Alice estava relaxando na banheira e pensando na tarde maravilhosa do dia anterior que passara com Bruna quando o interfone tocou. Por um momento ela até pensou que pudesse ser ela, mas Alice sabia que Bruna estava almoçando na casa dos pais como fazia quase todo domingo quando não estavam juntas.

Ela correu para vestir seu roupão e atender antes do barulho acordar o Enzo. Ele tinha o sono pesado, mas o interfone era alto e insistente. Gustavo havia levado Gael para a praia. Quando eles ainda eram casados o programa era uma constante aos domingos quando o tempo estava ensolarado. Alice nunca gostou muito de praia. Com sua pele extremamente branca ela ficava vermelha e ardida muito rápido, mas se esforçava para participar de alguns desses programas em família. Depois que Enzo nasceu, ela passou a ficar em casa com ele. Primeiro porque ele era muito pequeno, depois porque ele odiava praia. Sempre ficava incomodado com a areia, não querendo pisar nela, pedindo colo e chorando sempre que a canga em que brincava era invadida pelos pequenos grãos, o que era sempre. Então aquele programa passou a ser apenas para Gael e Gustavo.

Apesar de ser o fim de semana dela, Alice estava feliz que eles estavam conseguindo se comunicar melhor em relação aos meninos e não se importava de ter um pouco de paz em casa. Ela estava curtindo tanto que precisou esconder a irritação ao ouvir a voz de Ana anunciando que viera fazer uma surpresa.

Ela aparecer sem avisar não era incomum e geralmente Alice gostava de passar tardes de domingos com a melhor amiga, mas ela ainda estava um pouco irritada por conta do que ela havia aprontado no casamento.

– Pedro e Gustavo ainda estão com os meninos na praia e pretendem passar a tarde lá no que chamaram de “programa só de homens”, então achei que seria uma boa nós mulheres nos juntarmos também! – ela falou com uma garrafa de vinho em mãos.

– Deixa só eu colocar uma roupa rapidinho.

– Hora ruim? Estava terminando o banho?

– Eu estava aproveitando um pouco a banheira, mas a hora está ótima, Enzo está dormindo.

– Acho que em todos esses anos que nos conhecemos eu não lembro de você usando aquela banheira – Ana falou quando Alice retornou vestida com a exata roupa que Bruna usara no dia anterior. Ainda tinha o seu cheiro. Ela era patética e sabia.

– Eu consertei recentemente – ela respondeu sem conseguir impedir o sorriso de surgir com lembranças.

Ana apenas olhou para ela de forma inquisidora, conhecendo muito bem a amiga.

– Eu posso ter consertado para usar com uma certa pessoa – admitiu.

– Sua paquera? Ela vem aqui com frequência? As coisas estão ficando sérias? – ela perguntou enquanto servia vinho para as duas, sem esconder a curiosidade.

Alice respirou fundo. Ela tinha que tomar cuidado para não revelar muito.

– Mais ou menos, eu acho.

Ela se surpreendeu com o fato de querer realmente falar mais. Alice não era o tipo de pessoa que falava muito sobre si mesma ou se abria, mas tudo que se tratava de Bruna parecia ser diferente.

– Parece que algo mudou. Para mim, pelo menos.

– É por causa dela que você não quer dar mais uma chance para o seu marido?

Alice não queria e nem conseguiria esconder a irritação que sentira com o comentário de Ana.

– Eu não aguento mais falar sobre isso! O Gustavo é passado! Ela é o meu futuro! – falou com uma certeza grande que até a assustou por um segundo, mas era a verdade. Bruna era seu futuro, pelo menos é o que ela esperava – Mas mesmo que não tivesse ninguém, eu não daria nenhuma chance para ele! Ele me traiu com a babá na nossa casa, com o nosso filho dormindo no quarto! E depois me fez achar que eu estava ficando maluca por desconfiar! Eu nem gosto de pensar muito nesse assunto porque a raiva volta com força!

– Eu sei, eu sei... desculpa – ela falou tendo a decência de ao menos parecer levemente arrependida – Mas eu tenho medo de você se arrepender depois da raiva passar e ser tarde demais. Homem não fica solteiro por muito tempo. Daqui a pouco ele já está com outra!

– Que ele fique com outra, Ana! Eu quero mais é que ele siga em frente como eu segui.

Ela precisava que a amiga entendesse de uma vez por todas que não teria mais volta.

– E você não ia se importar? Não ia ficar nem com um pouquinho de ciúmes se visse ele com outra? – perguntou desconfiada.

– Com certeza não! – falou firme, mas Ana ainda parecia não acreditar.

– Melhor se preparar! Ele vai começar a sair com outras mulheres logo logo! Ele já até chamou a professora do Enzo para sair.

Espera... O QUE?! A mente de Alice pareceu paralisar por alguns segundos.

– Claro que ele escolheu mal porque eu já te falei que ela não gosta de homem – falou com um leve riso, achando a situação engraçada – Mas o meu ponto é que ele eventualmente vai convidar uma mulher para sair que vai aceitar.

– Ele chamou a Bruna para sair? – Alice ainda estava paralisada nessa informação – Quando? Como? Como você sabe isso? – ela perguntou tentando e falhando em esconder a sua ansiedade com o assunto.

– Foi na festa do dia dos pais ontem. Uma menina ouviu e você sabe como a fofoca corre solta lá na escola.

– Eu não acredito que ele fez isso!

Alice estava com raiva. Não, isso não era o suficiente. Ela estava possessa! Como o Gustavo ousava chamar a Bruna para sair?

– Alguém está com ciúmes! – Ana falou com um sorriso provocante e vitorioso.

– Eu não estou com ciúmes!

Sim, alguém estava com ciúmes. Esse alguém era a Alice. A negação quase gritada não ajudou no seu caso.

– Eu sabia que você ia ficar com ciúmes!

– Eu não estou com ciúmes do Gustavo!

Isso era verdade, pelo menos, mas ela não conseguiria explicar para Ana.

– Claro que não – Ana falou ironicamente – Está com ciúmes da Bruna então.

Alice deu graças à Deus pela amiga estar rindo da própria piada ao invés de prestando atenção nela porque ela quase engasgou com o seu vinho. Tomou mais um gole para disfarçar e continuou como se Ana não tivesse dito a mais pura verdade.

– Por mim ele pode sair com quem quiser! – menos a Bruna, pensou – Menos a professora do Enzo! O que ele tem na cabeça?

– E ele lá pensou com a cabeça? A Bruna é linda! Ele é homem!

– E ainda na festa da escola? Qual o problema dele? – Alice tentava encontrar motivos para que a sua raiva fosse mais justificada diante de Ana.

– Olha... realmente não dá para defender ele. Que bom que não corre risco de ela aceitar nada com ele porque isso ia me dar um problemão!

Aquilo fez Alice ficar nervosa por um motivo completamente diferente.

– Imagina aquelas mães chatas dessa turma se os dois começam a sair juntos. Mas a Bruna é mais inteligente que isso. Mesmo se ela não fosse sapatão não ia arriscar o emprego assim.

– Você ia demitir ela? – perguntou com um pouco de receio da verdade – Ou qualquer pessoa da sua equipe se tivesse relacionamento com um responsável? – perguntando para uma amiga, pensou.

– Claro! Isso é loucura! – Ana falou sem pensar – Além dos pais da turma reclamando eu ainda ia ter que me preocupar com a pessoa passando informação indevida da creche, o que poderia virar uma bola de neve de problemas!

Alice queria argumentar e discordar, mas ela não podia rebater muito o assunto, afinal, ela deveria concordar com as razões pelas quais Gustavo não poderia sair com Bruna, além do fato de que Bruna era dela! Ela não estava aguentando mais a raiva e precisou se retirar. No seu banheiro, ela deixou as informações novas registrarem melhor.

O ódio foi crescendo ao pensar em Gustavo com Bruna. Claro que ela sabia que Bruna não aceitaria sair com um homem, mas só de pensar em Bruna com outra pessoa a deixava maluca! Elas não tinham exatamente um relacionamento. Nunca haviam conversado sobre serem exclusivas. Bruna estava sempre saindo nos fins de semana que não estavam juntas. Óbvio que em qualquer lugar ela chama atenção! Ela é maravilhosa! Quem não iria querer a Bruna? Quantas outras pessoas a convidavam para sair? Para quantas ela disse não? Para quantas ela disse sim!? E por que Bruna não disse nada sobre o Gustavo? Ela havia ido para lá logo depois da festa! Era o mínimo que ela podia fazer, certo? "Ei, sabe o seu ex marido? Pai dos seus filhos? Então, ele me chamou para sair! Que loucura, né?". Elas podiam ter rido, mas Alice estava longe de rir! Ela queria matar o Gustavo!

Alice mal conseguiu aproveitar o restante da tarde, mas deu graças a Deus por Enzo acordar e Ana ir embora. Ela precisava ocupar sua mente que ficava insistindo em pensar na cena de Gustavo e Bruna e viver situações hipotéticas de Bruna com outra pessoa.

Quando Gustavo chegou para deixar o Gael, a sua raiva havia crescido exponencialmente. Ela pediu para o Gael esperar em seu quarto enquanto ela falava com seu pai. Enzo assistia vídeos em seu celular na sala e ela foi com o ex marido até o corredor do prédio, fechando a porta da sala atrás de si para as crianças não escutarem.

– Você convidou a professora do Enzo para sair? – era mais uma acusação que uma pergunta.

– Quem te contou? – ele perguntou com uma cara de quem havia aprontado e sido descoberto.

– Ana.

– Claro... – ele falou com uma leve irritação.

– Eu não acredito que você fez isso! – ela falou com uma enorme irritação.

– Qual o problema? Você mesma falou que já terminamos! Eu senti um clima e convidei...

– Você sentiu um clima? – Alice praticamente gritou! Que porr* de clima ele sentiu com a mulher dela?

Ela estava tão furiosa que ele até deu um passo para trás.

– Não foi nada demais! – tentou argumentar.

– Você estava na festa do dia dos pais da escola dos seus filhos e achou que era uma boa ideia dar em cima da professora de um deles? Era uma festa de criança, pelo amor de Deus!

– Eu não pensei nisso... não foi nada demais! – ele continuou na defensiva.

– Claro que você não pensou! Seu idiota!

Então algo inesperado aconteceu. Gustavo riu. O desgraçado riu!

– Você está com ciúmes! – ele falou feliz.

– Eu não estou com ciúmes!

Ela estava! Ela sabia! Mas não era dele! E aquilo só aumentou mais a sua raiva. A última coisa que ela precisava era o Gustavo cheio de esperanças de novo.

– Não ache que isso é porque ainda temos alguma chance! Eu só estou com raiva! Primeiro a babá dos nossos filhos e agora a professora deles? Quem é a próxima? A pediatra? Você tem mesmo um tipo!

Aquilo fez o sorriso se desfazer.

– Sinto muito – ele finalmente pareceu arrependido.

– Eu não dou a mínima se você sair com outras mulheres. Aliás, eu espero que você saia e siga em frente. Mas essa mulher não vai ser a Bruna! Está me entendendo? Fica longe dela! – então percebendo que ela talvez tenha sido muito territorialista com Bruna, completou – E de qualquer mulher da vida dos nosso filhos!

– Tudo bem... eu sinto muito! – ele falou claramente querendo encerrar o assunto.

Alice não disse mais nada. Apenas entrou e fechou a porta um pouco mais forte do que deveria.

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Por mais que Bruna adorasse uma fofoca, ela descobriu o lado ruim de estar no meio de uma segunda-feira quando chegou na escola e praticamente todo mundo sabia que Gustavo havia convidado ela para sair. Acontece que uma das auxiliares estava perto e ouviu tudo nos mínimos detalhes e, obviamente, espalhou para todos da escola.

Ela passou a manhã ouvindo piadas e provocações. Algumas meninas até brincavam pedindo para ela passar o número delas porque aparentemente Gustavo era um bom partido, o que ela não entendia. As provocações não eram maldosas, pelo menos não para Bruna, algumas direcionadas a Gustavo sim, como quando falaram que ele realmente adorava uma babá e foi só a Bruna trabalhar lá em uma sexta-feira para ele ficar interessado. A verdade é que Bruna nem ligaria de ser alvo de notícias na escola se não fosse por Alice. Será que a informação iria chegar nela?

Sua pergunta foi respondida quando chegou uma mensagem da Alice na sua hora do almoço, dizendo que iria levá-la em casa. Aquilo fez com que Bruna ficasse nervosa durante o restante do dia que passou devagar demais. Ela ficou remoendo a situação em sua cabeça, tentando pensar em qual seria a reação de Alice. “Talvez ela nem saiba”, ela esperava.

No entanto, se ela tinha alguma dúvida do que viria a seguir, ela acabou ao ver a feição fechada de Alice quando entrara no carro.

– Por que você não me disse que meu ex marido deu em cima de você?

Bruna sentiu o coração gelar. Alice evitava olhar para ela e apesar do fato doer, Bruna pensou que poderia ser melhor que o olhar de ódio que ela direcionou à babá.

– Desculpa – foi tudo que ela conseguiu dizer.

– Ele pareceu achar que rolou um clima – ela falou com uma raiva contida.

Ela estava definitivamente com ciúmes!

– O que? – Bruna quase gritou, chocada – Não! Eu não fiz nada! Quer dizer... eu sorri para ele algumas vezes, mas foi só pra esconder – o ódio, ela ia dizer, mas conseguiu se segurar – O quanto era estranha a situação! E eu disse não!

– Por que você não me disse?

Alice finalmente olhou para ela e Bruna não gostou da decepção que estava ali.

– Eu sinto muito! Eu não sabia o que fazer! É uma situação estranha! Eu não sabia como falar para você. Eu tinha medo da sua reação.

– Minha reação é que eu quero matar ele! – Alice quase gritou, mas se arrependeu da intensidade e logo em seguida respirou fundo e pareceu se acalmar um pouco – Desculpa – ela falou surpreendendo Bruna – Eu sei que não é sua culpa e eu não devia estar jogando toda a minha irritação em você, mas só de pensar em alguma pessoa te tocando eu fico maluca!

Bruna sentiu a respiração parar. Tocando ela? Ela ouviu corretamente?

– Você está com ciúmes de mim? – Bruna falou em voz alta a pergunta em sua cabeça.

– Obviamente! – Alice olhou para ela como se ela fosse louca em pensar em outra coisa.

– Mas eu pensei... – Bruna estava confusa e um pouco chocada.

– Que eu estava com ciúmes do Gustavo? – perguntou como se fosse o maior absurdo do mundo.

– Sim... quer dizer... ele é seu o marido...

– Ex marido!

– Mas no dia da festa junina você estava com ciúmes dele com a babá.

– Claro que não! Eu só estava irritada com o fato de todo mundo da festa estar vendo e eu ter que reviver o pior momento da minha vida, mas não eram ciúmes! Eu não dou a mínima se ele casar amanhã com outra mulher, mas é melhor ele ficar bem longe de você!

Bruna nem conseguia acreditar.

– Desculpa... – Alice repetiu – Eu sei que a gente não tem nada sério e concordamos nisso, mas... – completou baixinho, como se tivesse medo da reação de Bruna – Eu fico completamente insana só de pensar em você com outra pessoa!

A honestidade e vulnerabilidade de Alice naquele momento fez o coração de Bruna amolecer e bater mais rápido.

– Eu não estou com mais ninguém – ela falou de forma gentil e pegou a mão de Alice – Eu não estive com ninguém desde de que começamos isso.

Alice claramente ficou aliviada. Ela estava tão vulnerável! Bruna queria pegá-la no colo.

– Mas você poderia... – Alice falou ainda incerta.

– Mas eu não quero!

A constatação veio rápido, antes de Bruna pensar nas consequências. Era a mais pura verdade. Ela só queria Alice. O sorriso que ela recebeu a fez esquecer de tudo. Só havia ela e Alice no mundo.

– Eu também não quero você com ninguém – Bruna se pegou dizendo.

– Eu também não estive com ninguém desde que começamos isso.

– Mas você poderia – Bruna repetiu a frase.

– Eu também não quero! – Alice olhou no fundo dos seus olhos e apertou sua mão na sua antes de completar – Eu só quero você!

Os lábios se encontraram com vontade, sem saberem ao certo quem aproximou-se primeiro. O beijo foi intenso, mas ao mesmo tempo carinhoso e Bruna sentia que seu coração ia sair de si. Sua mente já começou a pensar nas implicações daquele diálogo, mas ela não queria pensar nos problemas. Ela só queria Alice.

Quando finalmente se afastaram, Bruna precisou colocar um freio nas suas emoções e nos seus pensamentos que pareciam mais um turbilhão de possibilidades. Ela estava com medo. Bruna só queria Alice, mas ela estava com medo. Ela não queria se afastar e deixar o medo paralisá-la, mas ela também não tinha condições de avançar a todo vapor, mesmo com o seu coração pedindo por isso.

– Podemos ir devagar? – ela pediu.

Alice parecia entender o turbilhão de emoções que se passava na cabeça de Bruna.

– Claro! No seu tempo! – ela falou com segurança.

– Mesmo? – Bruna queria se certificar se estava mesmo tudo bem e tudo que viu no olhar de Alice confirmou.

– Sim! Eu posso ser paciente – ela falou com o sorriso mais lindo que Bruna já vira na vida.

Naquele momento ela sentiu-se ouvida, vista e cuidada. Era tudo que Bruna precisava.

Fim do capítulo