Após a fala do Caio, olhei para a Larissa com discrição e uma expressão de desespero que só ela poderia perceber...

Pela escada a Luz (que imaginava já estar dormindo) descia sonolenta coçando os olhos, tropeçou e caiu dos três últimos degraus. O desespero foi total, todos correram para perto... Embora com pequenas escoriações achamos mais seguro levá-la a emergência. Os convidados foram se dispersando, indo embora, eu, o Caio, seus pais e os pais da Luz seguimos para o hospital. Lá a Maia e o Gustavo acompanharam a luz no atendimento e seus avós voltaram para casa, os meus pais nesse momento estavam em minha casa no Rio Vermelho.

O Caio me olhava com um olhar cheio de expectativa, sabia que precisava conversar com ele, mas não sabia como abordar diante do ocorrido. Tomei a iniciativa:

-- Então?! Precisamos conversar, não?!

-- Sim! Sara me desculpa, você sempre me afirmou que não gosta desses excessos e eu realmente me excedi!

-- Não, Caio, a questão não é essa! Namoramos há 4 anos e desde o primeiro momento, embora me considere apaixonada por você, não consigo me imaginar em um casamento, além do fato de não temos um relacionamento monogâmico, sabe inclusive que me relaciono com mulheres e de uns tempos para cá, você vem propondo esse rompimento de contrato, o que me leva a crer que com o casamento haveria suspensão dele! E eu quero?! Não quero, porque por mais estranho que possa parecer, ainda preciso de um tanto de coisas para viver em minha vida.

-- Sara?! Casa comigo? É uma crença sua, uma fase, vai passar. Quando começarmos a organizar a cerimônia, pensar nos nossos filhos. Veja a Luz, o quanto você leva jeito com ela, foi a primeira a socorrê-la na queda. Você seria uma excelente mãe.

-- Acho mesmo que excelente mãe é aquela que deseja ser, lamento, lamento muito! Por tudo que você fez, por toda aquela exposição e por estarmos aqui tendo essa conversa, mas para mim realmente não é o que espero.

-- E o que você espera?!

-- Uma série de coisas, algumas encontrarei em ti e outras não! Prefiro não viver em falta...

-- Conversa estranha, sara, parece que além de não aceitar meu pedido de casamento, que já ficou claro para mim, ainda está terminando comigo. Eu ainda acho que esse seu problema faz você ficar confusa, Sah, você parece mudar de opinião o tempo todo, não sabe o que quer!

-- Terminado contigo não, mas atualizando o nosso acordo e te dizendo para ser livre, independente de mim e caso encontre alguém que realmente te atraía e deseje as mesmas coisas que você, invista nela, ou nele! Sabe que te amo, mas não da forma que deseja. Quanto ao meu “problema” fui diagnosticada com o Transtorno de Ansiedade Generalizada – TAG desde os 17 anos, e desde então vivo minha vida normalmente, claro que com os devidos acompanhamentos médicos, mas sinceramente não acredito que este “problema” defina quem eu sou e o que eu penso.

-- Desculpe, acho que falei mais uma besteira!

-- Tudo bem, fique em paz! - Ele me abraçou, aconchegou sua cabeça em meu pescoço e disse que me amava, não queria me perder... Afaguei seu cabelo.

Passamos a noite ali com a Maia e o Gustavo, acompanhando a Luz, que ficou em observação. Pela manhã seguimos para nossas casas. Meus pais já estavam acordados e arrumados para voltarem a fazenda, não poderiam se afastar muito de lá... Conversei rapidamente com eles.

-- Sinto muito pelo que aconteceu ontem, não esperava toda aquela situação. Sobre meu relacionamento com o Caio irei em breve à fazenda para conversar com vocês pessoalmente e esclarecer algumas coisas, mas por hora estamos bem e a Luz, felizmente, já em casa.

-- Meu amor, não se preocupe com nada! Você não nos deve explicações e tudo que desejamos é que sejam imensamente felizes. – O que foi assentido e concordado pelo meus pais para em seguida darmos um longo abraço triplo.

Peguei a chave do carro para levá-los ao aeroporto, mas eles não permitiram devido ao meu cansaço e enfatizando o quão seria perigoso, pediram um carro por aplicativo e seguiram viagem.

Após a saída dos meus pais fui ao banheiro e tomei um banho quente, demorado, lavei o cabelo... o dia estava nublado, um pouco frio, dava para ver da janela o mar bem agitado. Vesti um shortinho folgado e em um moletom. Comecei a organizar algumas coisas, era domingo e na manhã seguinte já retornaria as reuniões do grupo de pesquisa da UFBA, embora as aulas só retornassem na semana seguinte, precisava me atualizar, revisar as bibliografias que seriam utilizadas.

A interfone tocou e era a Larissa, possivelmente queria conversar sobre a noite anterior.

A chamei para a cozinha.

-- Senta que vou preparar um café. Espresso? Aceita?

-- Aceito sim, dos mais fortes!

-- O dia hoje pede (risos). -- Liguei a máquina e fiz nossos cafés.

-- Amiga, passei para saber como você tá, diante de todo o ocorrido e ainda a queda da Luz...

-- A Luz, graças a Deus está bem, já está em casa! Mas com relação ao Caio, você sabe, né?! Sempre conversei com ele e embora nosso relacionamento tenha assumido ares mais sérios e confesso que eu permissiva para que isso acontecesse, casamento é algo que não idealizo, não idealizo um relacionamento monogâmico, imagine. Gosto de me curtir, curtir meus amigos, família, pessoas, lugares, viagens... e diante de toda a tradição que envolve a importantíssima família de advogados do Caio, a historiadora maluca teria que assumir outro papel e confesso que não estou disposta.

-- Mas sobre essa não monogamia, você não acha que um dia encontrará uma pessoa que fará com que você não sinta vontade de ficar com mais ninguém?

-- Quase acho (risos), mas até lá... (mais risos).

-- Sah, tenho uma novidade, algo que vai mexer com a estrutura daquela Universidade!

-- Diga-me, o que de tão grandioso tiraria a UFBA dos eixos?! (risos)

-- Coffe & Spirits!

-- Coffe & Spirits?! Aquele café/bar chiquérrimo de São Paulo?!

-- Pois então! Adivinha que dia vai inaugurar? No dia que inicia as aulas da UFBA! Uma franquia pertinho da faculdade!

-- Sério? Não acredito! Na pausa das 10h estaremos lá, certo?! Não perderei esse primeiro dia por nada.

-- Claro! E ainda tem mais!!! Sabe quem será a cantora oficial das noites do bar, inclusive, estará no dia na inauguração? Aline Botelho, aquela cantora famosinha de São Paulo que conheci e te falei a respeito. E que você ficou apaixonadinha quando viu as fotos, que eu sei! – Fez cara de convencida.

-- (Gargalhei com vontade!) Adivinha o que aconteceu no dia que fomos buscar a Maia no aeroporto? Encontro a Botelho numa tabacaria e acredite, ela me indicou até um charuto e eu LERDA que sou, não a reconheci, depois de muito tempo pensando no semblante dela, foi que lembrei do seu rosto das de revistas e das fotos que me mostrou.

-- Mas lerda você é mesmo! Nossa! E vem cá, revista? Então você pesquisou sobre...

****

Em meio as nossas conversas o telefone tocou, era o Caio. Atendi.

-- Oi, Caio.

-- Oi, amor. Como está?

-- Estou bem e você? Descansou?

-- Dormi um pouco, mas ainda estou revisando umas peças para as audiências de amanhã. E você?

-- Tô aqui com Lari, mas já começarei a iniciar a revisão das aulas de amanhã... sabe como é, semestre novo, professora nova e uma série de expectativas.

-- Sei sim, já acompanho há certo tempo (risos). Sah, acredito que termino de revisar as peças aqui em duas horas, posso passar aí para pedirmos um jantar e dormir contigo?

Em outros momentos a resposta com certeza seria sim, mas diante de tudo que vinha acontecendo e do excesso de expectativa que estava sendo criado, dentro de mim eu sentia que o melhor que eu poderia fazer pelo Caio seria me afastar dele aos poucos, sendo sempre sincera.

-- Caio, podemos deixar para outro dia? Estou um pouco cansada e pretendo terminar logo as revisões para depois tomar um chá e dormir, ainda quero acordar cedo para correr na orla. Mas a gente vai se falando, tá? Preciso desligar agora.

-- Tá bom. – Percebi certo tom de decepção em sua voz – Vamos nos falando. Beijos, te amo.

-- Beijos, fique bem!

-- Difícil, hein, Sah?!

-- Demais! Mas enfim, mas vamos trocar ideias e alinhar nossas referências para nossos grupos de pesquisa?

-- E o que você entende de música, Sara?

-- Oxe! Quase tudo!

-- (Gargalhadas) Sei bem o que quer entender...

E assim passamos o resto do dia, almoço, lanche e no final da tarde a Larissa voltou para casa. Depois de tomar um chá de camomila, assistir uma série na Netflix, dormi.

Somebody, now you're just somebody that I used to know (Alguém, agora você é apenas alguém que eu costumava conhecer).

Fim do capítulo