Skinny Love
— Eu sei que alguns de vocês estão imaginando que a minha ausência recente tem o mesmo significado do que ocorreu alguns anos atrás. Certo, Manu? — Silvia olhou para a publicitária que deu de ombros como se não soubesse do que a mulher estava falando.
— Na verdade ninguém andou especulando nada, mamãe. A gente só ficou curioso. — Pedro resolveu se pronunciar.
— Sei. — Silvia deu uma piscadinha e um sorriso para Manuela. Pedro sempre fingia não se importar, mas morria de ciúmes dos namoros da mãe, aparentemente o rapaz acreditava que depois da péssima escolha que a advogada havia feito com o primeiro marido, era dever dele ter certeza que ela não iria escolher errado outra vez — Pois bem, é verdade. Eu estou namorando e isso é tudo que eu tenho a dizer sobre o assunto neste momento. — Silvia explicou com um sorriso displicente.
— Só isso? A gente precisa de mais informações, dona Silvia, você não pode deixar a gente assim sem nenhum material de trabalho investigativo. Vamos começar pelo nome do felizardo. — Isa perguntou curiosa e Will olhou para a amiga e concordou veementemente com a pergunta.
— Não. Eu não vou discutir o assunto. Fim de papo e nada de vocês irem pesquisar sobre a vida dele, a gente ainda está na fase de se conhecer melhor e quando for a hora certa eu vou apresentar ele pra todo mundo. — Silvia falou com um sorriso divertido olhando para o rosto do filho, procurando ver a reação de Pedro naquele momento.
Durante alguns instantes todo mundo ficou em silêncio esperando a reação de Pedro, mas o rapaz, embora tivesse automaticamente assumido um semblante sério, não disse nenhuma palavra.
— Talvez agora que vocês já sabem o que eu ando fazendo e nós já tiramos esse assunto do caminho, nós pudéssemos fazer a gentileza de não ficar especulando sobre a minha vida, quando existem assuntos tão mais interessantes acontecendo por aqui. — Silvia disse depois de um minuto de silêncio.
— E o que seria mais interessante do que a sua vida amorosa, minha querida? — Manu perguntou.
— A sua, por exemplo. — Silvia acusou — Até onde eu sei ninguém, além da Mandys, teve o prazer de ver você como agora, investida em um relacionamento. — a advogada tripudiou e todos na sala riram, até mesmo Manu dispensou um sorriso de lado diante da goz*ção dos amigos.
— E tem também o nosso mais novo membro da família. — Will disse — Não é todo dia que a gente ganha um sobrinho. — ele concluiu com um sorriso de orelha a orelha.
— Verdade. — Isa concordou.
— E tem a volta dos meninos também. — Amanda entrou na conversa — Aliás, volta essa que até agora não rendeu nenhuma história sobre essa lua-de-mel.
— Você quer com detalhes ou sem? — Willian falou imediatamente e todos riram, exceto Pedro. Julia, que encarava o primo, trocou um olhar de cumplicidade com ele e o rapaz simplesmente balançou a cabeça com resignação. No fim os dois trocaram um sorriso que significava uma boa conversa a sós agendada para mais tarde.
O papo seguiu sobre as novidades mais recentes e ninguém voltou a falar sobre o fato de Silvia ter anunciado o seu novo status. Excelente anfitriã, a advogada passou o resto da noite agindo como se nada tivesse acontecido, mas o que os outros não desconfiavam era que o sumiço da advogada tinha boas razões para ter acontecido, e não tinha nada a ver com o fato dela estar namorando outra vez. Ela não pretendia deixar para outro momento a conversa que precisava ter com o filho e com Julia. Os dois precisavam saber o mais rápido possível o que levou Silvia a fazer uma visita repentina ao ex-marido no Rio de Janeiro.
**
— A tia Silvia disse que precisa dar uma palavrinha comigo e com o Pedro antes da gente ir embora. — Julia falou com Manuela, que já se preparava para ir embora.
— Agora? — Manu questionou.
— Parece que é sério. — Julia disse encarando o rosto da namorada.
— Você vai ficar então? — Manu perguntou por fim. A publicitária precisava sair mais cedo do jantar para embarcar ainda naquela noite para Fortaleza. Julia ia acompanhar Manu até o aeroporto, mas o pedido de Silvia tinha deixado a ruiva preocupada, por isso ela achou melhor esperar e descobrir o que tinha acontecido para a tia querer conversar tão urgente com ela e o primo.
— Sim. — Julia respondeu por fim — Você se incomoda?
— Não, claro que não. Eu posso pegar um táxi até o aeroporto. Só que de uma forma ou de outra eu preciso ir embora agora ou corro o risco de perder meu voo. — Manu explicou — Você acha que tá tudo bem com ela? — ela questionou olhando em direção a Silvia do outro lado da sala.
— Pra ser sincera, amor, eu não sei. Pela maneira que ela falou parece ser alguma coisa séria, mas eu te ligo e explico tudo mais tarde. — Julia tentou tranquilizar a namorada.
— Okay. — Manu falou suspirando e acenando com a cabeça.
— Eu sei que você não tá querendo muito ir nessa viagem, especialmente depois que você teve que adiantar pra essa semana. — Julia disse enquanto acariciava o rosto de Manu, a ruiva acabou sorrindo ao ver a expressão de contrariedade no rosto da publicitária — Mas, você precisa e dois dias vão passar rapidinho.
— Talvez. — Manu respondeu pouco convencida pelo argumento da ruiva — De todo jeito, querendo ou não é melhor eu ir andando porque eu realmente não posso perder esse voo. — ela finalizou se despedindo de Julia com um beijo e um abraço. Depois de se despedir de cada um dos amigos, com uma atenção especial para o afilhado que já parecia bem mais confortável na presença dela e dos outros, ela foi para o carro acompanhada por Amanda, que havia escapado da presença dos outros para falar em particular com a amiga.
— Você não precisa me acompanhar até o carro, Mandys. Eu já sou bem grandinha. — Manuela comentou enquanto as duas saiam pela porta da sala.
— Eu acho que eu tenho direito a ter um momento a sós com a minha amiga, muito obrigada. — ela falou com um sorriso antes de completar — Tá tudo bem com você? Parece que tá preocupada com alguma coisa.
— É só que a Julia resolveu ficar porque a Silvia quer ter um momento a sós com ela e o Pedro. E apesar da irreverência da Silvia, eu bem achei que ela tá meio estranha com essa coisa de ter sumido no dia que o Samuca chegou. — Manu explicou parando ao lado do carro.
— Eu senti uma coisa meio estranha também, mas a Silvia não tem o hábito de fazer rodeios com nada. Pode ser que não seja nada demais. — a médica argumentou.
— Talvez. — Manu concordou pensativa — De qualquer maneira, eu preciso realmente ir agora. Almoço essa semana? Só nós duas? — ela concluiu enquanto puxava a amiga para um abraço.
— Combinado. Me liga quando você chegar de Fortaleza.
**
Silvia aproveitou o momento em que Will, Isa e Amanda se despediam de Manuela para levar o filho e a sobrinha ao escritório. A advogada achava que a saída antecipada da publicitária daquele jantar havia sido providencial, era mesmo melhor que os três tivessem tempo de conversar com tranquilidade antes de decidirem como incluir Manuela naquela conversa, coisa que Silvia achava absolutamente necessária.
— Sentem-se. — Silvia disse mais como uma ordem do que um convite e conhecendo a mãe, Pedro soube imediatamente que alguma coisa séria devia ter acontecido. Ele e Julia se sentaram nas cadeiras em frente à escrivaninha do escritório da mãe, mas Silvia preferiu permanecer de pé.
— O que foi que aconteceu agora? — Pedro perguntou preocupado.
— O motivo para eu não ter estado aqui quando as meninas precisaram é porque eu estava no Rio visitando o seu pai. — Silvia foi direto ao ponto.
— O quê? — Pedro perguntou imediatamente confuso com aquela informação.
Julia permaneceu em silêncio. Se o assunto era a família Campana, não devia ser algo bom.
— Você já soube da chegada do Mateus? — a advogada se dirigiu a Julia.
— Já. A Tati, por coincidência, estava no Rio no dia que ele chegou e me contou. — Julia explicou.
— Alguém pode me explicar que conversa é essa? E como assim você visitou o meu — Pedro interrompeu a frase no meio do caminho, fazia tanto tempo que ele não pensava naquele homem, mais tempo ainda desde que ele havia deixado de pensar nele como pai.
— Eu já precisava ir ao Rio, ele ficou sabendo que eu estaria lá e me pediu um encontro.
— E porque você aceitou, mamãe? Esse cara não tem nada que te procurar depois de todo esse tempo. — Pedro disse com raiva.
— Eu aceitei porque ele me deu bons motivos. Todos nós já sabíamos que em algum momento a família Campana ia bater na nossa porta, eu pensei que conversar com o Walter poderia nos dar alguma vantagem sobre esse encontro.
— O que ele disse, titia? — Julia questionou preocupada.
— Seus pais não vão desistir, meu bem. O Walter tentou durante muitos anos escapar dos hábitos da família, mas eventualmente o sangue falou mais alto e ele resolveu assumir quem realmente era. Aparentemente a idade está deixando ele mais mole e ele resolveu tentar nos avisar.
— Mole? Faça-me o favor! Só falta você dizer que ele tem alguma bondade no coração. — Pedro disse contrariado.
— Não interprete erroneamente as minhas palavras, filho. Mas, o fato é que eu e o seu pai não fomos casados só por um dia, nós fomos apaixonados e não foi uma aventura de poucos meses, durou quase duas décadas. Em parte porque eu mantinha um limite da presença da família dele nas nossas vidas, mas não se engane, eu nasci e fui criada em uma família tão aristocrata quanto a Campana e eu e o seu pai tínhamos muitas coisas em comum. Eu era acostumada com aquela vida, aquelas pessoas e aquelas ideias. Foi a maternidade, muito mais do que a minha mentalidade moderna, que mudaram a minha forma de ver certas coisas. — Silvia foi taxativa.
Julia encarou o rosto da tia com um olhar de profundo reconhecimento. Haviam várias razões para a ruiva ter procurado primeiro pela tia quando chegou ao Brasil, e aquelas palavras de Silvia traduziam algumas das mais importantes entre elas. Julia sentiu naquela época, algo que foi confirmado ao se reencontrar com Silvia, que advogada seria capaz de entender mais do que qualquer outra pessoa os labirintos que um casamento significa, seja esse casamento real ou um arranjo nascido de uma besteira cometida por uma das partes.
— O que ele queria afinal? — Pedro perguntou entre dentes.
— Ele queria me avisar sobre os pais da Ju. Aparentemente eles tomaram o fim do seu casamento e a sua volta com a Manu, como uma afronta ao nome da família e estão dispostos a fazer o que for preciso para você reatar o seu casamento com o Mateus. — a advogada explicou.
— Nenhuma novidade até aí. — Pedro se apressou em dizer.
— Eu tenho que concordar com o Pedro, eu meio que já sabia disso. Embora não consiga entender como os meus pais possam ter um pensamento tão tacanho com relação a mim. — Julia falou balançando negativamente a cabeça.
— Eu também sei que isso não é nenhuma novidade, mas o Walter achava que a gente não sabia de nada disso. — Silvia explicou — Outra coisa que nós já sabemos e que ele disse, é o quanto o Wladimir e a Helena acham que nós dois somos culpados, Pedro. Eles acham que nós não só ajudamos a Julia a voltar para o Brasil, mas também conspiramos para o reencontro dela com a Manu.
— O que só demonstra mais uma vez o quanto meus pais podem ser insanos. — Julia falou com desânimo.
— Em suma ele não disse nada que nós já não tivéssemos consciência. Grande ajuda essa. — Pedro disse com desagrado.
— Tem mais uma coisa que ele queria que você soubesse. — Silvia disse encarando o rosto do filho.
Os dois se olharam durante alguns segundos, Silvia não parecia muito certa se devia ou não continuar falando, mas acreditava que era um direito do filho saber tudo que o pai havia dito.
— Ele quer encontrar você. — ela disse por fim.
Julia encarou o rosto da tia com total surpresa antes de olhar para o primo ao seu lado. Pedro demorou alguns segundos para processar o que a mãe havia dito e quando finalmente conseguiu colocar algum sentido naquelas palavras, sentiu a mão da prima segurar a sua. Pedro encarou Julia nos olhos com gratidão, dessa vez ela estaria ao seu lado e isso era de uma importância que o rapaz nem podia mensurar em palavras.
— Ele está totalmente fora de si se acha que existe alguma chance disso algum dia acontecer. — Pedro foi categórico em sua resposta para a mãe.
— Eu imaginei que você fosse dizer isso, mas ainda assim achei que você tinha direito de saber. — Silvia concluiu.
A conversa entre os três não durou muito mais tempo. Silvia quis saber se Manuela já sabia da chegada de Mateus, o que Julia confirmou, e também aconselhou a sobrinha a continuar sendo sincera com Manu. Na opinião da advogada a publicitária tinha uma tendência natural à empatia e por isso raramente julgava as pessoas, mas isso só se manifestava quando ela era colocada a par de todos os fatos. Julia concordava com a tia e sabia que ela estava certa, mas saber daquilo e conseguir administrar a realidade eram coisas totalmente distintas.
Pedro foi abraçado pela mãe antes de sair do escritório, ele não tinha ficado nada feliz com a decisão dela a respeito daquela visita ao Rio, mas os dois tinham uma relação de plena confiança e isso bastava para não restar nenhum ressentimento entre eles. No fim das contas ele percebeu que Julia estava ali muito mais para apoiá-lo do que necessariamente para saber de alguma novidade. Silvia queria que a arquiteta, a única que compartilhava a mesma posição que Pedro dentro da família Campana, pudesse apoiar o rapaz naquele momento que era nada menos que perturbador. Como eles iriam lidar com tudo dali para frente era algo que só o tempo iria dizer.
**
Assim que Manuela entrou no táxi em direção ao hotel ela conferiu o celular. Já eram mais de duas da madrugada, mas ela sorriu ao ver a mensagem de Julia.
[Sei que você só vai chegar aí de madrugada, mas me liga mesmo assim. Tenho uma planta para analisar e só vou dormir depois do seu boa noite.] 00:23 ~ Julia
Pouco convencida de que Julia ainda estaria acordada, Manu preferiu responder com outra mensagem.
[Espero que você já esteja dormindo, mas mesmo assim: boa noite. A gente se fala amanhã ou hoje cedo? Não sei bem, mas eu te ligo quando acordar.] 02:38 ~ Manuela
Manu mal teve tempo de reler a mensagem no celular quando a ruiva ligou.
— Oi. — Julia falou assim que Manu atendeu.
— Amor, você não devia ter ficado acordada até essa hora.
— Eu adoro quando você me chama de amor, já te falei isso? — Julia questionou com um sorriso bobo nos lábios — Eu não tive muita escolha sobre ficar acordada até essa hora.
— Essa planta é assim tão importante? — Manu resolveu ignorar o primeiro comentário de Julia. Não que Manuela estivesse arrependida de finalmente ter dito para a ruiva que ainda a amava, mas na verdade a morena ainda estava tentando se adaptar dentro da própria pele. Na primeira vez em que elas namoraram tudo pareceu mais certo e muito mais natural, mas com a bagagem que elas tinham agora, Manu não sabia muito bem como se sentir ou mesmo como ser em alguns momentos. Julia, por outro lado, parecia totalmente confortável com tudo aquilo, como se nenhum tempo entre a faculdade e aquele momento tivesse realmente passado.
— Dessa vez não tem nem um amorzinho? — Julia brincou.
— Melhor não te deixar mal-acostumada. E a tal planta? — Manu também sorriu.
— Não era assim tão urgente. E ainda bem que não, por que eu não cheguei nem perto dela essa noite. — Julia começou a explicar — Eu acabei deixando as minhas chaves no seu carro, eu acho. Aí os meninos me deixaram em casa e eu não consegui entrar, daí tive que voltar aqui pra tia Silvia, já que a alternativa era ir parar no apartamento dos recém-casados. — ela finalizou.
— Nossa, que droga. E você vai ficar desabrigada até eu voltar? — Manu perguntou preocupada.
— Não, eu tenho uma chave reserva no escritório, mas não deu pra eu pegar hoje porque as chaves do escritório estão junto com as do apartamento e eu só vou conseguir entrar lá amanhã quando a secretária chegar pra abrir. Enfim, acabou que eu voltei pra cá e resolvi esperar mais um pouquinho até você ligar.
— Bom, ainda bem que pelo menos você não foi parar na casa dos recém-casados, podia ser bem pior. — Manu brincou.
— Verdade. — a ruiva falou com um sorriso.
— Você tem certeza que a chave tá no meu carro?
— Eu acho que sim, teve uma hora que eu mexi na minha bolsa quando a gente estava vindo pro jantar e ela deve ter caído.
— Ainda bem que você tem as reservas no escritório. — Manu comentou.
— É. Você já chegou no hotel? — Julia mudou o rumo da conversa.
— Não, ainda tô no táxi. — Manu explicou com um tom de cansaço — Mas eu vou poder dormir até mais tarde já que a minha primeira reunião é na verdade um almoço com a responsável pelo marketing da empresa.
— O Will ficou repetindo no carro que ele podia muito bem ter ido no seu lugar e que você é tão chata que não deu nem ouvidos pra o que ele disse. — a ruiva comentou divertida.
— Como é que eu vou deixar o cara que acabou de chegar da lua-de-mel literalmente ontem, vir pra outro estado no meio da madrugada? Ele é que é um chato.
— Foi exatamente isso que o Pedro respondeu.
— Agora nós já sabemos quem é o sensato do relacionamento. — Manu comentou.
— E nesse relacionamento aqui? Quem é a sensata?
— Claramente sou eu né, meu amor!? Porque se eu estivesse deitada em uma cama agora, dificilmente ia tá batendo papo com você. — Manu respondeu de imediato.
— Sensata e convencida. Que mulher eu fui arrumar pra mim. — Julia replicou e as duas riram — Eu prometo que já vou dormir, mas antes eu queria falar sobre a tia Silvia. — Julia falou em seguida.
Manuela não tinha se esquecido da suposta conversa entre Julia, Pedro e Silvia, mas preferiu deixar a ruiva trazer o assunto à tona.
— Tá tudo bem com ela? — a publicitária perguntou de imediato.
— Sim. Ela queria mesmo era conversar com o Pedro. — Julia explicou — Eu acho que ela me chamou mais pra dar um suporte pra ele do que qualquer outra coisa.
— E o Pedro precisa de suporte porquê? — Manu questionou preocupada.
— A tia Silvia foi pro Rio, aquele dia do Samuquinha. Ela foi encontrar o tio Walter.
— Uou! E o Pedro? — a publicitária questionou depois de alguns segundos de choque.
— Vai ficar bem, mas com certeza ficou um pouco abalado com a novidade. A tia Silvia também queria que eu conversasse com você sobre isso, por causa das coisas que ela soube enquanto estava no Rio. — Julia falou com um pouco mais de cautela.
— Entendo. — Manu respondeu imediatamente, tudo que ela não precisava era uma outra conversa sobre o Mateus e ela sabia pelo tom de Julia que era isso que ‘coisas que ela soube enquanto estava no Rio’ significava.
— Mas eu disse pra ela que a gente já tinha conversado sobre o assunto. Agora a gente só precisa cuidar do Pedro e vai dar tudo certo. — Julia tentou encerrar o assunto antes que Manuela decidisse encerrar a ligação. Uma coisa era conversar sobre o ex-marido com a publicitária ao alcance dos olhos, outra bem diferente era tentar conversar sobre o tema enquanto ela estava literalmente em outro estado. A ruiva não queria e não iria arriscar a aparente tranquilidade que as duas estavam compartilhando naquele momento.
— E você chegou a conversar com ele sobre o assunto? — Manu resolveu focar no que realmente importava, pensar em Mateus não era uma boa ideia em nenhuma hipótese.
— Mais ou menos. — Julia falou com um suspiro — Ele só disse que estava tudo bem e que quando estivesse pronto a gente ia falar sobre o assunto.
— Bom, ele tem a gente pra o que ele precisar e ele sabe disso. Vai dar tudo certo!
Julia permaneceu em silêncio por um tempo. Independentemente do que a família Campana pensasse, desejasse ou achasse que poderia ter naquela situação, de uma coisa a ruiva estava certa, ela preferia qualquer alternativa a deixar o primo sofrer com aquele encontro indesejado.
— Nada de hotel? — ela falou finalmente.
— Na verdade eu acho que já tô chegando (É aquele prédio da frente, né!?) — Julia ouviu Manuela falar com o taxista — É, já tô aqui. — ela disse depois de alguns segundos.
— Que bom, a gente se fala quando você acordar então? — Julia questionou.
— Isso. Eu te ligo.
— Tá bom. Dorme bem, te amo. — a ruiva se despediu.
— Eu também amo você. — Manu disse depois de hesitar e logo em seguida encerrou a ligação.
**
Os dois dias de viagem, embora cansativos, foram bastante produtivos. Manuela voltou para São Paulo no sábado pela manhã e mesmo não tendo o hábito de ir ao escritório no mesmo dia em que chegava de uma viagem de trabalho, ela precisou dar um pulo na iDraw para resolver alguns assuntos. Depois de passar em casa para um banho rápido, ela foi direto para o escritório e o que era pra ser uma passada rápida acabou levando mais tempo que o esperado. Manuela já havia falado com Julia duas vezes durante o dia, uma para avisar que havia chegado e outra para cancelar o almoço que elas haviam combinado. A morena não estava feliz por ainda não ter conseguido sair do escritório para ver a ruiva, menos ainda com o fato de ficar presa no escritório em um dia de sábado, mas só depois das duas da tarde foi que ela conseguiu, finalmente, ir embora.
Manu foi do escritório direto para o prédio em que Julia morava. A verdade é que com a volta dos meninos, a chegada de Samuel e os compromissos profissionais das duas, Manu sentia que elas estavam precisando arrumar algum tempo para ficarem juntas. Aquela saudade incurável surgia novamente, volta e meia a morena questionava se aquele sentimento nunca mais iria desaparecer e a resposta era sempre uma incógnita. Ao menos era como tinha sido até ali, restava dar tempo ao tempo e ver como as coisas iriam ser.
Foi justamente pensando nessas questões que Manuela chegou até a porta do apartamento da ruiva. Como Julia havia esquecido a chave com Manu, a publicitária não tocou a campainha. Seguindo as orientações que Julia mesmo havia dado por telefone, a morena já chegou entrando e procurando pela arquiteta pela casa. O que ela não poderia esperar era que encontraria Julia acompanhada de Mateus e menos ainda que algum dia ela seria capaz de superar o que ouviria a seguir.
Manuela não estava tentando ouvir a conversa que acontecia na cozinha da casa, não era do caráter de Manu fazer algo dessa natureza, mas uma sucessão de coisas aconteceu em questão de segundos e a publicitária se viu parada no meio daquela conversa assustadora.
**
Julia tinha acabado de mandar uma mensagem explicando para Manuela que como elas não iriam poder almoçar juntas, ela iria direto para casa e, com um tom sugestivo e de brincadeira, ela acrescentou que como Manu já tinha a chave da casa, podia chegar entrando. Foi logo depois dessa mensagem que o celular da ruiva tocou.
— O que você precisa agora, Mateus? — ela atendeu impaciente. Não era a primeira ligação do ex-marido que ela recebia nos últimos dias e Julia estava começando a perder a paciência com aquela situação.
— Eu estou na porta do seu prédio, a gente precisa conversar. — o homem respondeu.
— Não, a gente não precisa. — Julia falou com insatisfação, entrando no carro.
— Eu vou te dar duas opções: ou você fala comigo agora ou eu vou fazer uma visita pra Manuela, acompanhado dos seus pais.
Julia respirou fundo. Inacreditável. Como era possível ela ter dado tanto azar em uma única vida, primeiro ela tinha os pais mais surreais do mundo e depois ela arrumava o ex-marido mais impossível do planeta.
— Você veio lá de Londres só pra me ameaçar? Sério? — ela perguntou incrédula.
— Eu não estou te ameaçando, eu estou te dando duas opções. Agora é com você. — Mateus falou pragmático.
— Inacreditável! — Julia pensou em voz alta.
— Ainda existem assuntos que nós precisamos tratar, Julia. E quer você queira, quer não, alguns laços entre nós dois são inquebráveis. — Mateus disse, sabendo exatamente o que as palavras fariam Julia sentir.
Julia levou alguns minutos para refletir as palavras de Mateus, antes de finalmente conseguir responder.
— Eu não estou em casa ainda, mas chego em quinze minutos. Você pode me esperar na portaria. — ela respondeu seca e desligou o telefone sem esperar uma resposta.
**
Quando Manuela entrou no apartamento de Julia, ela parou na porta por alguns segundos procurando por algum som que pudesse indicar onde a arquiteta estaria, mas não ouviu nenhum. Deixando as chaves no aparador próximo à porta e indo em direção à sala, a morena chamou timidamente pelo nome da namorada, mas ainda assim não ouviu nenhum som de resposta. Prestando um pouco mais de atenção, Manu pensou ter ouvido a voz de Julia vindo da cozinha e foi nessa direção que ela foi. A publicitária estava pronta para chamar pelo o nome de Julia outra vez quando o telefone que estava no seu bolso vibrou e distraiu a atenção de Manu por apenas um segundo, mas nesse mesmo instante a morena ouviu uma segunda voz, uma que ela preferia nunca mais ter que ouvir.
— Você não pode simplesmente ignorar a verdade. — Mateus falou, o tom de voz um pouco mais alto e carregado de raiva.
— E eu não estou. — Julia respondeu também aumentando o tom.
Manuela deu mais dois passos e ficou de frente para a cena dos dois discutindo. Mateus e Julia estavam de costas para a porta e Manu assistiu Julia pegar uma garrafa na geladeira e servir água em copo que já estava em sua mão. Mateus esperou até ela se virar de frente para ele para voltar a falar, mas quando ele encarou o rosto da ruiva esperando uma resposta, não era na direção dele que ela estava olhando.
— Um filho, Julia. Essa é a verdade que existe entre nós e é isso que você nega.
Primeiro Manuela achou que tinha ouvido errado, depois ela pensou que Mateus devia estar sofrendo de alucinações porque não havia a menor possibilidade de aquilo ser verdade. Mas logo em seguida ela viu nos olhos de Julia o que ela não queria ver. A ruiva confirmou, com o pavor que tomava conta do seu rosto diante da situação, aquilo que Manuela estava pronta para implorar que ela negasse. Um filho. Nada mais importava. Não havia nada no mundo que convenceria Manuela a se colocar no meio de uma situação dessas.
Manuela não esperou nem um segundo antes de se virar e sair do apartamento. Ela não esperou para ver qual foi a reação de Mateus ao se dar conta de que ela estava ali e também não registrou as vezes que Julia chamou o seu nome até chegar ao elevador.
— Manuela, espera! Deixa eu te explicar. — Julia saiu atrás da morena, mas Manuela não conseguiu parar. Ela não queria ouvir, tudo que ela conseguia sentir era que mais uma vez Julia havia retirado o seu chão. Mais uma vez ela havia deixado a ruiva ter o seu coração e teve ele quebrado em milhares de pedaços.
— Por favor, deixa eu falar com você. — Julia disse segurando Manu pelo braço, as duas já estavam na porta do prédio. A ruiva só tinha sido capaz de alcançar Manu porque a publicitária ficou tão transtornada que não atinou para o fato de que acionou o botão da garagem e não o da portaria, o que fez com que ela atrasasse sua fuga alguns minutos e deu a Julia a oportunidade de alcançá-la. Mas isso não mudava o fato de que a morena não queria ouvir nenhuma palavra, não agora, quando ela mal conseguia coordenar seus passos. Foi o pulso firme de Julia em seu braço que obrigou Manuela a ouvir o que a ruiva tinha a dizer ao menos por alguns instantes.
— Deixa pelo menos eu explicar. — Julia suplicou.
— Porque? Porque você faria isso comigo outra vez? Porque você não disse tudo de uma vez? Você gosta de me colocar nesse tipo de situação? Só pode ser isso. — Manu falou em um tom de voz estrangulado pelo nervosismo.
— É claro que eu não gosto. Eu sei que eu devia ter te contado tudo isso com mais calma, mas as coisas foram acontecendo e eu tive medo de que você não fosse entender. Não fosse me perdoar. — Julia tentou explicar, ainda mantendo Manuela segura pelo braço, com medo de que ela pudesse fugir se ela soltasse.
— Vocês têm um filho juntos. Como é possível que você pudesse me contar isso com mais calma? E como é que você acha que eu posso entender que você tenha me escondido esse tipo de laço que você ainda tem com ele? — Manuela falou.
— As coisas não são assim tão simples, Manu. Vamos subir e eu te explico tudo com calma, não aqui no meio da calçada. — Julia sugeriu.
— Eu não vou pra lugar nenhum com você, menos ainda um lugar com você e ele. — Manu disse tentando se desvencilhar do aperto no braço — Me larga, eu quero ir embora.
— Por favor, amor. Pelo menos me escuta. Se depois você não quiser mais olhar na minha cara eu vou entender. Só... não vai embora desse jeito, sem saber de todos os detalhes. — Julia insistiu.
— Eu não quero saber de nenhum detalhe sobre você e o pai do seu filho. E você, melhor do que ninguém, deveria preferir me poupar disso. — Manu cuspiu as palavras e Julia finalmente soltou o seu braço — Ultimamente eu me convenci de que talvez a única opção pra tudo o que você fez no passado fosse o seu medo, a sua ingenuidade, como a sua família é e que eu não podia continuar sem te perdoar, quando tudo o que você fez foi, de certa maneira, inocente. Que o nosso amor, o amor que eu achei que nós tínhamos uma pela outra, era tão intenso que só podia significar que o passado devia ficar no passado. Mas, surpresa, — Manu falou com falso entusiasmo na voz — eu me enganei. Não existe nada de inocente e ingênuo em você, você escolhe sempre me magoar, me colocar em situações impossíveis… me torturar e depois dizer que me ama, que não fez por querer. Tudo tem um limite e eu estou cansada. Você e o Mateus, se merecem. Boa sorte criando um filho junto com ele!
Julia não foi capaz de resistir àquelas palavras. Se ela merecia ou não o que Manu havia dito era uma questão para um outro momento, o fato era que ali, vendo a mulher da sua vida se afastar mais uma vez, ela não teve forças suficientes para lutar contra o magnetismo irresistível do abismo que as palavras da morena haviam colocado diante dela. Outra vez tudo estava perdido.
Julia e Manuela não faziam ideia do que viria a seguir. O futuro, de forma inegável, sempre se faz presente e, na maior parte das vezes, de uma maneira muito diferente daquilo que se imaginou. Para as duas não foi o contrário e, mesmo tão calejadas dos reveses que o amor compartilhado já havia resultado, elas teimavam em acreditar que dessa vez seria diferente. Ambas não poderiam estar mais enganadas e o golpe, uma vez mais, seria de tirar o ar. Especialmente para Manuela, que depois de tanto tempo, finalmente se deixava levar pelo sentimento que carregava dentro do peito.
O universo estava dizendo em alto e bom tom: Manuela, não volta! O sentimento era esse, Manu estava lutando tanto, tentando tanto, lançando mão de tudo que tinha para voltar ao seu antigo normal e o processo havia sido lento, doloroso e ainda parecia tão distante do fim. Mas a vida, a força irrefreável da realidade, não estava dando a mínima, porque lá estava Manuela outra vez em queda livre.
Fim do capítulo
UFA! Achei que não chegava aqui hoje, mas cheguei! Capítulo postado e vamos descendo a ladeira sem freio!!!!
Capítulo de hoje tem a música Skinny Love na versão da Birdy como inspiração. Nós estamos no trecho final, minhas amigas e vai ser estranho e confuso e com umas choradeiras no meio do caminho e eu não sei se tem luz no fim do túnel, mas tem fim e eu espero que faça justiça a essas duas personagens tão confusas e apaixonadas.
Beijo pra vocês, espero que todo mundo esteja tendo uma noite boa e uma semana possível. Amanhã tem mais. ♥
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Marta Andrade dos Santos
Em: 24/07/2024
Julia minha querida se lascou toda.
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LeticiaFed
Em: 24/07/2024
Ah, o segredo. Sigo sem entender porque Julia já não tinha falado sobre isso com a Manu e os detalhes. Importantes. Muito importantes. Mas nossa querida autora tem que botar fogo na história e deixar as leitoras nervosas, né? Uhuum...
Descendo a ladeira sem freio e com pé no acelerador, né?
Até amanhã...
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Sem cadastro
Em: 23/07/2024
Eu sabia que tinha um filho no meio, e a Júlia novamente faz m....
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