Alice não estava exagerando quando dissera que daria prioridade a casa de seus pais e terminou a obra em exatos oito dias. As duas haviam chegado a um acordo e Bruna e Sabrina pagaram o material necessário. Alice manteve-se irredutível quanto a mão de obra e nem sequer fez um orçamento, alegando que o material já era muito caro. E realmente era, mas elas conseguiram parcelar no cartão da Sabrina e não ficou tão pesado quanto Bruna temia. Ela ainda tinha dificuldades com Alice bancando a obra, apesar de ter apreciado o gesto. Não pela questão financeira e sim por Alice se dispor a cuidar dela de uma forma tão intensa.

Ela mudou todos seus compromissos no dia da tempestade e deixou as crianças com a sogra para dar atenção exclusiva à Bruna quando saíram da casa de seus pais depois da retirada do galho. As duas passaram horas na banheira. Alice deixou que Bruna falasse quando precisava ou ficasse em silêncio quando quisesse.

Por conta do trabalho, Bruna não conseguia estar presente todo dia com seus pais, por isso Alice enviava atualizações diárias sobre a obra e tudo que estava acontecendo. Mesmo que Alice também não fosse lá todo dia, ela sabia em detalhes tudo que estava sendo feito. Nos últimos dois dias ela fez questão de estar presente durante todo o tempo e até almoçou com seus pais e sua avó. Bruna não sabia direito o que pensar. Enquanto ela trabalhava, Alice almoçava na casa em que havia crescido com sua família. Eles pareciam gostar dela e toda a situação era no mínimo estranha, mas fazia Bruna imaginar se eles gostariam ainda de Alice se soubessem que estavam juntas e que Bruna era professora de seu filho. Eles achariam que eram um bom casal?

Toda essa situação fez Bruna perceber que ela queria muito que sim. Ela queria muito que Alice se encaixasse em seu mundo e tudo estava tão bem apesar da tremenda colisão, que o seu medo daquele relacionamento havia diminuído. Ainda haviam muitos receios e elas eram muito diferentes, mas estava na hora de admitir que ela queria mais com Alice. O que tinham estava parecendo cada vez menos suficiente. Será que um futuro seria possível? Bruna não tinha como prever, mas ela esperava que fosse e queria descobrir. Finalmente ela admitiu para si mesma que havia chegado em um caminho de não retorno. Era hora de atualizar seu currículo.

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Era aniversário de Bruna e apesar de ser em um sábado de um fim de semana em que Alice estava com os meninos, Gustavo aceitou passar o dia com eles sem problemas, animado para passar o dia na praia com Gael enquanto Enzo ficava com a avó.

Ela sabia que Bruna tinha planos para aquela noite. Ela e a prima sairiam com amigos para algum bar de pessoas jovens, mas Alice não queria deixar de vê-la naquele dia. Além do mais, ela estava ansiosa para lhe entregar seu presente.

Ela conseguiu esperar até perto da hora do almoço para ir à casa de Bruna, dando tempo para ela dormir bastante como Alice sabia que ela adorava fazer aos sábados.

Ela queria surpreender Bruna e quem sabe levá-la para almoçar. Elas nunca haviam saído juntas em público e Alice achava que já havia passado da hora de dar esse passo. Bruna parecia cada vez menos na defensiva quando se tratava do relacionamento delas e Alice estava muito feliz, pensando em possibilidades para o futuro.

Quando tocou a campainha, ao invés de Bruna, foi recebida no portão por Sabrina que olhou para ela com um sorriso divertido ao ver o grande buquê de flores em suas mãos. Girassóis, os preferidos de Bruna.

– Oi – ela falou sem graça – Bruna está?

– Sim, ela está lá dentro com nossos pais, quer entrar?

Alice hesitou por alguns segundos.

– Acho que é melhor eu esperar aqui.

Ela não sabia se Bruna gostaria que seus pais a vissem ali.

– Vou chamar – Sabrina falou parecendo compreender o seu receio.

Ela encostou o portão e Alice conseguiu ouvir a voz de Bruna, como se tivesse ido na varanda checar.

– Quem é? – ela ouviu sua voz perguntar para a irmã.

– Sua namorada – Sabrina respondeu em tom de provocação.

Alice sentiu o coração palpitar esperando a resposta.

– Ela não é... – ela parou a frase no meio.

– Você claramente sabe de quem estou falando – Sabrina falou depois que ficou claro que a irmã não iria continuar a frase.

Bruna sussurrou algo que Alice não escutou antes de abrir novamente o portão e se deparar primeiramente com as flores e depois com o sorriso enorme de Alice.

– Meu bem... – ela falou como se aquilo fosse um preâmbulo de algo, mas não conseguiu terminar o restante.

O seu sorriso enorme fez Alice ter certeza de que ela havia gostado e o beijo que recebeu foi apenas confirmação.

– Feliz aniversario! – Alice falou sentindo-se uma boba apaixonada, o que de fato ela era.

– Obrigada, meu bem – disse pegando o buquê, mas mantendo seu corpo perto – São lindas!

            Elas trocaram um beijo rápido e Alice sentiu as palavras fugirem de si por alguns segundos. A proximidade com Bruna fazendo com que ela esquecesse tudo ao seu redor.

– Achei que você estava com os meninos nesse fim de semana – Bruna falou ainda desacreditada com sua presença ali.
– E você realmente achou que eu não viria te ver no seu aniversario?

O sorriso de Bruna cresceu com a resposta de Alice e Bruna respondeu com mais um beijo.

– Além do mais, como eu ia te entregar seu presente?

– Obrigada! Eu realmente amei! – falou referindo-se ao buquê.

– As flores são só um mimo, não são o seu presente de aniversario – falou com um sorriso misterioso antes de tirar um envelope de sua bolsa.

Bruna olhou desconfiada e depositou gentilmente o buquê em cima do capô do seu carro para abrir o envelope com cuidado. Alice estava ansiosa e ficou observando Bruna atentamente. Desde de que comprou o presente, estava doida para ver a reação de Bruna e foi bem melhor do que o esperado. Alice quase se assustou com o grito que saiu da boca dela.

– Eu não acredito! Você comprou ingressos pro Numanice?

Ao ver a confirmação de Alice, Bruna literalmente pulou em seu colo sem nenhum aviso, envolvendo os braços em seu pescoço e as pernas em sua cintura. Com a surpresa, Alice quase caiu com as duas no chão, mas conseguiu se manter firme, mesmo com Bruna ainda gritando e fazendo sons de alegria, enquanto beijava todo o seu rosto. Alice gargalhava e não conseguia se lembrar de um momento em que se sentira tão feliz.

– Eu não acredito! – ela repetiu finalmente colocando as pernas novamente no chão, mas mantendo seu corpo no de Alice – Eu achei que tinha esgotado em meia hora!

Alice não quis entrar em detalhes sobre como havia solicitado que sua secretária adiasse compromissos para poder ficar na página do site de vendas no momento da abertura para garantir o presente que ela sabia que seria perfeito para Bruna.

– Eu fui rápida! – resumiu.

– Eu amei! – falou sinceramente.

– Sério? Depois de todos esses gritos eu fiquei na dúvida – brincou e Bruna riu.

– Sério, sua boba. É perfeito!

– Eu comprei dois para você poder levar sua prima. Eu sei que vocês duas amam.

– Ah não! Você não acha mesmo que vai se safar dessa né?

Alice riu.

– Eu só estou dizendo que você não deve se sentir obrigada a me levar só porque eu que comprei.

Bruna aproximou-se ainda mais, deixando seus lábios a milímetros dos de Alice quando sussurrou.

– Eu quero que você vá comigo.

Alice sentia-se completamente sem poder para negar. Se Bruna queria, ela teria.

– Então nós vamos – sussurrou de volta e acariciou o rosto tentando passar todo o carinho que sentia.

Como num passe de mágica, os lábios se encontraram e Alice tinha certeza de que nunca encontraria um beijo tão perfeito quanto o de Bruna. No entanto, a magia é quebrada ao ouvirem o barulho do portão sendo aberto novamente. Elas se afastaram rapidamente.

Alice não tinha como dizer com certeza se a mãe de Bruna vira o beijo, mas com certeza estava vendo-a ali, no portão da casa de sua filha, com um enorme buquê de flores no dia de seu aniversario e aquilo já era acusativo o suficiente. Foi difícil esconder o nervosismo e ela não teve se certeza se conseguiu ao cumprimentá-la.

– Maria Rosa, tudo bem? – falou recompondo-se.

– Alice, tão bom vê-la de novo! Entra para almoçar conosco.

Alice já estava tentando pensar em alguma desculpa. Não que ela não quisesse ficar. Ela até surpreendeu-se com o quanto ela queria! Mas não podia forçar nenhuma situação desconfortável para Bruna. Aquilo poderia ser demais para ela. Alice prometeu ser paciente e paciente ela seria!

– Fica! Bruna pediu com um sorriso sincero, que fez todos os pelos do pescoço de Alice arrepiarem – A não que você tenha que ficar com os meninos...

– Não por algumas horas...

– Ótimo! – Bruna sorriu e Alice se perdeu por mais alguns segundos.

– Maravilha! – Maria Rosa falou sorridente – Entre!

Bruna pegou as flores e as duas se encaminharam para entrar.

– Como é aniversário da Bruna, fiz o seu prato preferido. É um almoço simples, espero que não se importe – Maria Rosa falou enquanto caminhavam do quintal até a casa.

– Nem um pouco! Na verdade, eu amo macarrão com almondegas!

– E hoje você vai comer o melhor da sua vida! – Bruna avisou.

– Eu tenho que admitir que tenho grandes expectativas. O que eu ouço a sua filhar falar do seu macarrão... – brincou.

– Ela exagera! – falou claramente feliz, enquanto entravam na casa – Alice vai almoçar conosco. Sabrina, coloca mais um prato na mesa, por favor.

– Bom te ver novamente, Alice – Luís falou cumprimentando-a de longe, sentado no sofá.

– Você também! – ela respondeu – Precisam de alguma ajuda?

– Está tudo sob controle! Fica à vontade! – Maria Rosa falou e afastou-se para ir até o marido.

Bruna e Alice ficaram um pouco distantes e ela aproveitou passa sussurrar.

– Tudo bem mesmo eu estar aqui? Eu sinto muito. Eu quis te fazer uma surpresa, mas nem parei para pensar que seus pais estariam aqui.

– Eu estou feliz que você está aqui! – ela falou sincera, fazendo com que a insegurança de Alice evaporasse.

=====

Bruna estava tão feliz que ela mal conseguia parar de sorrir. Ela estava comemorando seu aniversario na companhia de sua família e de sua namorada. Sim, namorada. Não fazia mais sentido fingir que não era a mais pura verdade. Por isso quando foi na cozinha achar algum vaso para as flores, ela não mais negou quando sua irmã a provocou.

– A namorada vindo almoçar com seus pais no seu aniversário... Está ficando sério!

– Sim, está – ela falou séria e sua irmã percebeu.

As duas conversaram pelo olhar e Sabrina sorriu.

– Tudo bem? – Maria Rosa entrou em seguida para finalizar o macarrão.

– Sim... Estamos falando que eu... – Bruna respirou fundo... – Estou namorando a Alice.

Bruna não queria mais esconder. Nem de si mesma nem de mais ninguém.

– Era para eu ficar chocada? – Maria Rosa falou parecendo divertir-se com a situação – Isso está óbvio há tempos, querida. Nem precisava desse buquê enorme que com certeza custou uma fortuna para eu reparar.

– Está mesmo tão óbvio?

Como ela poderia saber se Bruna mesmo tinha acabado de admitir para si mesma?

– Claro! Dá para ver da forma como vocês se olham. Desde o dia do galho caído – era como sua mãe se referia ao acidente – Acham que eu nasci ontem?

Bruna ficou sem graça.

– O importante é você estar feliz! E eu gosto dela. Eu conheço minha filha e sei que você está caidinha por ela. Está estampado no rosto dela que ela sente o mesmo.

– Você acha?

– Acredita! Mãe sabe das coisas – falou carinhosa e trocaram um abraço.

Bruna sorriu, mas não pôde deixar de se sentir um pouco culpada por não dizer a verdade inteira para a sua mãe. Sua irmã tinha o mesmo olhar preocupado que tivera na noite que conheceu Alice. Ela entendia a irmã, mas não queria se preocupar com as complicações daquele relacionamento. Naquele momento ela só queria curtir o seu aniversário com as pessoas que amava.

            Em pouco tempo todos sentaram-se à mesa da sala e Bruna fez questão de ficar ao lado de Alice, segurando em sua mão de tempos em tempos e acariciando gentilmente a sua perna, deixando claro para todos que estavam juntas. No primeiro momento que suas mãos se tocaram na frente de todos, elas trocaram um olhar e tiveram uma conversa silenciosa. Alice sorriu tão lindamente, que Bruna perguntou-se porque havia demorado tanto para assumi-la.

            A conversa na mesa foi tranquila e naturalmente seus pais quiseram saber um pouco mais de Alice, seu trabalho e sua família. Depois de falar um pouco de seus pais e de sua empresa, o assunto acabou chegando em seus filhos. Por mais que Bruna não quisesse mencionar o fato de ser professora dos filhos de Alice, foi inevitável ao falarem de Gael. Foi só Alice mostrar uma foto dele para sua mãe comentar.

            – Esse não é seu amorzinho lá da escola? Que você falava que era seu filho?

            – Sim – Bruna falou sem graça.

            – Seu filho? Como eu não sabia disso? – Alice perguntou divertida.

            – É só uma brincadeira que temos lá na escola e sempre que alguma criança é muito apegada a alguma das meninas, falamos que é filho – explicou.

            Seus pais não pareceram ver nenhum problema com a situação, mas Bruna viu que sua irmã continuava ainda tensa com o assunto, apesar de estar sendo agradável com Alice.

            Como de costume, depois do almoço seus pais foram tirar uma soneca em seu quarto. Eles não queriam por conta de Alice, sua mãe alegando que era falta de educação deixar a convidada sozinha. No entanto, Bruna insistiu que ela era praticamente de casa e que estaria lá quando acordassem. Eles não dormiam mais que uma hora, mas era um ritual comum que criaram depois da aposentadoria.

            =====

            Enquanto Bruna foi com seus pais até seu quarto para ajeitar a cama para dormirem, Alice se dirigiu à cozinha para lavar louça, pois ela tinha certeza de que a namorada não deixaria que a mãe lavasse tudo depois de ter cozinhado e iria querer deixar a cozinha limpa para quando ela acordasse. Era seu aniversário e ela não iria passar fazendo nenhuma tarefa ruim.

            Alice estava tão feliz que ela lavaria o triplo da quantidade de louças sem nem piscar. Bruna havia dado um passo importantíssimo na relação, ainda mais considerando o quanto sua família era importante. Ela queria fazer o mesmo e ficou se perdendo em sua mente com possibilidades de futuro até ser interrompida pela presença de Sabrina entrando com uma feição séria.

            – Queria te agradecer novamente por tudo que fez pelos meus pais – ela falou, mas Alice sabia que era apenas o começo.

            – Não precisa agradecer – ela falou e diante do silêncio, continuou – Mais alguma coisa?

            Sabrina aproveitou a deixa.

            – Olha... eu estou feliz por você e pela Bruna. De verdade! Está óbvio que você é completamente louca por ela, mas como irmã mais velha é difícil não me preocupar.

            – E com o que exatamente está preocupada? – ela falou parando de lavar a louça para dar sua completa atenção à Sabrina.

            – O emprego dela.

            – Não precisa se preocupar com isso. A Bruna não vai perder o emprego – falou com certeza.

            – A situação está ficando séria e é só uma questão de tempo até alguém da escola descobrir.

            – Não importa! Eu já vi o regimento interno e não tem absolutamente nada proibindo uma relação entre funcionários e pais de alunos.

            Alice havia pedido para Ana para ver o documento, alegando que queria um exemplo para a sua própria empresa e a amiga nem havia motivos para desconfiar de nada. Seu alívio foi enorme ao ver que não tinha nada que proibisse aquela relação, apesar dos comentários que Ana fizera perto do dia dos pais.

            – E você realmente acha que isso faz alguma diferença? – Sabrina falou de forma irônica.

            – Ela não pode ser demitida sem causa!

            Sabrina riu debochadamente.

            – Em que mundo você vive? A escola pode demitir ela usando qualquer desculpa esfarrapada...

            – Se eles fizerem isso eu processo eles! – ela falou com raiva, imaginando a possibilidade.

            – Você vai processar a escola da sua amiga? – Sabrina perguntou sem acreditar.

            – Claro! – falou sem nem pestanejar.

            Ela faria tudo por Bruna e Sabrina pareceu perceber que estava sendo sincera e abaixou a guarda.

            – Olha, eu não duvido da sua boa vontade, mas um processo não ia ajudar. Só ia dificultar a chance de ela conseguir outro emprego.

            Alice respirou fundo. Ela entendia as preocupações de Sabrina. Eram as dela também, mas não existia nenhum universo em que Bruna iria se prejudicar no emprego por causa dela. Ela não deixaria.

            – Sabrina, confia em mim. A Bruna não vai perder o emprego!

            – Eu estou vendo que você realmente acredita nisso, mas não é tão simples. Eu conheço a minha irmã. Ela está sempre tentando cuidar de todo mundo e às vezes acaba se prejudicando em nome das pessoas que ama. Eu não duvido nada que ela já tenha planos para resolver a situação de uma forma que ela seja a prejudicada.

            – Eu não vou deixar ela fazer isso! – Alice falou com certeza.

            – Eu acredito em você, mas então você precisa de um plano. Algo que não envolva processar a escola da sua melhor amiga. Pensa nisso.

            Ela estava certa, Alice precisava de um plano.

Fim do capítulo