Efeitos Imediatos
Depois da terceira tentativa falha de começar um desenho, Manuela desistiu e jogou o lápis na mesa gráfica antes de se levantar nervosa. Não era só ter reencontrado Julia, era a imagem dela que insistia em não sair da sua cabeça, era o som da voz dela que a fez tremer e ter milhares de recordações e era principalmente o embate interno que ela estava vivendo entre tentar não se importar e não conseguir pensar em outra coisa.
Ela estava de costas para a porta olhando pela janela quando o telefone tocou, ela foi até a mesa e viu que era Teresa.
— Sim.
— Manu, o responsável pelo envio daquele convite da empresa alemã está na linha e quer falar com você.
Era só o que faltava. Foi o primeiro pensamento de Manuela. — Qual o nome dele?
— Mateus...
— Avise a esse homem que eu não tenho nada para falar com ele. E qualquer futura ligação, convite, carta, telegrama ou o que for, você pode jogar fora. Ok? — Manu interrompeu a secretária antes que ela pudesse concluir.
— Sim, pode deixar comigo. — Teresa respondeu.
— Ótimo. Obrigada.
Depois de colocar o telefone de volta no gancho, Manu ficou parada olhando para frente como se tentasse encontrar uma resposta que explicasse a necessidade de Mateus em procurá-la depois de todo esse tempo, depois de tudo o que ele havia feito. Ela balançou a cabeça em negação indo pegar o celular, a bolsa e depois saiu da sala.
— Teresa. — ela falou parando na mesa da secretária.
— Sim. — a mulher olhou para ela logo após desligar o telefone.
— Eu vou sair por uma hora ou duas, mas volto ainda hoje. Se surgir algum assunto urgente, me ligue.
— Ok. O Willian acabou de passar por aqui e disse que voltava para conversar com você.
— Tudo bem, avisa para ele que a gente conversa depois do almoço. Obrigada, Teresa.
Teresa observou Manu sair em direção ao elevador preocupada com que tipo de problema aquele homem chamado Mateus poderia causar. Manu andava agitada nos últimos dias e a secretária não pôde deixar de notar que o surgimento daquele homem parecia deixá-la ainda pior.
**
Pedro estava concentrado lendo alguns documentos em sua sala quando ouviu uma batida na porta.
— Entre. — ele falou sem tirar os olhos do computador.
— Oi. — Julia falou.
Pedro levantou o rosto assustado.
— Julia. — ele respondeu surpreso olhando a mulher.
— Será que a gente pode conversar?
— Claro, entra. — ele falou indicando uma cadeira para a prima se sentar.
Julia sabia que Pedro não estava feliz com aquela visita, provavelmente ele não queria conversar com ela naquele momento. Mas ela estava decidida a falar com o primo sobre tudo que estava acontecendo, era hora de colocar as coisas em pratos limpos e ela precisava conversar com ele ao menos para tentar se acalmar. Desde que havia visto Manuela na noite anterior ela não sabia como agir, o que sentir e muito menos o que fazer.
— Como você está? — Pedro perguntou com sinceridade, assim que Julia se sentou.
— Tentando entender. — Julia também foi sincera.
Pedro apenas aquiesceu.
— Eu vim hoje porque quero te pedir uma coisa. — Julia falou olhando nos olhos do primo.
— Se estiver ao meu alcance. — Pedro respondeu com seriedade.
— Eu quero saber sobre ela. — Julia foi direta. Ela havia passado a noite em claro pensando na maneira como as duas haviam se encontrado sem querer, naquela troca de olhares e principalmente tentando arrumar um jeito de desistir da ideia que surgiu em sua cabeça depois da conversa com Silvia, mas não teve sucesso.
— Isso não está aberto a discussão. Eu achei que tinha deixado claro para você na nossa última conversa.
— Se você não me disser eu vou arrumar outro jeito de descobrir, essa é a realidade.
— De onde surgiu essa vontade toda de rever a Manuela? Se eu lembro bem, quando você voltou, me disse que sabia muito bem que não existia a menor possibilidade de isso acontecer.
Julia se levantou contrariada.
— Eu quero ter essa conversa com você e ter certeza que isso não vai afetar o futuro da nossa relação. — ela falou de frente para onde o primo estava sentado.
— Um trato? — Pedro olhou para ela com a sobrancelha esquerda erguida.
— Exatamente. — Julia falou com calma — Um acordo de que eu posso falar o que eu quero com a certeza de que isso não vai influenciar a minha amizade com você.
— E por que você acha que eu devo aceitar isso?
— Porque se nós não conversarmos sobre isso, provavelmente, teremos um problema entre nós e eu não quero que isso aconteça.
Pedro olhou para a prima como se analisasse qual a melhor maneira de lidar com aquela situação. Julia tinha razão, se eles não falassem no assunto, provavelmente teriam um problema grave para refazer a amizade.
— Falar sobre a vida da Manuela não está aberto a negociações, mas eu estou disposto a ouvir tudo que você tem a dizer e posso dar a minha palavra que o que for dito aqui não será um problema entre nós. — ele respondeu sério.
Julia parou encarando o primo antes de responder.
— Ok. — ela falou.
— Ótimo. Então diga o que você tem a dizer. — o rapaz falou se recostando na cadeira.
— Obviamente você já deve saber que eu encontrei com ela ontem na casa da sua mãe. — ela olhou para o primo esperando uma confirmação.
— Sim.
— Pois bem, eu já estava confusa por descobrir que você e ela são amigos e teve também a minha conversa com a Amanda, que foi complexa, vamos colocar assim. Depois disso veio ontem, quando eu vi ela lá na tia Silvia.
Pedro notou o quanto a prima estava abalada com tudo aquilo e imaginou que o estado de Manuela não deveria ser mais animador. Julia respirou fundo e continuou.
— Eu não voltei ao Brasil pensando em ir atrás dela, Pedro. De verdade eu nem cogitei a possibilidade da gente se reencontrar, mas depois de tudo isso você não pode me julgar por pelo menos querer saber. — Julia falou amargurada.
— Da mesma forma que você não pode me julgar por não querer falar. — Pedro foi direto — Eu também não esperava que você voltasse Julia, nenhum de nós esperava.
Julia balançou a cabeça e olhou para cima tentando conter as lágrimas. Ela estava perdida, angustiada e sem saber a quem recorrer. Ver a prima daquela maneira mexeu com os sentimentos de Pedro e mais uma vez o rapaz se viu no meio daquele fogo cruzado tentando proteger todo mundo. Ele se levantou e colocou a prima sentada no sofá que tinha na sala e se sentou ao lado dela.
— Eu ainda não te disse, mas apesar de tudo o que tem acontecido eu estou feliz por você ter voltado.
O rapaz falou com sinceridade, segurando as mãos de Julia e olhando nos olhos dela ele continuou.
— Eu senti muito a sua falta durante todo esse tempo e ter a chance de refazer a nossa amizade me deixa muito feliz. Só que você precisa entender a minha posição, te ver dessa maneira e saber que você está sofrendo não me deixa nada feliz, mas eu não posso escolher um lado, Ju. Não com todas as coisas que envolvem essa história.
— Eu fico muito feliz de saber que nós dois estamos no rumo certo, a sua ausência na minha vida vai estar sempre entre as maiores burradas que eu já fiz. — Julia disse sincera — Racionalmente eu sei que você tem razão, mas se você tivesse visto, sentido, o olhar dela pra mim Pedro.
Pedro se recostou no sofá e cruzou as pernas encarando a prima.
— Vamos fazer assim, você me conta como foi e como você está se sentindo. A partir daí a gente vê como fica.
Julia suspirou antes de falar.
— Eu não sei como explicar, mas eu vi no olhar dela que ainda existe alguma coisa. Lógico que a mágoa dela deve ser incalculável e não há nada que eu possa fazer a respeito.
— Sim. E você, como se sentiu?
— Sendo bem sincera, eu fiquei feliz. Eu nunca imaginei que fosse ver ela de novo, então foi ótimo poder olhar pra ela apesar de tudo.
— E agora? O que você pretende?
Julia se levantou antes de responder.
— Depois do que a Amanda me disse e levando em conta a sua postura com relação a esse assunto eu imaginei que ela não quisesse me ver. — a arquiteta falou andando de um lado para o outro do escritório — Ontem eu tive certeza. O que me deixou mais confusa ainda e sem a mínima ideia do que fazer.
— A mamãe não me explicou muito bem como foi. Então vocês não conversaram? — Pedro perguntou curioso.
— Ela não te contou? — Julia parou de andar para encarar o primo.
Pedro sabia que a prima não daria uma trégua, todas as brechas que ela encontrasse para saber mais sobre Manuela ela usaria.
— Eu ainda não conversei com ela sobre isso. — ele foi simplista.
— Entendo. — ela voltou a caminhar pela sala — Não. Nós não conversamos. Eu cheguei e ela e a sua mãe estavam conversando na sala. A gente se viu e ficamos em estado de choque, eu acho. Daí a tia Silvia mandou a Maria me levar para o escritório e depois foi me encontrar lá quando ela já tinha ido embora.
Pedro não comentou imediatamente. Na noite anterior ele tinha recebido o telefonema de Amanda falando que Manu estava bem, avisou Silvia e não teve mais notícias sobre aquele encontro forjado pelo destino. Com a prima explicando ele podia imaginar que Manuela havia saído atordoada de lá e que o estado de Julia também era totalmente justificável.
— Pelo que eu entendi ela foi lá ontem à noite para explicar para sua mãe sobre o nosso passado. Parece que ela quis contar tudo para a tia Silvia e eu cheguei bem na hora. — Julia prosseguiu.
— Entendi. — Pedro falou pensativo e teve uma ideia — Senta aqui.
Ele falou indicando o lugar ao seu lado.
— Você ainda ama a Manuela? — ele foi direto.
— Eu amo. — ela respondeu com sinceridade — Mas eu sei encarar a realidade, Pedro. Eu amo a Manuela que eu deixei, aquela que eu magoei de forma irreversível e que provavelmente não existe mais. Aquela que olhou dentro dos meus olhos ontem eu não conheço e me pareceu que não vou conhecer. É lógico que tudo isso é por minha culpa, mas a forma como ela olhou para mim me fez querer saber sobre ela, querer falar com ela. — Julia falou sem conseguir conter as lágrimas, não tinha como falar o nome da ex—namorada sem sentir aquela dor que a acompanhava há tanto tempo.
— Calma, respira um pouquinho.. — Pedro falou secando as lágrimas do rosto da prima antes de continuar — Você precisa entender que eu não vou te ajudar a chegar até ela, não é esse o meu papel. Mas eu também não quero te ver dessa maneira angustiada como se estivesse sufocando. Então eu vou lhe dar um conselho. — o rapaz falou com calma.
Julia esperou ansiosa pelo o que o primo iria dizer. No fundo ela tinha esperanças de que Pedro ainda fosse a ajudar, mesmo que de forma indireta.
— Eu soube que o Mateus tem tentado entrar em contato com ela. — Pedro falou tentando não se arrepender, mas querendo livrar Manuela ao menos das investidas do ex-marido de Julia.
— O quê? — Julia falou incrédula.
— Achei que você já soubesse.
— Não, lógico que não. Por isso a Amanda me perguntou sobre ele. Ele não pode fazer isso, nós não podemos. — Julia terminou a frase mais para si do que para o primo.
— O meu conselho é que você descubra porque ele está fazendo isso. Pode ser que isso te coloque em uma posição melhor com relação a essa história. Entende?
— Mesmo que não me coloque, eu vou procurar saber porque o Mateus está fazendo isso. Ainda mais sem me falar. De qualquer maneira depois da minha conversa com a Amanda eu não acho que vai ser assim tão simples.
— De qualquer forma o Mateus quer alguma coisa e eu acho melhor mesmo você estar ciente do que é. — Pedro falou aliviado sobre a resposta dela a respeito do Mateus — Mais que isso eu não posso dizer.
— E eu vou respeitar a sua posição, mas isso não significa que eu vá desistir de querer saber. — Julia falou séria.
Pedro não respondeu. O plano do rapaz era fazer Mateus parar de incomodar Manuela, já sobre a prima ele até achava que fatalmente elas teriam que conversar em algum momento. Era isso ou ele não sabia como seria a relação dele com as duas. Julia ficou preocupada em saber que Mateus estava tentando falar com Manu, um medo do que ele poderia querer fez com que ela decidisse entrar em contato com o ex-marido imediatamente.
**
Manuela estava no carro em frente ao hospital esperando Amanda. A publicitária havia saído do escritório para almoçar com a médica. Manu não queria falar sobre Julia, mas sabia que precisava ao menos deixar a amiga despreocupada e tinha também a curiosidade para saber como havia sido a conversa entre Amanda e Julia.
— Oi. — Amanda falou entrando no carro.
— Oi. — Manu falou dando partida indo em direção ao restaurante.
As duas foram para um restaurante próximo ao hospital.
— E então? — Amanda falou assim que as duas fizeram os pedidos.
— E então o quê? — Manuela se fez de desentendida.
— Fala logo. — Amanda disse impaciente.
— Não tem muita coisa pra falar.
— Mais tem alguma coisa, então fala de uma vez. — Amanda respondeu.
— Eu estava conversando com a Silvia, ela apareceu e eu fui embora.
— Vocês não conversaram?
— Nós não tivemos condições. Acho que essa é a melhor maneira de colocar.
Amanda encarou a amiga.
— Ontem você pareceu decidida a não comentar sobre o assunto e hoje me chamou para almoçar. O que foi que houve?
— Mateus. — a publicitária falou com raiva.
— Ele te procurou de novo?
— Ligou para o escritório hoje de manhã, mas eu não falei com ele.
— Lógico que não. O que será que ele quer com você?
— Não faço ideia. Ela não te disse nada a respeito? — Manuela falou com cautela.
— Nós não falamos sobre isso.
— E falaram sobre o quê?
— Na verdade eu falei mais do que ela. Deixei claro que ela não tem direito de te procurar, depois de tudo que ela e o Mateus fizeram.
— E ela?
— Achei que você não quisesse saber dela. — Amanda falou sarcástica.
— E não quero mesmo. — Manuela respondeu.
— Sei. — Amanda manteve o tom — Ela disse que sabe que não pode te procurar e foi essa a nossa conversa.
Manuela não respondeu, não sabia o que dizer e não queria deixar a médica pensando que ela estava curiosa sobre Julia. Amanda reparou na amiga e percebeu as olheiras, a forma como ela rolava a comida de um lado para o outro no prato e o semblante cansado que ela tentava disfarçar com aquele ar de indiferença.
— Não gostou da comida? — Amanda falou.
— Estou sem apetite, apenas.
— E sem sono também, ao que parece.
— Nem precisa começar, Amanda. — Manu respondeu largando o garfo e tomando um gole do suco.
— Você precisa se cuidar.
— Eu estou bem. Não se preocupe.
— Manuela, você não está bem e isso não é um problema. Com tudo que a volta da Julia representa na sua vida, seria até estranho se você não sentisse nada, mas negar que isso tem afetado você não vai resolver essa situação.
— Eu não quero discutir sobre isso. — Manuela falou fechando os olhos.
— Mas precisa. — Amanda foi direta — Até pra poder saber o que fazer a seguir. Não pense que você me convenceu com esse papo de não me importo e não quero saber.
— E você espera que eu faço o quê? — Manu falou exasperada, perdendo a paciência.
— O que eu já lhe disse a dias atrás. Que você seja honesta consigo e admita o que está sentindo.
— Acontece que eu não posso, tudo bem? Eu não posso simplesmente deixar essa mulher voltar a bagunçar a minha vida, ela não tem esse direito. E não há nada que você possa dizer que me fará mudar de opinião.
Amanda preferiu não continuar aquela discussão. Manuela estava frágil e pressioná-la só iria servir para fazer com que ela se afastasse e se fechasse ainda mais. A médica mais uma vez teve medo pela amiga, ninguém era capaz de carregar toda aquela dor sem perder alguns pedaços de si mesmo no caminho. Só restava torcer para o dano não ser irreversível.
Fim do capítulo
Gente! Foi eu falar de postar todo dia que a vida quase me deu um tombo hj e eu quase não consegui vir. Mas, deu tudo certo e tá aí o capítulo de hoje.
Amanhã tem mais! Beijo no coração de todas e boa noite né!? kkkk ♥
P.S: Não consegui ler os comentários de ontem ainda, mas vou ler tudo com calma. Obrigada por todo mundo que tira um tempinho pra deixar comentários! *-*
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Marta Andrade dos Santos
Em: 21/06/2024
Não negue Manu tu já está arrastando um bonde pela Julia.
Esse traíra tá querendo melar o reencontro delas cabra safado.
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