Diálogo
Manuela estava sentada de frente para a cama que Isa ocupava em um dos quartos do hospital. A publicitária havia ficado com ela a manhã inteira enquanto Amanda terminava o plantão antes de levar a esposa de volta para casa.
— Me explica de novo, com calma, como foi a sua tentativa de virar o super-homem? — Manu perguntou rindo da amiga.
— Vai se ferrar. — Isa respondeu irritada, mas acabou rindo. Manuela tinha passado toda a manhã tirando sarro da amiga sobre o acidente e pelo visto ainda não tinha acabado o estoque de piadas sobre o acontecido.
— Seja sincera e admita que se fosse eu no seu lugar, você também ia tá fazendo um monte de piadinhas. — Manuela respondeu rindo da cara da amiga.
— É claro que eu não estaria. — ela respondeu em tom ofendido — Eu não faço piadinhas, querida. O que eu digo é muito mais sofisticado pra ser chamado de ‘piadinhas’. — ela completou com um sorriso.
— Cala boca e me conta, de zero a dez, qual o grau de xingamentos que você recebeu da doutora sua esposa? — Manu voltou a gargalhar da cara da amiga.
— Primeiro ela ficou bem aliviada de me ver acordada e falando normal. Mas depois eu levei um baita de um sermão pelo susto. — Isa contou contrariada — Como se eu tivesse caído por querer, mas a Amanda não entende.
— Minha querida, o amor nunca vai ser racional. Já era pra você saber disso.
Amanda entrou no quarto a tempo de ouvir o que Manu falava.
— A Isa bate com a cabeça e você é que sofre os efeitos colaterais? — a médica perguntou olhando para a amiga.
— Oi, amor. Já tá liberada pra gente ir? — Isa perguntou.
— Eu estou. Já você precisa esperar o médico passar por aqui pra assinar sua alta. — Amanda explicou se aproximando da cama.
— E isso vai demorar? — Isa questionou.
— Acho que não, ele sempre faz as liberações antes das onze da manhã. — Amanda respondeu segurando carinhosamente a mão de Isa — Mas e então, sobre o que vocês estavam falando?
— Sobre como sua mulher resolveu brincar de super-homem e acabou levando sermão da esposa depois. — Manuela falou entre risos.
— Cala a boca. — Isa respondeu rindo.
Amanda acompanhou as duas nas risadas, mas queria aproveitar que as coisas estavam mais calmas para conversar com Manuela. Com toda a comoção do dia do acidente de Isabela e os dias no hospital, as duas ainda não tinham conseguido se falar com calma.
— Quando você volta pra BH? — ela começou com cautela.
— Não sei ainda. Porquê? — Manu respondeu desconfiada.
— Nada. É que você tem ido bastante pra lá ultimamente.
— Pois é, mas essa semana não sei se poderei me ausentar de São Paulo.
— Entendo. — Amanda concordou — Acabou que nessas semanas a gente mal conversou direito, como você está em relação a tudo? Especialmente depois de encontrar a Julia aqui.
Isabela, que apenas observava a conversa das duas, achou ótimo o assunto ter chegado até Julia. Ela precisava mesmo contar uma coisa para as duas. Algo havia acontecido recentemente e ela ainda não tinha conseguido falar.
— Tudo continua na mesma. — Manu foi sucinta, encarando os olhos da amiga e demonstrando não ter nenhuma intenção de tratar daquele assunto.
— Foi bom você ter tocado nesse assunto, amor. Aconteceu uma coisa semana passada que eu esqueci de contar. — Isa falou.
— O quê? — Amanda perguntou olhando para a esposa e finalmente desviando o olhar do de Manuela.
— Eu encontrei a Julia no shopping e a gente almoçou junto. — ela falou com cuidado.
— Como? — Amanda perguntou surpresa.
Isabela olhou para Manuela antes de responder. A publicitária não disse nada, mas a sua expressão compenetrada dizia exatamente o que Isa não queria, Manu não havia gostado nem um pouco de ouvir aquilo.
— Terça-feira eu fui naquela loja nova que eu te disse, aquela do shopping. — ela começou a explicar olhando para Amanda — Aí eu resolvi almoçar por lá mesmo e encontrei o Pedro no restaurante. — ela continuou, agora olhando para Manu.
— E a Julia estava com ele? — Amanda tentou ajudar quando viu a expressão de Manu.
— De certa forma. Ele estava esperando ela chegar.
— Então vocês almoçaram juntos. — Manuela interrompeu Isabela.
— Exatamente.
— Por que você não me contou isso antes? — Amanda questionou.
— Eu não sei, só não aconteceu. — ela falou apertando a mão de Amanda na sua — Mas com tudo que já aconteceu desde a volta dela, eu sei como essa situação é delicada, por isso eu quis falar com você. — ela falou para Manuela.
— Como foi? — Manuela perguntou se levantando e olhando pela janela do quarto sem conseguir resistir à curiosidade.
— Divertido, na verdade. Ela foi muito educada, apesar de no começo ter ficado apreensiva com o fato da Amanda ser minha mulher, no fim das contas nós tivemos um almoço bastante agradável. O fato dela ser arquiteta ajudou bastante, ela tá abrindo um escritório aqui e como eu, de certa forma, trabalho no mesmo meio, a gente teve bastante sobre o que conversar. — Isa explicou.
— Eu não duvido disso. — Manuela falou mais para si do que para as amigas. Ela encarou as pessoas andando lá embaixo na frente do hospital e teve a sensação de que aquela cidade estava ficando pequena demais para ela e o seu passado.
— Manu, eu sei que vocês duas tem a história de vocês e eu já entendi que ninguém pode se meter no meio disso. Eu sou sua amiga e isso faz toda diferença, a gente é família. Mas ela faz parte da vida do Pedro, tudo aconteceu tão por acaso e ele ficou feliz por eu tratar ela como a prima dele e não como o seu passado. Eu só achei que ele merecia um pouco de apoio naquele momento, mas estou aqui por você também, sempre. — Isa tentou se explicar.
Manuela encarou a janela por mais um tempo antes de olhar para as amigas. Antes de falar ela se escorou na janela e cruzou os braços.
— Eu sei o quanto ela é importante pro Pedro, eu sempre soube. Eu não quero que ele tenha que se dividir entre nós duas e isso inclui os nossos amigos. Não se preocupa comigo, eu sei que posso contar com você. Exceto, talvez pelos próximos meses? — ela finalizou com um sorriso triste apontando para o pé engessado da amiga e Isa concordou com um sorriso também.
— Fácil falar. Eu queria acreditar nisso da mesma forma que você parece ter certeza. — Amanda interferiu na conversa e disse olhando nos olhos de Manuela, que fugiu do olhar da amiga indo em direção a porta.
— Eu também queria que você acreditasse. — Manu falou passando por Amanda — Já são quase onze horas, eu vou comprar uma água e espero vocês no carro. — ela disse saindo do quarto.
Amanda balançou a cabeça contrariada, ela sabia que a amiga seguia fugindo dos confrontos, das conversas, da realidade e por tabela da própria vida. Abrindo mão da sua rotina e das suas relações para tentar escapar dos fantasmas do passado. Aquilo não era jeito de viver e já estava mais que na hora de Manu entender isso.
**
O bar estava praticamente vazio quando Manu chegou, as pessoas ocupavam as mesas que ficavam de frente para um palco onde uma mulher se preparava para começar sua apresentação da noite. Manuela foi direto para o balcão e pediu um uísque, ela havia passado quase todo o domingo com Amanda e Isabela fugindo do assunto Julia, por isso quando saiu do apartamento das amigas foi direto beber. A bebida desceu quente e o gosto conhecido acalmou um pouco a sensação que havia se instalado dentro dela depois do último encontro com Julia. Talvez na verdade fosse desde o dia que ela ouviu da boca de Amanda que Julia estava de volta e a sensação só piorava cada vez que ela pensava na ex-namorada. O encontro no hospital foi o terceiro desde a volta de Julia ao Brasil, cada um mais perturbador para a publicitária que o outro. O uísque parecia ser a única coisa que ajudava a acalmar as coisas dentro dela, mas era apenas um alívio temporário. Manuela andava cada vez mais propensa a acreditar que seria necessária uma solução mais eficaz que a bebida para resolver aquele dilema na sua vida, enquanto não tinha uma ideia melhor, ela bebia, mas não sem medo de tudo que aquilo significava e de como as suas próprias decisões eram as únicas que tinham o poder de levar ela para lugares que ela havia jurado nunca mais voltar.
**
— Eu sei que você é uma mulher ocupada. Eu sei disso, você não precisa me explicar. Acontece que já são sete da noite, hoje é segunda-feira e a senhorita pode muito bem subir e tomar uma taça de vinho com seus amigos. Amigos que você parece ter esquecido que existem, porque se a gente não trabalhasse juntos eu aposto que já estaria a semanas sem ver a sua linda face. — Willian tentava, do lado de fora da janela do motorista, convencer Manuela a descer do carro e subir com ele até o apartamento de Pedro.
— Por que você resolveu deixar seu carro aqui hoje mesmo? — ela perguntou desligando o carro contrariada, decidindo ignorar a chantagem emocional e a alfineta ao seu comportamento recente.
— Eu vou te explicar. — Will disse abrindo a porta do carro e estendo o braço para Manu, que aceitou enquanto ria do amigo — Você conhece o meu namorado, aquele gato maravilhoso que é todinho meu. Certo!?
— Alguma coisa me diz que eu não quero mais ouvir. Eu tenho certeza que vem algum detalhe nojento da vida íntima de vocês e eu prefiro não saber. — Manu falou enquanto os dois entravam no prédio.
— Você perguntou, agora aguenta. — ele disse enquanto os dois entravam no elevador — Mas tudo bem, eu vou ser rápido. Amor, duas palavras: sex* matinal. Parece não ter nada a ver com eu não ir de carro para o trabalho hoje, mas tem absolutamente tudo a ver!
— Ok. Essa informação já é mais que suficiente para mim. — Manuela falou tapando os ouvidos com as mãos.
Ela e Willian saíram do elevador as gargalhadas. O rapaz tinha a chave do apartamento do namorado, então eles não precisaram tocar a campainha. Manuela não pretendia demorar, ela só estava ali porque sabia que quando Will cismava com uma coisa, não desistia até conseguir. Era verdade que depois das várias doses da noite anterior e de ter ido dormir de madrugada, Manu só queria sair do escritório e ir direto para casa tentar descansar. O sono dela já não andava dos melhores e o uísque nunca tinha servido de nenhuma ajuda nesse setor.
Se Will não tivesse pedido uma carona com a desculpa de passarem mais um tempinho juntos, porque ele estava com saudades da amiga e a casa de Pedro era caminho para Manu e mais várias desculpas para arrastar ela até ali, Manu já estaria a meio caminho da sua própria cama. Mas como não era o que tinha acontecido e ela realmente andava meio sumida nas últimas semanas, ela cedeu e agora estava ali.
— Amor? — Will falou assim que entrou na sala.
— Na cozinha. — Pedro respondeu.
— Eu vou esperar pela minha taça aqui mesmo, não pretendo ser testemunha de nenhuma demonstração de sex* noturno. — Manuela falou se jogando no sofá.
— Ridícula. — Will respondeu rindo e indo em direção a cozinha.
Manuela ligou a TV e ficou zapeando pelos canais enquanto os dois não apareciam. Pedro foi o primeiro a chegar na sala.
— Finalmente. — Manu falou se levantando para cumprimentar o amigo com um abraço — Onde está meu vinho?
— Aqui. — Will falou vindo da cozinha com duas taças na mão — Você vai precisar.
Manu não entendeu o que Willian queria dizer até perceber que alguém vinha logo atrás dele.
— Nesse caso talvez uma dose de uísque fosse melhor. — ela disse olhando para Julia que parou onde estava e se encostou no batente da porta.
— Eu posso providenciar. — Will falou sem saber como agir.
— Eu não sabia que você estava vindo. — Pedro falou olhando para Manu.
A publicitária não respondeu, seus sentidos estavam todos voltados para Julia. A sensação de que ela estava em todos os lugares parecia ter se materializado em algo real naquele momento e Manuela estava cansada de ser pega de surpresa. A mandala de sentimentos que ela andava sentido nas últimas semanas, naquele momento parecia ter se dissipado e a única coisa que ela sentia era uma raiva tremenda da bagunça que Julia estava fazendo em sua vida outra vez.
Julia baixou os olhos e respirou fundo antes de falar. Desde que havia visto Manuela no hospital ela tinha tomado duas decisões importantes: ela precisava arrumar um modo de falar com Manu com calma e definitivamente ela não podia deixar Manuela conduzir a conversa. Na cabeça da arquiteta esse era o único jeito de conseguir falar tudo que precisava para a ex-namorada. Que Manuela não queria conversar ou ouvir nenhum tipo de explicação, Julia já sabia, mas ela também sabia que se não houvesse mais nada para elas resolverem, Manu não se esforçaria tanto para se manter afastada.
— Pedro e Will, vocês poderiam deixar a gente a sós? Por favor. — Julia disse para os dois.
— Você tem certeza? — Pedro perguntou apreensivo.
Julia acenou com a cabeça e Pedro olhou para Manu antes de sair da sala levando Willian consigo. O rapaz achou que não era uma boa ideia, especialmente a julgar pela cara de Manu, mas como não tinha uma melhor, resolveu confiar na prima. Julia finalmente entrou na sala e se aproximou de onde Manuela estava, a publicitária deu alguns passos para trás um pouco apreensiva. A proximidade de Julia já era perturbadora de forma metafórica, ela não queria se arriscar a descobrir como seria sua reação a uma proximidade real.
— Parece que a gente sempre acaba se encontrando sem querer. — Julia começou reticente.
— Sem eu querer, você quis dizer. Porque à exceção de hoje, você sabia muito bem que iria me encontrar onde estava indo. — Manuela respondeu com ironia.
— Você tem razão. — Julia fez uma pausa e respirou fundo para não perder o controle — Eu sei que eu não tenho o direito de te pedir nada, mas talvez nós pudéssemos conversar e tentar arrumar uma maneira das coisas funcionarem.
— Isso é bastante diplomático da sua parte, querer fazer as coisas funcionarem. A Inglaterra fez bem a você, não tanto a sua memória, mas talvez sejam as ares da américa do sul. E até onde eu sei, você teve tempo o suficiente para querer fazer as coisas funcionarem e abriu mão de cada uma das oportunidades.
Julia baixou os olhos e respirou fundo mais uma vez. Encarar a raiva de Manu era mais fácil do que enfrentar a dor que ela tinha visto nos olhos dela nos dois primeiros encontros. A forma como Manuela estava lidando com toda aquela situação dava a Julia a sensação de ainda conhecer a ex-namorada. Talvez ela não tivesse mudado tanto assim no final das contas.
— Eu só estou dizendo isso por causa do Pedro e da tia Silvia. Eu sei que eles são seus amigos e isso naturalmente nos coloca em uma rota de encontros inevitáveis. — Julia falou com calma — Eu gostaria muito que você me dissesse o que eu preciso fazer para tornar essa situação menos complexa.
Manuela olhou para o rosto da mulher a sua frente e concluiu que encarar Julia era se arriscar a sucumbir. Manu não era estúpida, ela sabia muito bem que Julia queria que ela baixasse a guarda, por qual razão ela preferia não especular. Existiam tantas coisas que ela não entendia naquilo tudo, a confusão era grande demais e Manu simplesmente estava cansada de todas as repercussões daquilo em sua vida.
— A única forma de deixar essa situação menos complexa era você não ter voltado. — Manu respondeu sem olhar para Julia.
Julia engoliu em seco. Ela precisava ser forte e resistir aos ataques de Manu. A arquiteta sabia que Manuela só estava se defendendo daquela situação, cabia a Julia, mais do que nunca, entender aquele momento e arrumar uma forma de conseguir falar com Manuela.
— Acontece que eu voltei. E desde que eu cheguei, sempre me pergunto se foi uma boa ideia ter voltado, a resposta deveria ser óbvia e até eu te reencontrar realmente era, mas então eu coloquei meus olhos nos seus e as coisas de certa forma mudaram. — Julia falou tentando aparentar uma calma que não sentia.
Manuela sentiu o coração descompassar com as palavras de Julia. Ela havia se esforçado tanto para negar, mas a realidade é que ela sabia que aquele primeiro olhar trocado entre elas, na casa da Silvia, tinha entregado muito mais do que ela gostaria de admitir.
— Onde você quer chegar com isso? — ela respondeu tentando fugir das verdades ditas por Julia.
— Eu só não quero ser responsável por atrapalhar a sua vida. Você, o Pedro e a tia Silvia são amigos. O Willian, namorado do meu primo, é seu sócio e amigo. A Amanda também faz parte desse grupo de amizade. Eu não gostaria que a minha volta representasse qualquer tipo de influência negativa na relação de todos vocês.
— Aparentemente todos nós temos isso em comum. E para ser honesta, você não precisa se preocupar, desde o momento que eu soube da sua volta eu deixei muito claro pra todos os interessados que isso não mudaria as coisas. — Manuela falou com seriedade.
— Mais de uma forma ou de outra já tem influenciado na sua presença. — Julia argumentou.
Manuela encarou Julia por alguns instantes antes de responder, ela continuava inacreditavelmente linda. Com um corte diferente de cabelo, roupas mais formais, mas não menos sofisticadas, e com o mesmo olhar que desconcertava Manuela. A publicitária sempre soube que Julia era rica, mesmo antes de serem apresentadas uma à outra, só pela maneira como ela se vestia e o modo como se portava. Naturalmente isso não influenciava o caráter da ruiva de olhos verdes mais linda que Manu já tinha conhecido. E se o nome Campana vinha atrelado a uma das maiores fortunas do Brasil, quando Julia falava, todos os bens e posses que ela possivelmente herdaria eram esquecidos simplesmente pela simplicidade que ela trazia consigo. Manuela se perguntou quanto daquela Julia do passado ainda existia naquela estranha de pé na sua frente, ela não conhecia Julia mais ou pelo menos era isso que ela acreditava.
— O que faz você pensar que a minha ausência ou presença depende de você? — Manuela falou tentando dissipar as memórias que surgiram.
— Eu não disse que depende, mas talvez interfira. No aniversário da tia Silvia, por exemplo, eu sei que você não foi por minha causa. Embora naquele dia eu não fizesse ideia de que você e o Pedro fossem amigos, eu sei que você não foi para não ter que me encontrar. — Julia explicou.
— Bom, eu diria que essa conclusão é um pouco pretensiosa. — Manuela respondeu irônica.
— Tem certeza?
Julia olhou nos olhos de Manu esperando a resposta. No passado as duas sempre olhavam uma nos olhos da outra de maneira direta, Manu gostava de dizer que se perdia e se achava nos olhos verdes de Julia. Esses detalhes românticos que as duas compartilharam andavam atormentando tanto uma quanto a outra, eram essas particularidades que as duas enterraram dentro de si e fizeram de tudo para não se lembrar, por que era doloroso demais. Lembranças que nas últimas semanas andavam teimando em ocupar todos os espaços possíveis e impossíveis dentro delas.
— Absoluta, eu tive bastante tempo para pensar no assunto. — o tom irônico continuava em cada sentença dita por Manu.
— Então eu não tenho com o que me preocupar e nós definitivamente não temos mais o que conversar. — Julia tentou uma estratégia diferente.
— É o que parece.
— Mas em contrapartida dessa conclusão está o fato de você não estar nada feliz em me encontrar. O que nos leva de volta ao ponto inicial, a gente precisa arrumar uma maneira de tornar as coisas ao menos sociáveis entre nós duas.
— Nós. A gente. Essas coisas não existem. A minha vida estava ótima e ia muito bem antes de você aparecer e trazer toda essa confusão. A única coisa que me interessa é que as coisas voltem ao normal e isso não a sua presença. — Manu foi dura.
Outro ataque que Julia teve que engolir e manter a calma para não perder o controle.
— Mesmo distante você sempre fez parte da minha realidade, só que agora é uma realidade verdadeira. Talvez por isso seja mais fácil pra mim, lidar com esse retorno. — Julia falou, satisfeita em estar conseguindo se controlar e manter uma conversa quase saudável com Manu.
A publicitária simplesmente balançou a cabeça em negação.
— O que você quer de mim afinal de contas? Porque é tão importante pra você, falar comigo, acertar as coisas? — Manuela perguntou perdendo a paciência.
— Você era a única pessoa que importava naquela época e continua sendo até hoje.
— Isso não impediu você de fazer o que fez e definitivamente não vai mudar as coisas agora. — Manuela falou com amargura.
— Você não acredita em mim?
Manuela baixou os olhos antes de responder, ela não sabia o que dizer. Aquela pergunta carregava várias das dúvidas de Manu, não era só abrir espaço e deixar Julia fazer parte da sua vida de alguma maneira. Era também correr o risco de ceder e se magoar outra vez. Depois de seis anos ela ainda não havia se recuperado do primeiro golpe, se arriscar a um segundo era loucura.
— Você não deixou muito espaço pra dúvidas.
Julia concordou com a cabeça e antes de voltar a falar pensou bem no que diria.
— Quando eu decidi voltar ao Brasil eu escolhi vim para cá, pra São Paulo, porque foi onde eu fui mais feliz, mesmo tendo estragado tudo no final. Eu queria poder dizer que fiz as pazes com as escolhas que eu fiz ou que eu não carrego a culpa pelos erros, mas eu ainda convivo com certos sentimentos dentro de mim que me impedem. Dor, amor, decepção, arrependimento, convicção e talvez um pouco de coragem. Dor por te perder. O amor que eu ainda sinto por você. Decepção por não ser boa o suficiente para você. Arrependimento por te deixar. Convicção de que você vai estar sempre na minha vida. Coragem de voltar por você.
Julia falou tudo isso olhando nos olhos de Manu, olhos que não foram capazes de segurar as lágrimas. Ju sabia que Manuela ainda sentia alguma coisa, ela sabia que ainda existia sentimento entre as duas e ela não iria desistir se ainda existia a mínima possibilidade de ter Manuela outra vez. Diante do choro silencioso de Manu, ela continuou.
— Eu voltei pelo conforto que seria poder passar pelos lugares em que estive com você. Eu não podia imaginar que você ainda estaria aqui e que te reencontrar seria tão intenso como costumava ser, porque eu me lembro como era e você deve se lembrar também. Eu não quero bagunçar a sua vida, eu nunca quis, mas se você não me quisesse aqui, você já teria me mandado embora. E você ainda não mandou, Manu. — Julia conclui com um sorriso triste também banhado de lágrimas.
Manuela simplesmente retribuiu ao olhar de Julia. Era verdade, desde que soube da volta de Julia, nem por um segundo sequer ela desejou que ela fosse embora. Pela segunda vez Julia havia dito mais coisas do que Manu era capaz de assimilar com todo o turbilhão de sentimentos se debatendo dentro dela. Ela leu nos olhos verdes que aquela conversa não tinha acabado ali, mas Manu precisava de uma trégua. Sem falar mais nada ela simplesmente pegou a bolsa e saiu porta fora. Julia respirou de certa forma aliviada depois da saída de Manu, fosse como fosse elas agora tinham tido um diálogo de verdade. Inacabado talvez, mas ainda assim uma conversa em que a arquiteta havia tido ao menos a oportunidade de falar.
Fim do capítulo
Ei! Capítulo de hoje postado com sucesso e talvez uma pequena, mínima, quase invisível... luz no fim do túnel para essas duas. Será?? Mistérios...
Queria também deixar registrado que eu não sei absolutamente nada sobre hospitais, medicina, gente que sofre acidente, tratamentos médicos... Enfim, há uma pesquisa para tentar minimizar os erros possíveis, mas me perdoem se a coisa tiver muito longe da realidade. Vamos dar um desconto pra essa autora aqui que só entende mesmo um pouquinho de nada de palavras e mais nada.
Beijo procês. ♥
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Marta Andrade dos Santos
Em: 26/06/2024
Aceita que dói menos Manu que a Júlia é o inferno na terra e o céu também.
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