Atalaia
Julia sentiu a boca de Manuela percorrer toda a extensão das suas costas nuas, o sorriso foi inevitável, ser acordada naquela manhã de domingo pelo carinho da morena era ainda mais perfeito quando Ju se lembrava da noite que elas haviam passado juntas, ali mesmo naquela cama. Uma noite em que Manuela mostrou em gestos toda a verdade das palavras ditas no jardim da casa de Silvia, uma noite que Julia sentiu as barreiras entre as duas ainda mais enfraquecidas e o amor que as unia cada vez mais forte.
— Bom dia. — Manu falou quando teve certeza que Julia estava acordada, a morena estava sentada na beira da cama, já totalmente desperta e pronta para ir para casa.
— Porque você já levantou? Volta pra cama. — Julia falou ao notar que Manuela estava totalmente vestida.
— Eu não posso. — Manuela respondeu enquanto passava a mão nas costas da ruiva e se aproximava do ouvido dela — Mas bem que eu queria. — ela disse antes de beijar o pescoço da ruiva.
Manuela havia acordado antes das nove da manhã, mesmo tendo ido dormir de madrugada. Por mais que ela sentisse uma vontade enorme de continuar dormindo e só se levantar quando estivesse realmente descansada, ela sabia que precisava voltar para casa antes dos pais voltarem para Belo Horizonte. Além do mais, Manu queria conversar com o irmão mais uma vez antes dele ir para casa, ela achava que ainda havia alguma chance de Marcos ouvir o que ela estava tentando dizer. A família da mineira tinha decidido voltar para casa no início da noite daquele domingo, a vinda para a capital paulista tinha acontecido unicamente pelo casamento de Pedro e Willian. Na segunda-feira todos tinham que voltar aos seus compromissos em BH.
— Que horas os seus pais viajam? — Julia perguntou, satisfeita por ter a mão de Manuela acariciando a sua nuca.
— O voo está marcado pra cinco e meia. — Manu respondeu simplesmente.
— Você acha que ficou tudo bem depois de ontem? — Julia estava preocupada especialmente com o irmão da morena, Marcos não havia escondido o seu descontentamento em ver Julia e as duas não tinham falado sobre o assunto na noite anterior.
— Entre mortos e feridos, eu acredito que as coisas vão se ajeitar. — Manu respondeu.
— Mesmo com o seu irmão? — Ju insistiu.
— O problema dele não é com você, é comigo que ele está chateado. Eu vou conversar com ele de novo, não se preocupa com isso. — Manu explicou.
Julia apenas concordou com a cabeça e Manu aproveitou o silêncio da ruiva para beijar os seus lábios.
— Eu preciso realmente ir, eu só te acordei porque não queria ir sem me despedir. — Manu explicou quando o beijo terminou.
— Quando a gente se vê? — Julia perguntou.
— Eu vou levar o pessoal lá de casa no aeroporto, depois eu posso passar aqui e te levar pra jantar. O que você acha? — Manu sugeriu.
— Eu acho que você ainda tá tentando me fazer esquecer aquela sua amiguinha, com esse papo de me levar pra jantar. — Julia falou com um sorriso.
— Não acredito que você está me dizendo isso. — Manu falou com cara de falsa indignação — Depois de todo o meu esforço durante a madrugada, você tá falando que ainda lembra daquela moça que eu nem sei o nome direito. — a morena brincou.
— Eu acho que você podia era tentar mais um pouquinho, só pra eu ter certeza. — Julia falou e gargalhou quando Manuela se jogou em cima dela prendendo a ruiva com o peso do corpo.
— Bem que você queria que eu tentasse ‘mais um pouquinho’, né!? — Manu acusou enquanto distribuía beijos pelo pescoço da ruiva.
— Talvez. — Julia falou preguiçosamente.
— Mas eu não posso ficar. — Manu falou quando sentiu as mãos de Julia entrarem debaixo da sua blusa com a intenção de se livrar da peça.
— Fica só mais um pouquinho, amor. — Julia pediu enquanto escorregava a boca pelo queixo da morena.
— Eu não posso, pode ir parando com isso. — Manu falou se levantando antes que cedesse a vontade de ficar ali por mais tempo. Ouvir Julia pedindo para ela ficar, ainda mais chamando ela de amor, era golpe baixo e a ruiva sabia disso.
— Nãooo... Volta. — Julia falou quando Manu se afastou da cama para pegar o par de sandálias.
— Eu te ligo mais tarde pra gente combinar o jantar. — Manu se aproximou com as sandálias em uma das mãos e se abaixou para dar um beijo de despedida na ruiva.
— Tá bom.
A arquiteta se virou para o lado da cama que até pouco tempo Manuela ocupava e abraçou o travesseiro em que a morena tinha dormido. Julia estava genuinamente feliz, o casamento do primo tinha servido para a ruiva recarregar as baterias. Ver a felicidade de Pedro e poder participar daquele momento tão importante na vida dele era um presente que Julia agradecia imensamente. Atrelado a isso estava a sua relação com Manuela, por mais que a morena não falasse sobre os seus sentimentos, Julia era capaz de sentir e isso era mais que o suficiente. A ruiva sabia que estava, naquele momento, ignorando os problemas que viriam, mas era difícil abrir mão daquilo que ela mais queria, justamente quando ela começava a recuperar.
Os segredos tinham feito Julia perder Manuela uma vez e a ruiva estava totalmente consciente de que não poderia deixar que aquilo acontecesse de novo. Ela só precisava encontrar o momento certo para conversar com Manu e ela iria, mas antes ela acreditava que ia precisar conversar pessoalmente com a mãe. Julia ainda não tinha esquecido a tentativa dela de interferir na sua vida através de Silvia, a ruiva ia precisar reunir toda a sua paciência para mostrar aos pais que as suas escolhas estavam fora dos limites daquilo que eles poderiam controlar.
**
Manu entrou no apartamento e ouviu a voz da mãe conversando com alguém, ao olhar para o sofá ela viu que seu pai também estava na sala. Os dois fizeram uma pausa no assunto ao notar a entrada de Manuela e a morena soube imediatamente que eles falavam sobre ela.
— Bom dia. — ela falou se aproximando dos dois.
— Bom dia, filha.
— Bom dia, meu amor.
— Tudo bem por aqui? — Manu questionou.
— Tudo ótimo. Seu irmão e a Débora ainda não levantaram. — Thomas explicou.
— Eu não posso julgá-los, eu também queria estar dormindo ainda. — Manu falou ainda de pé — E vocês, porque acordaram tão cedo?
— A idade, minha filha. Esses velhos aqui não conseguem dormir até tarde mais. — Alice brincou.
— Até parece que vocês são realmente velhos, falando desse jeito. Já tomaram café?
— Ainda não. — o pai de Manu respondeu.
— Então eu vou tomar um banho rápido e venho pra nós tomarmos juntos. Pode ser? — Manu falou já caminhando rumo ao quarto.
— Claro, seu irmão já deve estar levantando também. Assim tomamos café todos juntos. — Alice respondeu e voltou a olhar para o marido, após Manu concordar e sair da sala. Os dois trocaram um olhar cúmplice e preocupado. Eles acabavam de comentar sobre o encontro com Julia na noite anterior, mesmo estando do lado da filha para apoiá-la, eles não podiam negar que existia uma certa preocupação em relação ao que a ruiva poderia fazer. Alice, especialmente, temia que se Julia não estivesse verdadeiramente disposta a não cometer os mesmos erros do passado, Manu poderia não resistir e certamente a filha jamais iria se recuperar se fosse abandonada mais uma vez.
Manuela sabia que os pais estavam se esforçando para ficar do seu lado, fato que ela apreciava sinceramente. Agora a única coisa que a publicitária esperava era que o irmão também pudesse enxergar as coisas por essa ótica e passar a dar valor às decisões que ela tomava sobre a própria vida, em detrimento daquilo que ele acreditava que era certo. Certa de que aquela não seria uma conversa fácil, Manu aproveitou o banho para relaxar ao menos por alguns minutos e enquanto se vestia, passou pela sua cabeça que ela andava empurrando alguns pensamentos e ignorando algumas sensações, mas aquilo não funcionaria por muito tempo. Manuela sabia que já estava mais do que na hora de colocar as coisas em pratos limpos, especialmente se ela estivesse decidida a manter Julia em sua vida, a dúvida que ela seguia sem conseguir responder nem para si mesma.
Já de banho tomado e se sentindo muito melhor, Manu saiu do quarto para procurar pelos pais. Passando pela porta do quarto de hóspedes que o irmão e a cunhada ocupavam, Manu viu que eles já estavam de pé, aparentemente, prontos para sair do cômodo.
— Bom dia. — Manu falou, se escorando no batente da porta.
— Bom dia, cunha. Chegou cedo. — Débora falou com um sorriso.
— Vim aproveitar o dia com vocês. — Manu falou e reparou que o irmão sequer olhou para ela. Marcos estava concentrado colocando o relógio e não demonstrou a menor disposição em ser simpático com a irmã.
— Será que eu posso conversar com você, Marcos? — Manu disse, depois de notar que o irmão não ia dar o braço a torcer.
— Fica à vontade, Manu. Eu vou deixar vocês e procurar meus sogrinhos. — Débora respondeu já caminhando para porta — Não adianta me olhar com essa cara, meu amor. — ela falou olhando o marido por cima do ombro.
Antes de sair, Débora ainda soprou um ‘boa sorte’ para Manu, que continuava parada na porta. A morena sorriu em resposta e viu a cunhada sumir de vista.
— Você não vai mais falar comigo, é isso? — Manu falou enquanto entrava no quarto.
Marcos levantou o rosto e encarou os olhos da irmã antes de responder.
— Eu acho que você já deixou bem claro que não está interessada na minha opinião. — ele disse com mágoa na voz.
— Marcos, por favor, seja razoável. Você sabe muito bem que isso não é verdade.
— Eu não sei de nada. Não foi isso que você me disse aquele dia em BH, não foi exatamente isso que você me disse ontem antes do casamento?
— Você está interpretando as coisas de uma forma no mínimo infantil.
— Eu estou interpretando as coisas como elas são.
— Você acha que se eu realmente não me importasse com o que você diz, eu estaria aqui insistindo em conversar? — Manu questionou.
— Eu não acho nada, Manu. Eu deixei de achar quando você decidiu tudo e apenas nos comunicou. — ele falou com raiva.
— E você queria que eu fizesse o quê? Abrisse a questão pra uma votação familiar? Convidasse os interessados e decidisse baseada na opção com maior número de votos? — Manu perguntou com ironia.
— Eu não estou dizendo que essa não tenha que ser uma decisão sua, mas eu acredito que você não esteja pensando direito quando resolve simplesmente aceitar essa mulher de volta. — Marcos falou entredentes.
— Eu não sei mais o que eu posso dizer pra fazer com que você entenda, Marcos. Sinceramente, eu não sei. — Manu falou desanimada.
— Você pode começar me explicando o que eu ainda não entendi, como é possível você esquecer tão depressa tudo o que aconteceu?
— Você está me pedindo para explicar algo que eu mesma ainda não entendi.
— Não. Eu estou te pedindo para me dizer como é possível que você simplesmente tenha se esquecido de tudo que aconteceu entre vocês duas. — Marcos falou convicto.
— Eu não esqueci, Marcos. Muito pelo contrário, isso ainda é uma coisa tão viva em mim e tão complicada de ultrapassar que eu não tenho a mínima ideia de como eu vou ser capaz de perdoar a Julia por tudo o que houve. Se eu vou ser capaz.
— Como não? O que você tá fazendo com ela então, se ainda não conseguiu perdoar todas as burradas que ela fez? — Marcos insistiu.
Manuela respirou fundo e encarou o rosto do irmão. Marcos sempre tinha sido assim, a morena sempre soube, desde quando podia se lembrar, que tinha alguém no mundo que sempre se preocuparia com ela. Ele sempre tinha sido um irmão presente, mesmo durante a adolescência, fase em que os irmãos geralmente se detestam, o rapaz tinha cuidado da irmã. Os dois eram amigos de uma vida inteira, Manu não sabia o que era viver sem Marcos em sua vida, literalmente, ele estava junto dela em todas as fases, desde o seu nascimento. Por essas razões, Manu sabia que as reações do irmão não eram exageradas, eram apenas o reflexo do cuidado extremo que ele sempre teve com ela. E como a relação dos dois era uma via de mão dupla, ela sabia que devia, mais que isso, precisava tranquilizar o coração dele.
— A conclusão que eu cheguei para as respostas dessas perguntas é que, mesmo que isso não me agrade, por não fazer sentido, é muito mais difícil pra mim ficar sem ela, do que aceitá-la de volta. Eu sei que isso não é razoável, que não tem justificativa, mas esse sentimento parece não ter mesmo nenhuma explicação racional.
— Eu até poderia concordar com isso, se a gente não estivesse falando especificamente dessa mulher.
Manu engoliu o desagrado por ouvir o irmão falar sobre Julia daquela maneira.
— Engraçado você pensar assim, eu achei que, assim como eu, você estivesse mais suscetível a aceitar essa explicação. — ela falou depois de um tempo.
— E porque eu estaria? — Marcos perguntou sem entender.
Manu pensou um instante antes de voltar a falar, ela estava mensurando o quanto admitir aquelas coisas poderiam significar para ela mais tarde e mesmo sem chegar a uma conclusão satisfatória, ela decidiu não privar o irmão das verdades que ela começava a aceitar dentro de si.
— Por que assim como eu, você sempre soube como é o amor entre duas pessoas. Nós tivemos esse exemplo dentro de casa a vida inteira. — Manu explicou.
— Não tem como comparar as duas coisas. — Marcos falou seco.
— Pois, pra mim, que vivo a coisa aqui de dentro, é a comparação mais justa que eu poderia encontrar.
Marcos permaneceu em silêncio, ele jamais poderia concordar que a irmã comparasse o relacionamento dos pais, o tipo de sentimento que eles cultivavam um pelo outro, com o que ela vivia com Julia. Manu viu nos olhos do irmão que ele não tinha entendido o seu ponto de vista e por isso voltou a falar.
— A mãe, esses dias, me falou uma coisa que ficou martelando na minha cabeça. Ela disse que o amor é voluntarioso e, não muito surpreendente, ela estava certa. Amar alguém é se entregar sem reservas, Marcos. É pertencer ao outro, mesmo quando você não quer. Eu passei os últimos seis anos lutando pra esquecer esse amor, eu acordei todos os dias querendo arrancar de dentro de mim esse sentimento, mas a verdade é que eu nunca deixei de ser dela, mesmo quando ela não estava aqui. — Manuela fez uma pausa para respirar — Eu tentei tanto, mais tanto, mudar isso. Tudo que eu mais queria era voltar a ser quem era antes de conhecer a Julia, antes de viver uma vida que não era só minha. Por que a verdade é que depois dela, eu me tornei um pouco menos minha, entende? E mesmo sem querer, mesmo sem ela merecer, mesmo sem eu admitir, a verdade é que o amor que a gente sente não deixa espaço para outra possibilidade. Eu não entendo como isso acontece, quem dera eu entendesse, meu irmão. O que eu estou dizendo é que talvez eu só esteja cansada de lutar contra o inevitável e era isso que eu queria que você entendesse.
Manu terminou de falar e encarou o rosto do irmão, era a primeira vez que ela expressava aquelas conclusões em voz alta e inesperadamente, para ela, uma sensação de leveza surgiu automaticamente.
— Você realmente ama ela tanto assim? — Marcos perguntou compadecido da confissão da irmã.
— Se isso não é amor, eu não sei mais o que poderia ser. — Manu falou amargando os seus próprios fantasmas diante daquela dedução — E não pense que é fácil pra mim, por que não é. Eu não simplesmente desliguei da minha memória todas as coisas que a Julia fez, elas continuam muito presentes, tanto que eu e ela ainda estamos aprendendo a lidar com tudo isso.
— Dói? — Marcos perguntou, só para ter certeza daquilo que via dentro dos olhos de Manu.
— Mais do que eu gostaria de admitir. — Manu falou com um sorriso resignado enquanto uma lágrima escorreu pelo seu rosto.
Marcos caminhou em direção a irmã e a abraçou.
— Me desculpa. — ele falou sem afrouxar o contato.
— Por se preocupar? Por me amar? Por querer cuidar de mim? — Manu perguntou se afastando o suficiente apenas para ver o rosto do irmão, sem sair do abraço.
— Por tornar as coisas mais difíceis. — ele admitiu.
— Ei, essa é a principal função dos irmãos, esqueceu? Dificultar a vida. — Manu brincou.
Os dois voltaram a estreitar o abraço e Manu se sentiu grata por finalmente conseguir fazer o irmão entender como as coisas eram. Além do fato daquela conversa ter servido para esclarecer muitas coisas para a própria Manu, detalhes que ela ainda não tinha sido capaz de assimilar até aquele momento, mas que já estavam se resolvendo dentro dela.
**
— Você precisa entender, meu amor, que as coisas não são assim tão simples quanto parecem. — Helena falou para o marido enquanto o ajudava a colocar o terno.
— O que eu não entendo é como você e o Mateus deixaram as coisas chegarem a esse ponto. — o homem falou sério.
— Não havia como proibir a Julia de voltar ao Brasil, se houvesse uma forma nós teríamos feito alguma coisa.
— De uma forma ou de outra, agora vocês dois têm que lidar com essa situação. A Julia precisa revogar esse divórcio por bem ou por mal. — ele não apenas falou, Helena sabia que aquilo era uma ordem.
Wladimir Campana não era um homem de pedir, ele exigia. A esposa sabia que aquela situação com a filha era um problema com o qual o marido não queria se envolver, Wladimir acreditava que a mulher tinha obrigação de resolver aquela questão. Era função dela lidar com a filha, sempre tinha sido dessa maneira e ele achava um absurdo se ver obrigado a cuidar dos caprichos da filha naquela altura do campeonato. Julia não era mais uma menina e ele jamais aceitaria que por um capricho ela manchasse o nome da família Campana, já bastava a sua associação ao sobrinho que ele considerava um caso perdido.
— Seja razoável, meu bem. Eu conheço a nossa filha, uma intervenção bruta não servirá para que a gente consiga o nosso objetivo, só vai fazer ela ter mais vontade de nos contrariar. — Helena explicou.
— Eu não me importo em como você vai resolver esse problema, Helena. Eu só me recuso a deixar que as coisas continuem seguindo o rumo que elas estão seguindo agora. Talvez seja uma boa ideia eu ir falar com a Julia pessoalmente. — Wladimir argumentou.
— Eu não vou te impedir de falar com a sua filha se você acha que deve, mas eu sei muito bem o que eu estou fazendo. Eu já lidei com a Julia uma vez, não vai ser diferente agora. — Helena falou com convicção.
— O Mateus virá mesmo ao Brasil? — o homem mudou o rumo da conversa.
— O mais breve possível.
— Ótimo. Então por hora eu vou esperar mais um pouco antes de procurar a Julia. Eu preciso ir, tenho uma reunião importante agora de manhã. Nos vemos mais tarde, querida. — ele falou dando um beijo na esposa antes de sair.
— Até logo. — Helena disse enquanto o marido deixava a casa. A mulher sabia que dessa vez seria muito mais complicado que no passado, mas tinha plena certeza que podia convencer a filha do absurdo que era ela desfazer um casamento de sucesso para poder ficar com uma antiga paixão da juventude.
Tentando pensar de maneira prática e objetiva, Helena tinha tratado de fazer com que a vinda do genro ao país se tornasse realidade. Ela sabia muito bem que Julia não era imune às coisas que os dois tinham vivido juntos e que aquele fato poderia minar qualquer tipo de aproximação que a filha estivesse tendo com aquela publicitária. A matemática era simples e a mulher sabia disso, assim que Mateus estivesse no Brasil e as chances de a filha ter a antiga namoradinha de volta estivessem exterminadas, restabelecer o casamento dos dois seria um detalhe simples de lidar.
**
Julia havia chegado em casa um pouco mais cedo do que o normal naquela terça-feira, a arquiteta tinha passado praticamente a tarde toda cuidando dos detalhes de um projeto fora do escritório e quando terminou resolveu ir direto para casa. Tinha praticamente dois dias que ela não via Manuela, as duas tinham combinado de jantar juntas no domingo, mas um atraso no voo em que a família da publicitária voltaria para Belo Horizonte, acabou cancelando os planos das duas. Como Manu estava cuidando das coisas do escritório sozinha, enquanto Will estava em lua de mel, Julia também não tinha conseguido ver a morena na segunda-feira. Durante a tarde as duas tinham se falado pelo telefone e Manu disse que teria que ficar até mais tarde na iDraw para resolver algumas coisas, mas a morena garantiu que passaria no apartamento de Julia assim que saísse de lá. Por isso, quando a campainha tocou, a ruiva sorriu achando que era Manuela.
— Desculpa vir sem avisar, Julia. Como você está? — Silvia falou cumprimentando a sobrinha ainda na porta.
— Tudo bem, tia. Entra, por favor. — Julia falou dando passagem para Silvia, fechando a porta logo em seguida — Senta. Aceita alguma coisa pra beber? — a arquiteta falou educadamente.
— Não, querida. Eu quero mesmo é conversar com você. — Silvia falou se sentando no sofá.
Julia se sentou ao lado da tia, sem ter a mínima ideia do assunto que Silvia poderia querer tratar com ela. A advogada estava bastante preocupada com a sobrinha, o casamento dos meninos tinha deixado as coisas esquecidas por um tempo, mas Silvia tinha total convicção que os problemas estavam se aproximando e era só uma questão de tempo até eles atropelarem Julia.
— Então, qual é o motivo dessa urgência em conversar? — Julia perguntou tranquilamente.
— Sua mãe me ligou outra vez. — Silvia foi direta.
— Ela o quê? — Julia perguntou surpresa.
— Dessa vez ela não tinha muitas perguntas sobre você, ela estava mais interessada em saber sobre a Manu. — Silvia continuou.
Julia não disse nada, era inacreditável que a mãe fizesse esse tipo de coisa. Helena agia como se Julia não fosse tomar consciência dessas investidas, pior, a mãe da ruiva ainda tinha a ideia irritante de ter algum poder sobre as decisões da filha. Julia estava possessa, ela sabia que precisava dar um basta naquela situação e para isso, aparentemente, ela teria que ir falar pessoalmente com a mãe.
— Ela queria saber o quê? — Julia questionou.
— Em resumo ela queria saber se eu sabia como encontrar a Manu.
— Pra quê? — Julia perguntou temendo ainda mais as intenções da mãe.
— Eu não faço a mínima ideia, mas certamente não é pra uma visita de cortesia. Seja lá quais forem as intenções da sua mãe, eu sugiro que você tenha o cuidado de não deixar ela se colocar entre você e a Manu. — Silvia continuou olhando o rosto da sobrinha — Não deixa as coisas se repetirem como foi no passado, Julia. A Manuela tem direito de saber de tudo e você precisa entender que o melhor jeito de vocês se acertarem é estando realmente juntas.
Julia apenas concordou com a tia, Silvia não sabia o quanto aquelas palavras a afetavam. Ela queria tanto contar tudo para Manu, mesmo as coisas que Silvia sequer imaginava que existiam, mas era tão difícil. A ruiva não teve tempo de responder a tia, a campainha tocou e elas foram interrompidas. Quando a arquiteta abriu a porta, Manu estava parada com aquele sorriso que fazia Julia se esquecer do resto do mundo e só prestar atenção nela.
— Oi. — Manuela falou e se aproximou para beijar Julia.
— Oi. A tia Silvia tá aqui. — Julia explicou antes que Manu terminasse o movimento pretendido.
Manuela parou surpresa com aquela informação, mas ainda assim beijou o rosto de Julia e com um aceno de cabeça demonstrou que estava tudo bem. A ruiva deixou que Manu entrasse no apartamento e fechou a porta logo em seguida.
— Oi, Silvia. — Manu falou educadamente entrando na sala.
— Manu, querida. — Silvia falou surpresa pela chegada da amiga e se levantou para cumprimentá-la.
— Tudo bem? — Manu falou depois de abraçar a advogada.
— Tudo ótimo! E você? Muito trabalho no escritório com a ausência do Will? — Silvia falou voltando a se sentar, com Manu ao seu lado e Julia se sentou de frente para as duas, aguardando educadamente enquanto elas se cumprimentavam.
— Nada que eu não possa lidar e que meu querido sócio não vá me compensar com uma bela folga quando voltar da lua de mel. — a publicitária respondeu com um sorriso.
— Eu não tenho dúvida disso. — Silvia também sorriu.
— Eles deram notícias de como foi a viagem, tia? — Julia perguntou.
— O Pedro mandou uma mensagem falando que correu tudo bem e que me ligaria se qualquer coisa acontecesse. — Silvia respondeu.
— Bom, eu espero que eles aproveitem muito bem essa lua de mel, eles merecem. — Manu comentou.
— Verdade. Hoje é o terceiro dia que eles estão lá, né? Quantos dias eles vão ficar mesmo? — Julia questionou.
— Eles vão ficar dez dias, ou seja, mais uma semana e eles voltam. — Silvia explicou e depois se levantou — Muito bem, eu já vou indo. Não quero atrapalhar a noite de vocês.
— Imagina, tia. Você não atrapalha, porque não fica pra jantar com a gente? Você praticamente acabou de chegar. — Julia falou também ficando de pé.
— De forma alguma, eu tenho uns processos pra revisar hoje ainda. Eu só vim até aqui porque a sua secretária me disse que você já estava em casa. É melhor eu ir andando. — Silvia falou já pegando a bolsa — Vê se não some. — ela disse olhando para Manuela.
— Eu vou tentar, você sabe que eu sempre tento. — Manu falou com um sorriso.
— Eu sei é que você já desaparecia, depois que se juntou com essa daqui, são dois casos perdidos. — Silvia falou apontando para a sobrinha.
As duas mulheres riram e não souberam como responder. Silvia riu das duas e ficou feliz de vê-las juntas, aparentemente se acertando. A advogada tinha certeza que se a sobrinha fizesse as coisas diferentes dessa vez, tudo daria certo. Era só uma questão de tempo até as coisas do passado serem devidamente superadas e as duas finalmente se dedicarem ao futuro daquele relacionamento que fazia tão bem a elas.
— Se cuidem, sim? — Silvia falou beijando o rosto de Manu.
— Pode deixar. — a morena respondeu.
— E você trate de pensar naquilo que nós conversamos, tudo bem? — a advogada falou enquanto Julia acompanhava ela até a porta.
— Fica tranquila, titia. Eu vou resolver o problema com a minha mãe. — Julia tranquilizou a tia antes de se despedir.
Quando Julia retornou, Manu estava de pé, escorada no braço do sofá, esperando por ela. A ruiva se aproximou e foi recebida por um par de mãos que a seguraram pela cintura, juntando os dois corpos. Julia passou os braços ao redor do pescoço de Manuela e sorriu pelo simples fato de poder estar nos braços dela.
— Oi. — Manu falou olhando Julia nos olhos.
— Oi. — Julia falou retribuindo.
As duas sorriram. Os lábios se aproximaram sem pressa, mas saudosos um do outro. Julia colocou a mão na nuca de Manu e aprofundou o beijo, fazendo a morena estremecer com o contato íntimo das línguas. As mãos de Manuela começaram a passear sugestivamente pelas costas de Julia e as duas esqueceram o resto do mundo. Desde a primeira noite em que ficaram juntas, depois do retorno de Julia ao Brasil, aquilo estava se tornando um hábito. Esquecer qualquer outra coisa que não fosse aquele momento em que estavam juntas. Era como se sempre fosse a última vez, a única chance de se entregarem ao que sentiam e pensar nas consequências era abrir uma brecha para um afastamento inevitável.
Se as duas não estivessem tão envolvidas no êxtase de se entregarem uma à outra, se elas não estivessem cegas pelo medo de não haver outra possibilidade de estarem juntas outra vez, talvez enxergassem que a verdadeira entrega seria muito mais plena. Mas a urgência do amor não deixa espaços para racionalidades, a emergência de saciar o desejo de pertencer supera todos os avisos de cuidado que surgem pelo caminho e era isso que acometia Julia e Manu quando elas estavam juntas. Um acordo tácito de aproveitar cada segundo como se não pudesse existir um amanhã, as duas estavam, de certa forma, se iludindo conscientemente. A questão era saber até que ponto essa ilusão seria o suficiente para preencher os anseios que as duas carregavam dentro de si.
Fim do capítulo
Oi, lindas da minha vida! De volta ao presente, começando a surgir umas nuvens de chuva aí no nosso horizonte... o que será que nos aguarda?
Acho que não vai demorar muito pra gente chegar até o ponto em que eu postei da primeira vez, mas confesso que eu não lembro o capítulo exato e aí vai ser tudo inédito. Sempre importante agradecer por todas as leituras e quem tem seguido bravamente comigo aqui nessa jornada, vocês fazem a minha vida mais feliz.
Beijo pra todas, bom fim de semana e bebam muuuuiiiittaaaaa água pq hidratar é bom pra tudo! ♥
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LeticiaFed
Em: 19/07/2024
O que Manu tem de fofa e querida a poderosa Julia (lembrei do meu apelido, gostei da bandida hahaha) tem de enrolada. Mas que dificuldade em abrir TUDO de uma vez, tem que ter medo é dos pais - o que o pai dela faz mesmo? parece mafioso...- e do encosto londrino, não da Manu. Lá vem a mocreia da mãe inventar coisa, seja menos bobinha desta vez, por favor Julia.
Até da para entender um pouquinho o receio, muita mágoa do passado etc mas esse carpe diem delas não vai dar certo a longo prazo. E dona Liz vai tocando horror nas meninas sem dó nem piedade, né? Vamos ver o que vem agora...
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Brescia
Em: 19/07/2024
Boa noite autora.
A Manu é um livro aberto, mesmo que se esconda atrás do seu escudo, é meiga , sincera e muito altruísta, acho que a Júlia está novamente cometendo o erro mais grave que é a falta de sinceridade, de confiança, de simbiose com a Manu. A cama não é tudo, só isso não demonstra o seu amor, vai cair de novo na armadilha da sua mãe, mesmo sendo avisada diversas vezes. É tão difícil para ela compreender que para ser um casal tem que ter sinceridade, companheirismo e saber que segredos podem ser mais dolorosos quando não ditos.
patty-321
Em: 19/07/2024
Exato
Brescia
Em: 21/07/2024
Obrigada.
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