Capítulo 8
Marisa perdeu as contas de quantas vezes olhou o relógio. Tinha marcado com Laila às dezesseis horas. Vinte minutos já haviam se passado e ela não tinha chegado. Checou o celular mais uma vez, mas também não havia nenhuma mensagem. Ansiosa demais para fazer qualquer outra coisa que não fosse esperar, se pôs de pé ao lado do interfone. Quando o aparelho — enfim — tocou, o atendeu no mesmo segundo. Autorizou a entrada de Laila no condomínio e ficou na porta esperando. Não conseguiu conter o sorriso quando ela se justificou:
— Desculpe o atraso… Um cliente ligou quando eu estava saindo.
Marisa fechou a porta atrás delas:
— Eu que peço desculpas por te fazer vir até aqui.
Havia marcado com Laila dois dias antes, com o pretexto de ser um processo muito importante e querer conversar e resolver pessoalmente. Óbvio que não disse que marcou numa sexta-feira de propósito, pois Laila não precisaria se preocupar com o expediente do dia seguinte, muito menos que, naquela sexta em especial, Edgar estaria viajando. Não que se importasse com o que ele iria pensar, mas não queria que ela ficasse desconfortável com a presença dele.
— Quer beber alguma coisa?
Laila agradeceu sorrindo:
— Não, obrigada.
Marisa apontou o sofá e as duas se sentaram. Tinha esquecido completamente que estavam ali para trabalhar, pois essa não havia sido sua real intenção ao convidá-la, por isso demorou alguns instantes para perceber que Laila a olhava esperando sua iniciativa:
— Então…
Antes que Marisa respondesse, Caju entrou na sala com o rabo abanando e foi diretamente para Laila. A cheirou por alguns segundos antes de colocar as duas patas da frente no colo dela.
Marisa justificou tentando tirá-lo de cima de Laila:
— Esse é o Caju… Ele adora conhecer gente nova, mas é um pouco inconveniente.
Laila riu enquanto acariciava os pelos dele:
— Ele é muito simpático.
Quando finalmente Caju se deu por satisfeito e deitou aos pés de Laila, Marisa se levantou e pegou o notebook. O abriu e acessou o que precisava. Dessa vez, sentou bem ao lado de Laila, para que as duas pudessem ver a tela. Laila pegou uma caneta e um bloco de papel na bolsa e anotava pontos que achava importante.
Ficaram assim por mais de uma hora, concentradas no trabalho, até que o estômago de Marisa deu sinal de vida:
— Estou com fome…
Tentou ser o mais natural possível quando sugeriu:
— Que tal pedirmos alguma coisa?
Laila a olhou em silêncio por alguns segundos. Sabia que estava correndo um risco. Assim como sabia que aquela reunião de trabalho não havia sido marcada displicentemente por Marisa. Não era uma jovem inexperiente, sabia ler os sinais. Por mais que Marisa fosse sua chefe e tivesse pedido aquela reunião, poderia ter dado uma desculpa e marcado em outro momento.
Agora estava de novo em um momento de decisão. Sabia que pedir comida significaria ficar ali até mais tarde. Racionalmente deveria dizer que não queria comer nada e que já estava quase indo embora. Mas uma vontade irracional de ficar, de estender o tempo com Marisa, falou mais alto. Foi com o coração acelerado que respondeu:
— Tudo bem.
Correspondeu ao sorriso de Marisa quando ela perguntou:
— Pizza?
*****
A caixa de papelão estava praticamente vazia, a garrafa de vinho para baixo da metade e as duas largadas no sofá:
— Acho que exagerei.
Marisa riu quando respondeu:
— Você não comeu quase nada… Já eu, devorei a metade.
Laila endireitou o corpo e sentou no sofá:
— Já está tarde…
Marisa também se sentou direito:
— Vamos terminar o vinho.
A olhou sentindo-se completamente vulnerável. Sabia que não tinha mais tanta força para resistir:
— Você tem que descansar. Aliás, acho que nem era pra você ter trabalhado tanto.
Marisa sorriu para ela:
— Trabalhar assim nem é considerado trabalho…
Suspirou e desviou os olhos:
— De verdade, Marisa. Você tem que se cuidar.
Marisa colocou a mão sobre a perna dela:
— E o que seria melhor pra relaxar do que uma pizza, um vinho e… Boa companhia?
Ela estava sendo muito clara desta vez. Mas ao mesmo tempo em que queria corresponder, Laila não conseguia deixar de pensar em tudo o que aquilo implicava. Marisa era sua chefe. Marisa era casada. Estava dentro da casa dela e do marido. Foi esse último pensamento que a fez levantar do sofá:
— Eu realmente preciso ir.
Marisa levantou junto com ela:
— Espera…
Segurou delicadamente o braço de Laila:
— Fica mais um pouco.
A mão de Marisa subiu acariciando seu braço, até chegar em seu rosto.
Fechou os olhos, tentando controlar a respiração que instantaneamente se alterou.
— Laila...
Quando Marisa a chamou baixinho, os abriu devagar. Os olhares se encontraram e foi impossível não deixar que aquele sentimento a tomasse.
A despeito de todos os princípios que acreditava e aplicava na sua vida, de não concordar com traição e de achar que estava sendo uma pessoa horrível em estar com uma mulher casada, o que estava sentindo naquele momento foi muito mais forte.
Num movimento mútuo, as duas se aproximaram devagar. Quando os lábios se encontraram, o primeiro toque foi suave, se conhecendo, se provando... Até que o ritmo se acelerou, as línguas se procuraram, se saborearam… E foi exatamente essa urgência que trouxe Laila de volta para a realidade.
Com certa dificuldade, interrompeu o beijo e se afastou de Marisa:
— Eu vou embora.
Marisa quase se desesperou, segurou as mãos de Laila ao suplicar:
— Não, por favor… Me desculpa, eu me precipitei...
Quando Laila conseguiu voltar a olhá-la, disse:
— Eu que peço desculpas. Isso não poderia ter acontecido.
Marisa manteve as mãos dela nas suas:
— Laila… Eu desejei tanto por isso, tanto…
Sentindo o corpo enfraquecer novamente, protestou com a voz fraca:
— Você é casada, Marisa.
A necessidade de fazer Laila entender a realidade de sua vida era tão grande que ela quase gritou:
— Não! Meu casamento é uma fachada, não existe mais… Você sabe, você vê minha relação com Edgar.
Laila ficou alguns segundos em silêncio. Realmente sabia que o casamento deles não era um mar de rosas, mas ainda assim, eles eram casados:
— Eu não me sinto bem com isso… Dentro da casa de vocês…
Marisa se aproximou dela e passou os braços lentamente em volta da cintura de Laila. Aproveitando que ela não ofereceu nenhuma resistência, disse:
— Eu vou te explicar… Eu e Edgar não temos mais nada há muito tempo. Nós só dividimos a mesma casa. Ele tem a vida dele e eu tenho a minha. E nós dois estamos de acordo com isso.
Até tentou, mas não conseguiu reprimir a pergunta que veio e saiu pela sua boca:
— E por que você ainda é casada com ele então?
Aquilo fez com que Marisa a soltasse e se afastasse. Percebeu que havia tocado em um ponto sensível. Se arrependeu, pois não tinha o direito de fazer uma pergunta como aquela.
— É complicado.
A resposta de Marisa foi curta, mas Laila sentiu todo o peso que trazia, por isso disse:
— Me desculpa, você não tem que me explicar nada.
Um pequeno sorriso triste surgiu no rosto de Marisa:
— Eu realmente queria poder te responder essa pergunta, mas… São tantas camadas…
Foi Laila quem retomou o contato, pegando a mão direita dela:
— Tudo bem… Eu entendo.
Aproveitando a reaproximação, Marisa voltou a olhá-la nos olhos:
— Eu até tentei resistir… Eu tinha todos os motivos para não me apaixonar por você, mas não consegui…
Laila estava inteiramente ciente de que aquele foi o momento em que todas as suas defesas desabaram. Já não tinha mais como voltar atrás.
Marisa encostou a testa na dela, fazendo a respiração das duas se alterar:
— Eu estou completamente apaixonada por você.
Usando toda sua força, Laila beijou levemente os lábios de Marisa antes de dizer firmemente:
— Não quero fazer nada que possa me arrepender depois… Assim como você.
Se desvencilhou de Marisa e pegou sua bolsa:
— É melhor eu ir agora.
*****
O fim de semana inteiro se passou com mensagens de Marisa que Laila não respondeu. Estava completamente perdida, confusa, sem saber o que fazer. Não iria se enganar achando que conseguiria resistir convivendo ao lado de Marisa todos os dias. Jamais saberia dizer como teve forças para deixar a casa dela naquela noite. Também não atendeu nem retornou nenhuma das várias ligações dela. Não saberia o que dizer. Uma tempestade de sentimentos formada dentro dela: de um lado o peso de tudo que significava se render àquele sentimento por uma pessoa que não estava completamente disponível e, do outro, a força inesperada daquela paixão que veio sem que ela pudesse ao menos prever.
No domingo à noite tomou a decisão de que pediria demissão do escritório… Apenas para alguns minutos depois estar firme na ideia de continuar trabalhando lá, pois não adiantaria fugir do problema. E assim se passaram horas, com ela tomando decisões definitivas que mudavam em questão de instantes. Na hora de dormir, já havia desistido de saber o que faria quando o dia amanhecesse. Resolveu esperar e ver como o dia se desenrolaria, por mais que essa opção não lhe agradasse muito.
Se atrasou propositalmente, pois queria ganhar tempo antes de encontrar Marisa. O espanto de Sônia ficou evidente quando ela perguntou, assim que Laila se aproximou:
— Doutora Laila, tudo bem? Já ia tentar ligar para a senhora.
Respondeu gentilmente, parando em frente à porta da sala:
— Tudo bem, Sônia… Tive apenas um imprevisto.
Assim que a secretária assentiu, Laila virou para a porta, colocou a mão na maçaneta e respirou fundo. Quando entrou, automaticamente Marisa se levantou da própria mesa:
— Laila…
Marisa caminhou até ela, enquanto Laila fechava a porta.
— Fiquei preocupada, aconteceu alguma coisa?
Não a encarou diretamente quando respondeu:
— Não, tudo bem.
Marisa continuou de pé, observando, enquanto Laila caminhava até à mesa, depositava a bolsa na cadeira ao lado e se sentava. Ainda estática, ponderou se deveria falar sobre o que tinha acontecido em sua casa ou se Laila acharia um lugar inadequado para aquela conversa. Sequer sabia se ela queria falar sobre o assunto, levando em conta que não respondeu nenhuma de suas tentativas de contato. Mas a ansiedade e o nervosismo não a deixaram evitar:
— Você não me atendeu…
Depois de alguns segundos ainda olhando para a tela, Laila finalmente a olhou:
— Eu precisava de um tempo.
Marisa apenas meneou a cabeça em sinal de concordância.
— Desculpa, Marisa, mas é que… Essa situação toda é novidade pra mim. Eu não sei bem o que pensar.
Aproveitando que ela começou aquela conversa, Marisa disse:
— Eu sei… E te entendo. Mas tudo o que eu disse naquele dia é verdade. Eu estou completamente apaixonada por você.
Fechando os olhos por alguns segundos, Laila reprimiu a vontade de jogar tudo para o alto: valores, princípios, amor próprio, e embarcar naquela loucura com Marisa, mas seu lado racional ainda piscava uma luz vermelha de alerta:
— Você sabe que eu também tenho sentimentos por você, mas…
Marisa a interrompeu, sorrindo:
— Ótimo! É só isso que eu preciso saber por agora.
Voltou até a sua mesa e se sentou:
— Leve o tempo que você precisar… Eu vou estar te esperando.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
HelOliveira
Em: 13/07/2024
Gente como a Marisa está determinada, só quero ver quando chegar a hora de assumir a relação, pq Laila não vai aceitar ficar escondida.
Esta melhor a cada capítulo, obrigada autora
[Faça o login para poder comentar]
Marta Andrade dos Santos
Em: 12/07/2024
Pronto o problema está resolvido ambas se gostam é só correr para o abraço...
AlphaCancri
Em: 14/07/2024
Autora da história
Será que elas vão conseguir simplificar assim? rs
[Faça o login para poder comentar]
cris05
Em: 12/07/2024
O problema do capítulo é que ele acaba rsrs.
Essa história é sensacional, autora!
AlphaCancri
Em: 14/07/2024
Autora da história
Fico muito feliz que esteja gostando, obrigada por acompanhar!
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
AlphaCancri Em: 14/07/2024 Autora da história
Fico muito feliz que esteja gostando! Obrigada!
Pois é, será que Marisa vai sustentar essa determinação toda?