Sete cidades
Mateus ainda estava remoendo a conversa com Manuela, quando alguém bateu na porta do quarto.
— Vocês combinaram? — ele perguntou rindo ao ver Julia parada no batente da porta.
— O quê?
— Nada. — ele disse dando espaço para Julia entrar na suíte, ele sabia que era improvável que as duas tivessem se encontrado no hotel, já fazia tempo que Manu tinha ido embora e alguma coisa nele dizia que a publicitária não tinha contado para Julia sobre o encontro dos dois.
— Eu vim pra gente tentar conversar, Mateus e eu espero que você saiba que minha intenção é que essa seja uma conversa definitiva. — Julia falou com seriedade, ainda de pé.
— Definitiva como?
— Como o nosso divórcio não foi capaz de ser.
— O que você esperava, que eu fosse desistir assim tão fácil do nosso casamento? — ele disse se sentando em um dos sofás do cômodo e encarando o rosto de Julia.
— Eu esperava que você fosse respeitar a minha decisão e eu também esperava muito que você não fosse meter os meus pais no meio dessa história, especialmente considerando que foi justamente a minha péssima relação com eles que nos colocou nesse casamento em primeiro lugar.
— Você não pode achar mesmo que eu iria aceitar com tranquilidade você voltar pra cá e me largar sozinho, ainda mais para voltar correndo pra Manuela, como se todo o nosso casamento não tivesse sido nada.
Julia respirou fundo, ela não queria e não iria ser arrastada para as mesmas discussões. Se tem uma coisa que ela tinha entendido depois da sua conversa com os pais era que certas coisas ela precisava fazer por si mesma, muito mais do que por qualquer futuro que ela sonhava em ter dali em diante.
— Eu não posso te amar, Mateus.
— O quê?
— Eu não posso te amar do jeito que você pensa que quer, eu nunca pude e eu sinto muito que eu tenha arrastado tudo isso por todo esse tempo. Depois do Ícaro, eu não acho que eu posso dizer que me arrependo do nosso casamento por completo, mas isso não muda o fato de que eu nunca vou conseguir te amar do jeito que você acha que eu devo e, honestamente, depois de tudo que a gente viveu, eu não acho que você me ame também.
— Você não sabe nada sobre o que ou como eu me sinto, Julia. Só eu sei.
— Eu sei o suficiente sobre você para saber que esse homem que fica correndo atrás de de alguém que já disse que não quer mais nada com ele, que se junta com os meus pais achando que vai conseguir mudar a minha cabeça, que se esquece de todos os anos que nós passamos juntos e de tudo que aconteceu no final, esse homem não tem nada a ver com o homem que eu sei que você é. Você acha que eu sou sua mulher, mas eu nunca fui. Nunca.
— Não tenta jogar na minha cara que o nosso casamento não foi real, como você disse muito bem, eu estava lá. Você foi minha mulher!
— Só porque eu não podia ser dela.
Julia falou com convicção e Mateus baixou os olhos por um instante. Aquele era o ponto, enquanto Julia podia estar com Manu, Mateus não teve a menor chance e ele sabia disso. Ele não gostava de perder e ele andava perdendo coisas demais nos últimos tempos, mas ele não podia negar que naquilo Julia nunca havia mentido.
— E você acha que ela ainda vai te querer agora, depois de tudo que aconteceu?
— Mesmo que ela não queira, se eu não posso ser dela, eu prefiro não ser de mais ninguém. O meu casamento com você é a maior prova de como eu não posso ser feliz com nenhuma outra pessoa.
**
Pedro estava batucando no volante do carro enquanto esperava a prima na porta do trabalho dela. Eles estavam bem, ele pensou, a viagem para o Rio tinha sido tão estranha e delicada, mas eles estavam bem e a prima não tinha falado nada sobre ir embora de novo, aparentemente as coisas iam se ajeitar, mas ele não sabia como ia ser quando Julia soubesse sobre a possibilidade de Manuela ir embora. Eles tinham combinado de tomar um café depois do expediente para colocar o papo em dia e Pedro se surpreendeu com a seriedade da prima quando entrou no carro.
— Tudo bem com você? — ele perguntou antes de dar partida no carro.
— Tudo certo e você?
— Eu estava mais animado antes de ver sua cara de velório. — ele tentou aliviar um pouco o clima — Você e a Manu conversaram?
— Será que a gente pode ir conversando e você dirigindo? A Tati já deve estar esperando a gente lá no café e eu falei com a Manuela por telefone, mas depois do dia que a gente chegou do Rio eu ainda não estive com ela.
— Vocês não brigaram então?
— Eu contei tudo pra ela, sobre como foram as coisas e ela foi perfeita, como você sabe que ela é, mas ela achou que a gente devia esperar pra falar sobre a gente e depois disso nós não nos encontramos pessoalmente. Eu sinto que ela está me evitando.
Pedro respirou fundo, ele podia imaginar como Manuela devia estar se sentindo e ele teve ainda mais medo de como a prima ficaria quando as duas finalmente se falassem.
— Talvez ela precisa de um tempinho pra entender como está se sentindo depois de tudo que aconteceu nos últimos dias. Você precisa concordar que foram algumas emoções bastante complexas e a Manu nunca se deu bem com essa coisa de ser pega de surpresa com as coisas.
— Eu sei disso, mas não poder conversar com ela e nem saber o que ela está pensando sobre tudo isso não é nada fácil.
— Honestamente? Você não tem noção ainda de como era realmente lidar com a Manu antes de você voltar e eu não estou falando da época que você foi embora, estou falando de quando eu passei a conviver com ela intimamente como amigo. Tinha alguma coisa que parecia quebrada nela e que não tinha concerto, Julia, ela viveu atormentada pelo que vocês fizeram por muito anos e eu assumo que você voltar fez ela renascer parece, mas também não tem como negar que ela nunca vai conseguir fazer as pazes com o fato de você e o Mateus juntos, como um casal. Especialmente sabendo o tipo de amiga que ela é, o quanto ela se entrega nas amizades e como lealdade é fundamental pra ela. Nós dois sabemos que ela deve ter ficado de coração partido quando soube de tudo que aconteceu com você, mas isso não muda o fato de que ela acabou de descobrir que você e o Mateus tiveram um filho juntos.
Julia suspirou e fechou os olhos encostando a cabeça no banco do carro.
— Olha só, eu só quero dizer que você acabou de passar por uma montanha russa com tudo sobre o filho de vocês vindo a tona da forma que foi e depois a nossa viagem pro Rio, mas a Manuela também viveu a própria montanha russa dela e eu não esperava nenhuma outra atitude dela que não fosse te pedir desculpas como ela fez, porém isso não quer dizer que ela não tenha sentimentos no mínimo conflituosos nisso tudo.
— Ela me falou hoje por telefone que os dias têm sido muito difíceis e pareceu que ela tá um pouco cansada disso. Eu estou também.
Pedro percebeu que não tinha sentido insistir naquele tema, a prima já tinha bastante sobre o que pensar no momento.
— Tem um compasso que vocês vão encontrar ainda, Ju. Já estão até encontrando, eu acho, mas tem umas coisas que são mais complicadas mesmo. Talvez é dar tempo ao tempo e esperar as coisas irem se ajeitando.
— É, talvez.
Os dois não tocaram mais no assunto durante aquela tarde e quando se despediram Pedro aconselhou a prima a seguir tendo paciência. Ela amava Manuela e queria ficar com ela, então não tinha outro caminho além desse. O rapaz não tinha comentado nada com a prima sobre a possibilidade de Manu está considerando se mudar do país por um tempo, mas ele continuava preocupado com aquela notícia e era muito ruim falar com Julia e não poder tocar naquele assunto. Ele tinha certeza que aquela história ia ser mais uma dolorosa entre aquelas duas.
**
Mateus nunca tinha sido chegado a simpatias com os outros, mas ainda assim ele resolveu dar um último telefonema para Helena antes de voltar para a Inglaterra. O empresário não gostava de perder, era ainda menos inclinado a aceitar uma derrota, mas tinha que reconhecer que o seu casamento com Julia havia acabado há muito tempo. E se ele fosse muito sincero consigo mesmo, aquela relação nunca havia começado em primeiro lugar. Existia também a conversa que ele tinha tido com Manuela, uma conversa dura para os dois, ele tinha certeza.
Mateus sempre havia gostado de Manu, mesmo tendo passado boa parte da amizade dos dois invejando as coisas que a publicitária era e tinha. Ele sabia que ela estava certa, que estava mais do que na hora dele seguir com a vida, seja lá para onde ela o levasse.
— Mateus. — Helena respondeu ao primeiro toque.
— Oi, Helena. Eu só liguei pra fazer a cortesia de avisar que eu estou voltando para Londres e dessa vez eu não pretendo voltar ao Brasil.
— O que você quer dizer com isso? — a mulher questionou incrédula.
— Eu não faço ideia do que você pretende fazer com relação a sua filha e, honestamente, eu não estou nem um pouco interessado em saber. Eu estou indo embora e essa decisão é irrevogável. A Julia deixou muito claro pra mim, ainda na Europa, que o nosso casamento acabou e mesmo assim eu insisti em continuar adiando o inevitável. O fato é que eu também perdi um filho e doeu em mim tanto quanto doeu nela. — Mateus fez uma pequena pausa — Eu não estou disposto a continuar remexendo nessa ferida, o que parece ser algo que você e o seu marido não pretendem deixar a Julia esquecer. Boa sorte e adeus.
Dito isso Mateus desligou o telefone decidido a não se meter mais naquela família, naquela história ou naquele país. Existe tanto que um homem como ele estava disposto a desperdiçar por uma mulher que nunca o amou de verdade, ou pelo menos não da maneira que ele achava merecer.
**
Julia não soube com certeza se Mateus tinha voltado para a Europa até a chegada de uma caixinha acompanhada de um envelope, no seu escritório naquela semana. O envelope tinha o nome da ruiva e ela reconheceu a letra de Mateus imediatamente. A nota dentro não era longa, mas teve um significado avassalador na arquiteta. Mateus havia escrito apenas nove palavras, mas Julia foi atingida profundamente.
O bilhete havia vindo acompanhado de uma chave e dizia simplesmente:
Você pode e deve visitar ele sempre que quiser.
M.K
Julia reconheceu naquele gesto que finalmente aquele ciclo da sua vida havia se encerrado. Fosse como fosse, aparentemente a conversa entre os dois havia tido algum efeito no empresário e ele tinha finalmente resolvido recuar. A ruiva olhou a nota e a chave por algum tempo, mas a partir daquele momento ela teve certeza que ao menos aquele problema era passado na sua vida. Mateus não ia mais incomodar.
**
Manuela estava com medo, mas ela também estava convicta e foi nessa convicção que ela se apegou ao chegar no escritório de Julia no horário que ela sabia que costumava ser o final do expediente da ruiva. Manu tinha considerado todas as possibilidades, pensado em todas as alternativas e tomado uma decisão. Ela queria que Julia fosse a primeira a saber.
— Oi dona Manuela, como vai? — a secretária recebeu Manu com um sorriso.
— Tudo tranquilo e você?
— Bem também. A Julia está sozinha no escritório, eu tenho certeza que ela vai gostar da sua visita.
— Obrigada. — Manuela respondeu indo em direção a porta da sala da arquiteta. Ela respirou fundo antes de dar duas leves batidas na porta e só abriu quando ouviu a resposta positiva de Julia.
A ruiva estava encerrando as coisas do dia quando alguém bateu na porta, já fazia uns dias desde a sua volta do Rio e ela ainda não tinha falado com Manuela pessoalmente, o que estava começando a preocupar a arquiteta, as duas sempre iam funcionar melhor quando estavam juntas, a distância Julia não conseguia avaliar o que podia acontecer. Mas, mesmo sentindo que aquilo não podia ser bom, ela estava respeitando o espaço que Manu parecia precisar naquele momento. A publicitária tinha ligado todos os dias para ver como Julia estava e as duas também tinham trocado algumas mensagens, mas nada que indicasse um possível encontro entre elas no futuro próximo e por isso Julia ficou surpresa ao ver Manu ali na porta do seu escritório.
— Posso? — Manu perguntou ainda da porta, notando a surpresa de Julia ao ver que era ela quem estava ali.
— Claro. — Julia respondeu se levantando e caminhando em direção ao meio da sala.
Manuela acenou com um sorriso tímido antes de entrar na sala e fechar a porta atrás de si. Ela não se aproximou de Julia de imediato, ela não sabia como e foi impossível não se apavorar com o que viria dali em diante para as duas.
— Eu queria conversar com você, se você puder. — foi como Manuela escolher começar.
— Você já sabe a resposta para isso. A gente pode ir para algum lugar se você preferir. — Julia sugeriu.
— Não, tudo bem a gente falar aqui. Como você está?
— Bem, na medida do possível.
Duas coisas colocaram Julia em alerta a partir daquele momento: Manu não tinha dado mais nenhum passo dentro da sala, ficou parada de costas para a porta, mas como se estivesse pronta para se virar e fugir dali a qualquer momento. A segunda foi que a publicitária ainda não tinha sido capaz de olhar Julia nos olhos e a ruiva sabia que esse era o contato que sempre dizia tudo entre elas.
— Isso é bom.
— Sim. E como você está?
Manuela suspirou e finalmente encarou os olhos de Julia.
— Eu estou… várias coisas.
E enfim as duas se olharam e Julia deu dois passos para trás para se escorar na mesa.
— O que você veio aqui me dizer, Manu?
— Eu preciso de um tempo, longe.
Julia sentiu seu coração ir parar no estômago e não soube o que responder.
— Tudo que aconteceu, e eu sinto muito pela parte que me cabe no sofrimento que eu sei que você teve nesses últimos dias, mas depois de tudo que aconteceu eu preciso entender o que eu sou capaz de superar e eu não acredito que eu vou conseguir fazer isso com você por perto.
— Então eu devia ir embora? É isso, você está finalmente me pedindo pra ir embora? — Julia falou já com lágrimas nos olhos.
— Eu nunca vou te pedir pra ir embora, Julia. Você já sabe disso.
— O que você está dizendo então? Porque São Paulo é uma cidade grande o suficiente, mas eu achei que você não estava disposta a viver me evitando em cada esquina.
Manuela secou uma lágrima que escorreu pelo seu rosto de forma teimosa e respirou fundo mais uma vez antes de voltar a falar.
— Será que a gente pode sentar e conversar com calma sobre isso, eu não vim aqui hoje pra piorar ainda mais tudo que a gente tem vivido. Eu quero explicar tudo pra você.
— Desculpa se eu tiver um pouco de dificuldade de entender como você me dizer que precisa de ficar longe é uma coisa que não vai piorar ainda mais as coisas. — Julia foi sincera.
Manuela pensou sobre o que dizer durante alguns instantes e quando voltou a falar foi com a voz embargada.
— A gente quebrou todas as promessas que a gente fez uma pra outra, Ju. Cada uma delas. Eu estou cansada e eu acho que você está também. Eu te amo, demais, mas eu preciso de tempo, pra descobrir quem eu sou sem toda essa mágoa e especialmente pra gente entender se existe algum futuro em que a gente possa estar na vida uma da outra de uma maneira segura e saudável e que não cause mais dor. É por isso que eu preciso de tempo longe. Senta comigo, deixa eu explicar por favor.
Julia cedeu e ela não achava que faria diferença entender o que Manuela queria explicar, não se ela já sabia que o final daquilo tudo era as duas separadas, mas ela ia ouvir e ia tentar ser forte. As duas se sentaram uma do lado da outra no sofá que ficava no escritório e Manu foi quem falou primeiro.
— Eu recebi um convite de uma professora da época da faculdade para fazer uma residência artística nos Estados Unidos. Às vezes eu trabalho com ela em projetos pessoais que não são tão voltados para o mercado publicitário e ela sugeriu que com o meu currículo eu poderia me dar bem nessa residência. Não é pra sempre, dura alguns meses e eu já disse pra ela que aceito.
— Quando você vai? — foi a primeira coisa que Julia quis saber.
— Eu preciso estar lá em duas semanas, é o tempo que eu tenho para organizar as coisas.
Julia concordou com um aceno de cabeça, duas semanas era rápido demais, mas ela sabia que nenhum tempo ia ser suficiente quando o assunto fosse Manuela.
— O que você quer que eu diga, Manu? Boa sorte? Parabéns? Eu vou esperar? O que você precisa que eu diga?
— Eu não preciso que você diga nada, mas você pode dizer o que quiser. Eu não estou pedindo que você me espere ou nada disso, mas eu não sei como continuar com isso que a gente tá fazendo desde a sua volta depois de tudo que aconteceu nesses últimos dias. Eu preciso entender quem eu sou agora, depois de tudo que eu descobri, de tudo que a sua volta significou na minha vida e eu sei que se eu estiver aqui… você é inevitável pra mim, se a gente estiver assim tão perto.
As duas se olharam com lágrimas nos olhos e Julia mais uma vez não soube o que dizer, ela queria implorar para que Manuela reconsiderasse e ficasse para as duas tentarem descobrir juntas como seguir adiante, mas ela não sabia se tinha direito de fazer um pedido como aquele.
— Então já tá decidido, Manu. Você já decidiu por nós duas.
— Não diz isso.
— É a verdade.
— Eu estou partida em duas, Julia. Você acha que eu queria isso? Ter que tomar essa decisão porque estou desesperada e com medo do que pode acontecer comigo se eu continuar aqui? Eu me acostumei tão rápido com a sua volta que nos últimos meses eu me esqueci totalmente de como era quando você não estava, mas eu soube naquele dia na sua casa que existem extremos que eu não quero mais viver e eu não faço ideia de como superar isso.
— Não existe mais nenhum segredo, Manu. Eu juro que não existe mais nada que eu não tenha te dito, você não acredita em mim? — Julia encarou os olhos marejados de Manuela e tentou encontrar ali um caminho para reverter aquela situação, mas pareceu que não seria possível.
— Não é sobre acreditar ou não. Eu não vim aqui hoje pra jogar na sua cara nada do que tenha acontecido no nosso passado, Julia, mas as coisas que a gente viveu, elas tiveram um preço pra mim e eu preciso de ter certeza que eu dou conta de levar a minha vida sem toda essa angústia e essa dor.
— Então você não pode me perdoar, é isso? — Julia perguntou com desespero.
— Eu não quero ter que te perdoar ou me perdoar. Eu quero conseguir viver sem estar presa nessa mistura de ressentimentos e dúvidas. Eu só tô cansada. Cansada de ter que ficar sentindo todas essas coisas. Eu não quero que a minha vida seja definida pra sempre pelas dores que eu senti por algo que aconteceu quando eu era outra pessoa, com outra vida e uma outra cabeça. Eu mudei tanto de lá pra cá e eu quero ficar livre disso tudo, toda essa bagagem e é isso que eu tô tentando fazer.
— Eu… — Julia começou e respirou fundo — realmente não queria que fosse o caso, mas talvez eu tenha que admitir a possibilidade. — a ruiva concluiu sem olhar Manuela no rosto.
— Que possibilidade?
Julia conseguiu ouvir o medo na voz de Manu e seus próprios olhos se encheram de lágrimas de pavor que aquela fosse a conclusão correta daquilo tudo.
— De que você não vai conseguir me perdoar e que esses últimos meses sejam eu finalmente te ajudando a fechar esse ciclo da sua vida.
Julia não sabia mais o que pensar, parecia que elas tinham avançado tanto e ao mesmo tempo tudo estava em suspenso. Elas se amavam, não existia nenhuma dúvida sobre isso, mas será que elas realmente tinham capacidade de ficarem juntas e serem felizes depois de tudo? Julia queria acreditar que sim, mas talvez ela estivesse errada.
— Eu fui fiel ao que sinto por você desde o primeiro dia e isso não mudou agora, então eu estou sendo muito sincera quando eu te digo que não é isso que eu quero que seja o caso, mas eu ainda preciso de tempo e de espaço pra entender as coisas aqui dentro. Eu não posso te dizer o que eu vou encontrar indo embora, mas eu estou sentindo como se eu estivesse totalmente fora de controle e isso também não é uma forma certa de ficar com você.
Julia chorou, porque ela não tinha muita possibilidade de conseguir controlar a tristeza naquele momento. Julia abaixou a cabeça, balançou ela de um lado pro outro como se fosse possível separar os pensamentos dessa forma e por fim se levantou, caminhou até o outro lado da sala antes de voltar a encarar Manu, que ainda estava sentada no sofá, também com lágrimas nos olhos.
— Eu respeito a sua decisão. Eu te disse aquele dia que se depois de me ouvir, você me dissesse que não queria me ver nunca mais, eu ia respeitar isso e eu estava falando sério. E eu sei que você tinha uma vida inteira acontecendo aqui antes da minha volta, então se você está indo embora apenas porque quer ficar longe de mim, você não precisa, eu posso ir.
Manuela sabia que aquela era uma possibilidade, que Julia fosse recuar e querer sair de cena, mas a publicitária não queria que aquilo acontecesse. Não depois de tudo que ela sabia que tinha acontecido e muito menos sabendo que Julia tinha acabado de voltar a ter Pedro e Silvia de volta na sua vida, pessoas que Manu sabia que iam sempre cuidar dela e no fundo a morena também tinha medo de que se Julia fosse embora outra vez, ela nunca mais iria voltar.
— Eu não quero que você vá embora, eu já te disse isso. Você precisa da sua família, Ju, o Pedro e a Silvia e é aqui que eles estão. Eu nunca ia te pedir para abrir mão deles por minha causa.
— E eu nunca ia te pedir para abrir mão da sua vida por minha causa.
— Eu não estou fazendo isso, Ju. Eu realmente não estou. — Manuela tentou mais uma vez.
— Mas você também não está ficando! Você está deixando tudo para trás e eu sei por experiência própria o quanto isso é difícil e algumas vezes com consequências irreversíveis.
— Eu estou com medo também, de que eu indo possa significar o fim da gente, mas você me disse uma vez que não queria me torturar e eu estou com mais medo que ficar aqui termine por me torturar de uma maneira que eu não vou conseguir me recuperar. Não existe como a gente passar por cima de tudo que aconteceu e simplesmente seguir vivendo, Julia e eu sei que você tá machucada também. Nós duas precisamos nos cuidar e eu não sei se a gente tem alguma chance se eu continuar aqui.
— Você realmente acha que a gente não tem a capacidade de cuidar uma da outra?
— Muito pelo contrário, eu sei que juntas a gente vai sempre achar que a outra é mais importante, mas eu aprendi há muito tempo atrás que eu só posso cuidar do outro se eu cuidar de mim primeiro e eu sinto que a gente está na mesma situação aqui.
Julia ficou em silêncio, não era que ela não entendia o que Manuela estava dizendo, mas ela sentia que era fisicamente incapaz de concordar com qualquer alternativa que significasse que as duas iam se separar de novo e viverem longe uma da outra mais uma vez. Manuela resolveu continuar diante do silêncio da ruiva.
— Quando o Marcos esteve aqui pro casamento dos meninos, eu disse pra ele que desde que eu achava que desde que eu te conheci eu sempre fui uma parte sua e que eu estava cansada de lutar contra esse sentimento gigantesco dentro de mim, eu ainda acredito nisso, Ju. Eu sempre vou pertencer a você de um jeito que eu não sei explicar e eu acho que isso é verdade pra você também, mas quando a gente se olha, eu não sei se é só esse sentimento que a gente vê. Eu sinto que todas as coisas que aconteceram, a nossa separação, como tudo foi, tudo que você viveu lá e eu vivi aqui, eu acho que a gente enxerga tudo isso também. Então, eu acho que além de dizer que eu preciso desse tempo longe, eu vim aqui hoje pra pedir pra gente tentar se perdoar primeiro, você se perdoar e eu me perdoar, por todas essas coisas e aí quem sabe a gente tentar entender como existir na vida uma da outra, porque eu não acho que existe alguma distância que seja capaz de fazer com que a gente seja menos inevitável na vida uma da outra. Mas, agora, eu não acho que a gente vai conseguir fazer isso de perto.
**
Duas semanas depois, ainda com medo e muitas dúvidas, Manuela embarcou para uma viagem que colocaria milhares de quilômetros entre ela e Julia mais uma vez. Ela tinha se despedido de todo mundo, se explicado com quem achava que precisava e colocado nas malas além das suas coisas uma necessidade absurda de que desse certo. Nada que ela tinha vivido até ali foi mais difícil do que a sua decisão de ir embora e ela queria poder dizer que sabia que estava fazendo a coisa certa, mas ela não podia.
Fim do capítulo
Olá!!! Mais um dia de estrada, por isso mais um dia de capítulo noturno/madrugada.
Esse aqui é inspirado na música 'Sete Cidades' da Legião Urbana e é um capítulo meio assim baixo astral pra dizer o mínimo. A gente tá bem pertinho do final, então é normal que tudo fiquem bem baixo astral mesmo, não tem muito o que fazer.
Agradeço como sempre a gentileza de vocês com as leituras e os comentários, vocês são muito boas pra mim. Amanhã eu volto.
Beijo no coração de vocês e boa semana! ♥
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LeticiaFed
Em: 30/07/2024
Lendo só agora junto com o proximo capítulo e triste com a situação mas...é a vida. Agora torcer pras meninas acalmarem a mente.
E vamos ler o proximo!
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