O mês de julho passou muito mais rápido do que Bruna gostaria. Apesar da sua escola não parar, por duas semanas tinham colônia de férias e as professoras ao invés de ficarem com as crianças, passavam a semana planejando o próximo projeto. Por mais que Bruna amasse ficar com seus alunos diariamente, era bom ter um descanso, ainda mais que as professoras sempre ganhavam alguns dias de folga e todo ano Bruna combinava com sua prima, que também tirava uma folga, e as duas aproveitavam juntas, normalmente indo à praia quando o clima permitia e ele permitiu!

No primeiro sábado de agosto, Bruna teve que trabalhar pois era a festa do dia dos pais. Ela odiava trabalhar aos sábados, mas a vantagem é que Gael e Enzo passariam o dia com o pai por conta da festa, apesar de ser o fim de semana de Alice. Eles estavam com Gustavo desde a noite passada, mas Bruna não conseguiu aproveitar a oportunidade por estar ainda menstruada. Alice ainda insistiu para Bruna ir para a sua casa mesmo assim, mas ela achou melhor não. Não que não quisesse. Muito pelo contrário. Ela queria até demais! Passar a sexta à noite agarrada com Alice no sofá assistindo um filme era muito mais atrativo do que deveria ser. E esse era o problema! Era um programa muito doméstico. Desde o fim de semana que passara com os meninos e Alice, Bruna sabia que as coisas haviam mudado e aquilo causava um medo tão grande que ela precisou dar um passo para trás.

Bruna era jovem, ela não queria se prender a nenhum relacionamento. Ela nem havia pensado muito ainda sobre a possibilidade de ter filhos ou se queria um dia se casar. Aquilo sempre havia sido o sonho de sua prima e sempre que conversaram sobre o assunto a resposta de Bruna era igual:

– Deus me livre! Não quero nem pensar em nada disso antes dos trinta!

Mas quando Bruna saiu da casa de Alice naquele sábado para encontrar Priscila em um bar, lá estava ela, pensando exatamente nesse assunto, ainda com vinte e cinco anos.

Tudo começou quando sua prima, conhecendo-a muito bem, foi logo questionando o seu comportamento mais introspectivo naquela noite.

– Eu estou um pouco confusa...

Ela começou e não parou mais de falar! Priscila tinha esse dom de fazê-la se abrir com poucas palavras e Bruna falou sobre como as coisas estavam mudando de algo sexual para algo mais sério.

Bruna não estava pensando literalmente em casamento com Alice. Isso era maluquice! Mas ela estava, de fato, pensando em um futuro com Alice que consequentemente teriam crianças envolvidas. Isso era muito sério! Elas nunca conversavam sobre o assunto, mas era óbvio que qualquer futuro com Alice seria algo sério. Muito mais sério do que Bruna sentia-se preparada. Alice era uma mulher mais velha, separada, com filhos. Qualquer relacionamento com ela seria sério.

Quando elas começaram nenhuma das duas queria uma relação além de algo casual e sexual e uma parte de Bruna morria de medo daquilo ainda ser um pouco verdade para Alice, mas era uma parte pequena porque ela sabia, ela sentia, que algo havia mudado para Alice também. E a maior parte de Bruna tinha muito medo do que tudo aquilo poderia significar.

– Você se preocupa demais! Só aproveita!

Foi o conselho de Priscila, mas era muito mais fácil falar do que fazer. Além das complicações comuns como o fato de Alice ainda estar legalmente casada com Gustavo, ainda havia o pequeno grande problema de ela ser mãe de um aluno seu, o que fatalmente faria Bruna perder o seu emprego. Como muitas escolas haviam fechado durante a pandemia, arranjar outro trabalho não era algo fácil. E além do mais ela amava a Escola Pindorama! Ela foi treinada lá, foi o seu primeiro e único emprego. Bruna amava suas crianças, amava aquele espaço e acreditava firmemente na proposta pedagógica. Depois de uma época escolar conturbada na sua adolescência, Bruna nunca pensou que gostaria tanto de dar aulas, mas ela sentia-se segura naquela escola e feliz com o seu trabalho. Por conta da relação de sua mãe com Luiza e em como ela mesma havia treinado Bruna para seguir tudo que acreditava, ela sabia que seu emprego estava garantido pelo tempo que quisesse. Ela teria que fazer algo muito sério para ser demitida... como dormir com a mãe de um aluno...

Bruna não conseguia parar com o turbilhão de pensamentos, dúvidas e medos, então ela achou melhor evitar situações confusas, como passar a sexta menstruada e carente nos braços de Alice sem nenhum sex* envolvido. Não! Era melhor esperar. Sua menstruação sempre durava só três dias e como sábado era o último e quase nem saía muita coisa, elas poderiam aproveitar um cenário mais sexual e menos confuso.

"Esperando por você!" Alice enviou uma foto dela na banheira bem quando Bruna estava arrumando uma decoração em cima de uma cadeira e a imagem quase a fez cair. Mas valeu a pena.

A festa do dia dos pais era sempre um pouco diferente da festa do dia das mães, com atividades ao invés de apresentações. Naquele ano o professor de música faria várias brincadeiras e além disso todos podiam aproveitar o espaço que havia sido preparado e organizado com brinquedos e bolas, além de ainda ter um pequeno parquinho.

O mais divertido da festa do dia dos pais era ver aquele bando de homem tendo que se virar com seus filhos sem a ajuda de mais ninguém. Da mesma forma que a festa das mães era apenas para as mães, a festa dos pais era apenas para os pais. Bruna e as meninas da escola tinham varias histórias engraçadas para contar dessas festas como pais que haviam colocado fraldas ao contrário e pais que se sentiam completamente perdidos correndo atrás dos filhos sem saber muito bem o que fazer.

Infelizmente Gustavo não era um desses pais. Bruna adoraria fazer ele virar piada para as meninas da escola, mas ele tinha jeito com os meninos e parecia ser um bom pai. Aquilo era muito irritante! Ver ele em um evento da escola fez Bruna se lembrar da festa junina e dos ciúmes que sentira dele e de Alice.

Ela o pegou olhando em sua direção em alguns momentos durante a festa e precisou se obrigar a sorrir de forma simpática mesmo querendo socar aqueles dentes perfeitos.

Festas eram sempre complicadas para Enzo que parecia ficar mais agitado, correndo de um lado para o outro. Quando chegou a hora da atividade da turma do Gael, ela acabou se oferecendo para ficar de olho no Enzo para que Gustavo pudesse ir curtir o momento com o filho mais velho que já estava um pouco enciumado. Enzo nem sentiu falta do pai, correndo pelo espaço. Ele parecia estar cheio de energia, mas Bruna o conhecia muito bem e já conseguia ver sinais de cansaço. Sempre que ele ficava com sono mexia no cabelo e colocava o dedo na boca. Ele também ficava muito mais irritadiço que o normal e começou a chorar quando outra criança esbarrou nele. Bruna aproveitou a deixa para pegá-lo no colo e o consolar já tentando niná-lo. Em menos de cinco minutos ele estava dormindo. Já era quase meio dia e normalmente o horário da sua soneca durante a semana era onze e meia.

Como a brincadeira com a turma do Gael era a última, muitos pais de outras turmas já tinham ido embora e a festa já estava praticamente no fim. Bruna contava os minutos para poder sair dali e encontrar Alice, mas ainda teria que ajudar a arrumar.

– Não acredito que você conseguiu fazer ele dormir tão rápido! – Gustavo falou agradecido quando voltou da atividade. Gael aproveitava os últimos minutos na companhia dos amigos.

– Foi fácil! Ele estava bem cansado! – ela falou passando o menino para o colo do pai com cuidado.

– Também do jeito que ele correu nesse espaço todo, não tinha como não estar! Só imagino o trabalho que ele te dá na escola – ele falou novamente sorrindo com aqueles dentes perfeitos irritantes.

– Já estou acostumada! Enzo é muito corporal – ela falou se esforçando para ser simpática.

– É a mesma coisa que a fono dele falou. Que ele é muito corporal.

Aquele assunto despertou o interesse de Bruna. Por mais que ela soubesse que Enzo havia começado a fonoaudióloga, Alice não falava no assunto.

– E como está indo a fono? – perguntou aproveitando a chance de saber mais sobre o tratamento do menino.

A pergunta deixou Gustavo um pouco desconfortável, era visível, mas ele se esforçou para esconder.

– Está indo bem. Ainda está muito inicio, mas ela quer aumentar para duas vezes na semana ao invés de uma. Estamos tentando ajustar nossos horários.

Apesar de já ter iniciado a fono, Enzo ainda não falava ou demonstrava interesse em tentar. Bruna se perguntava quanto mais ela deveria ser paciente antes de tocar no assunto novamente com Alice.

– Acho que seria bom mostrar para a fono o relatório semestral do Enzo. E claro que a gente pode marcar para ela ir na escola também observar um pouco ele e conversar com a gente – ela sabia que precisaria da parceria dessa profissional para os pais aceitarem buscar um diagnóstico.

– Claro – ele falou ainda desconfortável, tentando encerrar o assunto – Muito obrigada! Você é maravilhosa! – ele completou com um sorriso estranho que deixou Bruna em alerta.

– Só estou fazendo o meu trabalho – ela respondeu já pensando em como iria encerrar aquela conversa, mas Gustavo continuou.

– Não é só seu trabalho. Você é carinhosa e dedicada com as crianças e vai muito além do seu trabalho. Gael te idolatra!

Aquilo fez Bruna sorrir de forma genuína.

– Eu amo muito ele!

– E ele te ama também! Ele é meu filho, ele tem bom gosto – ele falou de uma forma... sedutora? Ele estava flertando?

Bruna estava tão chocada que nem conseguiu se mover ou pensar em nada para dizer. Será que seus sorrisos falsos foram convincentes demais e ele achou que rolava alguma coisa? Aparentemente Gustavo interpretou também aquele silêncio dela como algo positivo e continuou.

– Eu adoraria te levar para jantar para agradecer tudo que você faz por eles!

Bruna estava completamente sem reação. Aquilo era totalmente inesperado e no mínimo estranho!

– E também podemos nos conhecer melhor. Você é uma mulher linda, meus filhos já te adoram e eu confio no gosto deles!

Bruna tentava pensar rápido na melhor forma de dizer não, absolutamente não. Nunca, nem em um milhão de anos. O que ela realmente queria dizer era: “não, eu prefiro ir sair daqui e me jogar de uma ponte”, mas ela tinha que ser menos agressiva.

– Obrigada, mas não acho que seja uma boa ideia – foi o melhor que ela conseguiu pensar na hora.

– Você sabe que eu sou separado, né? Você me viu aquele dia indo ao casamento com a Alice, mas nós definitivamente terminamos.

Ouvir aquilo era bom, mas não pelos motivos que ele pensava.

– Ela está até vendo outra pessoa – ele completou.

A vontade de Bruna era gritar para ele que ela sabia, que Alice estava com ela, que era dela e que ela iria sair daquela festa e ch*par a ex-mulher dele até ela ter dois orgasmos seguidos e nunca mais pensar nele de novo. No entanto, ela tinha que ser mais diplomática.

– Não é por isso. Eu não estou interessada – falou firme.

Ela poderia ter feito melhor, ela sabia. Mas aquilo foi o que ela pôde fazer diante da raiva que sentia daquele homem.

Aquilo deixou Gustavo sem graça.

– Claro... sem problemas – ele falou sem saber muito bem o que fazer.

Os dois se despediram e se afastaram de uma forma meio esquisita e Bruna queria sair correndo daquele lugar.

Depois que terminaram a arrumação e ela finalmente foi embora, pôde pensar melhor no assunto e só conseguia lembrar da forma como Alice falava da ex babá e como olhou para ela com ódio no dia da festa junina, claramente com ciúmes de Gustavo. Ela olharia daquela forma para Bruna?

Alice e Gustavo tinham uma história maior do que Bruna conseguia compreender. Quando eles se conheceram Bruna ainda era criança! Como ela poderia competir com aquilo? Que merd*! As coisas estavam indo tão bem! Agora se Alice soubesse que Gustavo demonstrou interesse nela com certeza ela ficaria com ciúmes. Será que aquilo faria ela sentir raiva de Bruna? Ela nem tinha feito nada! Ou tinha? Será que tentando esconder a raiva ela havia compensado demais e exagerado nos sorrisos simpáticos e passado a mensagem errada? Que merd*!

Ela ficou remoendo aquele assunto o caminho inteiro até a casa de Alice e quando chegou já havia tomado uma decisão. Ela não contaria para Alice. A verdade é que ela tinha medo de descobrir a reação de Alice. Era melhor ela não saber. Aquele era um problema que Bruna não tinha condições de lidar ainda mais diante de toda a confusão que estava sentindo.

Fim do capítulo