Capítulo 14
Acordou primeiro, sentindo os braços de Laila enlaçados em sua cintura. Olhou para ela adormecida, linda como sempre, e sentiu o próprio coração ser esmagado. Se desvencilhou devagar, deu um beijo no rosto dela e levantou da cama. Vestiu as próprias roupas sem fazer barulho e ainda a olhou mais um vez, antes de sair do quarto.
*****
Laila despertou devagar, tragada por um sono profundo que não queria deixá-la acordar de vez. Sorriu, ainda de olhos fechados, ao lembrar do que havia feito o corpo entrar naquele estado de relaxamento. Tateou ao seu lado na cama, procurando por Marisa, mas ela não estava. Finalmente abriu os olhos, se sentou devagar e chamou por ela.
A porta da suíte estava fechada. Imaginando que ela estivesse no banheiro, levantou e bateu na madeira:
— Marisa?
O silêncio como resposta a fez girar a maçaneta e constatar que o banheiro estava vazio.
Vestiu o robe e saiu do quarto. Não a encontrou na sala, nem na cozinha, nem na varanda. Voltou ao quarto e pegou o celular. Nenhuma mensagem ou ligação. Acessou o histórico de chamadas e apertou o nome dela. Chamou, até cair na caixa postal. Tentou de novo, e a mesma coisa. Ligou uma terceira vez e não foi atendida. Abriu o aplicativo de mensagens e digitou rápido:
“Onde vc está?”
Não ficou nervosa em um primeiro momento, pois pensou que ela poderia ter saído para comprar comida, ou algo do tipo. Talvez quisesse fazer uma surpresa.
Voltou para o quarto, arrumou a cama, tomou banho, e nenhum sinal de Marisa. Ligou para ela por mais três vezes, sem sucesso. Desceu até a portaria e encontrou o porteiro. Como ele já havia visto Marisa outras vezes no plantão noturno, perguntou se acaso a tinha visto sair do prédio. Ele respondeu parecendo preocupado:
— Passou aqui bem cedo, dona Laila. Aconteceu alguma coisa?
Laila forçou um sorriso e respondeu, já voltando ao elevador:
— Nada, seu Fernando. Obrigada!
*****
Marisa entrou em casa se sentindo despedaçada. Passou a noite quase toda em claro, assustada com a intensidade que tudo tinha acontecido até ali. Precisava ficar um pouco sozinha, se distanciar… Fugir.
— Bom dia.
Só a voz de Edgar a irritou. Olhou para ele, que tinha uma xícara de café na mão, e para aquela cara cínica:
— Bom dia.
Não pretendia falar mais do que aquilo, caminhou para sair da sala, em direção ao seu quarto, mas ele a parou, dizendo:
— Tem gostado de passar as noites fora...
Virou-se para ele, pronta para ser o mais sem educação possível, mas ele foi mais rápido:
— Pelo visto você e a doutora Laila estão com bastante trabalho… As duas precisando fazer serão depois do expediente.
A frase dele a pegou completamente de surpresa. Mas não podia deixar transparecer:
— Não te devo nenhuma satisfação da minha vida.
Deu as costas e voltou a caminhar, mas ele novamente a fez parar:
— Sua mãe me ligou ontem… Disse que tem muito tempo que não vamos lá. Marquei um almoço amanhã. O que você acha de levar sua colega de trabalho para apresentá-la?
Laila quase gritou, demonstrando o quanto aquilo a havia irritado:
— Não estou te entendendo, Edgar. Depois de tanto tempo, resolveu bancar o marido exemplar?
Edgar pousou a xícara na mesa da sala, devagar. Deu dois passos na direção dela e falou de maneira calma, como quem sabe que está em vantagem:
— O que seus pais vão pensar quando souberem o tipo de… Amizade… Que você tem com ela?
Marisa soltou um riso curto de nervoso:
— Você está ficando louco.
Mas Edgar continuou no mesmo tom:
— Imagine seu papai sabendo o que você faz escondida dentro daquela sala do escritório. Ou sua mamãe ao descobrir que a princesinha dela gosta de se esfregar em outras mulheres…
— Cala essa sua boca!
Edgar riu do descontrole dela:
— Você acha que eu nunca soube, Marisa? Tantas amizades que surgiam e acabavam de repente… Tantas vezes você me dispensou porque uma… Amiga… Precisava de você…
Marisa se aproximou dele e disse mais calma:
— Por que isso agora, Edgar? Se você sempre soube, por que agora te incomoda?
Perdendo a postura calma, ele respondeu entre os dentes:
— Porque agora está bem debaixo do meu nariz. Eu não vou aceitar que descubram que minha mulher gosta de colar velcro. Você está colocando tudo a perder, Marisa.
Ela riu e franziu as sobrancelhas:
— Tudo o que? Esse casamento falido?
Edgar a segurou pelo braço:
— Eu não vou me separar de você e abrir mão de tudo. Não aguentei essa merd* por tantos anos pra nada.
Marisa sabia do que ele estava falando. Tinham se casado em regime de separação total de bens, por ordem do pai dela. Apesar de Edgar ter construído seu próprio patrimônio, perderia muitas mordomias que ser casado com Marisa proporcionava. E claro, talvez custasse o cargo dele em um dos maiores escritórios da cidade.
— Me solta!
Se desvencilhou da mão dele e disse:
— Alguma vez eu fiz alguma coisa pra te expor? Expor nosso casamento? Ao contrário de você…
Ele pegou a xícara de volta e disse devagar:
— Acho bom que continue assim. Ou todo mundo vai saber a sapatão que você é.
*****
A mãe se assustou com a visita inesperada e ainda mais com a forma abrupta que ela entrou na sala.
— Marisa… O que houve?
Deus dois beijos na mãe:
— Nada… Vim ver vocês. Onde está meu pai?
O semblante da mãe continuou desconfiado. Apontou na direção do corredor:
— No escritório dele, onde mais? Senta… Já comeu? Nós acabamos de almoçar. Vamos tomar um café?
Já caminhando, respondeu:
— Preciso conversar uma coisa com ele antes.
Bateu na porta e respirou fundo. Quando ele mandou que entrasse, viu a mesma surpresa que estava estampada na cara da mãe:
— Não sabia que viriam hoje… Sua mãe tinha dito que vinham almoçar amanhã.
Sentou na cadeira em frente à mesa dele:
— Vim sozinha. Eu queria conversar com você, pai.
Percebeu que tinha conseguido toda a atenção dele:
— Sobre aquele doutorado na Inglaterra. Eu decidi fazer.
O sorriso dele refletiu toda a satisfação que a frase proporcionou:
— Que ótimo! Vamos preparar tudo para o próximo semestre.
Marisa precisou de toda a sua força para vencer a angústia que dizer aquilo lhe causou:
— Não, eu já vou começar. Viajo semana que vem.
*****
Quando voltou para casa, estava completamente frágil. Tudo o que não queria era encontrar Edgar, pois tinha visto que o carro dele estava estacionado na vaga. Passou pela sala e não o viu. Foi direto para o quarto, trancando a porta. Se jogou na cama e deixou sair com as lágrimas toda a angústia que estava sentindo. Não sabia como iria conseguir viver longe de Laila, parecia que sua vida iria acabar caso se afastasse dela, mas não via outra alternativa.
Ouviu as batidas na porta, mas ignorou. Ele bateu de novo e depois disse:
— Eu sei que você tá aí… Sua amiga ligou pra mim, está preocupada com você.
Fazendo Marisa se levantar e pegar o celular que tinha ficado dentro da bolsa desde o momento em que saiu da casa de Laila, naquela manhã. Mais de quinze ligações perdidas e várias mensagens dela. Jogou o aparelho na cama e foi para o banheiro, precisando de um bom banho.
*****
Laila já estava enlouquecendo dentro do apartamento. Havia ligado incontáveis vezes e não tinha conseguido falar com Marisa. Repassou a noite na cabeça, tentando buscar um motivo para aquilo. A própria Marisa tinha ido encontrá-la. Conversaram, se entenderam, fizeram amor… E ela simplesmente sumiu.
Um medo aterrorizante tomou conta de si. E se ela tivesse saído para comprar alguma coisa e algo tivesse acontecido? Ligou mais uma vez para ela e, quando não foi atendida, não teve outra alternativa.
Tinha o número dele salvo por conta do escritório. Ele atendeu no terceiro toque:
— Alô?
Só então se deu conta de que não sabia como perguntaria por Marisa sem levantar suspeitas:
— Boa tarde, Edgar. Tudo bem? É Laila quem está falando.
O tom de voz normal dele a fez ficar um pouco aliviada, pois indicava que provavelmente nada havia acontecido:
— Boa tarde, doutora.
Tentou usar as melhores palavras, sem demonstrar sua preocupação:
— Desculpa te incomodar, mas Marisa está com você? Estou tentando falar com ela… Sobre um assunto de trabalho que tem uma certa urgência…
Ele ficou em silêncio por um breve instante, depois disse:
— Minha esposa não tá em casa. Ela tomou café comigo e saiu. Posso ajudar em alguma coisa?
Refreando tudo que aquelas simples palavras causaram dentro de si, focou no que precisava: Marisa estava bem.
— Obrigada, é só com ela mesmo. Desculpa novamente pelo incômodo. Um bom fim de semana.
Assim que desligou, sua preocupação mudou. Marisa estava bem. Foi para casa. Tomou café com o marido, deixando claro que era isso que Laila significava para ela… Uma amante. Não se encaixava na vida dela, não era prioridade, sequer existia fora da cama dela, a não ser como colega de trabalho.
Passou o restante do sábado e o domingo inteiro afundada no sofá. Declinou os convites dos amigos para sair, não teve nem vontade de cozinhar. Pediu comida, ficou zapeando os canais, começou a assistir uma série, não achou interessante… Começou um filme, achou chato.
Tinha aprendido a conhecer, aceitar e lidar com os sentimentos, mesmo que nem sempre fosse fácil. Estava chateada. Estava magoada. Marisa não tinha sequer respondido suas mensagens. Só sabia que ela estava viva por ter falado com Edgar. Respeitou a decisão dela e não tentou contato novamente.
Na segunda-feira, passou todo o trajeto de carro até o escritório tentando imaginar qual seria a atitude dela. Teria maturidade o suficiente para conversar ou fingiria que nada tinha acontecido? Inventaria alguma desculpa? Reconheceria como um erro?
Subiu no elevador tentando se preparar para também ser o mais madura possível. Eram adultas, precisavam conversar. Entrou no prédio e parou na mesa de Sônia:
— Bom dia, doutora! Por onde quer começar? Já escolheu alguém?
Sem entender absolutamente nada do que ela estava falando, perguntou:
— Bom dia, Sônia. Escolher alguém?
— Para ficar com a senhora…
Sua expressão de falta de entendimento fez a secretária perguntar:
— Doutora Marisa não te avisou? Ela vai se ausentar do escritório e pediu que você escolhesse alguém para ficar no lugar dela.
Laila parecia estar ouvindo a coisa mais sem nexo do mundo:
— Como assim se ausentar?
Sônia sorriu:
— Ela vai fazer doutorado na Inglaterra.
Laila sentiu o estômago gelar, enquanto Sônia continuava:
— Ela sempre quis fazer, até pensou em fazer a distância, mas agora decidiu ir pra Inglaterra.
Laila engoliu em seco, se apoiou na mesa dela discretamente, enquanto alheia ao que se passava, Sônia continuou:
— Não é incrível? Ela viaja amanhã.
Laila retorceu os lábios, na tentativa de um sorriso, e disse antes de se afastar na direção da própria sala:
— Incrível.
Fim do capítulo
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SeiLá
Em: 02/08/2024
Sei bem como é isso de ser covarde, fazer isso só agrava as situações em diversas áreas da vida. Devemos enfrentar, ser nós mesmos... Mas a realidade e outra... por diversos fatores somos covardes com nós mesmos...
AlphaCancri
Em: 03/08/2024
Autora da história
Também sei bem…
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HelOliveira
Em: 02/08/2024
Chocada....que a Marisa era covarde sabíamos, mas esse ponto, fugir sem conversar...
Laila não merece isso
AlphaCancri
Em: 03/08/2024
Autora da história
Concordo com vc!
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AlphaCancri Em: 07/08/2024 Autora da história
Será que ela consegue se redimir? Hahahah