Transitório part. II
Julia encontrou Manuela deitada na rede com um caderno de desenho, exatamente do jeito que Amanda havia dito que ela estaria. Desde o início do namoro, aquela era a primeira vez que elas discutiam, o que levou dois meses para acontecer. Considerando o quão cabeça dura e teimosa Manuela era, para Julia, era um verdadeiro milagre que tivesse demorado tanto. Mas a briga na sexta à noite já tinha demorado demais para terminar, a ruiva já estava morta de vontade de ficar agarrada com Manu, de sentir o cheiro da morena e de simplesmente olhar para ela. O que era justamente o que a estudante de arquitetura estava fazendo naquele momento, olhando Manu deitada na rede, totalmente concentrada no desenho na sua frente, tão alheia que nem percebeu a chegada de Julia.
Manuela estava de péssimo humor, tão péssimo que Amanda praticamente havia obrigado ela a ficar ali sozinha de castigo, depois de repetir incansavelmente que ela devia ir atrás de Julia para fazer as pazes. O problema é que Manuela não fazia a mínima ideia de como fazer aquilo, ela nunca tinha tido nenhum namoro sério, como é que ela ia saber como esse tipo de coisa funcionava. Se ela pelo menos não tivesse sido tão estúpida, nada daquilo estaria acontecendo e Julia provavelmente estaria ali com ela, como elas faziam todos os domingos. Nem mesmo desenhar estava funcionando, já fazia pelo menos uns quarenta minutos que ela estava parada encarando o desenho inacabado de uma mandala de rosto de elefante.
Foi só quando Julia se aproximou da rede que percebeu que Manu ainda estava na metade do caminho com o desenho e que, aparentemente, não conseguia terminar. Sem dizer uma palavra ela deu a volta na rede e viu a surpresa no olhar da morena. Ju pegou o caderno, o lápis e indicou que queria se sentar. Ainda em silêncio ela terminou o desenho sob o olhar atento de Manuela e só depois que o caderno e o lápis já haviam desocupado a rede e as duas estavam abraçadas, Julia finalmente disse alguma coisa.
— Eu fiquei com saudade. — ela confessou num sussurro, olhando dentro dos olhos castanhos.
— Eu também. — Manu disse simplesmente, antes de selar definitivamente a paz entre as duas com um beijo, totalmente satisfeita por descobrir que fazer as pazes era muito mais simples do que ela esperava.
Julia sentiu as lágrimas molhando o seu rosto enquanto as lembranças flutuavam na sua cabeça. Se pelo menos fosse assim tão simples fazer as pazes com Manuela agora, mas as coisas entre elas haviam evoluído e se complicado de tantas maneiras que encontrar uma saída daquele labirinto de acontecimentos parecia impossível. Quem dera fosse assim tão fácil, Julia pensou mais uma vez enquanto olhava o mar.
A ruiva respirou fundo e secou o rosto antes de voltar para o quarto. Ela estava sozinha no hotel em que havia se hospedado no Rio de Janeiro. Julia não queria e não poderia se hospedar na casa dos pais depois do que havia acontecido em São Paulo, mas como a perda de Manuela já era fato consumado, ela decidiu tentar ao menos mostrar aos pais que certos limites da sua vida não poderiam ser ultrapassados pelos dois. Claro que essa era a batalha mais complexa e mais longa da vida da arquiteta, mas uma hora eles teriam que entender.
Pedro já tinha ligado duas vezes e mandado uma dúzia de mensagens durante todo o dia, mas Julia estava ignorando o primo por enquanto. Ela sabia que ele só queria ajudar, mas o constante otimismo de Pedro de que Amanda ia conseguir fazer Manuela mudar de ideia e voltar a falar com ela não estava fazendo bem nenhum para a ruiva. Não é que Julia achasse que Manu ia ficar imune quando soubesse a verdade, mas na cabeça de Julia isso não mudava o fato de que ela tinha escondido algo dessa magnitude de Manu e muito menos diminuía a veracidade dos fatos.
E no topo de tudo isso estava aquela dor insuportável que as palavras de Manuela tinham causado. Se recuperar de tudo que havia acontecido era um processo lento, doloroso e tão, tão difícil. Ultimamente Julia estava indo relativamente bem, ela finalmente estava começando a lidar melhor com todos os sentimentos e com todas as cicatrizes, mas as coisas que Manuela havia praticamente jogada na cara de Julia, funcionaram com bastante eficiência para cutucar feridas que nem mesmo tinham começado a se curar.
**
Manuela estava silenciosa. Não só durante o voo, mas desde o momento que Amanda havia voltado para a casa dos pais da amiga, ela havia reparado esse detalhe. Manu não era por natureza uma pessoa tagarela, mas aquele silêncio era diferente, a morena estava determinada a alcançar um objetivo e nada mais ao redor parecia ser capaz de afetá-la. Mandys conhecia muito bem essa faceta da amiga, a determinação inabalável com a qual ela enfrentava as coisas, muitas vezes confundida com a sua teimosia, mas muito mais eficiente em proporcionar à publicitária aquilo que ela desejava.
Uma Manuela determinada, era alguém que geralmente não podia ser detida e o silêncio era só um dos sintomas. Não que Amanda se incomodasse com a falta de palavras, as duas já haviam passado dessa fase há tempos, ainda assim ela decidiu tentar falar com a morena.
— Você já tem alguma ideia do que vai fazer sobre a Julia? — Amanda falou, quebrando o silêncio.
— Eu não sei ainda.
— Entendi. — a médica respondeu, sem ter muito para onde ir com aquela conversa.
— Eu acho que eu preciso procurar o Mateus pra uma conversa. — Manuela falou depois de alguns minutos de silêncio.
— Você tem certeza que é isso que você quer? — Amanda questionou um pouco surpresa com a fala da amiga.
— Eu já te expliquei isso lá em Minas, Amanda. Eu tive uma conversa com a minha mãe e percebi que eu preciso resolver as coisas com ele ou pelo menos acabar com essa sensação de que isso vai estar sempre pairando no ar. — Manuela explicou.
— E eu já disse que eu entendo isso tudo, mas não é melhor você falar com a Julia primeiro sobre o assunto. Não foi pra isso que você resolveu voltar comigo hoje, pra resolver tudo com ela? Colocar todos os pingos nos is. Você não acha que é uma má ideia você ir atrás do Mateus sem ela saber? — Amanda insistiu.
— Claro que foi por isso que eu vim com você e é lógico que a minha prioridade é falar com a Julia e pedir desculpas pelo meu...— Manu hesitou — comportamento. A única coisa que eu disse foi que eu agora entendo que eu também preciso falar com ele, mas o que eu tenho pra conversar com o Mateus não tem nada a ver com a Julia. — a morena falou.
— Como assim não tem nada a ver com a Julia? — Amanda questionou, cética.
— Eu era amiga do Mateus muito antes de conhecer a Julia, Mandys. Você sabe muito bem disso. Tem certos aspectos dessa história toda que eu só posso resolver com ele e ninguém mais.
Vendo o tom de finalidade da amiga, Amanda resolveu deixar o assunto de lado, por hora. Se Manuela achava que conversar com Mateus era o que ela precisava para poder resolver tudo com Julia, que assim fosse. Talvez estivesse mesmo mais do que na hora de colocar um ponto final em tudo aquilo.
— O que fez você mudar de ideia? Não que eu esteja reclamando, mas você foi sempre tão segura na sua decisão de não falar sobre esse assunto que eu imaginei ser impossível algum dia você e o Mateus terem qualquer tipo de encontro que partisse de você. — Amanda perguntou por fim.
— Não é uma decisão fácil, mas eu acho que já passou da hora de dar um jeito em todos esses ressentimentos que eu tenho. Tem certas coisas que eu não posso continuar carregando por aí. A minha indisposição com relação ao Mateus é provavelmente a maior delas. — Manu explicou com resignação.
**
Não mais que trinta minutos na presença dos pais foi o que bastou para Julia precisar tomar um ar, ela tinha escolhido um péssimo dia para ir falar com os pais, isso já tinha ficado cristalino. Como eram desgastantes aquelas reuniões familiares, a ruiva tinha se esquecido da quantidade de energia que era necessária para sobreviver a esse tipo de ocasião, especialmente depois da surpresa de encontrar os pais com visitas em casa. E não bastasse isso, ainda existia o fato de que Julia não conseguia tirar Manu da cabeça. As palavras da morena ficavam repetindo em um loop eterno na cabeça da arquiteta. Cada dia que passava era um ponto mais de certeza no fato de que Manuela não ia mudar de ideia, que simplesmente saber o que tinha acontecido, como tinha acontecido, não seria o suficiente para convencê-la.
Os últimos meses sem precisar se policiar sobre quando e como pensar em Manu, haviam deixado a ruiva destreinada em como controlar as próprias emoções. Foi preciso terminar a taça de champanhe e respirar fundo diversas vezes para Julia conseguir, finalmente, controlar a vontade de chorar e de deixar o desespero tomar conta outra vez. Ela não tinha outra escolha naquele momento que não fosse se controlar.
As boas memórias. Era nisso que ela precisava focar naquele momento. Por mais dura que a realidade pudesse parecer, ela precisava ser realista. Durante seis anos ela achou que não seria possível ter Manuela em sua vida novamente, mas tudo tinha mudado com aquele reencontro. O mínimo que ela podia fazer era ser grata por ter tido Manu uma vez mais, ainda que qualquer período de tempo nunca parecesse o suficiente.
A certeza de Julia de que havia perdido Manu de vez estava se consolidando de maneira tão profunda que a ruiva estava começando a considerar que talvez fosse preciso deixar o Brasil outra vez. É claro que isso não tinha nada a ver com o que tinha acontecido no passado, era algo totalmente diferente e era isso que ela queria dizer para os pais enquanto estava no Rio, que tudo tinha mudado e que ela não queria mais nenhuma relação com aquela família e todas as exigências que eles achavam que tinham direito de fazer à própria filha, mas a ruiva ainda não tinha tido a oportunidade. Ju estava tão concentrada em seus pensamentos que chegou a acreditar que estava sofrendo de algum caso de alucinação quando se viu cara-a-cara com Pedro. Ali, na casa dos pais, de todos os lugares do mundo.
— Como foi que você entrou aqui? — a ruiva perguntou incrédula.
— Acredite ou não, pela porta da frente. — Pedro falou encarando os olhos de Julia.
— Porque? — Julia questionou mais uma vez.
Pedro hesitou, sem ter certeza de como dizer para Julia o que precisava.
— Eu precisava ver você. — Pedro foi sincero.
Julia chegou a abrir a boca para responder, mas foi interrompida antes de ter uma chance.
— Você, definitivamente, é muito mais petulante do que eu imaginava. — Helena falou.
Pedro respirou fundo antes de se virar e encarar a mulher. Aquela era uma conversa que ele absolutamente gostaria de evitar, o rapaz achava que os pais da ruiva eram um problema que ela devia lidar da maneira que achasse melhor, mas também não era do feitio de Pedro abaixar a cabeça para quem quer que fosse. Não mais e, definitivamente, não para aquela família.
— Engraçado, eu poderia dizer exatamente a mesma coisa sobre você. — Pedro respondeu entre dentes, sem esconder o desprazer que era falar com Helena, mesmo estando na casa dela. Ao lado do primo, Julia prendeu a respiração, nada de bom poderia sair daquela situação.
— O que ele está fazendo na minha casa, Julia? — Helena questionou a filha, sem tirar os olhos de Pedro.
— A gente já estava de saída, mãe. Ninguém vai nem notar que nós estivemos aqui. — Julia tentou diminuir o dano.
— Eu notei, assim como o seu pai. E você não respondeu a minha pergunta. — a mulher falou com frieza.
— Eu não sabia que ele estava vindo, mas agora que ele está aqui nós estamos de saída. Você nem mesmo precisa me mostrar o caminho da porta. — Julia respondeu indicando a porta para Pedro com um aceno de cabeça, o rapaz não precisou ser convidado duas vezes, seguindo em direção a saída sem voltar a olhar para Helena. Julia, por outro lado, foi parada pela mãe antes de conseguir escapar.
— Eu não vou fazer um escândalo e satisfazer a clara vontade desse rapaz ao vir até aqui, mas nós vamos ter uma conversa mais tarde. Nem mesmo cogite a possibilidade de se esconder. — a mulher falou antes de largar o braço da filha e deixar ela entrar de volta na casa.
Julia e Pedro não trocaram mais nenhuma palavra, simplesmente seguiram para a saída mais próxima e depois para o lugar onde o rapaz havia estacionado.
— Qual é o seu plano aqui, Julia? — Pedro questionou acusadoramente, quando os dois já estavam dentro do carro.
— Eu não tenho um. — Julia respondeu econômica — A gente devia ir pro meu hotel, continuar essa conversa lá.
— Eu não vejo nenhum problema em terminar essa conversa exatamente nesse minuto. — Pedro falou arrancando com o carro — Porque eu juro por Deus que se o seu plano é fugir novamente, eu vou literalmente abrir a sua cabeça dura e enfiar juízo dentro dela. Eu não vou deixar você cometer a mesma idiotice de antes. Não enquanto eu tiver alguma coisa a ver com isso. — Pedro foi taxativo.
— Eu não sei o que você espera que eu faça, Pedro. Ela não vai me perdoar e eu não posso exigir que ela perdoe. — Julia concluiu com pesar.
— Fugir não é a solução. Ponto final! E você não tem direito a sequer pensar nessa possibilidade. Não depois de tudo que nós vivemos no passado. — Pedro afirmou irritado.
— Eu perdi tudo, Pedro. Eu não estou pedindo que você entenda, mas o fato é que eu perdi tudo que eu amava, repetidas vezes e eu... eu não sei mais o que fazer. Eu não tenho a força necessária pra continuar negando essa realidade.
Pedro respirou fundo e aproveitou um sinal vermelho para encarar o rosto da prima.
— Eu entendo o que você está dizendo, eu realmente entendo. E eu sinto tanto por tudo que você passou. Eu também não estou apontando um dedo pra você e te acusando seja lá do que for. Não é assim que as coisas funcionam pra mim, Ju. Quando eu disse que eu te perdoava e que eu estaria do seu lado não importa o que viesse a seguir, eu não estava brincando. E nesse momento é exatamente isso que eu estou fazendo, você está perdida e se sentindo sozinha, é por isso que você está querendo tomar atitudes impensadas. Mas eu estou aqui pra te dizer que você não precisa se sentir assim. Eu estou aqui e eu não sou o único. — ele falou com segurança antes de colocar o carro novamente em movimento — Agora me diz em qual hotel você está hospedada.
**
Quando os primos chegaram ao hotel, Julia foi direto se trocar e Pedro aproveitou a ausência da prima para telefonar para Willian e depois para mãe. Silvia havia sido categórica com o filho, se Julia se recusasse a ouvir a razão, era para ele avisá-la e ela iria para o Rio de Janeiro o mais rápido possível. A advogada estava decidida a trazer a sobrinha de volta para São Paulo o quanto antes.
— Você conseguiu encontrar a Julia? — Silvia falou assim que atendeu a ligação do filho.
— Sim, mamãe. A gente está junto aqui no hotel dela. Eu vou tentar colocar algum bom senso nessa cabeça dura, mas sem promessas. — Pedro respondeu.
— Pelo menos vocês estão juntos, já é alguma coisa.
— Eu não estou tão certo disso, mamãe. A Julia tá muito certa do fim do relacionamento dela com a Manu e se eu ainda conheço ela tão bem quanto acho que conheço, na cabeça dela isso significa que não existe mais nada pra ela aqui no Brasil. — Pedro explicou.
— Então você precisa provar pra ela que não é bem assim que as coisas estão. Afinal de contas, a Manu voltou de Minas pra conversar com ela, não foi? — Silvia questionou.
— Foi o que a Amanda disse, mas isso não significa que as duas vão se acertar. Eu não posso dar esperanças de uma coisa dessas pra Ju, quando eu não tenho certeza.
— É claro que você pode, a possibilidade é real meu filho. Além do mais, o lugar da Julia é aqui, perto da família dela. A verdadeira família. — Silvia foi taxativa.
— Eu vou ver o que eu posso fazer.
Ao retornar, Julia encarou o rosto do rapaz com uma mistura de empatia e incredulidade. Claro que ela queria estar em qualquer outro lugar que não fosse ali, aquela cidade tão familiar na sua habilidade de oprimir tudo que arquiteta era, mas não tinha direito de viver. Acontece que Pedro já não se lembrava de como era essa realidade, essa sombra que significava fazer parte da família Campana e o quanto isso era capaz de afetar a sua vida.
— Você não se lembra como são as coisas, Pedro. — ela disse por fim.
— Eu me lembro muito bem como são as coisas. Não se atreva a jogar na minha cara que eu tenha em algum momento esquecido como é viver com essa família, não quando o que eles me fizeram passar ainda é a minha realidade. — Pedro disse entre dentes.
— Eu não estou invalidando as coisas que você vivenciou, não me entenda mal. A única coisa que eu estou dizendo é que você parece não se lembrar com exatidão o tamanho da teia que é essa família e como eles estão sempre te trazendo pra dentro.
— Ainda assim, Julia. Essa não é uma boa desculpa. Como você acha que a Manuela vai reagir quando souber que depois de jurar repetidas vezes pra ela que você não iria cometer os mesmos erros do passado, você vai lá e faz justamente isso. E o que é pior, pelas razões mais erradas possíveis. — Pedro falou com descrença na voz.
— Não é assim tão simples.
— Então me explica. — Pedro disse impaciente — Me faça entender, por favor.
— Ela é o amor da minha vida. — Julia respondeu exasperada — Eu não sei se eu sou capaz de ficar aqui e assistir sem fazer nada ela sair da minha vida novamente. E eu sei muito bem que quem abandonou o nosso namoro da primeira vez foi eu, eu sei disso. Mas isso não exclui o fato de que no fim das contas eu perdi ela do mesmo jeito, eu estava sozinha sem ela e eu não sei se eu vou ser capaz de viver tudo isso uma segunda vez.
Pedro encarou a prima longamente antes de voltar a falar. Não existia uma maneira fácil de dizer as verdades que Julia precisava ouvir, mas era uma posição nada divertida assistir a prima se partir em duas por causa daquele medo insuportável de perder a mulher que ela amava. Ainda mais complicado seria convencer Julia de que ficar e lutar por aquele amor era melhor do que fugir, quando o rapaz não tinha a mínima ideia de como Manuela ia escolher encarar aquela situação dali em diante. Contudo, Pedro era um fiel seguidor da ideia de que encarar os problemas de frente era sempre melhor do que qualquer outra coisa que viesse a seguir ao ato de se acovardar.
— Isso não é uma desculpa, Ju. Você tá me dizendo que fugir sem nem mesmo lutar pelo amor da Manu é melhor do que qualquer possibilidade de um futuro que vocês possam ter juntas? Como você espera que eu entenda uma atitude dessas?
Julia precisou se concentrar antes de dizer o que estava em sua cabeça, aquele era um terreno perigoso que ela andava tentando evitar. Todas as coisas que ela estava sentindo não eram só sobre Manuela, existia também aquela perda irreparável na vida da ruiva, algo que ela jamais seria capaz de superar. Por vezes Julia se pegava pensando que se ela soubesse o quanto doía perder um filho, ela não teria tido um em primeiro lugar. E Manu tinha colocado o dedo direto na ferida com as palavras que elas trocaram a última vez que estiveram juntas, Julia não se sentia no direito de culpar Manuela por coisas que ela não sabia e nem ao menos poderia entender, mas a dor era um pouco mais complexa de ignorar.
— Não é só sobre ela. — Julia falou antes de se jogar em um dos sofás da suíte.
Dessa vez foi Pedro quem precisou pensar com cuidado as suas próximas palavras. O rapaz não sabia exatamente o que Manuela tinha dito para Julia antes de ir pra Minas, mas certamente tinha sido algo doloroso o suficiente para fazer com a que prima duvidasse de qualquer fio de esperança de ter a publicitária de volta. Pedro não queria ser imprudente e desmerecer a dor tão evidente nos olhos da prima, mas também não queria que ela desistisse antes mesmo de tentar.
— Eu sei que as coisas entre vocês duas são muito complexas e que não importa o que a Manuela te diga, as palavras dela vão sempre marcar mais profundamente porque ela é o amor da sua vida. Eu entendo isso, mas você precisa lembrar que a Manu também é humana. Ela foi pega totalmente desprevenida aquele dia, ela estava se sentido totalmente traída e ferida, por isso ela disse coisas sem pensar. Isso não quer dizer que ela realmente acredite nas coisas que disse. — Pedro explicou cautelosamente.
— Você não precisa desculpar as atitudes, melhor, as palavras dela pra mim. Eu sei que ela não sabia toda a história e que ela vai sentir muito quando souber. Isso não muda o fato de que eu omiti isso o tempo todo. Ela não vai me perdoar não porque eu tive um filho, mas porque eu escondi isso dela em primeiro lugar. — Julia falou com determinação.
— Talvez. — Pedro disse, mais uma vez exasperado — Algo que você só vai saber com certeza quando conversar com ela.
Pedro viu nos olhos da prima que os dois estavam diante de um impasse, um que não ia se resolver naquele momento. Julia não ia dar o braço a torcer e Pedro menos ainda. E quando os dois já estavam no que parecia ser o ponto de decisão entre eles, onde as coisas iriam precisar ser resolvidas, um telefonema adiou momentaneamente aquele desfecho.
**
O telefone do quarto de Julia tocou, interrompendo o momento tenso entre os primos. Julia estava mesmo precisando de uma pausa, por isso aproveitou a oportunidade para respirar fundo e tentar reorganizar as ideias enquanto atendia o telefonema. O que a ruiva não esperava era quem estaria do outro lado da linha, especialmente porque ela fazia uma certa ideia de como o primo iria reagir a quem estava falando com ela naquele momento.
— Ligação de Walter Campana. A senhora vai atender? — o atendente informou com uma voz monótona.
— Claro. — Julia respondeu se colocando de costas para o primo — Pois não? — Julia falou assim que a ligação foi passada.
— Oi, Julia. — o homem respondeu com tranquilidade — Eu soube que o Pedro está com você, é verdade?
— Sim, mas isso não quer dizer que eu vou te ajudar. Eu não vou fazer isso! — Julia foi direta.
— Eu só quero conversar com ele, nada mais. — Walter insistiu.
— Não é o meu lugar e mesmo que fosse, eu sempre vou escolher o lado dele. Você deve saber disso.
Julia estava falando de maneira rápida e sussurrada, o que chamou a atenção de Pedro. Primeiramente ele pensou que pudesse ser Mateus, depois ele concluiu que só podia ser os pais da ruiva, mas quando Julia levantou a cabeça por um segundo querendo conferir se o primo estava prestando atenção nela, Pedro soube imediatamente que aquele telefonema era sobre ele.
— Eu preciso desligar, esse não é um bom momento. — Julia falou desligando o telefone sem esperar uma resposta do lado oposto da linha.
— Quem era? — Pedro perguntou acusadoramente.
— O tio Walter. — Julia não fez rodeios — Eu tive uma conversa rápida com ele depois que eu cheguei aqui e ele deixou claro que quer falar com você.
**
Manu estava tentando se concentrar no trabalho. Era mais uma maneira de tentar se distrair do que algo que ela realmente precisasse fazer naquele momento, especialmente porque o fim do expediente já tinha passado há várias horas. Pedro estava no Rio, planejando trazer Julia de volta. Ou pelo menos isso era o que a publicitária havia entendido. Manuela estava tentando não pensar muito sobre aquilo, um exercício infrutífero até o momento. Não é como se ela soubesse mais agora sobre como as coisas seriam dali pra frente, do que ela sabia antes. Mas existia um detalhe que Manu era incapaz de ignorar, mesmo as mais dolorosas das incertezas, como era o caso daquela, eram muito mais fáceis de lidar quando Julia estava por perto.
Manu estava absorvida nesses pensamentos quando Will apareceu.
— Ei. — Will falou após uma breve batida na porta do escritório da morena.
— Oi, Will. Entra. — Manu falou levantando os olhos do relatório que ela estava encarando há vários minutos no computador.
— Tudo bem? — o rapaz perguntou.
— Sim. E com você? Achei que você já tivesse ido pra casa.
— Tudo okay, eu tinha umas coisas pra adiantar e resolvi aproveitar que o digníssimo do meu marido está fora pra ficar até mais tarde. — o rapaz explicou — E falando nisso, o Pedro me ligou agora pouco. — ele falou sem rodeios.
— E?
— Ele ainda não sabe quando eles vão voltar, mas ele garantiu que a Julia vai vir junto com ele. — Will continuou sendo direto.
— Ele pediu pra você me dizer isso? — Manu questionou.
— Não exatamente, mas eu achei que você ia querer saber.
— Obrigada.
— Você pelo menos tentou falar com ela depois que você voltou? — Will quis saber.
— Na verdade não, eu meio que tô esperando ela voltar do Rio. Eu prefiro que a nossa conversa seja pessoalmente. — Manu foi econômica.
— E agora que você sabe que ela está voltando, você vai procurar por ela? — o rapaz insistiu.
— Honestamente, eu não sei como as coisas vão ser. Mas eu sei que nós duas vamos precisar conversar, eu não vou fugir desse encontro, se é o que você está querendo saber.
Willian apenas acenou com a cabeça em concordância. Não fugir era aparentemente o melhor que a amiga podia oferecer naquele momento e o publicitário estava satisfeito com isso. Afinal, só existia um jeito das duas se acertarem e era conversando, coisa para a qual era preciso que as duas desistissem de querer fugir.
A cabeça de Manu não tinha certeza de mais nada. Cada vez que ela tentava pensar em uma solução, nada fazia sentido. Racionalmente ela sabia que devia a Julia ao menos uma conversa, afinal, seja lá qual foram as circunstâncias da perda daquele bebê, era obrigação da morena compreender ao menos aquela dor. Ao mesmo tempo, a publicitária não fazia ideia de como lidar com a sua própria dor, a dor de se sentir traída por Julia mais uma vez. Era tudo confuso demais.
**
Algo absolutamente detestável sobre a família Campana, que Pedro e Julia abominavam visceralmente, era a capacidade que eles tinham de passar por cima de qualquer coisa para alcançar um objetivo. Isso acabava sempre resultando em uma prática absurda de ignorar o desejo alheio em detrimento daquilo que eles acreditavam ser o certo. Era não apenas frustrante, como também um ato de tirania na opinião dos primos. Julia não queria e não precisava dourar a pílula para Pedro, o rapaz era direto em tudo que fazia na vida e era como ele gostava das suas conversas. Não existia também nenhuma forma de mitigador que Julia pudesse pensar naquele momento, a mágoa que o primo sentia pelo próprio pai era tão profunda e tão verdadeira que nada jamais poderia suavizar aquele sentimento. E como aparentemente tudo estava fadado a uma rota de colisão implacável nos últimos dias, os dois foram interrompidos novamente, mas agora por batidas na porta da suíte.
Tanto Pedro, quanto Julia ficaram surpresos com aquela interrupção. Foi a ruiva quem se dirigiu à porta para ver do que se tratava e foi ela também quem deu de cara com Walter Campana ao abrir a porta.
— Era eu ou a sua mãe. — foi a primeira coisa que o homem falou ao ver a sobrinha.
— Eu sei que você não conhece o seu filho muito bem, mas mesmo você deve se lembrar que ele não gosta de ultimatos. — Julia foi direta.
Curioso com quem poderia estar ali naquele momento, Pedro resolveu ir ver com quem Julia estava falando. Qual não foi a sua surpresa ao ouvir a voz do próprio pai. Uma surpresa para qual ele deveria ter se preparado, afinal era isso que aquela família sempre fazia. Eles eram inconvenientes por natureza e achavam que tinham direito a serem assim, especialmente quando sabiam que eram indesejados.
Pedro não tinha percebido até aquele momento o quanto ele havia esquecido coisas simples sobre o pai. Como era a sua voz, por exemplo, e a maneira decidida como ele se colocava de pé. A semelhança entre os dois também não podia ser ignorada, Pedro era parecido com o pai, mesmo que ele tivesse esquecido disso. Outra coisa que atravessou o rapaz naquele momento foi a densidade da mágoa que ele sentia em relação aquele homem. Pedro amou o pai com tanta força e buscou a aprovação dele com tanto desespero, que era impossível não se sentir daquela maneira. Walter era seu pai, teoricamente uma das pessoas que mais deveria amá-lo naquele mundo, mas ele tinha escolhido abandonar Pedro e o rapaz não podia dizer que um dia seria capaz de superar aquilo.
— Deixa ele entrar. — Pedro disse por fim.
Julia ficou surpresa com a fala do primo, ela não achava que o rapaz tinha que se colocar naquela situação. Walter não tinha nenhum direito de exigir nada do filho e sabia disso. Aquela decisão de Pedro, foi o início de uma série de decisões que iriam mudar as relações dele e de Julia com a família Campana dali para frente. Se aparentemente tudo estava em rota de colisão, tanto melhor que Julia e Pedro tomassem a direção de uma vez por todas.
**
Dois dias depois, Manuela estava mais uma vez no escritório tentando focar no trabalho a ser feito quando o seu celular tocou. O nome de Pedro surgiu no visor, era a primeira vez que o rapaz entrava em contato desde que Manuela tinha voltado de Minas. Por isso, Manu não pode controlar o frio na barriga com o que o amigo tinha a dizer.
— Alô. — Manu disse ao atender o telefone.
— Oi, Manu. Tudo bem? — Pedro falou.
— Tudo e você? — ela perguntou cautelosa.
— Tudo tranquilo também. Eu não tô podendo falar muito, então vou direto ao ponto.
— Claro. — Manu disse prendendo a respiração.
— Eu não sei o que você pretende fazer com a sua relação com a Julia daqui pra frente e eu sei que não é meu lugar te pedir uma coisa dessas nesse momento, mas eu sei que você ama a minha prima e ela precisa de você. Eu não diria nada se eu achasse que existe alguma outra solução.
Manuela ouviu tudo com bastante atenção, ela sabia que Pedro jamais faria um pedido daqueles de maneira leviana. Não era da índole do rapaz fazer joguetes ou manipulações com a vida alheia. Considerando tudo isso, ela sabia que ela precisava agir da maneira correta.
— Que horas o voo de vocês chega em São Paulo? — ela questionou depois de ouvir tudo que Pedro tinha a dizer.
Fim do capítulo
Olá!!!!! Mais um, menos um, gente!!! Falta pouco pra gente chegar no final agora e esses capítulos finais são os que sofreram mais alterações da versão que eu postei da primeira vez. Isso pq eu não cheguei a finalizar a história aqui antes, então eu fiz alguns ajustes para poder fazer sentido com o final que eu pensei pra história toda. Enfim, para quem se lembra da primeira versão, não se assuste com leves mudanças que podem surgir daqui pra frente.
Muito obrigada pelos comentários, eu sei que a Julia está com a moral em baixa e eu entendo, Manuela tá toda perdida na vida, coitada, mal mal conseguindo se organizar e o resto do povo tentando ajudar como pode ou atrapalhar como quer. Mas, não temam, queridas leitoras, tudo vai se ajeitar no final... Não sei de que jeito (sei sim!), mas vai se ajeitar.
Beijo pra vocês e até amanhã! ♥
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LeticiaFed
Em: 25/07/2024
Tadinha da Julinha poderosa (menos poderosa no momento, sem Manu e com a familia duzinfernos no pé...), mas não me invente de fugir de novo!
Ta difícil delas conseguirem se entender...só não entendo o que Julia foi fazer no Rio. Falar com as paredes seria mais produtivo do que com os pais, né não?
Enfim, acho que chegamos no ponto que parou da outra vez. Ou quase. Ja que esta mudando algumas coisas espicha mais um pouquinho, tipo novela das 9? Com as meninas se curtindo um pouco (espero eu que termine bem) A gente tenta, hahaha
Ate amanhã!
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