Inevitável
Manuela chegou à casa de Silvia no fim da tarde. A advogada havia combinado de sair mais cedo do escritório e se encontrar com Manu para elas conversarem. Silvia gostava muito dos amigos do filho, sempre havia sido assim, mas com Manuela ela desenvolveu uma relação de amizade diferente. As duas passavam horas conversando sobre os mais variados temas e dividiam opiniões sobre as coisas da vida como se fossem velhas conhecidas. Silvia sabia sobre a orientação de Manu, sempre soube, e no começo a moça até jogou charme para cima dela, o que era na verdade um ato irracional de alguém acostumada a seduzir toda e qualquer mulher que tivesse interesse. No fim elas se tornaram amigas e o flerte nunca foi efetivamente aberto.
— Olá, Maria. Como vai? — Manuela falou assim que a empregada abriu a porta.
— Tudo ótimo, dona Manu e a senhora?
— Me sentindo 60 anos mais velha com você me chamando de senhora. Achei que a gente já tinha resolvido essa questão.
— Desculpa, é o hábito. Como você está? — ela falou com um sorriso, conduzindo a mulher para dentro da sala.
— Bem melhor. — Manu respondeu com um sorriso — A Silvia já chegou?
— Sim, ela está no escritório. Vou avisar que você está aqui.
Manuela se sentou em um dos sofás enquanto esperava Silvia. Se perguntassem à publicitária porque ela e Silvia se tornaram amigas, ela não saberia responder. O fato é que gostava muito dela e admirava demais a inteligência emocional daquela mulher. Manuela sabia que Silvia era uma daquelas pessoas com quem se pode contar em todos os momentos, traço da personalidade dela que Pedro havia herdado.
— Olá, minha querida. — Silvia chegou à sala interrompendo o fluxo de pensamentos de Manu.
— Oi. — Manuela respondeu se levantando para cumprimentá-la.
— Como você está? — Silvia falou indicando o sofá e se sentando ao lado de Manu.
— Muito bem e você?
— A mesma loucura de sempre. Quer beber alguma coisa?
— Uísque.
— Te acompanho então. — a mulher respondeu já se levantando e indo até o bar — Você pareceu séria quando me ligou hoje mais cedo. — ela prosseguiu enquanto preparava as bebidas.
— Espero que você não tenha ficado preocupada.
— De maneira nenhuma. Se fosse algum problema jurídico você teria marcado no escritório e se você não precisa dos meus serviços como advogada, nós podemos dar um jeito. — Silvia respondeu voltando para o sofá e entregando o copo para Manu.
— Eu espero nunca precisar dos seus serviços de advogada.
— Estou de acordo. Um brinde a isso.
As duas brindaram e sorriram uma para a outra.
— Vamos direto ao assunto, certo!? — Manuela falou depois do primeiro gole.
— Por favor, trivialidades podem ficar para mais tarde. — a mulher respondeu com um sorriso divertido.
Manuela olhou para um dos quadros da parede e tentou encontrar uma maneira de explicar para Silvia toda aquela confusão.
— Eu queria me desculpar por não ter vindo ao seu aniversário. — Manuela iniciou.
— Imagino que o problema em Belo Horizonte era grave, para você ter tido que viajar assim, tão de repente.
— Na verdade não teve nada em BH. Eu é que precisei tirar uns dias para colocar a cabeça em ordem.
— E por que exatamente você precisa colocar a cabeça em ordem? — Silvia questionou curiosa.
— Eu não sei bem como começar, mas vamos lá. — Manuela respirou fundo, tomou um bom gole do seu uísque e encarou Silvia — Volta e meia você me questiona sobre a minha decisão de permanecer solteira e eu sempre respondo que é como eu gosto de estar, mas nem sempre foi assim.
O sorriso triste de Manu e a expressão de sofrimento deixaram Silvia momentaneamente sem reação. Desde que conheceu Manuela, ela soube que havia alguma coisa no passado dela que ela não gostava de falar, daí a resumir que era algo sobre a sua vida amorosa foi um passo curto. Manuela era muito bem resolvida com relação a sua vida, tinha as rédeas bem seguras e não era o tipo de pessoa que aceitava intervenções alheias em suas decisões, mas ainda assim Silvia sempre desconfiou que a resolução da publicitária em estar sozinha não era algo que ela havia decidido por conta própria.
— Eu acho que eu não entendi muito bem. — Silvia falou olhando para uma Manuela que parecia tentar afogar alguma coisa com os goles de uísque.
— Eu explico. — Manuela falou se levantando para servir mais uma dose em seu copo — Quando ainda estava na faculdade eu conheci alguém. Eu era exatamente como eu sou hoje, estava muito mais preocupada em conseguir sucesso profissional e diversão do que em me prender em um relacionamento. Até ela aparecer e me fazer mudar de ideia.
— Então você teve um amor? — Silvia olhou para a mulher de pé a sua frente com curiosidade.
— É, eu tive. — Manu preferiu se sentar em uma poltrona de frente para a advogada — E tive também vários bons momentos, mas infelizmente os maus foram superiores e também deixaram mais marcas.
— Como assim?
— Ela me abandonou e se casou com um homem. — Manuela falou de uma vez, tentando não pensar muito no assunto.
— Nossa... — Silvia não conseguiu dizer mais nada.
— Eu sei que você está tentando organizar as informações para poder falar alguma coisa, mas não se preocupe, eu estou bem. Na verdade, eu estou contextualizando um pouco para você conseguir absorver melhor o que eu vim aqui para te contar.
— Como? Tem mais? — Silvia estava um pouco desconcertada com tudo aquilo.
Manuela a olhou com um olhar piedoso e sorriu. Silvia era uma mulher inteligente, provavelmente iria lidar muito bem com aquela situação, mas para isso ela ia precisar primeiro entender o que estava acontecendo.
— Silvia, eu sinto muito. Eu sei que é tudo bem confuso, mas eu não viria te contar se não fosse realmente necessário.
— Tudo bem. Namorada, abandono e casamento. Essa parte eu entendi, mas se isso não é tudo, o que você precisa me contar então?
— O motivo para eu não ter vindo a sua festa é que essa mulher do meu passado resolveu reaparecer. O que é bastante complicado e, no caso da nossa amizade, potencialmente problemático.
Manuela parou de falar por um momento e respirou fundo. Como era difícil falar sobre aquilo e ainda fingir que estava tudo bem. Ela sabia que precisava conversar com Silvia por que Pedro não faria aquilo, mas ainda assim era impossível não sentir cada parte do seu corpo querendo entrar em colapso quando ela tinha que falar sobre aquela mulher.
— Problemático como?
— Você conhece ela.
— Eu? — Silvia tentava raciocinar, mas estava muito difícil.
— A sua sobrinha que voltou ao Brasil. — Manuela achou mais fácil não falar o nome de Julia.
Silvia baixou os olhos por um momento, refletindo. Julia? Não podia ser. Como podia ser? Nada naquela conversa fazia sentido. A única coisa que ela havia conseguido entender sem sombras de dúvidas, era que Manu não estava nada feliz com aquela conversa.
— Acho que eu me perdi de novo.
Manuela respirou fundo mais uma vez. Ela tinha que ser forte, falar com Silvia era um mal necessário. Afinal ela não podia simplesmente sumir dos eventos sociais na casa da advogada sem nenhuma explicação.
— E eu acho que você já entendeu. — Manuela respondeu olhando nos olhos de Silvia.
Silvia demorou alguns minutos para falar.
— Porque eu nunca soube disso?
— Eu não sei, provavelmente porque eu não achei que algum dia ela fosse voltar, porque a gente não se conhecia na época...
— E o Pedro sabe?
— Sabe, mas não o culpe por não ter falado nada. Ele acha que só eu, ou ela, poderíamos falar sobre isso como você.
— Entendo. — Silvia respondeu pensativa.
— Resumindo, é isso. — Manuela concluiu.
— E logicamente vocês duas ainda não se encontraram, certo?
— Certo.
— E você não quer que isso aconteça? — Silvia perguntou de forma cautelosa.
— Não.
Manuela estava sendo econômica nas palavras, ela não pretendia debater aquele tópico com Silvia. Ela só estava ali para falar sobre o passado dela com Julia, com o mínimo de detalhes possível e da forma mais rápida e distante que ela conseguisse.
— Entendo e tenho que confessar que não sei o que dizer a respeito disso tudo.
— Não precisa dizer nada, minha querida. Eu só queria que você soubesse pra evitarmos futuras situações complicadas. — Manuela falou calmamente.
— Quanto a isso não se preocupe. Eu já percebi que esse é um tema delicado para você, então eu vou respeitar o que você decidir.
— Eu fico muito grata.
— Bom, pelo menos isso esclarece um pouco as coisas. — Silvia concluiu.
Manuela não soube o que dizer, preferiu encarar o copo em suas mãos. Silvia não gostou de ver Manuela daquela forma, seja lá como for que as coisas haviam acontecido, parecia estar sendo realmente doloroso para ela. A advogada conseguia imaginar que tudo o que havia acontecido no passado das duas era muito intenso e provavelmente por isso absurdamente difícil de lidar.
— Conhecendo você como eu acredito que eu conheço, você não vai querer que a gente faça desse assunto uma grande comoção e eu concordo com isso. Quando e se você quiser falar, sabe que pode me procurar a qualquer momento.
Manuela esboçou um sorriso tímido para Silvia.
— Eu não esperava outra atitude de você. — Manuela respondeu aliviada.
Silvia concordou com um aceno de cabeça.
— Janta comigo? Para a gente esquecer esse assunto. — Silvia convidou.
— Acho que eu prefiro ir para casa. — Manuela tentou escapar.
— De maneira nenhuma, fica. Vamos colocar o papo em dia. — Silvia falou com um sorriso.
Nesse momento elas ouviram a campainha tocar.
— Olha aí, você tem visita. Melhor deixarmos o jantar para uma outra hora. — Manuela falou.
— Na verdade eu não estou esperando ninguém, não tenho a mínima ideia de quem possa ser. — Silvia respondeu.
**
Julia passou o resto do dia, depois da visita de Pedro, remoendo a conversa dos dois. Ela estava fazendo um esforço enorme para não culpar o primo por não ter falado sobre Manuela, mas estava sendo difícil. A única coisa que a deixava mais apreensiva era a perspectiva da proximidade entre ela e Manu. Mais que isso era o fato de que aparentemente ela não estava nem um pouco interessada em um reencontro, o que provavelmente significava que ela de alguma forma ainda se importava.
Na segunda-feira, Julia passou toda a manhã na rua resolvendo detalhes da abertura do seu escritório. Era impressionante a quantidade de coisas que ela tinha que decidir, o lado bom é que com essa movimentação ela não parava para pensar em coisas como a ex-namorada, por exemplo.
Depois do horário do almoço ela estava concentrada olhando uma planta de uma das salas do escritório quando o telefone apitou informando que havia chegado uma mensagem. Tatiane queria saber se ela estava no escritório porque estava lá perto e queria dar uma olhada em como estavam as coisas. Ela disse para a amiga que estava lá e menos de vinte minutos depois Tati chegou ao local.
— Nossa, Ju. Está ficando tudo muito lindo. — ela disse enquanto abraçava a amiga.
— Ainda bem, porque dá um trabalho danado montar um escritório. — Julia respondeu sorrindo.
Algumas pessoas andavam para lá e para cá carregando caixas e móveis de escritório, outros mexiam em uma instalação de luz no que Tati julgou que seria a recepção e ainda tinham alguns mudando as cores de algumas paredes.
— Pelo menos está tudo dentro do prazo. — Tati argumentou.
— Ainda bem, minha querida. Não quero demorar mais que o necessário para voltar a trabalhar.
— Vamos tomar um café? — Tati convidou.
— Vamos, tenho mesmo que te contar uma coisa. — Julia falou já pegando a bolsa para sair com a amiga.
As duas já ocupavam uma mesa em uma lanchonete próxima ao escritório de Julia e tomavam o café quando a arquiteta começou a contar sobre a festa da tia.
— Esse fim de semana era a festa da tia Silvia, você se lembra? — ela iniciou.
— Sim. Inclusive ela me convidou, mas como eu não estava em São Paulo, não pude ir. Como foi?
— Acho que surpreendente é a palavra que melhor define.
Tati concordou com um aceno de cabeça, ela era bem capaz de imaginar o nome da surpresa.
— Você não faz ideia do que eu descobri. — Julia continuou.
A advogada prendeu a respiração por um segundo, aquele era o momento de falar sobre um assunto que ela tinha evitado bastante desde a volta da amiga. A proximidade entre Manuela e Pedro.
— Que cara essa? — Julia perguntou desconfiada.
— É que eu acho que já sei o que você vai me contar. — Tati falou cautelosa.
— Como assim?
— Eu imagino que você deva ter encontrado a Amanda, porque se você tivesse encontrado a Manuela você não estaria tão calma.
Julia não soube o que dizer, então a Tati também sabia.
— Você... — Julia tentou, mas foi interrompida.
— Eu sei que eu devia ter dito, mas eu não sabia como.
As duas ficaram em silêncio por alguns minutos. Julia tentando engolir aquela informação e Tati com medo do que a amiga iria dizer.
— Eu não sei nem o que dizer. — a arquiteta disse simplesmente.
— Desculpa, Julia. Eu sei que eu devia ter lidado com isso de uma outra forma, é que eu não sabia como dizer.
— Você conhece ela? — Julia perguntou séria.
O jeito que Tati olhou para ela foi a resposta.
— Como você teve coragem de esconder isso de mim? — Julia estava indignada — O Pedro vá lá, afinal eu não tenho muito crédito com ele nesse momento e ele ainda namora um amigo dela. Agora você? Como você foi capaz?
— Você queria que eu dissesse o quê? Até dois meses atrás eu nem poderia imaginar que você um dia voltaria a morar no Brasil, pra quê ficar remexendo em uma coisa que te faz sofrer?
— Isso não é desculpa.
— Não mesmo. É uma constatação da realidade e você sabe que eu tenho razão. Além do mais, você nunca fez questão de perguntar sobre ela enquanto ainda estava na Inglaterra.
— E você acha mesmo que foi melhor eu descobrir assim? Desse jeito? Com a Amanda me dando um ultimato, quase me convidando a me retirar da cidade.
— Eu achei que o Pedro fosse contar. Não imaginei que ele pudesse deixar chegar a esse ponto.
Julia não disse nada.
— E agora? — Tati perguntou.
— E agora nada. O Pedro me contou sobre a relação dos dois e a Amanda deixou claro que não é para eu procurar por ela. E é isso, não tem mais nada.
— E você está bem com isso? — Tati perguntou com cautela.
— Ainda não pensei a respeito.
A tristeza evidente na voz da amiga deixou Tati bastante preocupada. Ela devia estar muito confusa com tudo aquilo.
— Escuta, Ju, eu sei que eu devia ter te contado. Mas também não é como se eu fosse íntima dela, nós somos conhecidas única e exclusivamente por causa do Pedro. E eu já cansei de te dizer que você precisa esquecer essa história, agora mais do que nunca.
Julia não disse nada. As coisas estavam tão confusas que ela não sabia de mais nada. Depois de voltar ao escritório ela ficou tentando imaginar uma maneira de resolver aquilo, mas parecia impossível. E quanto mais ela pensava, menos ela conseguia acreditar que voltar ao Brasil havia sido uma boa ideia. Ao sair do escritório, já no fim da tarde, ela resolveu ir visitar Silvia para se desculpar pela saída repentina da festa de aniversário dela no sábado.
Fim do capítulo
Mais um pra celebrar o dia bom de hoje, espero que seja um dia muito bom pra vcs também.
Beijo no coração. ♥
P.S: O que será que vem aí? ??‘?
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Marta Andrade dos Santos
Em: 19/06/2024
Oxi, oxente parau fia me deixou no vácuo e uma puta ansiedade.
Demora não viu Autora .
Marta Andrade dos Santos
Em: 19/06/2024
Oxi, oxente parau fia me deixou no vácuo e uma puta ansiedade.
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Marta Andrade dos Santos
Em: 19/06/2024
Oxi, oxente parau fia me deixou no vácuo e uma puta ansiedade.
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jeslima
Em: 18/06/2024
Que alegria encontrar mais um capítulo hoje. Achei interessante a Manuela ter conseguido falar, ainda que pouco, sobre o relacionamento que teve com a Júlia. Vem aí o grande e esperado encontro. Tenho certeza de que será pura tensão. Eu tô muito ansiosaaaaa!
Obrigada pelo capítulo extra!
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