavra a ela durante a audiência, mas não iria ser imatura, nem queria dar o troco na mesma moeda. Respirou fundo e, quando Marisa se virou, olhou diretamente para ela, meneou a cabeça em um cumprimento e disse:
— Tudo bem?
Percebeu não só pela mudez inicial dela, mas pela forma com que enrubesceu e quase gaguejou ao devolver o cumprimento, que Marisa também não esperava vê-la:
— Tudo bem?
Para alívio de ambas, e evitando que um silêncio constrangedor se instaurasse, a audiência que as duas estavam esperando foi chamada.
*****
Marisa caminhou até a sala da audiência sentindo as pernas fracas. Precisou fazer um esforço sobre-humano para conseguir um mínimo de concentração e saber o que fazer, tendo Laila sentada à sua frente, do outro lado da mesa.
Ela estava linda, perfeita, maravilhosa, fazendo o coração de Marisa doer por saber que tinha perdido aquela mulher por sua própria covardia.
Ficou enfeitiçada, vidrada na forma com que ela falava e gesticulava, enquanto Marisa mal conseguiu falar o básico necessário. Por sorte era apenas uma audiência de conciliação, que não teve acordo. Quando terminou, Laila deixou a sala primeiro, Marisa até teve o impulso de ir atrás dela, mas, de novo, faltou coragem.
Fim do capítulo
Oi, gente! Eu já praticamente terminei de escrever a história, que é curtinha, por isso vou passar a postar os capítulos três vezes na semana: domingo, terça e sexta.
Obrigada a todo mundo que tá acompanhando, espero que estejam gostando. Um abraço!
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Mmila
Em: 13/08/2024
Marisa. Perdendo mais uma oportunidade.
Desse jeito a fila vai andar mesmo.
Coragem mulher, ainda estou acreditando nessa atitude.
AlphaCancri
Em: 15/08/2024
Autora da história
E se a fila andar mesmo, pode ser tarde demais, né?
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cris05
Em: 13/08/2024
Ai gente, eu sei que essa covardia da Marisa dá raiva e que tem uma galera querendo que a Laila siga a vida, mas eu continuo torcendo pra Marisa se livrar das amarras e reconquistar a Laila.
Autora, amanhã já é sexta (rsrs)?
AlphaCancri
Em: 15/08/2024
Autora da história
Minha opinião não é imparcial, mas eu tbm torço pra Marisa acordar e agir hahah
Hoje eu posso dizer: amanhã é sexta! E tem capítulo :)
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HelOliveira
Em: 13/08/2024
Laila se divertindo um pouco muito bom, ja fiquei curiosa em saber com ela vai agir com essa volta...
Marisa continua covarde, parece que nada mudou...
Adorei saber que vamos ter mais capitulos
AlphaCancri
Em: 15/08/2024
Autora da história
Concordo com você, Laila está sendo ótima sem se deixar abater. Se Marisa não quer, tem quem queira, né? (Apesar de eu ainda torcer pelas duas).
Próximo capítulo amanhã (:
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AlphaCancri Em: 15/08/2024 Autora da história
Já passou da hora dela reagir, né?