Capitulo 55
Capítulo 54 - acontecimentos premeditados
Eu já havia deixado quase pronto os documentos da liberação da Carol, digamos que ela fica sob custódia da PC até a assinatura desses documentos, por mais que ela esteja presa, nem nada próximo a isso.
Antes de finalmente liberar ela, chamei o Lucas de canto e orientei como tirar ela do DP, colocando a blusa preta por cima. Aproveitei e dei um toque sobre alguns cuidados imediatos de agora, a Carol está bem abalada, está sendo forte, mas está abalada, chorosa, pode apresentar episódios de pânico ou de raiva. Nesse momento o apoio familiar é mais que importante. Comentei também que é importante que ela vá a um hospital, o rosto dela está bem inchado e ela está muito machucada, sei que médico é um dos piores pacientes.
A Carol saiu com o Lucas, abraçados, olhei aquela cena e achei no mínimo bonito esse cuidado entre irmãos. Pensei nas minhas, a Alice que tinha um laboratório de drogas e a Roberta que só não cheira dinheiro porque não é louca ainda, porque de resto usa tudo. Sempre senti falta desse cuidado de irmãs, aprendi a viver e seguir sem. Enfim, filosofia barata não paga as contas. Estou só o pó da rabiola, desde aquele café da Bia já se passaram quase doze horas. Bia, tenho que avisar ela que a operação acabou, apesar que já são mais de 7 e meia da manhã, ela já deve estar chegando. Como eu quero evitar todo e qualquer dificuldade, vou mandar uma mensagem pra ela de todo jeito.
E acham que o dia acabou, que depois da operação, posso ir embora e descansar? Que nada. Agora que o trabalho começa. Precisamos processar todo o saldo da operação, eu só cuidei da vítima, agora precisamos nos reunir para alinhar as demandas. Liberei a Carol e segui, para o final do corredor onde fica a sala do Alcino, delegado chefe. Eu mal entrei na sala e o Alcino já começou a falar:
- Flávia, a coletiva ficou marcada para às 11 horas, vai eu de chefe, você, o Cantão e o chefe da incursiva.
- Sim senhor - não tive tempo de responder ou ponderar algo.
- Preciso do saldo até as 9:30 para eu me preparar. Quero equipamentos apreendidos, quantos mortos, quantos presos, tudo que acharam, quero saber até quantas luvas tinha no local, quero uma coletiva bodosa. Senhores, precisamos disso - ele estava em pé na frente da mesa, sacudiu a cabeça e saiu da sala. Só deu a ordem e foi embora. Juro que às vezes eu me sinto mais sendo um agente militar que um agente civil. Olhei rápido para as pessoas da mesa, todos acabados. O Gabriel estava com uma olheira que batia no pé. Eu olhei pra ele, mas ele desviou o olhar de mim, eu queria comemorar com ele, esse é o nosso caso, trabalhamos tanto por tanto tempo.
- Pessoal, eu vou pegar um café só pra poder ficar acordada e já volto - falei olhando para todos.
- Flávia, tem lanche lá na copa, tava todo mundo varado, aí compramos. Pode pegar lá - o 01, chefe da incursiva, me avisou. Concordei com a cabeça, mais que um café e mais que comida, eu queria falar com a Bi, avisar que eu cheguei.
Levantei da cadeira e saí, ela já deve ter chego. Segui em direção ao laboratório de imagem. Abri a porta devagar, olhei rápido, a bancada dela estava vazia. Caramba, Bia. Voltei à minha sala, precisava pegar meu celular e ligar pra ela. É uma coisa tão boba, tão simples, mas estou agitada e ansiosa.
- Tá nervosa Flávia? Parece agitada - olhei para trás, era o Gabriel falando comigo, achei o tom dele um pouco irônico.
- Acho que é o cansaço Bonitão. Junta a exaustão, você sabe como são as operações.
- Flávia, você quer me contar alguma coisa? - Ai! Que merd* é essa? Ele perguntou direto.
- Eu? Acho que não, cara. Eu fiquei muito feliz que a operação deu certo, tipo cansada claro, mas feliz que quebramos o hospital. O Grilo e o Puca caíram, saber que o Puca foi baleado não que me de prazer, longe disso, mas me dá uma paz momentânea.
- É… sabe, eu esperava muita coisa que você Flávia, mas roubar minha operação eu não esperava. E falo mais ainda eu te coloquei nessa operação - ele falou sério, firme.
- Eu não roubei a operação de você. Nem tem como, você é delegado, eu sou investigadora. Não dá pra passar por cima dessas responsabilidades.
- É mais você passou. Usou a Isabelle para assinar documentos, acionou equipe e recursos por cima de mim. Me passou o pé sem nem pestanejar.
- Calma “ae” Gabriel, não é assim. A Isabelle está em outro caso relacionado. O Alcino me deu carta branca para preparar as coisas. Longe de mim querer o que é seu, cara, já tenho problemas demais pra lidar.
- E digo mais Flávia, a operação e a mulher né?! Acha que eu não sei que está com a Beatriz? Eu imagino uma rasteira de muita gente, mas de você nunca.
- Gabriel, calma ai cara. Você tá vendo pulga onde não tem.
- Pra você a partir de hoje é delegado. Roubando operação, roubando mulher, nada muito diferente da sua própria família. Quer mais o que meu?
- Tenha limite no que você está falando, por favor. Essa conversa não tá seguindo um rumo legal delegado. Se acalma ai.
- Sabe, eu pensei muito se iria falar com você Flávia, uma pessoa que sempre considerei muito. Aí fiquei em casa batendo os pontos, me passou a perna na operação, levou a Beatriz. Sabe o que me dói em relação a Beatriz? Eu te pedi ajuda pra eu ficar com ela. Será que um dia você me ajudou mesmo? Será que um dia foi honesta comigo ou só foi cavando sua falta?
- A Beatriz terminou com você!
- Ela nunca conseguiu se abrir comigo, já com você foi fácil né?!
- Gabriel, chega. Aqui não é hora, nem lugar pra essa conversa. Chega.
- Sabe outra coisa, eu também namorei a Bruna. Você escolhe suas mulheres com base nos meus restos?
- Ou será que você é tão ruim que não consegue dar suporte pra nenhuma? E a Bruna teve com você um namoro adolescente, meia dúzia de beijos. Isso nem conta Gabriel.
- Já falei que é delegado pra você. Beatriz, Bruna, a operação, quem sabe eu tivesse conhecido a Fabiola antes, não teria sido mais um resto pra você - cara, nessa hora eu não pensei, a mão fechada foi em direção a ele. Por sorte ou azar ele se protegeu e meu soco não pegou nele - Isso mesmo sapatão, mostra o que você é. Vem pra cima, mostra que, você é - eu tentei atingir ele novamente, ele ficou completamente parado, como se já esperasse por isso.
- Parou, parou chega - a Isabelle deve ter visto a briga, o caos e tentou apartar de alguma forma, imagina se eu e o Cantão realmente saíssemos na mão, como ela sozinha iria dar conta de dois armários? - Chega caralh*. Para com isso Cantão, chega. Vão ficar brigando agora?
- A fura olho que começou, cuidado que vai roubar suas coisas também.
- Cala boca, você não conseguiu nem apoiar elas. Não sabe cuidar do que tem - continuamos discutindo , a Isabelle no meio, separando nós dois depois que eu levantei.
- Já falei pra parar os dois. Que merd* é essa? Marmanjo velho brigando igual adolescente - ela pegou no braço dos dois e nos puxou para a sala dos investigadores, por sorte não tinha ninguém, todos estão envolvidos na coletiva - a sorte de vocês é que ninguém viu. Se o Alcino vê uma merd* dessa estariam em problemas. Sacanagem - tanto eu como o Cantão estávamos com cara de tacho.
Quando a Isa parou de falar, eu saí da sala e comecei a andar em direção a escada. Eu estava temendo essa conversa com o Gabriel, mas não imaginei que seria desse jeito, porque por mais que eu tenha algo com a Bia, um cuidado com ela, a declaração dela, eu não tenho nada com ela. Nem mesmo consegui parar e terminar formalmente com a Bruna. Não sou uma pessoa que junta as coisas sem cuidado, que começa algo sem finalizar outro. Às vezes a sensação que eu tenho é que antes de eu conseguir respirar de um problema, já chega outra onda, sem eu nem ter parado.
Parei na copa, não achei a Beatriz, mesmo eu tendo acabado de brigar com o Cantão, exatamente por isso, eu queria tanto o abraço dela. Temos uma técnica que é do Estacione, sente, alimente, oriente e navegue, ou seja, em momentos críticos, que se está perdido, devemos parar, comer, respirar, pensar e depois ir. Acho que eu preciso exata,ente disso. Puxei o ar fundo, forte, entrei na copa, enchi um copo de café e abri a geladeira, procurando o lanche que o 01 falou, realmente tinha um lanche de metro e uns salgados. Peguei alguns e coloquei em um pratinho. Sentei na mesa, acho que só depois da primeira mordida tive ideia da minha fome, coisa que sempre acontece. Dei sorte que a copa estava vazia, sem ninguém, consegui respirar.
Eu estou bem feliz com a operação em si, pelo que escutei, o hospital foi quebrado, conseguimos apreender os equipamentos hospitalares de lá. O Puca foi baleado no abdome na ação, dois seguranças do Grilo foram atingidos na operação e foram a óbito, o Grilo foi preso, a Caroline foi solta do sequestro dela. Então foi uma boa operação, coroando esse trabalho de quase um ano. Claro que ainda falta muita coisa, principalmente meu trabalho com a Isabelle sobre a morte do Evangelista.
Me assustei com uma mão sorrateira que encostou no meu ombro. Estou tão imersa no cansaço e pensando na operação que não vi ninguém entrando na copa. Só pode ser a Bia, mantive minha cabeça baixa, puxei o ar fundo.
- Você tá tensa! - Bruna?? Levantei a cabeça e virei na mesma hora.
- O que está fazendo aqui? Essa é uma área restrita - falei levantando da cadeira.
- Calma amor. Calma. Vim pra coletiva. Sabia que você já tinha voltado.
- Essa área continua sendo restrita, não pode ficar aqui - falei, sem contato físico, assustada por ela estar aqui.
- Eu conheço esse DP Flavinha e o efetivo daqui. Queria conversar com você. - me afastei dela, tentando abrir uma área de respiro.
- Eu falei que te ligaria quando eu pudesse conversar, não falei. O meu trabalho ainda não acabou aqui, tenho coletiva, estou exausta. Não quero conversar com você agora.
- Amor, vim pra coletiva, só quis aproveitar e te ver. Só isso.
- Eu sei Bruna, eu sei - claro que sempre estou errada - Mas agora não posso falar com você. Eu estou exausta, preciso parar e respirar primeiro.
- Tudo bem, tudo no seu tempo Flavinha - olhou pro chão, nitidamente fazendo charme - Vou estar na entrevista coletiva, fiz questão de vir pessoalmente acompanhar. Vou adorar assistir você.
- Bru…
- Não precisamos conversar agora amor, depois vemos isso com calma. Vim só te ver tá?! - ela deu um passo à frente e um selinho. Continuei parada na mesma posição, como se simplesmente não tivesse entendido o que aconteceu aqui. Como a Bruna entrou? Não me apoiou na morte da Fabi, mas vem me ver em uma coletiva? São coisinhas que não fazem sentido, não tem contexto. Que dia!
Antes de voltar para a sala de reuniões, eu acabei mandando uma mensagem para a Bia, afinal não encontrei ela na copa e nem no seu laboratório. “ Bi, Já voltei da operação. Te procurei no laboratório e na copa, não te achei. Já está no DP?”
A resposta que recebi foi “Ok”, sem mais ou menos palavras.
Quando finalmente deu próximo às 11h, já estava tudo alinhado para a coletiva. Em uma sala do DP, separada para isso, já havia diversos repórteres. Assim que eu entrei enxerguei a Bruna, toda formal, como se jornalista fosse, quase de frente com a mesa. O Alcino sentou no meio, ao seu lado Cantão, sem trocar uma palavra comigo, cara fechada. Do outro lado o chefe da equipe incursiva, que chamo de 01, e eu sentei ao lado dele. Na nossa frente, em cima da mesa tinha diversos armamentos, munições. Para passar uma imagem mais formal, todos nós fomos de roupa preta, escrito policia civil, com nossos distintivos no peito. O Cantão foi com o colete modular dele, o Alcino com duas pistolas. O Alcino como chefe começou a expor os detalhes da operação:
- Esse caso iniciou com uma denuncia anônima de um cemitério clandestino na região de Heliópolis, em um local conhecido como Matão do fundo. Nossa equipe, com o auxílio do Corpo de Bombeiros conseguiu remover os restos mortais de vítimas. Com o processo investigativo conduzido pela equipe do Delegado Cantão, essas vítimas foram identificadas e através do exame legal, foi identificado a ausência de diversos órgãos, abrindo a suspeita de serem mortes relacionadas ao Tráfico de Órgãos. Todas as vítimas eram oriundas da comunidade de Heliópolis, onde foi identificado uma quadrilha relacionada ao aliciamento de pessoas para a venda e compra de órgãos, envolvimento de profissionais da saúde como médicos anestesistas e cirurgiões. Esses fatos acompanharam furto e roubos a estabelecimentos de saúde, para obtenção de materiais controlados.
- No decorrer da abordagem seguimos duas frentes, uma equipe se infiltrou no hospital clandestino que essa organização mantinha e uma segunda equipe abordou a residência do chefe da quadrilha, que estava mantendo sequestrado uma médica. Durante a abordagem foram apreendidos três equipamentos de anestesia e ventilação, diversos equipamentos hospitalares e cirúrgicos, drogas anestésicas, munição, quatro fuzis de uso militar, cinco pistolas frias, 200 quilos de pasta base de cocaína, entre outros itens de apreensão - o Cantão leu essa documentação, refletindo o que foi apreendido.
- Quanto às detenções, a operação de hoje garantiu a detenção do chefe da quadrilha, conhecido como Grilo, um dos cirurgiões envolvidos, conhecido como Puca. Três agentes responsáveis por um sequestro, conhecidos como Caroço, Migalha e Turco, além de outros elementos, foram apreendidos durante as demais fases da operação - Essa parte o 01 da incursiva falou.
- Durante a operação foi resgatada uma médica ginecologista que estava mantida sobre sequestro com a quadrilha e sendo utilizada para atendimento. Ela foi resgatada sem maiores danos, apenas escoriações e encontrava-se desidratada. Foi encaminhada ao atendimento médico - Eu falei bem sucintamente sobre o resgate da Carolina. Apesar da Bruna estar sentada na primeira fileira, quase que de frente comigo, eu evitei ao máximo olhar pra ela, dar moral ou qualquer interação. Pelo contrário, meu olhar focou na Beatriz, que estava no final da sala, em pé ao lado da sala, de cara séria e emburrada acompanhando a coletiva.
- Sendo exposto os dados gerais da operação, estamos à disposição para questionamentos - Logo que o Alcino falou isso, começou um murmúrio chato de jornalistas. Quantas vítimas na operação? Qual o efetivo usado na operação? O material apreendido será revertido ao SUS? Quais os próximos passos da operação? Foi identificado algum comprador dos órgãos? Qual o valor das vendas dos órgãos? Foi uma pergunta em cima da outra, uma chuva intensa. Nós quatro sendo metralhados como se nós fossemos os criminosos daquela situação, como se nós tivéssemos invadido uma clínica e ateado fogo na estrutura. Nós 4 fomos nos dividindo no bate bola e respondendo as perguntas, uma em cima da outra, sem pausas. A única pergunta que a Bruna fez foi quase no finalzinho:
- Qual a correlação dessa operação com o desaparecimento do jornalista Marcius Evangelista? - Cara, essa pergunta chamou a atenção dos jornalistas de um jeito, na mesma hora subiu um murmurinho importante. O Alcino olhou pra mim, me passando a bola para responder, não tem como outro responder isso.
- A investigação sobre o desaparecimento e morte do jornalista Marcius Evangelista se mantém em segredo de justiça. O que foi identificado até o momento é que por atuar no jornalismo investigativo, ele estava acompanhando os passos e trabalhos da quadrilha que foi dissolvida hoje - fui curta, grossa e política, sem expor minhas hipóteses. Muito menos gritar pra ela: “Sua ex-namorada pode ser traficante de pessoas e mandou matar ele”, porque essa era a minha vontade.
Após a pergunta da Bruna, houve mais 2 perguntas e o Alcino encerrou a entrevista. Era possível ver o sorriso velado dele, comemorando que deu certo o golpezinho político dele. Ele está usando essa operação e por sorte, o sucesso dela, para ascender sua carreira na Polícia Civil. Não posso julgá-lo, não sei se um dia não terei que fazer isso, mas hoje me sinto um pouco enojada em uma situação dessa. Assim que ele concluiu a entrevista coletiva eu saí rapidamente do auditório, como se houvesse um pó de desaparecimento.
Apesar de toda a demanda administrativa que a operação gerou e a própria continuação investigativa, o Alcino deu uma dispensa para todos que viraram esses dias na operação. Eu cheguei em casa só querendo um banho rápido e dormir. Apesar de mais uma vez afirmar que não tenho nada com a Bia, porque não temos, mas tem ali um chamego, um flerte, uma responsabilidade afetiva, mandei uma mensagem pra ela, avisando que cheguei em casa e iria dormir um pouco. A resposta novamente foi “ Ok”. Ah, não to podendo com isso Beatriz. Perguntei: Quando chegar do DP, antes da minha aula, quer ir comer alguma coisa?”. A resposta curta e grossa foi “ Hoje não”. Completei com uma carinha triste, tentando puxar algum papo, mas sem sucesso. Ela visualizou, mas não respondeu nada.
Abri o site de uma loja de chocolates e dei uma olhada nas opçoes, sei que ela gosta muito de chocolate ao leite, preto, gosta de bolinhas de cereal com chocolate em volta. Achei uma plaquinha de chocolate escrito “ Obrigada “. Humm, peguei uma ou outra pecinha e montei um kit. Após fechar a cesta, tem a opção de escrever um cartão. Escrevi? Claro que sim. Ficou mais ou menos assim: “ Oii Bia. Primeira carinha que te escrevo, na verdade nem tive tempo de saber se você gosta desse tipo de coisa ou não. Enfim… Você está brava comigo, nem sei exatamente o motivo, mas sei que posso arrumar isso. Você é encantadora, fofa, ao mesmo tempo que é bruta e forte como uma guerreira. Gosto muito de você e sabe disso. Espero nos resolvermos logo. Com carinho, Flávia!”. Fechei o pedido e enviei para o DP, para ser entregue para ela. O que escrevi é real, sei que está brava comigo por alguma coisa e não sei o que é, qual o motivo. De todo modo é um mimo e espero que ela goste, se não amansar ela, vai adoçar.
Cheguei na faculdade já passava das 18:30 horas, faz tanto tempo que não venho que sou oficialmente uma aula, acho que quase 15 dias. A minha sorte é que a Ana Lu conseguiu assinar a maior parte das listas para mim. Com o falecimento da Fabi eu não tinha condições emocionais para assistir aula ou discutir caso jurídico. Depois veio a operação em si, que fiquei 3 dias em clausura, esperando o desenrolar das situações. Eu até pensei em entregar na faculdade a declaração de óbito da Fabi, mas quando levantei se era uma justificativa, a resposta que tive foi a de sempre, se não é casada no civil, não é válido. No final, como a Ana Lu assinou as listas para mim, deixei quieto.
- Olha que honra ter uma turista presente na aula de hoje! - a Ana Lu falou rindo.
- Minha vontade de pegar o diploma fala mais que a monotonia do dia a dia - respondi também brincando.
- Eu to só pelo diploma, se eu pudesse só aparecia na colação de grau. Já passei da vontade de querer mudar o mundo.
- Eu não quero mudar mais nada também. Chega.
- Como você está, Flavia? - ela perguntou séria, entendi que perguntando não só o “tô bem” do dia a dia.
- Cara, tá foda, mas a sensação de leveza predomina. Claro que eu daria tudo pra ela estar aqui comigo, desde que bem, saudável. Prefiro viver sem ela do que na situação que estava. Acho que foi algo libertador ela ter finalmente partido.
- Também acho, na verdade ela nem estava mais aqui, só o corpo.
- Exatamente, só o corpo respondia e muito mal. Não faz sentido forçar a vida. Então estou mais aliviada. Triste pela morte, por não ter mais um fundinho de esperança, que eu ainda tinha, mas faz parte. Prefiro ela descansando.
- Eu quase não consegui falar com você no velório.
- Falou sim, ficou ali perto. Eu estava em Nárnia. Estava tão machucada, tão desnorteada. E ainda teve a prima da Fabi que veio pra cima de mim.
- Éh, não entendi isso. Foi assim que eu cheguei com o Gabriel.
- A família da Fabi sempre achou que a situação dela era minha culpa né?! Quando ela faleceu, a prima dela, a Rogéria, falou que se eu aparecesse no velório ela iria me quebrar no meio. E eu como sempre, nem aí. Cuidei de tudo do velório, acertei horário, reconhecimento de corpo, tudo. A família” - falei fazendo aspas- não se envolveu em nada, fui conversar com o Sr Luiz pai dela, todo o tempo. Aí quando a maluca chegou no velório veio pra cima de mim.
- Que louca!
- Ela estava sofrendo também. Infelizmente crescemos ensinadas a resolver as coisas no pau, no tapa. E se estava no domínio dela resolver algo, porque não sentar a porr*da? Eu também fui assim por muito tempo, na verdade ainda sou.
- Flávia, e a Bruna? O tempo que fiquei com você no velório eu não achei ela. Na verdade nem sei se a Bia deixaria alguém chegar perto de você - Ela deu uma risadinha que só uma amizade legal dessas entende.
- A Bruna sumiu cara, avisei que a Fabi estava morrendo e a resposta dela foi “tá, nada de novo, só esperar”. Eu fiquei muito puta. Era no mínimo pra ter me ligado, perguntando onde eu estava, se precisava de ajuda, me acompanhado. Nada, sumiu. Depois eu mandei aquela mensagem do velório. Não me respondeu nada. Sumiu do mapa.
- Mas apareceu em algum momento ou virou desertor?
- Foi aparecer uns quatro dias depois quando eu estava saindo para a operação. Aí apareceu lá em casa.
- E você tocou ela fora ou deu uma chance? - ela perguntou sem pretensão
- Eu despachei ela e pedi um tempo, falei que quando eu puder eu ligo pra ela.
- Hummm
- Eu e a Bruna temos algumas coisas que não encaixam desde o começo. Isso não tira o quanto ela é linda, a conversa inteligente que ela tem, uma pegada boa.
- Sexo bom pelo que vvoce fala.
- Sim, sex* bom. Todos esses pontos. Mas eu não consigo ver ela como uma pessoa a longo prazo, e se fosse pra ser longo prazo, eu teria que trabalhar muito, reconstruir ela. E não tenho idade nem saco pra isso.
- Fala isso por conta da diferença social?
- Sim. Ou eu vou ter que fingir ser algo que não sou, arrumar dinheiro pra mais, me endividar. Ou ela vai precisar descer, encarar um dogão, um PF, Praia Grande, e não imagino isso acontecendo. Eu sou cuidadosa, romântica, protetora, mas parece que isso é ok, mas ela trava no glamour.
- Mas você aceitou viajar com ela lá pra aquela pousada chique.
- Sim, eu estava pensando e tentando aceitar essas regalias dela. Me incomoda, parece que estou usando do outro, mas até aí tudo bem. Alguns sapos dá pra ir engolindo. Mas o lado mimado dela não consigo engolir, vai ser como quero, o bico, o se não for assim não aceito.
- Muito esforço pra algo que tem que ser leve.
- Exatamente. Exatamente Ana Lu. Não posso mudar ninguém, não posso forçar ninguém a ser como eu. Ai sabe quando vai juntando as pecinhas e percebe que está muito mais difícil do que deveria ser? Já estava assim, mas quando veio o falecimento da Fabi, algo importantíssimo pra mim, uma situação crítica que eu precisava de todo o apoio do mundo, e ela não estava lá. Ali pra mim não deu mais, não posso estar com alguém que eu não sou nem a décima prioridade.
- Tá, terminou então?
- Ainda não consegui parar pra falar com ela e terminar. Eu jamais faria isso por telefone.
- Apesar de tudo você consegue ser cuidadosa com ela.
- É o certo. Não é porque vai terminar que precisa ser na grosseria. Bom trato com as pessoas é essencial - ela sacudiu a cabeça concordando, depois a Ana Lu me olhou bem diretamente, desviou, olhou de novo - Fala!
- O que?
- Você quer falar alguma coisa, está me olhando, desviando, olhando. Fala logo.
- E a Beatriz?
- Que Beatriz? - eu não havia contado nada da Bia para a Ana Lu, até mesmo porque ela teve um flerte com o Cantão a um tempo atras e arrasta meia asa pra ele.
- A Beatriz que mora com você e ex do Gabi.
- Do Gabi? - peguei a palavrinha - E quem te contou que eles terminaram?
- No dia do velório da Fabi, ele me ligou oferecendo carona. Falou que iria de viatura até lá, se eu não queria uma carona. Aceitei, o cemitério era longe. Fomos conversando, de boa. Eu perguntei pra ele sobre a Bia, ele só falou que tinham terminado. Não estava triste, tenso, nem nada. Achei de boa. Quando chegamos lá no velório, ninguém conseguia chegar perto de você praticamente, a Beatriz era quase uma guarda costas sua. Achei bonitinho o jeito dela te protegendo - eu estava um pouco envergonhada, encabulada por ela falar sobre a Bia.
- Ela realmente cuidou de mim, e eu precisava de cuidado. A Bruna não apareceu, acabei aceitando o cuidado da Bia.
- Flávia, eu juntei os pontos cara.
- Não tem ponto pra juntar Ana Lu. Ela é ótima, linda e cuidadosa.
- E caidinha por você - olhei pro chão, mega envergonhada - acabou de me responder. O Gabi também percebeu isso. Ele tinha ido calmo, de boa, voltou bolado, chateado. Quando chegamos, ofereci pra tomarmos um café, bater um papo.
- E ele aceitou né?!
- Claro, não teria porque ele não aceitar. Aí fomos conversando, fui entendendo um pouco da história.
- Não tem história Ana Lu. Eles terminaram.
- Ele me contou que estava se esforçando, tentando se aproximar dela. Que você estava ajudando, mas agora ele não sabia o quanto era verdade ou não. Ele não estava chateado com a Bia ter terminado com ele, mas por vocês estarem juntas antes deles terminarem.
- Ah, o Gabriel viaja cara. Discutiu comigo hoje, quase saímos no tapa. Veio me tirar satisfação que roubei a operação e a Beatriz.
- Mas vocês tem alguma coisa? - ela jogou um verde
- E você e o “Gabi” tem alguma coisa? - joguei outro. Rimos juntas
- Eu e ele nada, mas podemos! Aceito!
- Hummmm, você gosta ainda dele né?!
- Ah, um pouquinho. Mas não vou parar por causa dele, se um dia rolar, rolou. Mas também não quero ser estepe de ninguém. Mas não foge Flávia, estão tendo alguma coisa?
- Não temos nada Ana Lu.
- Nadinha Flávia, nem aquele seu come pela beiradas. Porque eu sou sua amiga e não te abraçaria nem um terço do jeito que ela fez. E pelo jeito que você está vermelha, não estou errada.
- Ah Ana Lu, estamos flertando sim. Aquele lá nem cá. Apesar que hoje especificamente ela está brava comigo, nem me responde mensagem. Comprei um chocolatinho pra ver se amansa ela.
- Ah Flávia, sua cara de pau.
- Não, não é assim. Nem influenciei o término dos dois. Lembra daquela viagem investigativa que fiz pro interior ? - Ana Lu confirmou - então, fomos tranquilas, parando pra ela tirar foto da paisagem, da estrada. Achamos uma base de escalada, ela fez um trabalho incrível. Enfim, foi bem leve a viagem. Quando chegamos na pousada, só tinha um quarto pra gente, houve algum erro na reserva.
- Sei, foi você ou ela que reservou?
- Ela
- Sei o erro Flávia, chama, criando a oportunidade.
- Talvez, talvez - Ana lu riu da minha não afirmação - enfim, acabamos ficando no mesmo quarto. À noite, acabamos conversando um pouco, foi onde falou que tinham terminado.
- E que ela é afim de você! - concordei com a cabeça, novamente envergonhadas - Porr*, sabia!
- Não, Ana Lu, não faz esse show. Ela me contou que eles tinham terminado, que ela.estaba afim de mim. Que sabia que eu estava com a Bruna, que não estava exigindo nada de mim. Foi uma conversa bem madura, bem séria.
- Tá, mas e aí, você ainda não terminou com a Bruna e já está com a Bia?
- Não Ana Lu, jamais. Uma coisa por vez, amanhã vou conversar com a Bruna, na verdade marcar de falar com ela. E depois disso, se a Bia ainda quiser, podemos tentar.
- Vou falar que achei ela bem atenciosa com você. Achei fofo. Te deu bastante suporte na questão da Fabi.
- Talvez a Bia seja aquele relacionamento de construção, de companheirismo. Não sei, acho que vale tentar.
- principalmente porque o Gabi fica livre.
- Ah Ana Lu. Não aguenta mais ficar longe do delegado né?!
- Vai que cola?!
Por sorte ou azar a professora do laboratório de casos jurídicos entrou na sala e a atenção toda foi direcionada para ela. Mas antes de eu focar na Dra. Mariangela, advogada empresarial, peguei meu celular e abri no contato da Bruna:
- Bru, boa noite. As coisas se acalmaram um pouco mais com o término da operação. Amanhã vou tomar o depoimento da sequestrada na parte da tarde, não quer me encontrar depois para conversarmos? - Chega, preciso de um ponto final.
Fim do capítulo
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jake
Em: 30/07/2024
Gabriel como todo homem não aceita perder a mulher para outra .Aff ainda fica querendo resolver tudo no braço, tá feio delegado desconfiar da Fla vcs que sempre foram amigos...rum.
Bruna já passou da hora de vc vazar,
Flávia vc é lenta nossa.Resolve logo a Bia daki a pouco parte pra outra.Rummmm
Sem cadastro
Em: 30/07/2024
Agora termina. É, não deu, a Bruna mesma, não se ajudou.
O Gabriel, aceita que dói menos.
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