Vestígios part. II
Teresa caminhou rapidamente até a sala de Willian, bateu na porta e entrou antes mesmo de ouvir a resposta do rapaz. Will estava ao telefone e pediu a Teresa que aguardasse ele terminar, a mulher apertava as mãos impaciente encarando o rosto do chefe. O telefonema durou cerca de dois minutos, quando desligou, Willian olhou para a secretária.
— Onde é incêndio, Teresa? Porque pela sua cara, coisa boa não pode ser.
— Desculpa entrar dessa maneira. É a Manuela.
Willian revirou os olhos. — O que houve?
— Ela está trancada lá no escritório e eu ouvi um barulho de vidro quebrando, mas ela me proibiu de entrar na sala. Você poderia ir lá ver o que aconteceu?
Willian olhou para a mulher à sua frente sem entender.
— Como assim te proibiu? Vidro quebrado? Quem está lá com ela?
— Ela está sozinha. Você pode, por favor, se levantar. — Teresa disse apressada indicando a porta aberta para Willian.
O rapaz estranhou o comportamento de Teresa, não era do feitio dela agir daquela forma. Ele se levantou, ainda sem entender muito bem o que estava acontecendo, e acompanhou a secretária até a porta da sala de Manuela.
— Eu não estou ouvindo barulho nenhum. Você pode me explicar o que está havendo? — ele falou sério.
— Ela recebeu um convite para um coquetel e parece não ter gostado. Me mandou sair da sala e depois eu ouvi o barulho.
Sem saber muito bem o que estava acontecendo Willian abriu a porta.
— Você pode me explicar o que isso, Manuela? — questionou ao olhar a sala. Aparentemente ela havia jogado uma garrafa de vidro na parede, havia cacos no chão perto de onde a garrafa quebrou e uma mancha grande de bebida no papel de parede da sala. Manuela estava parada de pé, com a cabeça baixa e as mãos espalmadas sobre a mesa. Era visível que as coisas não estavam nada bem.
— Obrigado, Teresa. Eu cuido disso. — o rapaz falou antes de entrar na sala, fechar a porta e encarar a amiga. — E então? O que houve?
Manuela se sentou na cadeira e passou a mão pelos cabelos nervosamente. Num ato de pura impulsividade ela havia jogado a garrafa na parede, o ódio que ela sentiu foi tão intenso que ela só percebeu o que havia feito quando Willian abriu a porta da sala.
— Um incidente infeliz. — ela respondeu sem olhar para o rapaz.
— Incidente? Qual é Manu, seja razoável. O que aconteceu? — ele questionou se aproximando da mesa e se sentando de frente para a publicitária.
— Não é nada, Will. Eu não quero falar...
— Não quer, mas vai ter. No mínimo uma explicação você me deve. — ele falou antes de Manuela concluir.
— Desculpa, eu me excedi devido a um estresse. Não vai voltar a acontecer. — falou simplesmente.
— Só isso? — questionou o rapaz incrédulo.
— O que mais? — Manuela falou se levantando.
— Como você joga uma garrafa de uísque na parede do escritório e tem a cara de pau de me dizer que se excedeu. Não subestime a minha inteligência, Manuela. — Willian também se levantou.
Manuela ainda sentia a sua pulsação acelerada por causa do momento de fúria, mas a culpa não era de Will. Ela não podia e não queria descontar no amigo, por isso ela respirou fundo antes de voltar a falar.
— Desculpa, não foi a minha intenção. Eu preciso sair para resolver uma coisa, eu não quero que você se preocupe e eu também não quero explicar detalhadamente o que foi que ocasionou tudo isso.
Manuela falava e arrumava a sua bolsa. Willian estava estático olhando para ela, com cara de quem não estava gostando nem um pouco de tudo aquilo. Já na porta Manuela se virou para ele.
— Willian. — ela esperou até ele se levantar e virar para ela. — Eu sei que tenho andado mais difícil do que o usual e que devo a você uma conversa sobre tudo isso. Eu não quero que você pense que é um capricho ou qualquer coisa parecida, é que nesse momento eu realmente não posso falar, mas eu irei. Prometo.
Dito isso ela se virou e deixou a sala e um Willian ainda mais preocupado. Se ele entendeu bem, e não havia muitas conclusões a serem tiradas, Manu havia surtado por causa de Julia. Depois de refletir um pouco, o rapaz telefonou para Amanda e contou o que tinha acontecido, ela certamente saberia o que fazer.
**
Assim que chegou ao seu apartamento, Manuela sentiu o celular vibrar dentro da bolsa. Quando viu o nome no visor soube imediatamente que Willian era o responsável.
— Sim. — ela atendeu séria.
— Oi, Manu. Tudo bem? — Amanda falou cautelosa.
— O que você precisa, Amanda?
— Willian me ligou. Pelo visto é mais grave do que eu pensei. — o tom de Amanda também ficou muito sério.
— Está tudo bem. Willian se precipitou ligando para você.
— A julgar pela preocupação dele com você, duvido muito. Onde você está?
— Em casa. — ela disse se jogando no sofá.
— Ótimo. Estou indo para aí.
Manuela hesitou por um momento. Ela não queria conversar, na verdade havia ido para casa justamente para poder ficar sozinha. Ela estava bem mais calma agora, mas a raiva que sentia não havia diminuído. Em algum momento ela teria que resolver aquele impasse, pensando rápido ela concluiu que quanto antes melhor.
— Traz o Pedro com você. — disse apenas, antes de encerrar a ligação.
**
Julia estava totalmente envolvida nos preparativos para inaugurar o seu escritório de arquitetura. Ela já havia alugado a sala comercial e escolhido a maioria dos móveis do escritório. Tatiane estava a ajudando com a parte burocrática e Julia achava que no começo do próximo mês estaria pronta para inauguração.
A arquiteta esperava em um restaurante a chegada da amiga, as duas almoçavam juntas ao menos uma vez por semana. Julia havia chegado com alguns minutos de antecedência e aguardava enquanto revisava alguns documentos que Tati havia lhe pedido para assinar.
— Olá. — Tati falou ao se aproximar da mesa que Julia ocupava.
— Oi. Tudo bem? — Julia respondeu se levantando para cumprimentar a amiga.
— Tudo ótimo. E você?
— Tudo bem.
As duas se acomodaram na mesa.
— Os papéis que você me pediu estão aqui.
— Ótimo. — Tati disse pegando o envelope e guardando na pasta. — Se tudo sair como o planejado, você pode inaugurar na primeira semana do mês que vem.
— Bom, muito bom. — Julia sorriu satisfeita.
As duas emendaram um papo sobre como seria a inauguração. Depois falaram sobre um relacionamento muito enrolado que Tati estava mantendo com um advogado que tinha conhecido no mês anterior. As duas riam muito da confusão que era a vida amorosa da advogada. E foi logo após mais uma sessão de risos que Tati falou.
— E você Julia? Acho que já está na hora de você conhecer alguém novo.
— Nem começa. Já te falei que não estou interessada em conhecer ninguém. — E sabendo qual seria a próxima fala de Tati, completou. — Nem homem, nem mulher.
— E você vai ficar assim para sempre? Se você se divorciou, é mais do que normal procurar novos “ambientes” para frequentar. — frisou bem a palavra ambientes.
— Eu não estou interessada.
— Ju, eu não estou falando para você namorar ou arrumar um novo casamento, mas você não perde nada em se divertir.
Julia balançou a cabeça e sorriu para a amiga antes de responder.
— Eu não estou dizendo que nunca mais vou me envolver com alguém, mas agora não é o momento. Ponto final.
Tatiane pensou um pouco antes de voltar a falar. Ela tinha certeza que Julia não ia gostar, mas ainda assim optou por seguir em frente.
— O quanto dessa resolução tem de esperança?
— Esperança? Esperança de quê? — Julia perguntou confusa.
— Esperança de reencontrar Manuela. Agora que você voltou ao Brasil.
Julia ficou séria instantaneamente. Foi com profundo desagrado que ela respondeu.
— Isso que você está dizendo não tem o menor fundamento.
— É mesmo? A fase da negação é sempre a mais difícil. — Tati foi cruel.
Julia chegou a abrir a boca para responder, mas Tati não lhe deu tempo.
— Vou te dar um conselho, um dos bons. Tira a Manuela da cabeça! Mesmo que vocês se reencontrem, depois de tudo que aconteceu, a chance de perdão é tão real quanto o Papai Noel te fazer uma visita no próximo natal. — falou encarando a amiga que permaneceu em silêncio.
Julia engoliu a raiva e se levantou anunciando que ia ao banheiro. Quando voltou à mesa, Tati já havia pagado a conta e estava pronta para deixar o restaurante. As duas se despediram sem comentar o embate recente. Julia passou o resto do dia remoendo as palavras de sua amiga. O mais engraçado era que até aquele momento ela não tinha pensado em como seria reencontrar Manuela, mas com Tati falando em voz alta ela passou a imaginar como seria se isso se tornasse real.
Entre fantasiar e desejar que aquilo se tornasse realidade foi um passo curto. Julia chegou a cogitar pela primeira vez se deveria procurar a ex-namorada ao menos para pedir desculpas. Imaginar a reação de Manuela era tatear no escuro. Durante os seis anos em que esteve fora, Julia não recebeu nenhum sinal de que Manu a tivesse procurado, atitude totalmente justificada é claro, mas nem por isso menos dolorosa. Depois de pensar bastante, Julia concluiu que deixaria o destino resolver aquela questão. Naquela noite ela dormiu com o aperto tão conhecido no coração, a saudade latente e incurável que atendia pelo nome de Manuela.
**
Manuela atendeu a porta no primeiro toque da campainha. Amanda e Pedro a cumprimentaram e entraram no apartamento, depois de fechar a porta ela indicou com a cabeça o sofá para os amigos se sentarem e se sentou no outro, de frente para os dois. Pedro foi o primeiro a falar.
— Bem, aqui estamos nós. Qual é o problema?
Manuela demorou alguns minutos para responder.
— Os dois já sabem o que aconteceu hoje mais cedo? — os dois acenaram concordando. — Ótimo. Antes de... bagunçar o meu escritório eu havia recebido um convite, esse convite veio acompanhado de um bilhete e estava tudo normal até eu ler o remetente. — Manu fez uma pausa, respirou fundo e prosseguiu. — O convite veio da Köller Bankengruppe e o bilhete tinha a caligrafia do Mateus.
Depois de pensar durante um tempo, Manuela decidiu que conversar com Pedro era a melhor forma de tentar descobrir o que Mateus estava querendo fazer. Amanda não a deixaria simplesmente resolver as coisas sem falar com ela, por isso também estava lá. Resolveu ir direto ao ponto, mas quando falou em Mateus foi pega totalmente de surpresa. A reação dos amigos não foi a de absoluta surpresa, eles olharam um para o outro com uma cumplicidade que escapava de Manu.
— Vocês sabiam que o Mateus estava no Brasil? — questionou, com um tom de voz nada amigável.
— Que ele estava no Brasil não. — Amanda se apressou em responder.
— Mas? — Manuela perguntou impaciente.
— Mas acreditávamos na possibilidade de ele aparecer. — foi Pedro quem completou.
— E não passou na cabeça de vocês me falar sobre isso? Quer dizer, eu até pensei que ele também viria, mas me procurar? Isso não.
— A gente queria ter certeza antes de te falar. — falou Amanda.
Manuela se levantou do sofá e caminhou até a janela. Pedro olhou para Amanda como se pedisse a ela um conselho do que fazer, ela respondeu ao rapaz voltando a falar.
— Manu, não é como se fosse simples falar com você sobre o Mateus.
— Você não hesitou quando o assunto era ela. — Manu a cortou.
— Situações totalmente distintas. A Julia já estava no Brasil e o Mateus, até onde sabemos, continua na Europa.
Até a fisionomia de Manuela mudava com a simples menção ao nome de Julia, era mais forte do que ela. Ouvir aquele nome parecia algo sólido que se alojava na sua garganta e dificultava a respiração. Ela precisou de alguns segundos para voltar a encarar os amigos.
Pedro olhava de uma para a outra sem saber o que dizer. Manuela voltou a se sentar e foi Amanda, mais uma vez, quem voltou a falar.
— Talvez esteja na hora daquelas respostas, Manu.
Ela simplesmente acenou com a cabeça concordando. Foi Pedro quem começou a explicar.
— Eu soube através da minha mãe que a Julia estava voltando para o Brasil. Minha primeira pergunta foi se o Mateus viria junto, mas naquele momento ela não sabia. Logo eu falei com a Amanda e nós dois decidimos ter certeza antes de te contar. O problema é que foi tudo muito rápido. Quando a Julia contou para minha mãe que estava voltando a passagem já estava marcada, por isso aquela correria para te avisar. Eu fui pego totalmente de surpresa três dias depois com a minha mãe me ligando para falar que a Julia ia desembarcar no país no dia seguinte.
— Então ela veio sozinha? — Manuela questionou.
— Sim. — o rapaz respondeu e continuou. — Só quando a Julia chegou foi que a mamãe descobriu o que tinha acontecido, ou pelo menos parte do que tinha acontecido.
Pedro parou de falar e olhou para Amanda. Foi a médica quem continuou.
— A Julia se divorciou do Mateus. Nós não sabemos por que ou como as coisas aconteceram, mas a Silvia já confirmou que é verdade.
Manuela foi pega de surpresa com aquela informação. Desde que soube da volta de Julia ela estava tão concentrada em não pensar a respeito do assunto que nem mesmo se questionou do por que de ela ter voltado. Saber sobre o divórcio foi um choque, mas aquele não era o momento para se prender naquele tema. Com um esforço imenso, ela colocou aquela informação de lado e focou no mais importante para o momento.
— Então se ele não está no Brasil, por que me mandar um convite para um coquetel?
— O que dizia o bilhete? — Pedro perguntou.
— Não sei. Joguei no lixo sem ler.
Os três ficaram em silêncio durante alguns minutos.
— Não há a menor chance de eu conversar com ele. — Manuela sentenciou.
— Lógico que não. Nós sabemos disso. — Pedro concordou.
— O Pedro pode tentar descobrir se ele já está no Brasil. — Amanda falou.
— Como?
— Na verdade eu já venho tentando fazer isso, mas eu acho que seria mais fácil se eu falasse pra Julia sobre a nossa amizade.
Manuela não falou nada. Então foi a vez de Amanda tentar.
— Além do mais, o aniversário da Silvia está chegando. Dada a proximidade dela com a Julia, é provável que vocês se encontrem lá.
— Não. Não é provável. — Manuela falou seca. — Faça como achar melhor, Pedro. Se o Mateus voltar a me procurar, eu vou continuar o ignorando.
— E a minha prima? — perguntou Pedro.
Manuela voltou a se levantar antes de responder, caminhou até a janela e olhou para as pessoas caminhando na rua. O pensamento de que Julia estava em algum lugar daquela cidade voltou a atormentá-la com força total naquele momento, mas ela estava disposta a lutar até o último segundo contra aquilo. Ela não iria ceder.
— Eu espero que ela não ouse tentar.
**
A semana da festa de aniversário de Silvia chegou sem alterações no dilema de Julia e Manuela. De um lado Pedro continuava sem saber se deveria ou não falar com Julia sobre a sua relação de amizade com Manu. Do outro, Manuela se recusava terminantemente a tocar no assunto, desde a brecha aberta pelo convite inesperado de Mateus.
Silvia, alheia ao drama do passado que assombrava Manuela, Amanda, Pedro, Julia e companhia, seguiu com os preparativos para a comemoração em sua mansão. A advogada estava tão animada com a festa que estava por vir, que ignorou o fato de que Manuela havia sido a única do círculo de amigos próximos de Pedro a não confirmar presença no evento. E foi com essa dinâmica que o grande dia chegou.
Fim do capítulo
Mais um, gente! Boa leitura.
Beijo no coração. ♥
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