Capítulo 5
Marisa deslizava o dedo pela tela do celular enquanto fotos e nomes de mulheres apareciam. Olhava cada uma delas e o pensamento era o mesmo:
“Não.”
Cansada de procurar por alguém que a interessasse, bloqueou a tela do celular e o largou na cama, ao seu lado. Bufou, ciente de que o problema estava nela própria e não nas outras. Há dias tentava encontrar alguém que lhe despertasse interesse ao menos para um encontro. Mas não conseguia passar de algumas conversas virtuais. Parecia que ninguém a encantava como…
Parou o pensamento pela metade, se recriminando em voz alta:
— Não, não e não… Nem ouse…
Mas já era tarde demais. A imagem de Laila surgiu perversamente em seu pensamento. Não queria admitir para si mesma que estava pensando demais na colega de trabalho. Por isso precisava muito sair com alguma mulher, se envolver com alguém, e acabar com aquele fascínio que criou desde que soube que Laila era lésbica.
Levantou-se da cama, abriu as cortinas e olhou para o dia que se iniciava. Tomou um banho rápido e se vestiu. Colocou os fones de ouvido e saiu tentando ocupar os pensamentos com outras coisas. Na porta do prédio se alongou e minutos depois começou a corrida que gostava de fazer aos sábados. Mais tarde, depois de já ter chegado em casa, tomado banho e se alimentado, pegou novamente o celular e viu uma mensagem que a fez encarar a tela por alguns segundos, apenas pensando se deveria ou não responder.
Uma hora mais tarde, quando estacionou o carro em frente ao prédio, riu de si mesma por estar nervosa como se aquela fosse a primeira vez. Digitou a mensagem no celular e a resposta foi imediata. Alguns minutos depois a mulher apareceu perto do carro e ela abaixou o vidro.
— Marisa?
Sorriu de volta e destrancou as portas para que ela entrasse. Durante o trajeto até o motel conversaram pouco, apenas amenidades. Entraram no quarto e Marisa achou ótimas tanto a praticidade quanto a objetividade dela, sem fazer rodeios, tentar estabelecer algum diálogo ou coisa do tipo. A moça avançou sobre Marisa a devorando, mostrando que a mensagem que tinha enviado mais cedo era totalmente verdade:
“Só quero um sex* causal, sem joguinhos ou enrolação.”
Marisa mal se deu conta de que já estava na cama, com a mulher por cima dela, as duas praticamente nuas. Se entregou àquele momento, mergulhou no corpo da desconhecida e se deixou ser invadida de uma forma deliciosa.
*****
Laila sentou no sofá e ligou a TV, procurando alguma coisa para se distrair e relaxar. Já havia limpado todo o apartamento, como era seu costume nos fins de semana, cozinhou o próprio almoço, tomou banho e cuidou das plantas. Deu play em alguma coisa que achou interessante, mas começou a sentir os olhos pesarem depois de alguns minutos. Acordou algumas horas depois, deitada desajeitadamente no sofá, com o celular tocando. Aceitou o convite dos amigos para sair e às nove da noite, em ponto, estava pronta. Mas apenas ela, como sempre. Esperou e esperou, verificou a hora várias vezes, cogitou desistir e colocar os pijamas, até que a mensagem enfim chegou:
“Saindo de casa.”
Pegou a chave do carro, desceu até a garagem e dirigiu até o barzinho que estava acostumada a frequentar com os amigos:
— Eu juro que da próxima vez desisto de vir.
Tales olhou para ela e fez uma careta:
— Ai, Laila, você tá parecendo uma velha…
Olhou para o amigo e respondeu naturalmente:
— Só pra te lembrar que nós não temos mais vinte aninhos.
Bárbara entrou na conversa, assim que veio do banheiro e se sentou:
— Mas também não temos oitenta, pelo amor de Deus!
Riram juntos antes de Laila falar, como se refletisse:
— Eu sei… Mas é que não tenho mais a mesma disposição. Chega uma hora que só consigo desejar minha casa e minha cama.
Tales a cutucou com o cotovelo, disfarçadamente, antes de dizer:
— Mas na sua casa você não vai achar um pedaço de mau caminho como aquele ali…
Laila olhou na direção em que o amigo olhava e sorriu ao ver um homem que considerava bem dentro dos padrões de beleza impostos atualmente:
— Não mesmo… Jamais!
Riram de novo, enquanto os amigos não desgrudavam os olhos do homem.
Chegou em casa pouco depois da meia-noite, deixando os dois ainda no bar. Só não voltou mais cedo porque eles a impediram. Tirou os sapatos e sentou no sofá. Não que a saída com eles tivesse sido ruim, mas nem sempre estava a fim de estender a noite. Várias vezes havia escutado que não encontraria ninguém se ficasse presa dentro de casa, mas a resposta era e continuava a mesma:
“Não estou procurando alguém.”
Não que estivesse fechada para um relacionamento, mas estava em um momento da vida que isso não era uma preocupação. Se encontrasse alguém, ótimo. Se não encontrasse, ótimo também. A vida não podia se resumir a uma relação romântica, como se todo o resto não fosse tão importante quanto.
Foi até o banheiro, limpou o rosto, escovou os dentes, colocou os pijamas, deitou na cama e não demorou a pegar num sono profundo e tranquilo.
*****
Marisa chegou mais tarde do que pretendia. Havia passado o dia praticamente inteiro naquele motel. Como já havia comido e tomado banho antes de ir para casa, foi escovar os dentes e parou em frente ao espelho. Ficou alguns segundos encarando a própria imagem. O dia tinha sido ótimo, a parceira não poderia ter sido mais perfeita. Não só na cama, mas na praticidade quando terminaram. Nenhuma pergunta, nenhuma cobrança, nenhuma promessa de repetição. Tudo que Marisa queria. Mas por que se sentia tão… Vazia? Incompleta? Não soube definir o sentimento que a preenchia naquele momento. Aquele era o tipo de relação que procurava, deveria estar feliz e satisfeita, mas alguma coisa dentro dela não a deixava em paz.
Balançou a cabeça, pegou a escova e a pasta de dente, e quando terminou, foi direto para a cama. Demorou algumas horas para, enfim, entrar num sono leve e agitado.
*****
Os dias que se seguiram no escritório foram tranquilos. Depois da conversa que tiveram, parecia que o clima estava mais ameno entre as duas. Laila voltou a almoçar na sala e assim conversavam com mais leveza sobre diversos assuntos que não eram do trabalho, mas não voltaram a falar sobre relacionamentos.
Estavam almoçando sentadas no sofá, uma de frente para a outra, Marisa rindo de algo que Laila havia dito, quando a porta se abriu. Laila percebeu que a expressão de Marisa mudou na mesma hora, o sorriso morreu e ela ficou séria.
— Desculpem, não sabia que estavam almoçando. Volto mais tarde…
Marisa rapidamente se pôs de pé:
— Não, tudo bem… Já estávamos terminando.
Laila concordou com a cabeça e também se levantou.
Doutor Adriano deixou um envelope em cima da mesa de Marisa e disse:
— Teremos um congresso no fim de semana e gostaria que vocês duas representassem o escritório. Tudo bem?
Marisa respondeu na mesma hora:
— Claro.
Olhou para Laila que não havia dito nada e só então ponderou que talvez ela tivesse planos, como uma pessoa normal, e não como Marisa que vivia para o trabalho e não tinha vínculos pessoais para administrar.
Percebendo que os dois a olhavam, Laila respondeu sem muita segurança, pois foi pega de surpresa:
— Tudo bem…
O chefe pediu, não parecendo realmente estar preocupado, mas apenas para ser educado:
— Desculpem avisar em cima da hora… Mas o advogado que iria, não vai conseguir.
As duas concordaram sem dizer nada e ele finalizou, apontando para o envelope na mesa de Marisa, antes de sair:
— As passagens estão compradas e o hotel está reservado.
Assim que a porta se fechou, Marisa virou-se para Laila:
— Eu posso resolver isso, se você não puder ir.
Laila pensou um pouco antes de recusar a ajuda dela:
— Não, pra mim está tudo bem.
Não pareceu convencer Marisa, pois ela perguntou:
— Mesmo? Se já tiver algum compromisso, não tem problema… Meu pai é assim, acha que todos estão sempre disponíveis…
Laila sorriu e a tranquilizou:
— Mesmo. Não tinha nada marcado.
Três dias depois, na sexta-feira, encontraram-se no aeroporto. Os assentos eram lado a lado, e como a viagem durava apenas uma hora, nenhuma das duas dormiu. Conversaram durante todo o trajeto, sobre o trabalho e sobre outras coisas. Quando Marisa precisou ir ao banheiro, Laila sorriu sozinha ao pensar que há algumas semanas quase odiava a colega de trabalho e agora estavam se dando muito bem. A primeira impressão que teve de Marisa foi de uma pessoa fechada, que vivia para o trabalho e não fazia questão de criar vínculos com ninguém, pois ela sempre almoçava sozinha, não saía com os colegas, não era vista na área comum tomando um café, nem nada do tipo. Mas depois de conhecê-la melhor, descobriu que ela não era essa pessoa que os próprios colegas de escritório descreviam. Marisa era uma mulher divertida, tinha um senso de humor bem parecido com o de Laila e quando as duas começavam a conversar tinham assunto para preencher as horas de uma viagem para outro continente.
Assim que chegaram, Marisa pediu um carro no aplicativo que as levou até o hotel. Subiram juntas apenas para deixarem as malas nos quartos, que ficavam no mesmo corredor. Depois pegaram um carro até o local do congresso onde já aconteceria a primeira palestra. Como aquela era a única atividade do dia, terminou cedo. Saíram da sala e Laila parou em frente ao mural do evento:
— Vem, vamos tirar um foto.
Marisa negou prontamente, enquanto pedia o celular dela:
— Me dá aqui, deixa que eu tiro.
Laila a olhou com a testa franzida:
— Uma foto de nós duas, vem…
Não deu escolha a Marisa ao puxá-la pelo braço e se posicionar ao lado dela. Depois que a foto foi tirada pela câmera frontal, Laila digitou alguma coisa na tela e perguntou:
— Qual é o seu arroba?
Marisa a olhou confusa:
— O que?
— O seu arroba… Seu nome na rede social.
Marisa respondeu já voltando a andar:
— Não tenho rede social.
Laila ficou parada por alguns segundos a olhando se afastar. Perguntou quando chegou ao lado dela:
— Nenhuma?
— Nenhuma.
Riu e perguntou novamente:
— Qual é o seu segredo?
Marisa estancou e a olhou:
— Que segredo, Laila?
— Quem não tem rede social hoje em dia… É porque esconde alguma coisa...
Riu e se arrependeu no mesmo momento, pois percebeu pela cara de Marisa que ela não havia gostado da brincadeira.
— Eu não tenho segredo. Só não vejo fundamento em ficar mostrando minha vida para as pessoas, até pra desconhecidos… Ou melhor, ficar mostrando uma falsa realidade, porque ninguém mostra a vida como ela é, só uma vida perfeita que não é real.
Marisa continuou andando e percebeu que Laila havia ficado para trás. Sabia que não precisava ter falado daquela maneira e que a irritação era consigo mesma, pois Laila havia tocado bem na ferida.
Assim que a alcançou, Laila apenas disse:
— Desculpa.
Marisa olhou para trás e viu nos olhos dela o quanto estava arrependida. Aquilo a desarmou por completo:
— Não, me desculpa você… Eu sei que foi só uma brincadeira.
Voltaram para o hotel em um silêncio que incomodou bastante, levando em conta que não haviam parado de conversar desde que se encontraram no aeroporto. Subiram para os quartos e cada uma fechou sua porta.
Laila foi direto para o banho. Enquanto lavava o cabelo, ficou tentando imaginar por que aquela brincadeira tinha deixado Marisa tão irritada. Terminou o banho e estava com a toalha enrolada na cabeça quando bateram na porta.
— Posso te oferecer um drink pra me desculpar?
Completamente pega de surpresa, Laila sorriu para ela, antes de dizer:
— Se você esperar eu me arrumar…
Marisa entrou no quarto e se sentou na poltrona. Ficou observando Laila tirar a toalha da cabeça, pentear o cabelo e depois o secar. Estava completamente hipnotizada por cada gesto dela, os acompanhou como quem assiste a uma obra de arte sendo esculpida. O cheiro que vinha dela a inebriou e fez com que deixasse as barreiras que construiu durante anos finalmente caíssem. Se permitiu olhar para Laila não como sua colega de trabalho, mas como uma mulher que estava conhecendo aos poucos. Quando ela se virou e disse:
— Estou pronta.
Marisa sorriu e se levantou, dizendo:
— Vamos?
Reprimindo com toda sua força a vontade irresistível que surgiu de dizer:
“Você está maravilhosa.”
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 04/07/2024
Segura Marisa daí pra pior.
AlphaCancri
Em: 05/07/2024
Autora da história
Acho que não tem mais volta, né?
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HelOliveira
Em: 02/07/2024
Como Laila ainda não percebeu que a Marisa tá caidinha por ela.....
Já quero mais dessas duas
AlphaCancri
Em: 03/07/2024
Autora da história
Marisa mal consegue disfarçar hahah
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AlphaCancri Em: 23/08/2024 Autora da história
Que bom que está gostando, fico muito feliz! Obrigada pelos comentários!